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Processo n.º 79/2011
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Cadilha
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Por sentença de 7 de Junho de 2010, proferida no processo n.º 1229/08.9TVLSB pela 3.ª Secção da 11.ª Vara Cível de Lisboa, foi julgada improcedente a acção instaurada pelos autores, ora recorrentes, e, em consequência, absolvida a ré, ora recorrida, do peticionado.
Os autores dela apelaram para o Tribunal da Relação de Lisboa, sem, contudo, juntar ao requerimento de interposição de recurso as respectivas alegações, razão pela qual foi rejeitado o recurso, por despacho de 5 de Julho de 2010, em aplicação do disposto no artigo 684.º-B, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, considerada aplicável.
Vieram então os autores reclamar deste despacho para o Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos do n.º 1 do artigo 688º do CPC, reclamação que, por despacho do relator de 28 de Outubro de 2010, foi indeferida.
De novo inconformados, reclamaram deste último despacho para a conferência, ao abrigo do disposto no artigo 700.º, n.º 3, do CPC, o que se julgou inadmissível, por expressamente excepcionado da regra geral consagrada neste normativo legal (artigo 700.º, n.º 3, in limine, do CPC), indeferindo-se, por isso, o respectivo requerimento, por despacho de 30 de Novembro de 2010.
É deste último despacho que recorrem agora para este Tribunal Constitucional, ao abrigo das alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), para apreciação, segundo esclarecimentos prestados nesta instância, por convite, em requerimento aperfeiçoado (artigo 75.º-A, n.º 6, da LTC):
- Da inconstitucionalidade dos artigos 684.º-B, n.º 2, e 685.º, n.º 2, alínea b), do CPC, «(…) quando interpretados no sentido de que o requerimento de interposição de recurso deve ser indeferido quando não contenha ou junte alegação do Recorrente, ainda que essas alegações venham a ser efectivamente apresentadas dentro do prazo de que o Recorrente dispunha para o efeito (…)», por julgada inconstitucional pelo próprio Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 102/2010 (artigo 70.º, n.º 1, alínea g), da LTC);
- Da inconstitucionalidade do artigo 700.º, n.º 3, do CPC, «(…) quando interpretado no sentido que a excepção consagrada no início da mencionada norma de que não é admissível conferência sobre o despacho do relator que incidiu sobre a reclamação da decisão que indeferiu o recurso, no tribunal “a quo” (artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC).
Admitido o recurso pelo tribunal recorrido, por despacho de 21 de Janeiro de 2011, prosseguiram os autos para alegações, tendo os recorrentes concluído do seguinte modo:
“1) Os Recorrentes sufragam o entendimento de que os Artigos 684°-B n°2 e 685° - n°2, ambos do Código Processo Civil devem ser conjuntamente interpretadas, no sentido que as alegações podem ser juntas até ao termo do prazo de interposição de recurso ainda que o respectivo requerimento seja apresentado antes do termo desse prazo.
2) Da respectiva análise normativa decorre que a actual redacção do Art. 684º -A n°2 CPC (DL 303/2007 de 24.08) estipula que o requerimento de interposição de recurso deve ser acompanhado da alegação do Recorrente.
3) Por sua vez, o Art. 291º n°2 CPC estatui que os recursos se consideram desertos quando o Recorrente não tenha apresentado alegação. nos termos do Ar. 684° -A nº2 CPC.
4) No que se refere ao Art. 685°- C n° 2 alínea b) CPC, adensa dúvidas quanto à sua interpretação e conjugação com aqueles preceitos, estabelecendo que o requerimento é indeferido quando “Não contenha ou junte alegações do recorrente ou quando esta não tenha conclusões.
5) Ora, conjunção “OU” indica ou expressa uma relação de alternância, admitindo assim, que se as alegações não forem apresentadas com o requerimento de interposição de recurso, ainda o possa ter lugar mais tarde até ao termo do prazo concedido às partes para o efeito, face ainda ao estabelecido no n°1 desse preceito.
6) O despacho de indeferimento da 1ª instância foi proferido ainda antes do decurso do prazo de interposição de recurso (30 dias acrescido de 10 dias para recurso da matéria de facto), nos termos dos Arts. 685° n°1 e 7 CPC.
7) Com efeito o Art. 685° - C n°1 CPC dispõe que o julgador só deve emitir despacho sobre o requerimento quando se encontrarem findos os prazos concedidos às partes para interpor recurso, o que só viria a ocorrer em 6 de Setembro de 2010.
