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Processo n.º 424/13
3.ª Secção
Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita
Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que é recorrente o Ministério dos Negócios Estrangeiros e recorrido A., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão.
2. Pela Decisão Sumária n.º 72/2014, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação (cfr. fls. 1021-1026 dos presentes autos)
«(…)
5. Do teor do requerimento de interposição de recurso apresentado pelo recorrente decorre que do requerimento constam: a indicação da alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC ao abrigo da qual o recurso é interposto – alínea b) do n.º 1 artigo 70.º; a indicação da norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie – artigos 20.º do Estatuto da Carreira Diplomática (ECD, aprovado pelo Decreto-Lei n.º n.º 40-A/98, de 27 de fevereiro) e 21.º da Lei Orgânica do Ministério dos Negócios Estrangeiros (LOMNE, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 121/2011, de 29 de dezembro), artigo 150.º, n.º 1, do CPTA e artigo 152.º, n.º 1, b), do CPTA e artigos 17.º, n.º 1, e 24.º, n.º 2, do ETAF; a indicação da norma ou princípio constitucional que se considera violado – artigos 197.º, 183.º, n.º 1, 201.º, n.ºs 2 e 3 e 134.º, b) e, ainda, 20.º, 268.º e 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e princípio da separação de poderes; e a indicação da peça processual em que o recorrente alega ter suscitado a questão da inconstitucionalidade (cfr. requerimento, III, fls. 998).
(…)
7. A aferição do preenchimento dos requisitos de que depende admissibilidade do recurso para este Tribunal deve reportar-se à decisão recorrida, tal como identificada pelo recorrente no seu requerimento de interposição de recurso e que fixa o respetivo objeto – in casu o «Douto Despacho (….) de fls. 989, proferido em 04.04.2013» pelo STA. Assim, in casu, a decisão recorrida é o despacho assim identificado pelo recorrente que «negou a admissão do Recurso para Uniformização de Jurisprudência bem como o Recurso de Revista do Acórdão do Pleno da Seção». É, pois, por referência à decisão recorrida identificada pelo recorrente que devem ser apreciados os pressupostos de admissibilidade do mesmo.
8. Quanto ao primeiro bloco normativo identificado pelo requerente – as normas dos artigos 20.º do ECD e 21.º da LOMNE – e que este pretende ver sindicado, não se encontra preenchido o pressuposto relativo à ratio decidendi.
Com efeito, a decisão recorrida, que apenas decidiu a não admissão do recurso para uniformização de jurisprudência e do recurso de revista do acórdão do Pleno da 1.ª Secção proferido em 15/11/2012 (fls. 847-872), não fez aplicação de qualquer das normas referidas nas als. a) e b) do n.º III do requerimento de interposição do recurso para este Tribunal – as normas dos artigos 20.º do ECD e 21.º da LOMNE.
Não tendo a decisão recorrida feito aplicação, como sua ratio decidendi, das normas que o recorrente ora pretende ver sindicadas, falta o primeiro pressuposto exigido pela al. b) do n.º 1 do art.º 70.º da LTC: que a decisão recorrida (objeto em sentido processual) aplique a norma cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada (objeto em sentido material).
Tanto basta para que nesta parte não possa conhecer-se do objeto do recurso.
9. Quanto ao segundo bloco normativo – as normas do artigo 150.º, n.º 1, do CPTA e dos artigos 17.º, n.º 1 e 24.º, n.º 2, do ETAF – não se encontra preenchido o requisito da suscitação prévia da inconstitucionalidade, de modo adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida. Com efeito, decorre do teor das peças processuais constantes dos autos, dirigidas ao tribunal que proferiu a decisão recorrida (cfr. fls. 931 a 976 e, ainda fls. 988), que o recorrente nelas não suscitou qualquer questão de constitucionalidade relativa àquele bloco normativo que ora pretende ver sindicado.
Não estando preenchido o pressuposto relativo ao ónus de suscitação prévia perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, como impõe o n.º 2 do artigo 72.º da LTC, não pode também conhecer-se do objeto do recurso nesta parte.
