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Processo n.º 573/09
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do 4.º Juízo, 2.ª Secção, dos Juízos Cíveis do Porto, em que é recorrente o Ministério Público e recorrido A., S.A., foi interposto recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações posteriores, adiante designada LTC), da decisão daquele Tribunal, proferida a fls. 75 e s., na parte em que recusa a aplicação do artigo único da Portaria n.º 955/2006, de 13 de Setembro, na interpretação dada pelo Tribunal da Relação do Porto (segundo a qual os Juízos Cíveis do Porto são competentes para apreciação de acção declarativa, proposta segundo o regime processual civil experimental, instituído pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 8 de Junho, quando o valor exceda a alçada do Tribunal da Relação e não tiver sido requerida a intervenção de tribunal colectivo) com fundamento em inconstitucionalidade orgânica e material, por violação do artigos 112.°, n.° 2, 165.°, n.º 1, alínea p), e 13.º, da CRP, e que determinou que os presentes autos prosseguissem a forma de processo comum ordinário, por força do disposto nos artigos 461.° e 462.º do CPC.
2. O Ministério Público apresentou alegações, onde conclui o seguinte:
«1. A norma do artigo único da Portaria n.º 955/2006 de 13 de Setembro, na interpretação segundo a qual compete aos Juízos Cíveis do Porto a apreciação da acção declarativa, proposta segundo o regime processual civil experimental, instituído pelo Decreto-Lei n.º 108/2006 de 08 de Junho, quando o respectivo valor exceder a alçada do Tribunal da Relação e não tenha sido requerida a intervenção do Tribunal Colectivo – concretizando o disposto, nomeadamente, nos artigos 1.º e 21.º do Decreto-Lei n.º 108/2006 – ao alterar inovatoriamente o âmbito da competência reservada às varas cíveis pelo artigo 97.º, n.º 1, alínea a), da lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, sem que existisse credencial parlamentar bastante, é organicamente inconstitucional, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea p), da Constituição.
2. Na verdade, não sendo a competência das varas cíveis delimitada pela referida Lei n.º 3/99 em torno da forma de processo aplicável (o que as tornaria em “tribunais de competência específica”), não pode a dita alteração no âmbito das competências entre varas e juízos cíveis, decorrente da interpretação normativa desaplicada, configurar-se como simples decorrência de uma alteração de carácter processual, excluída do âmbito da “reserva de parlamento”.
3. Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado pela decisão recorrida.»
3. O recorrido não contra-alegou.
4. Notificadas as partes para se pronunciarem sobre a eventualidade de não conhecimento do objecto do recurso, por não estar em causa uma verdadeira recusa de aplicação de norma, aquelas nada disseram.
5. Em cumprimento do despacho de fls. 100, foi o processo remetido ao tribunal recorrido, em 20.04.2010, a fim de prestar os esclarecimentos aí solicitados.
O processo foi devolvido a este Tribunal apenas em 04.02.2011, com a informação que consta de fls. 105 e s.
Uma vez que as informações prestadas não davam resposta cabal ao pedido de esclarecimento, foi solicitado, por despacho de 08.02.2011 e pelas razões aí indicadas (fls. 117), novo esclarecimento ao tribunal recorrido.
Em 10.05.2011 veio, finalmente, o tribunal recorrido apresentar os esclarecimentos pedidos (fls. 121 e s).
6. Dos autos emergem os seguintes elementos, relevantes para a presente decisão:
- A., S.A., propôs acção, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 108/2006, de 8 de Junho, junto das Varas Cíveis do Porto.
- Por despacho da 1ª Vara, 2ª Secção do Porto, foi esta Vara Cível julgada incompetente para conhecer da acção, com fundamento, além do mais, na jurisprudência constante do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8.4.2008, proferido no Conflito de Competência aí identificado, decidindo-se pela competência dos Juízos Cíveis da mesma Comarca, ordenando-se a remessa dos autos a estes Juízos Cíveis.
- Por decisão do 4.º Juízo Cível do Porto, 2.ª Secção, este tribunal considerou-se também incompetente para a acção, determinando a sua remessa para as varas cíveis do Porto.
