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Processo n.º 971/13
1.ª Secção
Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros
Acordam, na 1.ª secção, no Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Por sentença proferida no Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, foi recusada a aplicação da norma contida no artigo 381.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, na redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, “na interpretação em que é aplicável a crimes cuja pena máxima abstratamente aplicável é superior a cinco anos de prisão, por violação dos princípios das garantias de defesa e de um processo equitativo, previsto nos artigos 20.º, n.º 4, e 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa”, por a mesma ter sido considerada materialmente inconstitucional.
2. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do tribunal a quo, vem interpor o presente recurso ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), com fundamento em tal recusa.
Notificado para os efeitos previstos no artigo 79.º da LTC, apresentou alegações com as seguintes conclusões:
O Ministério Público interpôs recurso obrigatório, nos presentes autos, do douto despacho do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, no qual a Mm.ª Juiz “a quo”, decidiu que:
“Julga-se inadmissível a tramitação dos presentes autos sob a forma sumária, por se entender inconstitucional o artigo 381.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, na redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, na interpretação em que é aplicável a crimes cuja pena máxima abstratamente aplicável é superior a cinco anos de prisão, por violação dos princípios das garantias de defesa e de um processo equitativo previsto nos artigos, 20.º, n.º 4, e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, e recusar a sua aplicação ao caso vertente”.
Centrou-se, pois, o recurso do Ministério Público, na apreciação da constitucionalidade da norma constante do n.º 1 do artigo 381.º do Código de Processo Penal, na dimensão da sujeição a julgamento, por tribunal singular, de crimes cuja pena máxima de prisão, abstratamente aplicável, seja superior a cinco anos.
Sobre esta matéria, já teve o Tribunal Constitucional oportunidade de se pronunciar, nos seus Acórdãos n.ºs 428/13 e 469/13, tendo julgado, em ambos, inconstitucional a norma do artigo 381º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro.
No Acórdão n.º 428/13, o Tribunal Constitucional decidiu, concretamente:
“julgar inconstitucional a norma do artigo 381º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na redação introduzida pela Lei 20/2013, de 21 de fevereiro, na interpretação segundo a qual o processo sumário aí previsto é aplicável a crimes cuja pena máxima abstratamente aplicável é superior a cinco anos de prisão, por violação do artigo 32º, n.ºs 1 e 2, da Constituição”.
No Acórdão n.º 469/13, decidiu o Tribunal Constitucional:
“julgar inconstitucional a norma do artigo 381.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, na interpretação segundo a qual o processo sumário aí previsto é aplicável a crimes cuja pena máxima abstratamente aplicável é superior a cinco anos de prisão, sem que o Ministério Público tenha utilizado o mecanismo de limitação de pena a aplicar em concreto a um máximo de cinco anos de prisão previsto no artigo 16.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, por violação do artigo 32.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição”.
Em ambos os casos, considerou o Tribunal Constitucional que a norma em causa nos presentes autos, a ínsita no n.º 1 do artigo 381.º do Código de Processo Penal, na redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, é violadora das garantias de defesa do arguido, tal como consagradas no artigo 32.º, n.ºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa.
As razões apontadas para alcançar tal conclusão prendem-se com a constatação de que:
“o princípio da celeridade processual não é um valor absoluto e carece de ser compatibilizado com as garantias de defesa do arguido. À luz do princípio consignado no artigo 32º, n.º 2, da Constituição, não tem qualquer cabimento afirmar que o processo sumário, menos solene e garantístico, possa ser aplicado a todos os arguidos detidos em flagrante delito independentemente da medida da pena aplicável. Tanto mais que mesmo o processo comum, quando aplicável a crimes a que corresponda pena de prisão superior a cinco anos, dispõe já de mecanismos de aceleração processual por efeito dos limites impostos à duração de medidas de coação que, no caso, sejam aplicáveis (artigos 215º e 218º do CPP)”.
A este argumento, acrescentaremos o anteriormente defendido pelo Ministério Público, no sentido de que a solução eleita pelo legislador, e plasmada no n.º 1 do artigo 381.º do Código de Processo Penal, faz depender a atribuição da competência para o julgamento, no que concerne a crimes cuja pena máxima abstratamente aplicável seja superior a cinco anos, do facto incidental, e estranho ao objeto material do conhecimento do tribunal, da ocorrência de detenção em flagrante delito.
A par de tal verificação, inferimos que este facto, estranho à substância do litígio, acaba por determinar, que, de forma desigual e iníqua, factos da mesma natureza e gravidade, sejam julgados, distintamente, por um tribunal singular ou por um tribunal coletivo, conforme, respetivamente, o arguido tenha, ou não, sido detido em flagrante delito.
Resulta daqui que, após termos aceitado que o julgamento perante tribunal singular concede menores garantias de defesa ao arguido do que o julgamento perante tribunal coletivo, devemos concluir que a nova redação dada ao n.º 1 do artigo 381.º do Código de Processo Penal, ao permitir que um arguido - detido em flagrante delito pela prática de um crime ao qual seja, abstratamente, aplicável pena de prisão superior a cinco anos - seja julgado perante tribunal singular, não assegura a este arguido “todas as garantias de defesa”, uma vez que não lhe assegura o julgamento perante tribunal coletivo, o qual lhe seria assegurado caso não tivesse sido detido em flagrante delito.
Verifica-se, pois, igualmente, a inconstitucionalidade da norma sob escrutínio, por violação do princípio da igualdade nas garantias do processo criminal, resultante da conjugação do disposto nos artigos 13.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, resultante da transgressão da dimensão de proibição do arbítrio, na medida em que o legislador ordinário decidiu tratar desigualmente (com injustificada diminuição das garantias de defesa do arguido) situações que, substancialmente, se representam iguais.
Segundo qualquer das perspetivas enunciadas, deve a norma constante do n.º 1 do artigo 381.º do Código de Processo Penal ser, consequentemente, julgada inconstitucional.»
3. O recorrido, notificado para o efeito, não apresentou contra-alegações.
Cumpre decidir.
II – Fundamentação
4. A questão de constitucionalidade que se perfila nos autos, foi já apreciada pelo Tribunal Constitucional, em Plenário, no Acórdão n.º 174/2014, disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
Naquele acórdão decidiu-se declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral da norma contida no artigo 381.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, na interpretação segundo a qual o processo sumário aí previsto é aplicável a crimes cuja pena máxima abstratamente aplicável é superior a cinco anos de prisão, por violação do artigo 32.º, n.os 1 e 2, da Constituição da República portuguesa.
Cumpre, assim, aplicar aquela decisão.
III – Decisão
5. Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Sem custas.
Lisboa, 25 de março de 2014. – Maria de Fátima Mata-Mouros – João Caupers – Maria Lúcia Amaral – José da Cunha Barbosa – Joaquim de Sousa Ribeiro.