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Processo n.º 716/13
Plenário
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional
Relatório
Na ação declarativa, com processo ordinário, n.º 6421/09.6TVLSB, a correr termos na 7.ª Vara Cível de Lisboa, 2.ª Secção, que A. e B. moveram a C. e D., os Autores interpuseram recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça do Acórdão do Tribunal da Relação proferido em 26 de janeiro de 2012 que havia julgado improcedente o recurso por eles interposto da decisão proferida em 1.ª instância.
Após o Conselheiro Relator ter dado oportunidade aos Recorrentes para se pronunciarem sobre a admissibilidade do recurso, foi proferido acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça em 17 de janeiro de 2013 que não o admitiu.
Tendo visto indeferido um pedido de aclaração desta decisão, a Autora B. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional nos seguintes termos:
“…notificada que foi do douto Acórdão proferido em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça, que esclarece e confirma a não admissão do Recurso de Revista interposto, por ser tal decisão desconforme à lei e padecer de inconstitucionalidade a aplicação do DL 303/2007 de 24 de agosto, bem como da interpretação do artigo 265.º ex vi artigo 508.º/1 ambos CPC, face aos artigos 20.º e 202.º ambos da CRP, vem ao abrigo do art. 70.º da LTC interpor RECURSO para o douto Tribunal Constitucional…”.
Foi proferida a decisão sumária n.º 532/2013 de não conhecimento do recurso.
A Recorrente reclamou desta decisão para a conferência, tendo sido proferido, em 28-11-2013, o Acórdão n.º 817/2013 que indeferiu a reclamação.
A Recorrente foi notificada desta decisão por carta registada expedida para o seu mandatário em 29 de novembro de 2013.
A Recorrente em 17 de dezembro de 2013, através do seu mandatário, enviou um requerimento para o Tribunal Constitucional, dizendo pretender “interpor Reclamação para o Pleno das Secções do douto Tribunal Constitucional”.
Tendo este requerimento dado entrada no 3.º dia para além do termo do prazo para interposição de recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional e não se mostrando paga a multa prevista no artigo 139.º, n.º 5, do Novo Código de Processo Civil, foram emitidas pela secretaria guias para pagamento dessa multa, acrescida da penalização prevista no artigo 139.º, n.º 6, do Novo Código de Processo Civil, e notificada a Recorrente para o seu pagamento.
A multa não foi paga.
Na sequência foi proferido despacho pelo Relator de “não admissão do recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional”, com a seguinte fundamentação:
“A Recorrente interpôs recurso para o “Pleno das Secções” do acórdão n.º 817/13, proferido nos presentes autos em 28 de novembro de 2013, que indeferiu reclamação para a conferência de decisão sumária que não conheceu do objeto de recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
Das decisões das secções apenas é admissível recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional nas situações e nos termos do artigo 79.º - D, da LTC, o qual deve ser interposto no prazo de 10 dias.
O Recorrente interpôs o recurso no 3.º dia após o termo desse prazo, não tendo pago a multa prevista no n.º 5, do artigo 139.º, do Código de Processo Civil, nem a prevista no n.º 6, do mesmo artigo, após notificado para o efeito.
Assim, por extemporaneidade, não se admite o recurso interposto.”
A Recorrente vem agora apresentar reclamação deste despacho, invocando o disposto no artigo 77.º, da LTC, nos seguintes termos:
1. Veio a recorrente notificada, por douto despacho ora em crise, que por extemporaneidade não foi admitido o recurso por si interposto.
2. Para tanto, vem o indeferimento fundamentado que o recurso foi interposto no terceiro dia útil e que, não tendo sido paga a multa prevista processualmente, é o recurso julgado extemporâneo.
Ora salvo melhor entendimento, não pode colher tal interpretação,
3. Na verdade. o não pagamento de multa não pode ter corno consequência processual o desentranhamento processual ou sequer a sua determinação como prática extemporânea, nos moldes corno os praticados in casu, do recurso interposto.