- Desta decisão foi extraída certidão e notificado o Ministério Público para levantar o conflito negativo de competência.
- A fls. 55 e s. foi proferida nova decisão pelo 4.º Juízo Cível do Porto, 2.ª Secção, na qual se conclui da forma que se segue:
«Pelo exposto este tribunal declara a inconstitucionalidade orgânica e material, da interpretação que determinou, nestes autos, que o regime previsto pelo DL n.º 108/2006 e Portaria n.º 955/2006, que a competência dos juízos cíveis abarca todas as acções declarativas cíveis, de valor superior à alçada do Tribunal da Relação do Porto, intentadas por escolha do autor sob a forma experimental.»
- Nesta decisão alude-se a uma decisão do Tribunal da Relação do Porto na qual se decidiu que «o regime experimental previsto no DL n.º 108/2006 alterou a competência dos Tribunais Judiciais, na medida em que estabeleceu que “a competência originária para conhecer das acções cíveis de valor superior à alçada da Relação, instauradas ao abrigo do regime processual experimental, cabe aos juízos cíveis do Porto” (decisão de fls. 271 destes autos)».
- Contudo, de acordo com as informações entretanto prestadas pelo tribunal recorrido, verifica-se que a decisão do Tribunal da Relação do Porto referente ao conflito negativo de competência n.º 12.08 (decisão de fls. 62/66) não foi proferida nos autos de onde emerge o presente recurso (Proc. 1140/08.3TVPRT), mas sim no Proc. 1611/08.1TJPRT.P1, tendo sido junta aos presentes autos “apenas por lapso” e posteriormente desentranhada (cfr, fls. 105, 110 e 124 dos autos).
- Mais se constata que nos presentes autos não foi proferida qualquer decisão pelo Tribunal da Relação do Porto referente a um tal conflito (cfr. informação de fls. 122).
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentação
7. Resolvidas as dúvidas quanto à tramitação processual dos autos de onde emerge o presente recurso – e verificando-se, agora, sem margem para dúvidas, que nos presentes autos não foi proferida decisão pelo Tribunal da Relação do Porto – importa decidir a questão do conhecimento do objecto do recurso.
Apesar de a fórmula utilizada no segmento decisório, na qual o tribunal recorrido “declara a inconstitucionalidade orgânica e material” de uma dada interpretação, o certo é que tribunal recorrido – que, além do mais, não tem competência para “declarar” a inconstitucionalidade de normas – pretendeu recusar uma certa interpretação que, segundo se afirma na decisão recorrida, «formou caso julgado neste processo» e «dá origem a uma diferenciação de tratamento entre as partes, não fundada em qualquer motivo razoável».
Ora, como antes se esclarece na decisão recorrida, uma tal interpretação é a «interpretação da Relação do Porto» segundo a qual «o regime experimental previsto no DL n.º 108/2006 alterou a competência dos Tribunais Judiciais, na medida em que estabeleceu que “a competência originária para conhecer das acções cíveis de valor superior à alçada da Relação, instauradas ao abrigo do regime processual experimental, cabe aos juízos cíveis do Porto”».
Questão semelhante colocou-se no Acórdão n.º 652/2009, entretanto relatado pelo ora relator, que, decidindo caso idêntico ao presente, considerou, com um voto de vencido, não estarem reunidos os pressupostos do recurso previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
Os fundamentos do citado acórdão são sumariamente os seguintes:
« I - O despacho recorrido recusou a interpretação do artigo único da Portaria n.º 955/2006, de 13 de Setembro, sustentada nas decisões do Presidente do Tribunal da Relação do Porto, proferidas na resolução de conflitos de competência onde se considerou que os Juízos Cíveis do Tribunal da Comarca do Porto eram competentes para preparar e julgar as acções declarativas cíveis propostas nestes juízos, às quais tenha sido fixado um valor superior à alçada do Tribunal da Relação, quando não tenha sido requerida a intervenção do tribunal colectivo. É a esta interpretação que a decisão recorrida se reporta, quando determina a 'recusa de aplicação' da 'interpretação defendida nos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto'.
