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Processo n.º 241/11
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, a Relatora proferiu a Decisão Sumária n.º 265/2011:
“I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A., e recorridos o Ministério Público e B., Lda., a primeira veio interpor recurso, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, do acórdão proferido, em conferência, pela 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra, em 5 de Janeiro de 2011 (fls. 578 a 625), sem que fosse explicitada a(s) norma(s) ou interpretação(ões) normativa(s) que pretendia ver apreciada.
2. Consequentemente, a Relatora proferiu convite de aperfeiçoamento, em 1 de Abril de 2011 (fls. 640), na sequência do qual a recorrente veio esclarecer que pretendia ver apreciada a (alegada) “inconstitucionalidade das normas constantes dos nºs. 3.b), 4 e 6 do artigo 412º e do art. 428º, ambos do Código do Processo Penal, na interpretação adoptada no douto acórdão recorrido, segundo a qual, no recurso destinado a impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, a especificação das provas que impõem decisão diversa da recorrida exige a indicação do conteúdo específico do meio de prova, exige a explicitação da razão por que essa prova impõe decisão diversa da recorrida e exige, tratando-se de prova gravada, a indicação da ou das passagens dos depoimentos em que se funda a impugnação, sob pena de o Tribunal de recurso não proceder à audição [ou] visualização dos depoimentos indicados pelo recorrente e, assim, não sindicar a decisão proferida sobre a matéria de facto” (fls. 642).
Cumpre, então, apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
3. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo” (cfr. fls. 635) com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, nº 2, da LTC.
Se o Relator verificar que algum, ou alguns deles, não foram preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
4. Antes de mais, cumpre notar que a própria recorrente admite não ter suscitado, perante o tribunal recorrido, a inconstitucionalidade da interpretação normativa que ora pretende ver apreciada, justifica, contudo, tal omissão na convicção de que a interpretação normativa seria surpreendente e insólita, e como tal, não lhe caberia antecipar a possibilidade da sua aplicação. Vejamos se assim é.
Conforme demonstra a própria decisão recorrida, o dever processual de especificação das provas que imporia decisão contrária tem vindo a ser alvo de abundante e exaustiva jurisprudência dos tribunais superiores (cite-se, a mero título de exemplo, os acórdãos mencionados pela decisão recorrida – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 26/01/2000, de 24/10/2002, de 08/03/2006, de 04/10/2006, de 04/01/2007, de 10/01/2007, e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 14/07/2010), incluindo do próprio Tribunal Constitucional (entre inúmeros outros, ver Acórdãos n.º 120/2004, n.º 357/2006, n.º 473/2007, n.º 386/2009, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/). Esta jurisprudência – com excepção do supra citado acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra – foi proferida em momento prévio à motivação e conclusões do recurso (então) interposto, pelo que a recorrente não podia, de acordo com um critério objectivo, desconhecer o respectivo sentido interpretativo.
E nem vale a pena alegar – como pretendeu a recorrente em requerimento de aperfeiçoamento (fls. 642-verso) – que a interpretação normativa que ora se aprecia diverge, de modo substancial, da adoptada pela vasta e abundante jurisprudência atrás citada, porque tal não corresponde ao sentido extraído daquela jurisprudência. Além disso, a circunstância de um dos referidos arestos ter sido proferido quando vigorava uma redacção legal anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, não invalida que aquela interpretação normativa tenha, posteriormente, sido transposta e adoptada pela jurisprudência subsequente.
Acresce ainda que a própria recorrente demonstra, em sede de motivação e conclusões de recurso estar bem ciente da discussão doutrinária e jurisprudencial acerca do dever de especificação da matéria de facto provada, visto que cita, a esse propósito, o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, em 02/12/2009 (fls. 505 e 506). Ainda que tal acórdão diga respeito ao problema do dever de especificação pelo julgador – e não por um arguido, em sede de recurso sobre matéria de facto –, certo é que a recorrente demonstra alcançar o significado normativo do dever de especificação. Tanto assim é que, ao longo de largas páginas (fls. 508 a 537) procura, precisamente, proceder a essa especificação.
Sucede, porém, que a decisão recorrida – mal ou bem, tal não cabe ao Tribunal Constitucional ponderar – considera que a especificação desenvolvida foi insuficiente. Assim sendo, não pode afirmar-se que a recorrente tenha sido surpreendida pela interpretação normativa extraída da conjugação entre os nºs 3 e 4 do artigo 412º e 428º do Código de Processo Penal (CPP), devendo antes concluir-se que aquela apenas discorda da conclusão extraída pela decisão recorrida, de acordo com a qual o modo como a motivação e conclusões foram concebidas não corresponde a uma especificação suficiente. No fundo, a recorrente estava ciente da interpretação normativa que viria a ser – a final – aplicada, mas, simplesmente, no momento em que apresentou recurso, considerou que a sua peça processual correspondia às exigências decorridas daquela interpretação.