4. Acresce que o art.º 145º/3 do CPC, dispõe que a falta de junção de documento comprovativo do pagamento de taxa de justiça, não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua comprovação nos dez dias subsequentes, sob pena, não da recusa da peça processual, mas apenas das cominações p. no art.º 570.º do CPC.
5. Mesmo raciocínio se aplica, salvo melhor de entendimento de V.ª Ex.ª à questão ora in casu, mutatis mutandis que são os argumentos aplicáveis.
6. Pelo que assim se verifica que a cominação aplicável 'In casu' não se trata da declaração de extemporaneidade do ato praticado, mas ao invés, a cominação sancionatória acrescida p. nos termos do artº 570.º do CPC.
7. Pois que reitere-se, tendo sido como efetivamente foi, oportuna e tempestivamente interposto recurso, ainda que dentro dos três dias de multa, desde já se requer a V.ª Ex.ª que seja admitida em juízo o recurso interposto.
8. Sendo transposto, como deveria ter sido V. decisão, para a conta de custas finais, a penalidade processual a aplicar.
9. Pois que qualquer outra decisão ou tão-somente manutenção do despacho que antecede pode representar uma violação do direito de contraditório e princípio de igualdade de armas, previsto processualmente e dignificado constitucionalmente, enquanto garantia das partes e corolário de confiança e segurança jurídica, cfr. art 12.º; 20.º; 22.º e 202.º todos CRP.
Nesta senda,
10. Previu o legislador cominações penalizadoras para a omissão da parte em liquidar a penalidade processual devida pela apresentação da peça processual nos primeiros três dias em data posterior ao prazo processual, de molde a conferir uma permissão normativa apta à proteção dos direitos das partes, não os prejudicando por omissões de pagamento.
11. A determinação da prática como extemporânea da peça processual apresentada por falta de pagamento da penalidade processual, constitui outrossim, uma grave sanção, altamente lesiva dos direitos da recorrente, por lhe coartar o poder de ação e reação em processo judicial onde se discutem os seus direitos legítimos e legalmente atendíveis.
12. Ou seja, a interpretação e aplicação da norma nos termos em que vem realizada pelo douto Tribunal introduz no ordenamento jurídico uma situação de preterição dos valores materiais que subjazem à justiça, dando primazia a formalidades e requisitos meramente procedimentais.
13. Aliás, o despacho do qual ora se reclama e em crise vem, sustentado por requisitos meramente procedimentais, coartar o poder de ação da parte, que pela declaração de extemporaneidade da interposição de recurso, perde a possibilidade de ter voz ativa e pleitear pela sua pretensão jurídica nos autos.
14. Conforme resulta do labor jurídico, cultivado ao longo de vários séculos, a justiça deverá sempre ser norteada por valores materiais e concretos que a realizem e a defendam, devendo o julgador fazer a aplicação casuística do Direito tendo por fim a descoberta da verdade material, circunscrita pelo Princípio do Dispositivo, incumbindo ao julgador decidir de acordo com a primazia da materialidade subjacente.
15. Razão pela qual, ora se reclama do despacho de indeferimento por extemporaneidade do recurso interposto por omissão de pagamento de penalidade processual, sendo que a mesma deveria ter sido, oficiosamente diferida para a conta de custas final, o que desde já se requer.
Acresce que,
16. A garantia de acesso aos tribunais corporiza um direito de cúpula de natureza prestacional, pois que, sendo o Tribunal o órgão de soberania, a ele serão avocados os poderes de produção extrínseca de efeitos legais, sendo legítima a expectativa dos cidadãos em obter uma decisão material que conheça do mérito da pretensão suscitada junto do Tribunal.
17. Sendo certo que, deve o ordenamento jurídico, cogitado como um todo, estar preparado e focado no oferecimento de respostas, efetivamente, reguladoras e definidoras das situações jurídicas levadas ao douto crivo jurisdicional.