II - Todavia, e não obstante o conteúdo deste enunciado decisório, constata-se não ter havido uma autêntica recusa de aplicação por inconstitucionalidade, no sentido exigido pela alínea a) do artigo 70.º da LTC, para se poder dar por verificado o fundamento de recurso aí previsto. Na verdade, a decisão do tribunal filia-se, 'em primeira linha', num entendimento divergente, 'no exclusivo plano do direito ordinário', do alcance dos preceitos legais pertinentes. O tribunal considera a interpretação que resulta da aplicação dos normais cânones hermenêuticos. Suplementarmente, como razão adicional para o afastamento da interpretação do Tribunal da Relação do Porto, invoca o tribunal recorrido que ela está ferida de inconstitucionalidade, por infringir o disposto nos artigos 112.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea p), da CRP. Ou seja, não é só porque entende que essa interpretação é inconstitucional que a sentença recorrida a não acolhe e aplica. Não o faz, antes disso, porque entende que a interpretação que está de acordo com a intenção do legislador e com o teor do preâmbulo da Portaria n.º 955/2006 é a de que não houve intenção de alterar a competência dos Tribunais.
III - Tendo perfilhado esta interpretação - cuja correcção não cabe a este Tribunal sindicar - o tribunal recorrido não tinha mais do que aplicá-la, no pleno exercício da sua competência própria e ao abrigo da garantia de independência que lhe está constitucionalmente assegurada. O Juiz da causa não precisava de recorrer a uma 'aparente' recusa de aplicação, por inconstitucionalidade, de uma interpretação alternativa (ainda que também emita sobre ela essa apreciação) - interpretação que não é a sua -, pela única razão de que se trata daquela a que um tribunal superior adere. Só seria assim se ele estivesse obrigado a seguir essa interpretação - o que, evidentemente, não acontece, no nosso quadro constitucional. Só nessas circunstâncias, e como último recurso para evitar a eficácia, no que diz respeito ao caso em juízo, de uma interpretação tida por inconstitucional, estava ele habilitado a exercitar o poder-dever que o artigo 204.º da Constituição lhe confere.
IV - Um tribunal de instância pode provocar a apreciação, pelo Tribunal Constitucional, e mediante o recurso obrigatório do Ministério Público, de uma interpretação que ele próprio faça - interpretação que seria a inevitável ratio decidendi da questão em juízo, não fora a decisão de inconstitucionalidade que sobre ela recai. O que não pode é, através de uma artificiosa recusa de aplicação, que consta da decisão, mas não é apoiada pela fundamentação, pôr o Tribunal Constitucional a decidir a constitucionalidade de uma interpretação que não é a sua, mas a de um outro tribunal. E foi isto o que o tribunal recorrido fez. Não estão, pois, preenchidos os pressupostos do recurso previsto na alínea a) da LTC.»
A decisão sub judicio não é tão peremptória como a que deu azo ao Acórdão n.º 652/2009, no sentido de que a interpretação que melhor cabe à impugnada não é aquela a que se recusou aplicação. De todo o modo, ao invocar a directriz de que o intérprete, “mesmo que tenha dúvidas sobre qual dos dois sentidos literais possíveis”, tem que “optar por aquele que é conforme com os comandos Constitucionais”, o tribunal recorrido deixa patente que não adere à interpretação que, na decisão, é objecto de “declaração de inconstitucionalidade”. Na verdade segundo a própria decisão recorrida, a interpretação que assegura essa conformidade (logo, a interpretação que deve ser perfilhada) é a oposta à desaplicada.
Sendo assim, também aqui se constata não ter havido uma autêntica recusa de aplicação por inconstitucionalidade, no sentido exigido pela alínea a) do artigo 70.º da LTC, para se poder dar por verificado o fundamento de recurso aí previsto.