10. Por último, quanto à norma do artigo 152.º, n.º 1, b), do CPTA – que o recorrente também pretende ver sindicada por este Tribunal –, verifica-se que não se encontra preenchido o pressuposto da suscitação prévia da questão de constitucionalidade «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC). Tratando-se de um recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1, do artigo 70.º, forçoso seria que o recorrente tivesse observado o ónus de suscitação de modo adequado da questão de constitucionalidade que ora pretende ver sindicada perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer.
Apenas em dois pontos das suas alegações de recurso para uniformização de jurisprudência (cfr. I, último par., fls. 934 e Conclusões, G), fls. 960), dirigidas ao Plenário do STA, o recorrente se refere ao artigo 152.º do CPTA com menção de violação de normas constitucionais.
Na primeira passagem, refere o recorrente:
«Não se conformando com o citado Acórdão Impugnado, a Entidade Demandada pretende obter Acórdão Uniformizador de Jurisprudência sobre a presente questão de Direito, considerando estar-se perante uma manifesta violação do direito à tutela jurisdicional efetiva, consagrado nos artigos 20.° e 268.° da CRP, direito universal, por força do disposto no artigo 12.°, n.º 2 da CRP e, consequente inconstitucionalidade do artigo 152.° do CPTA, na interpretação que exclui a possibilidade desse recurso das decisões proferidas pelo STA, com diferentes formações, sobretudo, nos casos em que o STA tenha exercido competências como Tribunal de 1.ª Instância.»
E, adiante, na Conclusão G), refere:
«G.) Não o fazendo, será violado o disposto nos artigos 20.° e 268.° e artigo 12.°, n.º 2 e 13.° da CRP, artigos que determinam inevitavelmente a inconstitucionalidade do artigo 152.° do CPTA, na interpretação que exclui a possibilidade de recurso de uniformização de jurisprudência das decisões proferidas pelo STA, com diferentes formações, sobretudo, nos casos em que o STA tenha exercido competências como Tribunal de 1a Instância e cuja interpretação conforme à CRP determina que, nos termos do artigo 29.° do ETAF, se deva considerar o Plenário do STA competente para dirimir este litígio.»
Ora tal enunciado não corresponde à suscitação processualmente adequada de uma questão de inconstitucionalidade – mas antes à imputação de uma eventual inconstitucionalidade à decisão a proferir, inexistindo nessa medida critério normativo.
Ali o ora recorrente não enuncia de forma expressa, clara e percetível a questão de constitucionalidade e, assim, não procede à clara e expressa delimitação do objeto do recurso, nem a uma fundamentação, em termos minimamente concludentes, das razões porque considera consequentemente inconstitucional o «artigo 152.° do CPTA, na interpretação que exclui a possibilidade desse recurso das decisões proferidas pelo STA, com diferentes formações, sobretudo, nos casos em que o STA tenha exercido competências como Tribunal de 1.ª Instância».
Acresce que a decisão ora recorrida não adotou como sua ratio decidendi a invocada interpretação que o recorrente reputa de inconstitucional, tendo-se baseado, no entendimento segundo o qual «o acórdão fundamento é o acórdão da subsecção, revogado, neste processo, pelo Pleno (acórdão de que se pretende recorrer» (cfr. fls. 989).
Assim, também não se pode conhecer do recurso nesta parte.
11. Em suma, e face ao exposto, por não estarem preenchidos vários pressupostos, cumulativos, da admissibilidade do recurso, é de concluir pela impossibilidade de conhecimento do objeto do presente recurso.(…)».