Ora, não foi esse o entendimento da decisão recorrida e não cabe agora a este Tribunal apreciá-lo, pois não dispõe nem constitucional nem legalmente de poderes para tal efeito. Cabia, porém, à recorrente, “ad cautelam”, suscitar a inconstitucionalidade de uma hipotética interpretação normativa correspondente à que veio a ser efectivamente adoptada, antecipando a possibilidade de o Tribunal da Relação de Coimbra vir a considerar que, à luz daquela interpretação normativo, o modo como o recurso tinha sido configurado não cumpria as exigências de especificação da prova que impunha decisão contrária. Tal ónus de suscitação decorre directamente do artigo 72º, n.º 2, da LTC, não sendo afastado pela natureza (alegadamente) insólita e surpreendente da decisão em crise, que, neste caso específico, não se verifica.
Por último, importa ainda notar que, mesmo que a recorrente não tivesse podido antecipar a possibilidade de aplicação da interpretação normativa ora reputada de inconstitucional – o que apenas se considera com intuito de exaustão da presente fundamentação –, certo é que a recorrente foi devidamente notificada, através do seu mandatário, por ofício registado em 9/9/2010 (fls. 563), do conteúdo da resposta do Ministério Público (fls. 544 a 559) ao recurso ordinário por si interposto. Ora, nessa sede, foi alegado, com bastante exaustividade que a recorrente não havia especificado, de modo processualmente adequado, as provas que impunham decisão diversa. A título exemplificativo, veja-se:
“E, muito embora a arguida acabe por indicar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados (fls. 31 e 32 da sua motivação), indicando ainda a factualidade que, da sua perspectiva, deveria ter sido dada como assente (fls. 34 e 35 da sua motivação), não indica especificadamente as provas que impunham relativamente a cada ponto uma decisão diversa quanto à matéria de facto” (fls. 549)
Aliás, sublinhe-se que a referida resposta chega a transcrever o preceito legal do qual foi extraída a interpretação normativa ora em discussão (artigo 412º, nºs 3 e 4, do CPP) e a citar jurisprudência sobre a qual alicerçou aquela interpretação (cfr. fls. 551 a 553).
Por conseguinte, pelo menos ao ter sido notificada da resposta do Ministério Público, cabia à recorrente ter suscitado a inconstitucionalidade daquela interpretação normativa (artigo 72º, n.º 2, da LTC). Efectivamente, a decisão recorrida não é, de modo algum, insólita ou surpreendente, tendo a recorrente podido antecipá-la, quanto mais não fosse, por força da confrontação com o entendimento exposto pelo Ministério Público em sede de resposta à sua motivação de recurso.
Não o tendo feito, mais não resta do que recusar conhecer do objecto do presente recurso.
III – DECISÃO
Nestes termos, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC, e pelos fundamentos expostos, decide-se não conhecer do objecto do presente recurso.
Custas devidas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.”
2. A recorrente vem agora reclamar para a conferência, ao abrigo do artigo 78º-A, nº 3, da LTC, podendo extrair-se as seguintes conclusões:
“1. Salvo o devido respeito, a “decisão sumária” em apreço é, ela própria, surpreendente e inesperada.
(…)
11. A douta “decisão sumária” assume que a Recorrente deveria contar com a hipótese de o Tribunal da Relação de Coimbra vir a adoptar a orientação expressa no acórdão recorrido.
12. Salvo o devido respeito, não se vê como aceitar este entendimento.
13. Primeiro, e por referência ao momento em que deu entrada nos autos a motivação de recurso (04/06/2010), o entendimento adoptado no acórdão recorrido é peregrino.
14. Aliás, só em face do acórdão recorrido é que há notícia de um outro aresto da mesma Relação, datado, todavia, de 14/07/2010, com uma orientação semelhante à do acórdão recorrido.
15. Em rigor, daquilo que se conhece, no regime legal vigente e aplicável, só esses dois acórdãos têm uma interpretação tão restritiva e castradora dos preceitos em apreço como o acórdão recorrido, sendo ambos posteriores à motivação da Recorrente.
16. Portanto, por aqui, não pode jamais dizer-se que a Recorrente poderia antecipar a interpretação que vingou, seja pelo seu carácter peregrino, seja ainda por, em princípio, não ser exigível a antevisão de decisões manifestamente desfasadas daquilo que se tem como normal.
17. Segundo, e ao contrário do que é enfatizado pela douta “decisão sumária”, é totalmente destituída de sentido a alusão (feita no acórdão recorrido e também na “decisão sumária”) a acórdão tirados por referência à lei processual penal na redacção anterior à introduzida pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto.
