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Processo n.º 746/2013
2.ª Secção
Relator: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, na 2ª Secção, do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, em que é recorrente o Ministério Público e recorridos A., B. e C., Lda, foi interposto recurso, em 07 de março de 2013 (fls. 208-verso), a título obrigatório, em cumprimento do artigo 280º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e dos artigos 70º, n.º 1, alíneas c) e e), e 72º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho proferido pelo Juiz de Direito do 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santarém, em 26 de fevereiro de 2013 (fls. 204-verso e 205), por ter sido desaplicada a norma do artigo 8º, n.º 7, do Regime Geral das Infrações Tributárias (de ora em diante, designado por RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05 de junho, com fundamento na sua inconstitucionalidade material, por violação do princípio “ne bis in idem”, previsto no artigo 29º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
2. Notificado para o efeito, o Ministério Público produziu as seguintes alegações, que ora se sintetizam:
«2. Apreciação do mérito do recurso
2.1. No processo n.º 373/12, da 3.ª Secção, no qual foi proferido o Acórdão n.º 1/2013, o Ministério Público apresentou as alegações que, seguidamente, transcrevemos:
“2.1. Sobre a questão da inconstitucionalidade que vem colocada, encontra-se pendente no Tribunal Constitucional o Proc. n.º 495/11, da 2.ª Secção.
Nesse Processo apresentamos as Alegações que, seguidamente, na parte que incidiu sobre o mérito do recurso, vamos transcrever:
“(…)”
2.2. Como se diz na decisão recorrida, a norma cuja inconstitucionalidade constitui objeto do recurso foi julgada inconstitucional pelo Acórdão n.º 1/2013, a que se seguiram, acrescentamos nós, as Decisão Sumárias n.ºs 288/2013, 360/2013, 373/2013 e 526/2013.
2.3. Ainda que com uma formulação diferente na parte decisória e com base em diferente fundamentação, os Acórdãos n.ºs 297/2013 e 354/2013, julgaram inconstitucional, por violação do disposto no artigo 30º, nº 3, da Constituição, a norma do artigo 8.º, n.º 7, do RGIT, na parte em que se refere à responsabilidade solidária dos gerentes e administradores de uma sociedade que hajam colaborado dolosamente na prática de infração tributária pelas multas aplicadas à sociedade.
No mesmo sentido foram proferidas as Decisões Sumárias n.ºs 288/2013, 360/2013, 373/2013 e 526/2013.
3.Conclusão
1. A norma do artigo 8.º, n.º 7, do RGIT, quando aplicável a gerente de uma pessoa coletiva que foi igualmente condenada a título pessoal pela prática da mesma infração tributária é inconstitucional por violação do disposto no artigo 29º, nº 5, da Constituição.
2. Termos em que deverá negar-se provimento ao recurso.» (fls. 220 a 228)
3. Igualmente notificado para o efeito, o recorrido B. veio apresentar as seguintes contra-alegações:
«Foi proferida de fls 402 e 403, despacho de indeferimento, relativamente às promoções de folhas 381 e 396 dos presentes autos.
Onde se indeferiu a aplicação de colma e demais encargos, com fundamento na desaplicação, por inconstitucionalidade, do disposto no artigo 8.° do Regime Geral das Infrações Tributárias, quando interpretado com o sentido de que aí se consagra uma responsabilização subsidiária pelas coimas que se efetiva através do mecanismo da reversão da execução fiscal contra os gerentes c administradores da sociedade devedora.
O Ministério Público recorreu deste douto despacho, nos termos do artigo 70.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, na parte em que efetuou a recusa acima aludida.
Defendendo que a norma do artigo 8.°, n.º 1, alíneas a) e b), do Regime Geral das Infrações Fiscais, na interpretação que consagra uma responsabilização subsidiária dos administradores e gerentes pelo pagamento de colmas aplicadas à Sociedade, que se efetiva através do mecanismo da reversão da execução fiscal, não viola os artigos 30°, n.º 3 e 32°, nºs 2 e 10 da Constituição, não sendo, por isso, inconstitucional.
Todavia e salvo melhor opinião, entende o recorrido que o chamamento dos gerentes das sociedades à execução não poderá ser feito com o' mesmo titulo que serviu para instaurar a execução contra a sociedade, ou seja, o título em causa não comporta a responsabilização dos administradores e gerentes pelo seu comportamento pessoal.
Assim e ao permitir-se que os gerentes das sociedades comerciais, sejam alvos de uma responsabilidade, configuraria uma violação do princípio do processo equitativo previsto no artigo 20°, n° 1, da Constituição nomeadamente no que toca aos direitos de defesa que lhe são inerentes.
Pelo exposto, e atento ao vertido deverá ser julgada inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da culpa, da igualdade e da proporcionalidade, a norma do artigo 8.º, do Regime Geral das Infrações Tributárias aprovado pela Lei 15/2001, de S de junho, interpretado com o sentido de que ai se consagra uma responsabilização subsidiária pelas coimas que se efetiva através do mecanismo da reversão da execução fiscal contra os sócios gerentes, ora arguidos.»
4. Por sua vez, os demais recorridos, apesar de notificados, deixaram expirar o prazo sem que viessem aos autos contra-alegar.
Posto isto, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
5. A questão ora em apreço já foi objeto de inúmera jurisprudência deste Tribunal, que concluiu, invariavelmente pela inconstitucionalidade da mesma e exata interpretação normativa que agora se volta a apreciar (assim, ver os Acórdãos n.º 1/2013, n.º 297/2013, n.º 354/2014, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/). Porém, à data em que a Relatora proferiu despacho para apresentação de alegações escritas, nem a presente Secção tinha ainda tomado posição sobre a matéria, nem tão pouco o Plenário deste Tribunal a tinha apreciado
Desde então, por força dos Acórdãos n.º 732/2013 e n.º 825/2013 (ambos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), esta mesma 2ª Secção aderiu integralmente aos fundamentos e ao sentido da jurisprudência anteriormente fixada, por unanimidade dos seus membros. Mas, mais do que isso, foi proferido, em Plenário, o Acórdão n.º 171/2014 (igualmente disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), que declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma extraída do artigo 8º, n.º 7, do RGIT, na parte em que se refere à responsabilidade solidária dos gerentes e administradores de uma sociedade, que tenham colaborado dolosamente na prática de infração tributária, pelas multas aplicadas àquela sociedade, por violação do artigo 30º, n.º 3, da Constituição.
Assim sendo, em estrito cumprimento do determinado pelo Acórdão n.º 171/2014, impõe-se apenas constatar que a decisão recorrida se limitou a desaplicar uma norma inconstitucional, que, no presente momento, já não vigora no ordenamento jurídico português, por via do artigo 282º, n.º 1, da CRP.
III – Decisão
Em face do exposto, decide-se, mediante mera aplicação da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, resultante do Acórdão n.º 171/2014, negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Sem custas, por não serem legalmente devidas.
Lisboa, 6 de Março de 2014.- Ana Guerra Martins – Fernando Vaz Ventura - João Cura Mariano – Pedro Machete – Joaquim de Sousa Ribeiro.