3. Da decisão sumária vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, sustentando o seguinte (cfr. fls. 1031-1037):
«O MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS, Entidade Demandada no processo acima identificado, movido por A., não se conformando com o conteúdo da Decisão Sumária n.º 72/2014, proferida em 24.01.2014, a qual decidiu pelo não conhecimento do objeto do Recurso de Fiscalização Concreta de Constitucionalidade, interposto do Despacho, proferido em 4.04.2013, pela 5.ª Seção, Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, vem, muito respeitosamente, para os efeitos fixados no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), submeter a sua Reclamação para a Conferência, o que faz nos seguintes termos:
I. INTRODUÇÃO
1. A presente reclamação para a Conferência é interposta ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º- A da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), na redação conferida pela Lei n.º 85/89, de 7 de setembro, e pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, porquanto a Douta fundamentação de não conhecimento do recurso considerou:
a) Quanto ao primeiro bloco normativo – normas dos artigos 20.º e 21.º da LOMNE – não se encontrava preenchido o pressuposto relativo à ratio decidendi;
b) Quanto ao segundo bloco normativo – normas dos artigos 150.º, nº 1 do Código do Processo dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CPTA) e dos artigos 17.º, nº 1 e 24.º, nº 2 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) – não se encontrava preenchido o pressuposto relativo ao ónus de suscitação prévia perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida;
c) Quanto à norma do artigo 152.º, n.º 1, b) do CPTA – não se encontrava preenchido o pressuposto da suscitação prévia da questão de constitucionalidade “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida ”.
II. DA FUNDAMENTAÇÃO DO NÃO CONHECIMENTO PELO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
2. Na Douta Decisão Sumária refere a Veneranda Relatora que segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional a admissibilidade do recurso apresentado nos termos do artigo 70º, nº 1 b) da LTC depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários, tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa, a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada “durante o processo”, de modo adequado perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer e da decisão recorrida ter feito aplicação, com a sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
3. E que é por referência à decisão recorrida identificada pelo recorrente, o “Douto Despacho (...) de fls. 989, proferido em 04.04.2013”, que devem ser apreciados os pressupostos de admissibilidade do recurso para o Tribunal Constitucional.
4. A Veneranda Relatora concluiu que verificando-se a falta de requisitos - pressuposto relativo à ratio decidendi e pressuposto relativo ao ónus de suscitação prévia de modo processualmente adequado perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida - o Tribunal Constitucional não podia conhecer do objeto do recurso.
5. Mas, salvo o devido respeito, que é muito, não entende assim, in casu a Entidade Demandada, ora Reclamante, pois:
a) A questão de constitucionalidade foi devida e atempadamente suscitada perante o Tribunal “a quo”, no que respeita ao normativo do artigo 152.º, n.º 1, b) do CPTA;
b) A questão cuja constitucionalidade se suscita prende-se com uma concreta interpretação normativa contra constitutionem de uma norma – artigo 152.º, n.º 1, b) do CPTA – pelo Tribunal “a quo”, interpretação essa que influiu a ratio decidendi do tribunal e que produziu efeitos que se pretendem contrariar;
c) No que respeita à norma do artigo 152.º, n.º 1, b) foi observado o ónus da suscitação de modo adequado da questão de constitucionalidade perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer e a decisão recorrida adotou como ratio decidendi a interpretação inconstitucional do artigo 152.º, n.º 1, b) do CPTA.
Nestes termos vem a ora Reclamante esclarecer a questão do seu recurso de decisão que aplicou norma cuja inconstitucionalidade tinha sido suscitada durante o processo em causa e que, decerto por escassa explicação, poderá ter sido erroneamente apreciadas na Douta Decisão Sumária,
III. DA NORMA DO ARTIGO 152º, Nº 1, B) DO CPTA
Considera a Decisão Sumária n.º 72/2014 que quanto à norma supra referida não se encontra preenchido o pressuposto de suscitação prévia da questão da constitucionalidade de modo processualmente adequado perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de estar obrigado a dela conhecer (artigo 72º, n.º 2 da LTC).
Já que apenas em dois pontos das suas alegações de recurso para uniformização de jurisprudência dirigidas ao Plenário do STA o Ministério Recorrente se refere ao artigo 152º do CPTA com menção de violação de normas inconstitucionais e correspondendo tal enunciado à imputação de uma eventual inconstitucionalidade à decisão a proferir, inexistindo critério normativo.