8) Ora, a Senhora .Juiz da 1ª instância não aguardou o fim do prazo de recurso para se pronunciar sobre a respectiva admissibilidade, tendo cometido também uma irregularidade, face às disposições conjugadas dos Arts. 201° n°1 e 202° CPC, tendo os ora Recorrentes arguido tempestivamente tal irregularidade, atento o consignado no Art. 205° CPC.
9) Foi proferida decisão singular pelo Tribunal da Relação de Lisboa, a qual manteve a decisão de indeferimento estribando-se no elemento histórico interpretativo subjacente à alteração do Código Processo Civil efectuada pelo DL 303/2007 de 24 de Agosto, realçando a ideia de concentração em momentos processuais únicos, do Requerimento de interposição de recurso e da apresentação de alegações.
l0) Além disso, referiu ainda que o Art. 684-B tem natureza interpretativa, a qual resulta da expressão”deve”, quanto à interpretação do Art. 685° -C n°2 alínea h) CPC entendeu que a injunção alternativa no sentido que as alegações podem estar integradas no mesmo requerimento que contém a interposição do recurso ou em requerimento autónomo, mas junto em simultâneo.
11) Face a essa decisão, os Recorrentes requereram que fosse proferido acórdão, nos termos do Art. 700° n°3 CPC.
12) Invocaram ainda que a interpretação sufragada na decisão da Senhora Desembargadora Relatora enfermava de inconstitucionalidade, uma vez que violava o princípio do primado da tutela jurisdicional, contemplado nos Artigos 20°, 202° CRP e dando cumprimento ao Art. 75-A n°2 ex vi Art. 70° n°1 al. b) da Lei 28/82 de 15 de Novembro.
13) Mais uma vez, foi proferida decisão singular, na qual a Senhora Desembargadora Relatora mantém a decisão proferida anteriormente, em clara violação do disposto no Art. 700° n°3 CPC.
14) Posto isto, os Recorrentes interpuseram recurso para este Venerando Tribunal, com vista à apreciação do que se encontra decidido pelas instâncias judiciais quanto à interpretação conjugada dos referidos Arts 684-B nº‘2 e 685° n°2 al. h) CPC, bem como a interpretação sufragada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, quanto à inaplicabilidade do Art. 700° n°3 CPC.
15) No recurso ora interposto, os Recorrentes defenderam uma vez mais. a inconstitucionalidade pela interpretação da aplicação do Art700° n° 3 CPC. por violação do Art.20° n°1 e 4 C’RP. face ao consignado no Art. 75-A n°2 ex vi Art.70° n°1 al. h) da Lei 28/82 de 15 de Novembro.
16) Além do mais. ao contrário da decisão recorrida, a admissão do recurso não põe em causa qualquer um dos objectivos que constam da reforma realizada através do DL 303/2007. de 24 de Agosto, como sejam: simplificação. celeridade processual e racionalização do acesso ao STJ.
17) A questão subjacente ao presente recurso relaciona-se antes com o princípio da celeridade. o qual não é minimamente atingido, desde logo, porque a Senhora Juiz a quo deveria aguardar sempre pelo decurso do prazo a que se refere o Art.685° n°1 CPC para proferir o despacho de admissão ou indeferimento do recurso.
18) Por outro lado, a parte contrária também não ficaria prejudicada, se o recurso fosse admitido apenas após a apresentação das alegações. nas condições em que ocorreu.
19) Nesse sentido, requer-se que este Venerando Tribunal aprecie e declare a inconstitucionalidade da interpretação normativa por violação do principio equitativo, consagrado no Artigo 20° n°1 CRP, dos Artigos 684°-B nº 2 e 685º-C, n°2, alínea b) - Código Processo Civil - quando interpretados no sentido de que o requerimento de interposição de recurso deve ser indeferido quando não contenha ou junte a alegação do Recorrente, ainda que essas alegações venham a ser efectivamente apresentadas dentro do prazo que o Recorrente dispunha para o efeito, conforme foi interpretado e aplicado pelo Tribunal da Primeira instância e o Tribunal da Relação.
20) Os Recorrentes fundamentam o seu requerimento de recurso ainda no preceituado no Art. 280° n°5 CRP e 70° n°1 alínea g) Lei 28/82 de 15.11.(LTC), ou seja. em decisão anterior já proferida por este Tribunal - Acórdão 102/10 - Processo n° 800/09 da 3’ Secção - Relator Exmo Senhor Conselheiro Vítor Gomes, proferida em 03.03.2010, o qual considera inconstitucional a aplicação das referidas disposições (Art. 684°-B n°2 e 685° n°2 al. h) CPC).