Pois, também nos presentes autos não está em causa uma interpretação do tribunal recorrido, que seria a inevitável ratio decidendi da questão em juízo, não fora o juízo de inconstitucionalidade que sobre ela recai. O que está em causa é a imputação de inconstitucionalidades a uma interpretação que não é a do próprio tribunal recorrido, mas a de um outro tribunal (Tribunal da Relação do Porto).
Deste modo, a jurisprudência expressa no Acórdão n.º 652/2009, secundado pelos Acórdãos n.ºs 97/2010 e 211/2010, que aqui reiteramos, é aplicável ao caso em apreço.
Conclui-se, assim, pelo não preenchimento dos pressupostos do recurso previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
III - Decisão
Pelo exposto, decide-se não conhecer do objecto do recurso.
Sem custas.
Lisboa, 6 de Julho de 2011. – Joaquim de Sousa Ribeiro – J. Cunha Barbosa – Catarina Sarmento e Castro – João Cura Mariano (vencido, conforme declaração que junto) – Rui Manuel Moura Ramos.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido por interpretar de modo diferente da posição que fez vencimento o conteúdo da decisão recorrida.
Independentemente da admissibilidade infra-constitucional da decisão que foi proferida, que não cumpre ao Tribunal Constitucional controlar, da leitura que fiz desse despacho, entendi que o juiz a quo recusou expressamente, por considerar violadora de parâmetro constitucional, a interpretação normativa sustentada pela jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto sobre a questão em causa, pelo que não estamos perante uma recusa artificial de aplicação de normas, mas sim face a uma verdadeira recusa que não podia deixar de ser sindicada pelo Tribunal Constitucional.
Conhecendo do recurso, confirmaria o juízo de inconstitucionalidade adoptado pela decisão recorrida relativamente à interpretação do disposto no artigo 21.º, do Decreto-lei n.º 108/2006, de 8 de Junho, do qual o artigo único da Portaria n.º 955/2006, de 13 de Setembro é uma simples concretização, segundo o qual os Juízos Cíveis do Tribunal da Comarca do Porto eram competentes para preparar e julgar as acções declarativas cíveis propostas nestes juízos, às quais tenha sido fixado um valor superior à alçada do Tribunal da Relação, quando não tenha sido requerida a intervenção do tribunal colectivo.
Na verdade, o Decreto-Lei n.º 108/2006, de 8 de Junho, em mais uma tentativa de simplificar e flexibilizar o processo civil, criou um novo regime aplicável a todas as acções declarativas cíveis, a que não corresponda processo especial, e ainda às acções especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos (artigo 1.º).
Este regime, nas palavras de LUÍS LAMEIRAS, “surge, portanto, com uma vocação universal, destinada a abraçar a generalidade dos processos declarativos cíveis, antes cobertos pelo procedimento declarativo comum” (In. “Comentário ao Regime Processual Experimental”, pág. 10, da ed. de 2007, da Almedina).
O processo civil declarativo comum deixa de ter várias formas (ordinário, sumário e sumaríssimo) para obedecer a um regime único.
Contudo, conforme consta da declaração preambular deste diploma, de forma a permitir testar e aperfeiçoar o funcionamento deste novo regime, optou-se, num primeiro momento, por circunscrever a sua aplicação a um conjunto de tribunais a determinar por Portaria, tendo em consideração a elevada movimentação processual que apresentem, atentos os objectos de acção predominantes.
Daí que o artigo único da Portaria n.º 955/2006, de 13 de Setembro, dando cumprimento ao disposto no n.º 1, do artigo 21.º, do Decreto-Lei n.º 108/2006, de 8 de Junho, tenha determinado que este novo regime só era aplicável em alguns Juízos Cíveis, nomeadamente nos do Tribunal da Comarca do Porto.
Nos casos como o presente, em que numa acção instaurada num destes Juízos Cíveis é-lhe fixado um valor superior ao da alçada do Tribunal da Relação, mormente por força de dedução de pedido reconvencional, tem alguma jurisprudência entendido que a competência para apreciar essa acção se mantém nesses Juízos Cíveis, uma vez que a sua tramitação deve continuar a obedecer ao novo regime processual experimental (vide as decisões do Presidente do Tribunal da Relação do Porto proferidas em 8-4-2008, 5-6-2008 e 30-9-2008, acessíveis em www.dgsi.pt).