A Douta Decisão considera ainda que a Decisão recorrida não adotou como sua ratio decidendi a invocada interpretação que o Recorrente reputa de inconstitucional.
Pela motivação referida entendeu a Veneranda Relatora não poder conhecer do recurso nesta parte, porém, com o devido respeito, que é muito, a Entidade Reclamante não pode concordar com a Decisão Sumária no não conhecimento do recurso no que respeita à norma do artigo 152.º, n.º 1, b) do CPTA.
Nas suas alegações de recurso para Uniformização de Jurisprudência dirigidas ao Plenário do Supremo Tribunal Administrativo a Entidade Reclamante refere:
“Não se conformando com o citado Acórdão Impugnado, a Entidade Demandada pretende obter Acórdão Uniformizador de Jurisprudência sobre a presente questão de Direito, considerando estar-se perante uma manifesta violação do direito à tutela jurisdicional efetiva, consagrado nos artigos 20.º e 268.º da CRP, direito universal, por força do disposto no artigo 12.º, nº 2 da CRP e, consequente inconstitucionalidade do artigo 152.º do CPTA, na interpretação que exclui a possibilidade desse recurso das decisões proferidas pelo STA, com diferentes formações, sobretudo, nos casos em que o STA tenha exercido competências como Tribunal de 1ª Instância.”
Depois, aquando das suas conclusões reitera:
“F) Não se conformando com o citado Acórdão Impugnado, a Entidade Demandada pretende assegurar o direito à tutela jurisdicional efetiva em termos iguais aos das partes que veem os seus litígios serem apreciados, em primeira instância, pelo tribunal Administrativo de Círculo e obter Acórdão Uniformizador de Jurisprudência sobre a presente questão de Direito;
G) Não o fazendo, será violado o disposto nos artigos 20.º e 268.º e artigo 12.º, n.º 2 e 13.º da CRP, artigos que determinam inevitavelmente a inconstitucionalidade do artigo 152.º do CPTA, na interpretação que exclui a possibilidade de recurso de uniformização de jurisprudência das decisões proferidas pelo STA, com diferentes formações, sobretudo, nos casos em que o STA tenha exercido competências como Tribunal de 1ª Instância e cuja interpretação conforme à CRP determina que, nos termos do artigo 29.º do ETAF se deva considerar o Plenário do STA competente para dirimir este litígio.“
Dos excertos citados retira-se que, ao contrário do entendimento da Douta Decisão Sumária, existe uma suscitação processualmente adequada de uma questão de inconstitucionalidade, de facto:
a) É identificada a norma considerada inconstitucional - o artigo 152.º, nº1, b) do CPTA - na interpretação que exclui – distinguindo discriminatoriamente um direito universal - a possibilidade desse recurso das decisões proferidas pelo STA, com diferentes formações, sobretudo, nos casos em que o STA tenha exercido competências como Tribunal de 1ª Instância, em comparação com o direito à tutela jurisdicional das partes que veem os seus litígios serem apreciados em primeira instância pelo Tribunal Administrativo de Círculo;
b) É mencionado o princípio constitucional que se considera infringido o direito à tutela jurisdicional efetiva previsto nos artigos 20º e 268º, da CRP, concebido como um direito universal no artigo 12º, nº 2 da CRP;
c) Retira-se do princípio da igualdade previsto no artigo 13º da CRP que a única interpretação do artigo 152.º, n.º 1, b) do CPTA conforme à Constituição, levaria à consideração do Plenário do STA como competente para dirimir o litígio sub iudice;
É evidente que muito mais poderia ser dito sobre este tema, e tal é explicitado no requerimento de Recurso para o Tribunal Constitucional, no entanto uma enunciação sucinta não pode implicar forçosamente que não seja enunciado de forma expressa, clara e percetível a questão da constitucionalidade, que não proceda à clara e expressa delimitação do objeto do recurso ou que não se traduza numa fundamentação, em termos minimamente concludentes, da inconstitucionalidade do artigo 152.º, n.º 1, b) do CPTA.