21) Essa douta decisão considerou inconstitucional a norma que decorre do Art. 684°- B n°2 e Art. 685-C n°2 alínea b) CPC quando interpretados no sentido de que o requerimento de interposição de recurso deve ser indeferido quando não contenha ou junte a alegação do Recorrente, ainda que contenha o protesto da apresentação da alegação dentro do prazo de interposição do recurso e esta venha a ser efectivamente apresentado dentro desse prazo e esteja já nos autos, no momento em que o despacho é proferido.
22) A decisão a que se reporta o Processo n° 800/09 deste Tribunal Constitucional foi proferida. como se referiu em 03.03.2010, as decisões proferidas pela lª e 2° instância foram proferidas respectivamente. em 07.06.2010, 28.10.2010, 30.11.2010, todas em data posterior à prolação do citado acórdão.
23) No caso “sub judice”, estamos perante uma situação muito idêntica, pois trata-se de uma decisão de 1ª instância, na qual foi interposto recurso e que não foi admitido ao abrigo das citadas disposições (Art. 684°-B n°2 e 685° n°2 al. b) CPC).
24) No Processo 800/09 - 3° Secção, deste Tribunal, a decisão recorrida foi proferida em conferência pelo Tribunal da Relação de Lisboa. enquanto que no recurso, aqui em crise, foi proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa numa decisão singular.
25) Por outro lado, nos presentes autos, foi proferido despacho de indeferimento de recurso ainda antes do decurso do prazo que a recorrente dispunha abstractamente para recorrer, em clara violação do disposto no Art. 685°-C n°1 e 7 CPC.
26) No Processo 800/09, o Recorrente apresentou um requerimento de interposição de recurso e protestou juntar as alegações, o que veio a fazer ainda no decurso do prazo que dispunha para tal e antes do despacho de indeferimento.
27) Nos presentes autos, as alegações foram apresentadas no decurso do prazo que os Recorrentes dispunham abstractamente para recorrer, mas depois da prolação do despacho de indeferimento de recurso, sendo certo que este foi proferido extemporaneamente.
28) Ora, as assinaladas diferenças, são meros pormenores processuais, que se mostram irrelevantes, já que não alteram a apreciação da constitucionalidade das citadas normas, conforme o teor das respectivas decisões aqui em confronto e face aos pressupostos de recurso previstos no número 1 da alínea g) do Art. 70° da L 28 92 de 15.11 (LTC).
29) Pelo que face ao exposto nos pontos 20) a 28) e nos termos dessa alínea g) deve ser apreciada e declarada inconstitucionalidade, conforme já se requereu no ponto 19) destas conclusões e para o qual se remete e se dá por integralmente reproduzido.
30) A interpretação normativa do referido Art. 700º nº 3 CPC ao excepcionar no início “Salvo o disposto no Art. 688º (...) quer referir-se ao despacho do Relator que não admite o recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça e não ao despacho do Relator que incidiu sobre a reclamação contra o indeferimento de recurso.
31) No caso em apreço, como se trata do despacho do Relator sobre a reclamação da não admissão de recurso, fica sempre sujeito à regra geral de reclamação para a conferência.
32) Acresce que, o despacho da Senhora Desembargadora Relatora, que exclui a possibilidade de reclamação para a conferência, face à interpretação conjugada e plasmada nessa decisão dos Arts 700° n°3 e Art. 688º CPC viola, claramente o princípio constitucional de acesso ao direito e aos Tribunais, face ao disposto no Art. 20° n°1 e 4 CRP, limitando por essa via, os direitos de defesa dos Recorrentes, mormente, o direito à obtenção de uma decisão, face ao recurso que fui interposto da decisão proferida na primeira instância.
33) Nesse sentido, requer-se que seja apreciada e declarada a inconstitucionalidade das normas conjugadas nos Art. 700° n°3 e Art. 688° CPC, por violação do princípio do acesso aos direito e aos Tribunais, consagrado no Art. 20° n°1 e 4 CRP, quando interpretado no sentido que a excepção consagrada no início do Art. 700° n°3 CPC, que não é admissível conferência sobre o despacho do relator que incidiu sobre a reclamação da decisão que indeferiu o recurso no Tribunal “a quo”.
Nestes termos. devem as normas enunciadas ser julgadas inconstitucionais, face à interpretação que sobre as mesmas recaíram e ainda atendendo à decisão anteriormente proferida por este Venerando Tribunal sobre a mesma matéria.”
O relator suscitou a questão prévia de não conhecimento do recurso por ausência dos respectivos pressupostos processuais, ouvindo a recorrente, que pugnou, na sua resposta, pelo prosseguimento do processo.
2. Cumpre apreciar e decidir.
O Tribunal recorrido admitiu o recurso, mas, não sendo esta decisão vinculativa (artigo 76.º, n.º 3, da LTC), é de aferir preliminarmente se estão reunidos os pressupostos processuais de que depende o seu conhecimento.
2.1. Do recurso interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea g), da LTC.
Alegam os recorrentes, como fundamento de tal recurso, o facto de a decisão recorrida ter aplicado norma já declarada inconstitucional pelo próprio Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 102/2010.
Mas assim não é.
Com efeito, a decisão recorrida apreciou requerimento pelo qual os reclamantes, ora recorrentes, pretendiam sujeitar à apreciação da conferência o despacho do relator que havia, em sede de reclamação contra indeferimento de recurso, indeferido essa pretensão.
E o fundamento jurídico da decisão que, nesse âmbito, indeferiu, por inadmissível, o requerimento apresentado em juízo ao abrigo do artigo 700.º, n.º 3, do CPC, foi exclusivamente este normativo legal e interpretação que dele se extraiu, sendo que a referência ao preceito agora sindicado do artigo 684.º-B, n.º 2, do CPC apenas consta do relatório onde se transcreve o teor da decisão prévia que indeferiu a reclamação e que não é objecto do presente recurso de constitucionalidade.
Não se chegaram, pois, a apreciar as razões invocadas pela reclamante como fundamento da requerida modificação de julgado, designadamente no que concerne à norma do referido artigo 684.º-B, n.º 2, do CPC, por se julgar, desde logo, processualmente inadmissível a própria reapreciação, por via da reclamação para a conferência, do sumariamente decidido pelo relator com fundamento no citado normativo legal, não sendo, aliás, exigível uma tal pronúncia de mérito por comprometida pela decisão prévia – cuja bondade não é sindicável no recurso de constitucionalidade – de rejeição, por inadmissível, da reclamação para a conferência deduzida pela ora recorrente.
Acresce que nem sequer na decisão que indeferiu a reclamação deduzida contra a rejeição do recurso – de que, sublinhe-se, não foi interposto o presente recurso de constitucionalidade – havia sido adoptada a interpretação normativa julgada inconstitucional no invocado acórdão, pois que, contrariamente ao que sucedia no caso aí vertido, o requerimento de interposição do recurso rejeitado, por não instruído com as alegações, não continha qualquer «protesto de apresentação da alegação dentro do prazo de interposição do recurso» nem as alegações se encontravam nos autos no momento em que o despacho de indeferimento foi proferido, pelo que não foi esta a hipótese interpretativa ponderada e acolhida na referida decisão.
É que, contrariamente ao que sustenta a recorrente, não estão em causa «meros pormenores processuais» mas elementos integrantes da própria interpretação normativa cuja inconstitucionalidade foi apreciada no invocado Acórdão n.º 102/2010 e determinaram o sentido da decisão final.
Com efeito, o Tribunal Constitucional, no citado Acórdão, julgou inconstitucional «(…) a norma que decorre do n.º 2 do artigo 684.º-B e da alínea b) do n.º 2 do artigo 685.º-C do Código de Processo Civil, quando interpretados no sentido de que o requerimento de interposição do recurso deve ser indeferido quando não contenha ou junte a alegação do recorrente, ainda que contenha o protesto de apresentação da alegação dentro do prazo de interposição do recurso e esta venha a ser efectivamente apresentada dentro desse prazo e esteja já nos autos no momento em que o despacho é proferido», resultando claramente da respectiva fundamentação que tais aspectos processuais foram considerados relevantes na formulação de um tal juízo de inconstitucionalidade, o que sempre inviabilizaria a sua transposição para o caso dos autos.
Assim, por não aplicada pela decisão recorrida a interpretação normativa que o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional no invocado aresto nem existir coincidência entre aquela interpretação e a que é sindicada por via do presente recurso, como pressuposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea g), da LTC, não é possível conhecer, nesta parte, do objecto do recurso.
2.2. Do recurso interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC.
Cumpre, agora, equacionar a questão prévia de saber se, atento o ónus de prévia suscitação que, em regra, recai sobre os recorrentes (artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC), lhes era, no caso vertente, exigível que suscitassem perante o Tribunal recorrido a questão de inconstitucionalidade que agora reportam ao artigo 700.º, n.º 3, do CPC, considerando, desde logo, que não o fizeram no requerimento pelo qual pediram a sujeição a acórdão da matéria sobre que recaiu o despacho que desatendeu a reclamação contra o indeferimento do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa, como eles próprios assumiram no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade.
Sustentam os recorrentes, neste último requerimento, que «invocam, agora, tal questão, uma vez que só nesta fase derradeira é que a mesma se manifestou», não tendo, pois, em fase processual anterior, oportunidade para tanto.
Sucede que, estando em causa requerimento apresentado em juízo ao abrigo expresso do n.º 3 do artigo 700.º do CPC, era claramente previsível que a sua admissibilidade fosse preliminarmente aferida à luz deste normativo legal, pelo que, fora o caso excepcional em que seja do mesmo acolhida interpretação com a qual não pudesse razoavelmente contar, por inesperada, insólita ou imprevisível, se impunha ao requerente suscitar questão de inconstitucionalidade ao mesmo atinente, antecipando as várias hipóteses interpretativas que, atento os critérios gerais de interpretação da lei, nele tenham assento possível e questionando, desde logo, a seu propósito, a constitucionalidade daquela que poderia comprometer, desde logo, o próprio conhecimento de mérito do incidente suscitado.
Não se afigura, contudo, verificada tal hipótese excepcional.
Com efeito, o facto de uma dada interpretação da lei não corresponder àquela que se julga a correcta – e, nem sequer, àquela que a generalidade da doutrina e jurisprudência tem defendido - não converte a decisão que a acolhe em decisão surpresa.
É que o que importa considerar, na perspectiva da legitimidade do recorrente para ver apreciada pelo Tribunal Constitucional questão de inconstitucionalidade a ela atinente, não é tanto o conteúdo da solução adoptada – desde que, naturalmente, se contenha dentro dos parâmetros mínimos legalmente enunciados em matéria de interpretação da lei –, mas a equacionabilidade da própria questão ou problema interpretativo a que aquela pretende responder.
Ora, se é certo que, na vigência do regime anterior à reforma introduzida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, não era legítima qualquer dúvida interpretativa sobre a possibilidade de impugnar, designadamente por via da reclamação para a conferência, a decisão (singular) do presidente do tribunal superior que julgue reclamação deduzida ao abrigo do artigo 688.º do CPC, a quem estava antes cometida tal competência, por ser hipótese então expressamente vedada por lei (artigo 689.º, n.º 2, do mesmo código), a verdade é que, com a nova redacção conferida pelo citado decreto-lei às disposições conjugadas dos artigos 688.º e 700.º do CPC, passou a equacionar-se o problema de saber se a decisão proferida pelo relator, no novo processamento legal de tal incidente (artigos 688.º, n.º 4, e 700.º, n.º 1, do CPC), é ou não passível de impugnação para a conferência (cf., entre outros, António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil. Novo Regime, Almedina, 2007, pp. 163-165, Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª Edição, Almedina, 2009, pp. 136-137, Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos, Quid Juris, Lisboa, 2009, pp. 221-223, J.O. Cardona Ferreira, Guia de Recursos em Processo Civil, 5ª Edição, Coimbra Editora, 2010, fls. 173-175).
Ora, é decisivamente a própria existência do debate em torno de tal questão interpretativa e a contenção do resultado interpretativo ora inovatoriamente questionado, na perspectiva da sua constitucionalidade, ainda nos parâmetros básicos a que o processo interpretativo deve obediência (artigo 9.º do CC) – por ter, desde logo, eco literal na redacção dos preceitos em causa –, que liminarmente afastam a sua qualificação como de conteúdo imprevisível, insólito ou inesperado, hipótese que a jurisprudência constitucional tem, aliás, considerado verdadeiramente excepcional ou anómala para o efeito de permitir o conhecimento de mérito pelo Tribunal Constitucional de questão de inconstitucionalidade não suscitada durante o processo.
Assim, e independentemente da sua bondade, sendo a interpretação sindicada um dos termos alternativos de resposta a problema debatido na comunidade jurídica, cuja evolução devem os seus operadores, de acordo com padrões de diligência técnica média, acompanhar, poderiam os ora recorrentes, se com estes se conformassem, prever a sua adopção pelo Tribunal recorrido, suscitando, a seu propósito, questão de inconstitucionalidade que este pudesse decidir e o Tribunal Constitucional reapreciar.
Não o tendo feito, como lhes competia, comprometeram, por força da regra geral de legitimidade consagrada nas disposições conjugadas dos artigos 70.º, n.º 1, e 72.º, n.º 1, da LTC, a possibilidade de a ver apreciada por este Tribunal Constitucional.
3. Pelo exposto, decide-se não conhecer do objecto de ambos os recursos interpostos nos presentes autos.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 12 unidades de conta.
Lisboa, 12 de Julho de 2011. – Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral – Ana Maria Guerra Martins – Vítor Gomes – Gil Galvão.