18. Ao contrário do que parece supor-se, há uma diferença abissal entre aquilo que resultava dos nºs. 3 e 4 art. 412º do CPP até à referida alteração legislativa e aquilo que resulta da redacção actual.
19. Todas as discussões tidas em volta da redacção pretérita eram condicionadas por um elementos que desapareceu do ordenamento jurídico: a transcrição.
20 Nesse domínio, dizendo a lei que havia lugar à transcrição, o que foi sendo resolvido pela jurisprudência dos Tribunais superiores e até do Tribunal Constitucional tinha a ver com o âmbito das transcrições, posto que não faria sentido transcrever, sem critério, todos os depoimentos gravados prestados em audiência.
(…)
22. Em total e absoluta diferença de paradigma, o novo regime legal deixou de colocar esse problema, pela simples razão de que não há transcrição e, mais do que isso, o Tribunal de recurso procede à audição ou visualização das passagens indicadas, como se lê no nº 4 do art. 412º do CPP.
(…)
24. Por isso, perderam sentido todas as discussões que tinham por pressuposto essencial a dita transcrição, não podendo convocar-se para aqui decisões marcadas no tempo, já que a lei foi alterada, sendo inaplicáveis os respectivos argumentos.
(…)
27. Para a economia desta reclamação, o que não pode aceitar-se é a afirmação de que a Recorrente deveria antecipar o sentido daquela interpretação.
(…)
30. E não se diga também que, pelo menos, em face da resposta do Ministério Público a atitude da Recorrida poderia ou deveria ter sido outra.
31. A resposta do Ministério Público, mesmo no segmento reproduzido na douta “decisão sumária” nada tem que ver, em termos de nexo lógico, com a interpretação que veio a ser adoptada no acórdão recorrido.
32. O que o Ministério Público afirma é que a Recorrente «…não indica especificadamente as provas que impunham relativamente a cada ponto uma decisão diversa quanto à matéria de facto».
33. Desde logo, tal afirmação não tem qualquer fundamento, como resulta da simples leitura da motivação de recurso.
34. Depois, isso nada tem que ver com a ideia (adoptada peregrinamente no acórdão recorrido) de que a especificação das provas inclui:
- a indicação do conteúdo específico do meio de prova;
- a explicitação da razão por que essa prova impõe decisão diversa da recorrida; e
- tratando-se de prova gravada, a indicação da ou das passagens dos depoimentos em que se funda a impugnação.
35. E, como se disse, o problema está exactamente aqui.
36. Portanto, em face da resposta do Ministério Público, nem à Recorrente, nem a qualquer pessoa colocada na posição desta seria exigível imaginar a hipótese de vingar o entendimento (peregrino entendimento) adoptado no acórdão recorrido.
37. Salvo o devido respeito, o critério ad cautelam sugerido pela douta “decisão sumária” tem de ser moderado, sob pena de em todas as acções e na primeira intervenção processual, as partes, à cautela, arguirem inconstitucionalidades, banalizando algo que é grave e sério.
(…).”
3. Notificada para o efeito, a recorrida B., Lda. Veio responder nos seguintes termos:
“1. Veio a ora Recorrente interpor recurso para este Tribunal da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 14/6/2010.
2. Posteriormente e em face da decisão sumária proferida pela Exm.ª Juíza Conselheira Relatora em 05/0512011, com a qual não se conformou, vem a ora Recorrente reclamar para a conferência, explanando as suas motivações conforme requerimento que antecede.
3. Pretende a Recorrente que lhe seja admitido e apreciado o recurso interposto, com o fundamento na “obrigatoriedade de proferir decisão sobre o mérito da causa” que supostamente e no seu entender impenderia sobre o Tribunal da Relação de Coimbra, à semelhança de todos os restantes.
4. Este último, ao interpretar — a nosso ver muito bem, sem qualquer margem para erro ou abuso de direito — o disposto no Código de Processo Penal, mais concretamente nos nºs 3 b), 4 e 6 do art. 412° e no art. 428°, mais não poderia fazer do que decidir como decidiu.
5. Aliás, tal conclusão encontra-se desde logo plasmada na decisão sumária proferida pela Exma. Juíza Conselheira Relatora em 05105/2011, que entendeu e bem não admitir o recurso para esta instância.
6. Isto porque, a decisão recorrida torna desde logo evidente que o entendimento que a Recorrente pretende classificar como peregrino, é pacificamente adoptado e aceite no âmbito de Acórdãos anteriormente proferidos.
7. Abstemo-nos de elencar o que já mui doutamente se encontra expresso a ponto 4. da fundamentação da referida decisão sumária, e para onde remetemos integralmente.