Na verdade, os três parágrafos citados procedem à comparação de duas situações, uma em que as partes veem os seus litígios serem apreciados, em primeira instância, pelo tribunal Administrativo de Círculo, e portanto com direito ao recurso de uniformização de jurisprudência, e outra, em que as questões são apreciadas em primeira instância pelo Supremo Tribunal Administrativo e que por isso veem vedado o acesso a este tipo de recurso.
Isto é, uma situação em que se verifica o cumprimento do direito à tutela jurisdicional efetiva e outra em que isso não acontece.
Mais, a Douta Decisão Sumária entende que a Decisão recorrida não adotou como ratio decidendi a invocada interpretação que o Recorrente reputa de inconstitucional, tendo-se baseado, no entendimento segundo o qual “o acórdão fundamento é o acórdão da subsecção, revogado, neste processo, pelo pleno (acórdão de que se pretende recorrer).”.
Com todo o respeito, que é muito, a Reclamante atreve-se a discordar deste parecer, na medida em que o Douto Despacho Recorrido, apesar de sucinto, expressa precisamente a interpretação considerada inconstitucional, isto é: que exclui o acesso ao Recurso de Uniformização de Jurisprudência às partes que tenham visto os seus litígios apreciados em primeira instância pelo STA, neste caso através de um acórdão da subsecção, cerceando o seu direito a um duplo grau de recurso, garantia que é conferida aos processos que não sejam apresentados ao STA em primeira instância.
Acresce que a aplicação da norma, ou interpretação inconstitucional, tanto pode ser expressa como implícita (vide acórdãos 88/86, 47/90 e 235/93) e que o não conhecimento por parte de um Tribunal da inconstitucionalidade de uma norma quando podia e devia fazê-lo equivale a aplicação implícita da mesma (acórdão 318/90), vide pg. 44 do Breviário de Direito Processual Constitucional, Recurso de Constitucionalidade, Guilherme da Fonseca e Inês Domingos, Coimbra Editora.
Ou seja, no presente caso, apesar da inexistência de referência a disposições normativas, está em causa a aplicação do artigo 152.º, n.º 1, b) do CPTA, o que, salvo o devido respeito, que é muito, foi alegado de forma clara pela Entidade Reclamante, inclusive nas conclusões das suas alegações de Recurso de Uniformização de Jurisprudência (artigo 146º, nº 4 do CPTA a contrario).
Nestes termos, vem o Ministério dos Negócios Estrangeiros submeter a sua Reclamação para a Conferência, solicitando que, esclarecida a verificação de todos os requisitos e pressupostos previstos pela Lei do Tribunal Constitucional, no que respeita à apreciação da inconstitucionalidade do artigo 152.º, n.º 1, b) do CPTA, na interpretação que exclui a possibilidade de recurso das decisões proferidas em segunda instância pelo STA, se decida revogar a Decisão Sumária de não conhecimento do Recurso de apreciação de Constitucionalidade e que seja o mesmo conhecido, seguindo-se os demais termos legais.
Mais se requer que seja mantido o efeito suspensivo ao presente recurso, nos termos e para os efeitos fixados no artigo 78.º da LTC, nos termos fixados em sede de recurso interposto para o Pleno do STA em conformidade com o artigo 143.º, n.º 1 do CPTA.».
4. Notificado da reclamação, o recorrido apresentou resposta, sustentando que a norma impugnada - contida no artigo 152.º, n.º 1, alínea b) do CPTA - não é aplicável no caso sub judice (cfr. fls. 1053-1055).