18. Nesta senda, a justiça só o é, quando seja praticada de acordo e em estrita obediência à primazia da materialidade subjacente ao caso dos autos. não sendo legítimo que formalidades ou requisitos procedimentais façam soçobrar a validade da questão de fundo dos autos.
19. Ora, in casu estamos, precisamente, perante uma situação em que por despacho judicial se determinou como extemporânea a prática de um ato - interposição de recurso - peça processual esta de suprema relevância para defesa e proteção da parte subscritora da mesma - recorrente, tendo tal despacho sido sustentado por norma de cariz meramente processual ou procedimental.
20. Pelo que, a prolação do despacho ora em crise, vem perpetrar na ordem jurídica a denegação de justiça ao recorrente, por mera omissão de formalidades procedimentais, facto que, salvo melhor entendimento, consideramos intolerável.
21. Ademais, sempre se dirá que tais decisões introduzem um risco considerável na ordem jurídica, porquanto, cumpre ter presente que as penalidades processuais praticadas, atualmente, correspondem a montantes consideráveis para o homem médio, impondo-se uma adequação da legislação que regula tais pagamentos, sob pena de criação de um elemento inibidor de acesso aos Tribunais.
22. Pelo que, ao abrigo da fundamentação supra exposta, em bom rigor, ao abrigo do Princípio da Prevalência do Mérito sobre a Forma e da demais essencial e basilar aplicação ao caso concreto da douta e costumada Justiça, se impõe a revogação do despacho ora em crise e a sua substituição por outro que, de facto e de direito, determine a admissão do recurso interposto, devendo a penalidade processual ser diferida para a conta de custas final,
23. Pois que, qualquer outra decisão ou tão-somente manutenção do despacho que antecede pode representar uma violação do direito do contraditório e princípio de igualdade de armas, previsto processualmente e dignificado constitucionalmente, enquanto garantia das partes e corolário de confiança e segurança jurídica.
24. Qualquer acerto nos montantes devidos, deverá assim ser remetido para a conta de custas final, pois que, será esse o efetivo momento em que se irá proceder à apreciação e repartição das responsabilidades, a título derradeiro e definitivo, bem como, a quem as mesmas incumbem.
25. Pois que, a conta final sempre terá por principal razão de existência proceder ao fecho de contas e acerto de respetivas responsabilidades por custas, taxas, demais encargos e despesas processuais, bem como, procuradoria condigna.
Razão pela qual,
26. Se requer a V.ª Ex.ªa admissão do Recurso oportuna e tempestivamente apresentado com a cominação processual aplicável diferida e remetida para a conta de custas final, pelo que devem prosseguir os autos desde a interposição de Recurso, julgando-se assim procedente, por provada, a presente alegação, com a mesma fundamentação já oportunamente expendida.
Termos em que, com os mais de direito, doutamente supridos por V. Exa, se requer que seja anulada a decisão de declaração de extemporaneidade do recurso interposto, com as cominações processuais do art. 570.º CPC, diferidas e remetidas para a conta de custas final atendendo a justificação supra melhor explanada, julgando-se procedente por provada a alegação, assim se diligenciando no trilho da acostumada e doura JUSTIÇA!”
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Fundamentação
A Recorrente apresentou recurso para o Plenário de acórdão proferido em conferência da 2.ª Secção no terceiro dia útil após o termo do prazo que dispunha para o interpor, não tendo pago a multa respetiva prevista no artigo 139.º, n.º 5, do Novo Código de Processo Civil, nem quando a secretaria nos termos do n.º 6 do mesmo artigo o notificou para o fazer, acrescida da penalização aí prevista.
O Recorrente vem reclamar do despacho do Relator que, perante o não pagamento daquela multa, considerou intempestivo o recurso para o Plenário. Defende que a consequência do não pagamento da multa não pode ser a não admissão do recurso apresentado no 3.º dia útil após o termo do prazo, mas sim a aplicação das cominações previstas no artigo 570.º, do Novo Código de Processo Civil, diferidas e remetidas para a conta de custas final.
A redação atual dos n.º 5 e 6, do artigo 139.º, do Novo Código de Processo Civil, resulta do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, mas a possibilidade de praticar um ato dependente de um prazo perentório, depois de o mesmo ter terminado, foi introduzida na legislação processual pelo artigo 1.º do Decreto-Lei nº 323/70, de 11 de julho. Permitia-se, então, apenas, a prática do ato “no primeiro dia útil seguinte” ao termo do respetivo prazo, com o “pagamento imediato de uma multa de montante igual a 25 por cento do imposto de justiça que seria devido a final pelo processo ou parte de processo, mas nunca inferior a 500$00”, explicando-se no respetivo preâmbulo que “pela modificação do artigo 145.º, torna-se possível a prática de atos no primeiro dia útil seguinte ao termo do respetivo prazo, sem necessidade da prova – que nem sempre é fácil – do justo impedimento.” Foi o artigo 1.º do Decreto-Lei nº 242/85, de 9 de julho, que veio acrescentar a possibilidade de utilização de mais dois dias úteis, mantida nas subsequentes modificações do preceito (operadas pelo Decreto-Lei nº 92/88, de 17 de março, pelo Decreto-Lei nº 329/95, de 17 de março, pelo Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de dezembro, e pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de fevereiro).
Esta possibilidade de praticar os atos processuais nos três dias úteis após o termo do respetivo prazo, atenua a regra estabelecida no n.º 3, do mesmo artigo 139.º, segundo a qual o decurso do prazo perentório extingue o direito de praticar o ato, mas essa possibilidade da parte usufruir de um prazo suplementar está condicionada ao pagamento de uma multa. Como expressamente dispõe este preceito, a validade do ato praticado nos referidos três dias úteis após o termo do prazo fica dependente do pagamento da multa.
Não sendo paga a multa, o ato deve considerar-se intempestivo, uma vez que não foi cumprida a condição que permitia ainda a sua aceitação para além do prazo legal estabelecido para a sua prática.
Estamos perante o regime específico de um prazo suplementar de “condescendência”, a acrescer a um prazo perentório, ao qual não são aplicáveis as regras previstas no artigo 570.º, do Novo Código de Processo Civil, as quais se dirigem somente à comprovação do pagamento da taxa de justiça.
A perda do direito ao recurso resultante da ultrapassagem de um prazo perentório e do não cumprimento de um ónus necessário ao benefício de um prazo suplementar, não se traduz numa violação do direito de acesso aos tribunais, nem do direito a um processo equitativo consagrados no artigo 20.º, da Constituição.
A tramitação processual civil está dependente da existência de prazos perentórios e da correspondente preclusão do exercício de direitos processuais, sendo o estabelecimento de um prazo perentório para as partes recorrerem indispensável à formação do caso julgado. E o condicionamento da utilização de um prazo suplementar ao pagamento duma multa constitui um ónus funcionalmente adequado e proporcional às finalidades desta possibilidade, estando a eventualidade da sua excessiva onerosidade salvaguardada pela possibilidade do julgador determinar a redução ou dispensa de pagamento da multa nos casos de manifesta carência económica ou quando o seu montante se revele desproporcionado (artigo 139.º, n.º 8, do Novo Código de Processo Civil).
Por estas razões deve ser indeferida a reclamação apresentada.
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Decisão
Pelo exposto indefere-se a reclamação apresentada por B..
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Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro).
Lisboa, 18 de março de 2014.- João Cura Mariano – Maria José Rangel de Mesquita – Pedro Machete – Ana Guerra Martins – João Pedro Caupers – Fernando Vaz Ventura – Maria Lúcia Amaral – José da Cunha Barbosa – Carlos Fernandes Cadilha – Maria de Fátima Mata-Mouros – Lino Rodrigues Ribeiro – Catarina Sarmento e Castro – Joaquim de Sousa Ribeiro.