8. É pois nosso entender que a presente reclamação não poderá ver-lhe atribuída nenhuma outra decisão diversa da já proferida e deverá a mesma ser confirmada pelos Exmos. Juízes Conselheiros em conferência.” (fls. 679)
4. Por sua vez, igualmente notificado para o efeito, o Ministério Público veio responder nos seguintes termos:
“1º
Pela douta Decisão Sumária nº 275/2011, não se tomou conhecimento do objecto do recurso porque, não tendo a recorrente suscitado a questão de inconstitucionalidade durante o processo, não estava dispensado de o fazer.
2º
A recorrente pretende ver apreciada a constitucionalidade das normas dos artigos 412.º, n.ºs 3, alínea b), 4 e 6 e 428.º, ambos do CPP, numa determinada interpretação, que concretiza.
3.º
A recorrente assume que não suscitou a questão durante o processo, porque não era expectável que as normas viessem a ser interpretadas, como efectivamente foram, da forma indicada no requerimento de interposição do recurso.
4.º
No recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o recorrente só está dispensado do ónus da suscitação prévia, quando a interpretação levada a cabo na decisão recorrida for surpreendente, anómala ou insólita.
5.º
Na Decisão Sumária demonstra-se de forma exaustiva que não estamos perante um desses casos.
6.º
Efectivamente, a interpretação acolhida no Acórdão da Relação – a decisão recorrida – limitou-se a seguir uma vasta jurisprudência existente sobre tal matéria, sendo essa jurisprudência anterior à apresentação da motivação do recurso para a Relação.
7.º
Aliás, a interpretação em causa, não se afasta de modo relevante do preceito legal, visto na sua literalidade.
8.º
Por exemplo: a recorrente fala em “especificação das provas que impõem decisão diversa” e na alínea b) do n.º 3 do artigo 412º pode ler-se: “as concretas provas que impõem decisão diversa”.
9.º
Outro exemplo: a exigência da indicação da ou das passagens dos depoimentos, quando tenha havido gravação de prova, resulta clara e inequivocamente da letra da lei (n.º 4 do artigo 412.º).
10.º
Por outro lado, mesmo que as razões já indicadas não afastassem o carácter insólito ou inesperado da interpretação, tal ocorreu, seguramente, após a apresentação, pelo Ministério Público, da resposta à motivação do recurso.
11.º
Nessa resposta, o Ministério Público entendeu que o recurso sobre a matéria de facto não podia ser conhecido, porque não tinham sido cumpridos os requisitos constantes do artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, fazendo uma interpretação dessas normas que corresponde, integralmente, a acolhida pela Relação.
12.º
Ora, a recorrente foi notificada dessa resposta (fls. 562) e também foi notificada do conteúdo do parecer emitido pelo Ministério Público na Relação (fls. 572) no qual se acompanhou “o teor das bem elaboradas contra-alegações do Magistrado da 1.ª instância”.
13.º
Não tendo a interpretação feita na Relação, nada de insólito nem de surpreendente, não estava a recorrente dispensada do ónus da suscitação prévia, devendo, consequentemente, indeferir-se a reclamação.”
II – Fundamentação
5. A reclamação apresentada não logra abalar os fundamentos da decisão reclamada. Desde logo porque a reclamante insiste na natureza insólita ou surpreendente (ou, de acordo com as suas palavras, “peregrina”) da interpretação normativa acolhida pela decisão recorrida, sem que, contudo, consiga demonstrar que aquela seja verdadeiramente inovadora face às interpretações normativas acolhidas na vasta jurisprudência citada pela decisão ora reclamada.
Com efeito, a reclamante pretendia que fosse apreciada uma interpretação segundo a qual “a especificação das provas que impõem decisão diversa da recorrida exige a indicação do conteúdo específico do meio de prova, exige a explicitação da razão por que essa prova impõe decisão diversa da recorrida e exige, tratando-se de prova gravada, a indicação da ou das passagens dos depoimentos em que se funda a impugnação”. Ora, independentemente da questão de saber se a decisão recorrida se limitou, ou não, a aderir à interpretação desde há muito adoptada pelos tribunais criminais, a reclamante não pode invocar em seu favor qualquer dispensa do ónus de prévia suscitação daquela inconstitucionalidade normativa, na medida em que aquela foi devidamente notificada de resposta e subsequente parecer do Ministério Público que invocou, precisamente, a interpretação normativa posteriormente acolhida pelo tribunal recorrido. Porém, confrontada com tal possibilidade, a reclamante não colocou em crise a constitucionalidade da mesma, em tempo oportuno.
Consequentemente, a reclamante não pode ser dispensada do ónus processual decorrente do artigo 72º, n.º 2, da LTC, na medida em que a aplicação da interpretação normativa não se apresenta como “insólita” ou “inesperada”. Em suma, mais não resta que confirmar integralmente o teor da decisão sumária reclamada.
III - Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Fixam-se as custas devidas pela recorrente em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 28 de Setembro de 2011. – Ana Maria Guerra Martins – Vítor Gomes – Gil Galvão.