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
5. A decisão reclamada - Decisão Sumária n.º 72/2014 - é no sentido do não conhecimento do objeto do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, uma vez que:
5.1. Quanto ao primeiro bloco normativo identificado pelo requerente – as normas dos artigos 20.º do ECD e 21.º da LOMNE – não se encontra preenchido o pressuposto relativo à ratio decidendi;
5.2. Quanto ao segundo bloco normativo – as normas do artigo 150.º, n.º 1, do CPTA e dos artigos 17.º, n.º 1 e 24.º, n.º 2, do ETAF – não se encontra preenchido o requisito da suscitação prévia da inconstitucionalidade, de modo adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida; e
5.3. Quanto à norma do artigo 152.º, n.º 1, b), do CPTA não se encontra preenchido o pressuposto da suscitação prévia da questão de constitucionalidade «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC), nem o pressuposto relativo à ratio decidendi, uma vez que a decisão ora recorrida não adotou como sua ratio decidendi a invocada interpretação que o recorrente reputa de inconstitucional, tendo-se baseado no entendimento segundo o qual «o acórdão fundamento é o acórdão da subsecção, revogado, neste processo, pelo Pleno (acórdão de que se pretende recorrer» (cfr. fls. 989).
6. A presente reclamação dirige-se apenas a este último aspeto da decisão prolatada, pelo que a decisão sumária de não conhecimento das questões de inconstitucionalidade relativas às demais normas identificadas em 5.1 e 5.2 transitou em julgado.
Alega o reclamante que, quanto à norma do artigo 152.º, n.º 1, alínea b), do CPTA, e diversamente do que se concluiu na decisão reclamada, existe uma suscitação processualmente adequada de uma questão de inconstitucionalidade, o que decorreria dos seguintes excertos das suas alegações de recurso para Uniformização de Jurisprudência dirigidas ao Plenário do Supremo Tribunal Administrativo:
“Não se conformando com o citado Acórdão Impugnado, a Entidade Demandada pretende obter Acórdão Uniformizador de Jurisprudência sobre a presente questão de Direito, considerando estar-se perante uma manifesta violação do direito à tutela jurisdicional efetiva, consagrado nos artigos 20.º e 268.º da CRP, direito universal, por força do disposto no artigo 12.º, nº 2 da CRP e, consequente inconstitucionalidade do artigo 152.º do CPTA, na interpretação que exclui a possibilidade desse recurso das decisões proferidas pelo STA, com diferentes formações, sobretudo, nos casos em que o STA tenha exercido competências como Tribunal de 1ª Instância.”
“F) Não se conformando com o citado Acórdão Impugnado, a Entidade Demandada pretende assegurar o direito à tutela jurisdicional efetiva em termos iguais aos das partes que veem os seus litígios serem apreciados, em primeira instância, pelo tribunal Administrativo de Círculo e obter Acórdão Uniformizador de Jurisprudência sobre a presente questão de Direito;
G) Não o fazendo, será violado o disposto nos artigos 20.º e 268.º e artigo 12.º, n.º 2 e 13.º da CRP, artigos que determinam inevitavelmente a inconstitucionalidade do artigo 152.º do CPTA, na interpretação que exclui a possibilidade de recurso de uniformização de jurisprudência das decisões proferidas pelo STA, com diferentes formações, sobretudo, nos casos em que o STA tenha exercido competências como Tribunal de 1ª Instância e cuja interpretação conforme à CRP determina que, nos termos do artigo 29.º do ETAF se deva considerar o Plenário do STA competente para dirimir este litígio.“
Isto, porquanto, segundo o reclamante, teria aí identificado quer a norma impugnada quer os princípios constitucionais que considera infringidos.
7. Não lhe assiste, porém, razão. O reclamante não logra rebater os argumentos expendidos na decisão sumária, reproduzindo as mesmas passagens da peça processual em que alegadamente foi suscitada a questão de constitucionalidade – agora acrescendo a transcrição da Conclusão F, que tão só introduz a conclusão subsequente – as quais mereceram já a atenção da decisão ora reclamada em termos que não se mostram infirmados pela presente reclamação.
Com efeito, para haver uma suscitação adequada de uma questão de constitucionalidade normativa, não basta a identificação da norma ou interpretação normativa impugnada e a referência aos princípios e normas constitucionais alegadamente infringidos, cabendo ao recorrente justificar, em termos minimamente concludentes, as razões que determinam o juízo de inconstitucionalidade que pretende decorrer das normas (ou interpretações normativas) em causa, o que não é feito pelo recorrente.