Foi esta interpretação do disposto no artigo único da Portaria n.º 955/2006, de 13 de Setembro, o qual se limitou a concretizar a previsão contida no n.º 1, do artigo 21.º, do Decreto-Lei n.º 108/2006, de 8 de Junho, que a decisão recorrida recusou, com fundamento em inconstitucionalidade orgânica.
Na verdade, ao considerar-se que os Juízes Cíveis do Tribunal da Comarca do Porto mantém a competência para apreciar acções cujo valor processual foi fixado, posteriormente à sua instauração, em montante superior à alçada do Tribunal da Relação, está a ampliar-se o âmbito da competência destes Juízos, aos quais, segundo os artigos 97.º, n.º 1, a), e n.º 3, e 99.º, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), está subtraída a competência para preparar e julgar acções declarativas cíveis de valor superior à alçada do Tribunal da Relação, mesmo quando a fixação desse valor só ocorre no decurso do processo já pendente nos Juízos cíveis.
Nos termos do artigo 165.º, n.º 1, p), da C.R.P., é da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre a organização e competência dos tribunais.
O Tribunal Constitucional tem dito que esta reserva relativa abrange «para além da definição das matérias cujo conhecimento cabe aos tribunais judiciais e a daquelas cuja conhecimento cabe aos tribunais administrativos e fiscais … a distribuição das matérias da competência dos tribunais judiciais pelos diferentes tribunais de competência genérica e de competência especializada ou específica» (v.g. os Acórdãos n.ºs 36/87, em ATC, 9.º vol., pág. 243, 356/89, em ATC, 13.º vol. I, pág. 443, 72/90, em ATC, 15.º vol, pág. 67, 271/92, em ATC, 22.º vol. pág. 807, 163/95, em ATC, 30.º vol, pág. 849, 198/95, no D.R., II Série, de 22-6-1995, e 268/97, no BMJ n.º 465, pág. 252).
Quer as Varas, quer os Juízos cíveis, são tribunais da mesma competência especializada em questões de natureza civil, tendo uma competência específica definida essencialmente pelo valor processual das causas civis.
A interpretação sindicada intromete-se na definição desta denominada competência intrajudicial ou funcional das Varas e Juízos cíveis, em que estão em causa as condições da intervenção dum tribunal de estrutura colectiva ou de estrutura singular, fundamentalmente assente no critério do valor da causa.
Não há razão para que esta repartição de competências entre tribunais da mesma especialidade, tendo como critério essencial o valor da causa, e que se diferenciam pela sua estrutura e pelas condições de acesso exigidas aos juízes que os integram, também não se inclua na reserva relativa da Assembleia da República definida na alínea p), do n.º 1, do artigo 165.º, da C.R.P., uma vez que também ela respeita à organização e competência dos tribunais.
Sendo estes um órgão de soberania (artigo 110.º, da C.R.P.), compreende-se que a organização judiciária e a repartição das competências por todos os diferentes tipos de tribunais que integram essa organização, para além do estatuído na própria Constituição (artigos 209.º e seg.), seja tarefa reservada ao legislador parlamentar.
Ora, verifica-se que a interpretação sob fiscalização consagra uma regra de repartição de competências entre as Varas e os Juízos cíveis que altera os termos em que a Assembleia da República regulou tal matéria na LOFTJ, tendo essa interpretação sido extraída do disposto no artigo 21.º, do Decreto-Lei n.º 108/2006, de 8 de Junho, concretizado pelo artigo único da Portaria n.º 955/2006, de 13 de Setembro.
Não tendo aquele diploma do Governo sido emitido ao abrigo de autorização concedida pela Assembleia da República, a referida interpretação normativa infringe o disposto no artigo 165.º, n.º 1, p), da C.R.P., pelo que deveria ser confirmada a recusa da sua aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, julgando-se improcedente o recurso. – João Cura Mariano.