Tanto assim que o Tribunal recorrido não identifica a pretensa questão de constitucionalidade a tratar, limitando-se a proceder a um juízo subsuntivo de enquadramento da situação na norma prevista no artigo 150.º, n.º 1, alínea b), do CPTA.
8. Discorda ainda o reclamante das conclusões alcançadas na decisão sumária quanto à falta de verificação do pressuposto relativo à ratio decidendi, defendendo que a decisão recorrida efetivamente adotou a invocada interpretação que o recorrente reputa de inconstitucional, na medida em que, segundo o reclamante, «o Douto Despacho Recorrido, apesar de sucinto, expressa precisamente a interpretação considerada inconstitucional, isto é: que exclui o acesso ao Recurso de Uniformização de Jurisprudência às partes que tenham visto os seus litígios apreciados em primeira instância pelo STA, neste caso através de um acórdão da subsecção, cerceando o seu direito a um duplo grau de recurso, garantia que é conferida aos processos que não sejam apresentados ao STA em primeira instância», acrescentando tratar-se de uma aplicação «implícita» da norma ou interpretação alegadamente inconstitucional (cfr. fls. 1036).
Ora, verifica-se que a contestação da constitucionalidade daquele normativo pelo facto de a não admissão do recurso excecional de uniformização de jurisprudência pelo tribunal recorrido consubstanciar a violação do direito a uma tutela judicial efetiva e do princípio da igualdade, na pretensa interpretação normativa que «exclui o acesso ao Recurso de Uniformização de Jurisprudência às partes que tenham visto os seus litígios apreciados em primeira instância pelo STA, neste caso através de um acórdão da subsecção, (…) garantia que é conferida aos processos que não sejam apresentados ao STA em primeira instância», por cercear o direito a um duplo grau de recurso, não encontra qualquer correspondência, literal ou hermenêutica, com a norma impugnada ou com a interpretação perfilhada na sua aplicação pelo tribunal a quo.
Com efeito, afigura-se irrelevante toda a argumentação relativa à inexistência de um duplo grau de jurisdição, já que, não apenas a questão controvertida foi já objeto de reapreciação, em recurso, pelo Tribunal competente, como, sobretudo, o que é afirmado pelo Tribunal recorrido é que não subsistem dois acórdãos do STA em contradição, para efeitos do recurso de uniformização de jurisprudência consagrado no artigo 152.º, n.º 1, alínea b), do CPTA, já que o acórdão do pleno revogou o acórdão proferido em 1ª instância pela subsecção competente do STA.
Pretende assim tão só o reclamante questionar as operações hermenêuticas que o tribunal recorrido poderia ou deveria ter levado a cabo na aplicação do artigo 152.º, n.º 1, alínea b), do CPTA, de modo a utilizar o recurso de uniformização de jurisprudência ali previsto sem apresentar duas decisões judiciais em contradição.
Assim, do que se trata é da formulação de um juízo subsuntivo de aplicação daquela norma legal – muito próxima, aliás, do seu sentido literal – que em nada corresponde à pretensa interpretação normativa implícita pretendida pelo reclamante.
Também aqui resta concluir que não está cumprido o pressuposto de admissibilidade do recurso relativo à efetiva aplicação pelo tribunal recorrido da norma ou interpretação normativa alegadamente inconstitucional – a qual não é fundamento da decisão judicial recorrida.
9. Assim, é de confirmar o já decidido quanto ao conhecimento do objeto do recurso interposto, pois, ausentes os referidos pressupostos, cumulativos, de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, forçosamente se tem de concluir, como se fez na decisão reclamada, pela impossibilidade de conhecimento do recurso.
III – Decisão
10. Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão sumária reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta, nos termos do disposto no artigo 7.º, ponderados os critérios fixados no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro.
Lisboa, 25 de março de 2014. – Maria José rangel de Mesquita – Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral.