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Processo n.º 522/11
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, A., Lda., reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho proferido naquele Tribunal que não admitiu o recurso, por si interposto, para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
«A., LDA” arguida/recorrente nos autos à margem melhor identificados,
Vem deduzir RECLAMAÇÃO, da douta decisão de fls. 155 proferida pelo MM.º Juiz Desembargador/Relator do Tribunal “a quo”, o qual indeferiu a interposição de Recurso para o Tribunal Constitucional apresentada e, que se encontra a fls. 153 a 154 dos autos,
Nos termos e com os seguintes fundamentos:
1º
O MM.º Juiz desembargador /Relator proferiu a fls. 155 dos autos douta decisão, nos termos da qual decidiu não admitir o Recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
2º
Salvo o devido respeito, que é muito, não pode a Recorrente conformar-se com tal decisão pelos motivos que sucintamente passa a expor.
3º
Fundamenta a Recorrente a presente Reclamação, desde logo, no teor do seu requerimento de interposição de Recurso para este Alto Tribunal, o qual se encontra a fls. 153 a 154 dos autos e que por isso, por brevidade e economia processual, aqui se deve ter por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.
4º
Aqui se assinalando, como pertinente e, no muito modesto entender da Recorrente/Reclamante, que a norma cuja constitucionalidade deve ser apreciada nestes autos de recurso, é a norma criada pelo Tribunal “a quo”- e que foi aplicada no douto Acórdão reclamado — a qual arrancando do disposto no art. 291.º do Cod. Proc. Penal do Código de Processo Penal, permite que o Juiz de Instrução nenhuma diligência de prova realize, e nem uma verdadeira e consistente análise crítica da prova constante do processo ocorra, isto é, a interpretação que permite o indeferimento integral de todas as diligências de prova requeridas pela arguida/recorrente no âmbito da Instrução.
5º
A norma ou melhor dito, o “complexo normativo” assim criado pelo Tribunal da Relação no seu douto Acórdão aqui recorrido - na exacta medida em que considera que “… se não configura no despacho recorrido inconstitucionalidade...” - viola os princípios constitucionais de Acesso à justiça e do “due process in law”, e até do próprio Principio da “Proibição da indefesa”, quer por violação das amplas garantias de defesa conferidas à arguida/requerente pelo disposto nos art.ºs 2, 20.º e 32.º. da Constituição da Republica Portuguesa.
6
Os autos e aquela concreta vertente da decisão recorrida evidenciam que o Tribunal da Relação de Lisboa, lançando mão deste “critério normativo”, que extraiu do supra citado preceito legal, validou o mesmo e tornou-o susceptível de ser generalizado.
7º
Ou seja, daqui para o futuro, e tal como vem sucedendo e generalizando, aquele enunciado critério normativo que foi extraído — -e nós pensamos que mal … — do citado art.º 291.º do CPP, permite que o juiz de instrução, indefira toda e qualquer diligência de prova requerida pelo arguido e, sem dar qualquer tipo de justificação, tão só e apenas porque tem tal “poder de decisão”.
8º
Como parece ser entendimento maioritário, “aos tribunais compete não somente a verificação dos pressupostos de aplicação da norma, ou do respectivo sentido normativo, mas também a correcção da interpretação da norma e a observância do principio da proporcionalidade nessa aplicação, expressa não apenas no respeito do fim da norma mas também na correcção da adequação do meio ao resultado, ou seja, do “iter” lógico seguido... na valoração da situação concreta e da correcção interna dos raciocínios lógico discursivos que presidiram à sua aplicação ao caso” — in Ac. N 233/94 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol.27, pág. 595)
9º
Cumprindo ainda assinalar que, quando é essencial à resolução da questão de constitucionalidade, o tribunal não pode deixar de conhecer de certos aspectos do direito infra-constitucional.
Designadamente,
10º
“... não pode deixar de verificar a justeza das qualificações feitas pelo tribunal recorrido, quando tal for indispensável para resolução da questão de constitucionalidade, ou, talvez melhor dizendo, quando a questão de constitucionalidade coincidir, em maior ou menor dimensão com a questão da qualificação feita à luz do direito ordinário” — Ac. T.C. n° 279/2000 de 16/05/2000 — in BMJ, ano 2000, n.° 497, pág. 83.
11º
Assim, e tendo em conta que a Constituição da República especificamente comete ao Tribunal Constitucional a função de administrar a justiça em matérias de natureza jurídico- constitucional
12°
Em nosso entendimento, sempre salvo o devido e merecido respeito, este Alto Tribunal deverá pronunciar-se sobre a supra aludida questão normativa que se vem generalizando nos nossos tribunais superiores, e que padece do vício de inconstitucionalidade que se lhe assinalou.
13°
Daí que, e ainda salvo o devido e merecido respeito, e como infra melhor se explicitará, entende a arguida/recorrente que no requerimento apresentado nos autos em 24/06/2010 — data da remessa via CTT — e através do qual deduziu reclamação do despacho proferido pelo Juiz de Instrução, invocando a inconstitucionalidade consistente no indeferimento de todas as diligências de prova requeridas, cumprindo desse modo, quando pela primeira vez foi confrontada com essa questão de inconstitucionalidade, os pressupostos mínimos bastantes e suficientes à interposição do respectivo Recurso - ao qual tem inalienável direito - para este colendo Tribunal – art.ºs 70.° n.° 1 al. b) e g), 72.° n.º 2 e 75.° da Lei n.° 28/82 de 15 de Novembro na sua actual redacção.
14°
Tal como defende a Recorrente que este Alto Tribunal, conhecendo do objecto do recurso e permitindo que o mesmo melhor explane a sua posição e respectiva tese, a propósito da questão da Inconstitucionalidade colocada, melhor contribuirá para a plenitude do respeito pelos direitos e garantias dos cidadãos.
15°
Por tudo isto, e sendo de um ou de outro modo, defende ainda a Recorrente que a douta decisão reclamada, deverá ser reformada e, ou, alterada por forma a que seja determinada a admissão do Recurso interposto para este Tribunal Constitucional nos termos do disposto no art.º 76.°, 77.° e 78.º da Lei n.° 28/82 de 15 de Novembro.
Por outro lado,
16°
Suscita o MM.° Juiz desembargador/relator a questão de a “inconstitucionalidade” da norma não ter sido suscitada de modo processualmente adequado e, não ter sido suscitada antes da prolação da decisão recorrida.
17°
Todavia, no modesto modo de ver da Recorrente não se verificou, propriamente, uma “inadequada” de suscitação de tal questão — como o impõem os citados artigos da Lei do Tribunal constitucional —.
18°
A suscitação da inconstitucionalidade da norma interpretativa exarada na decisão recorrida, a nosso ver, foi realizada de forma instrumental e processualmente adequada.
Vejamos,
19°
No caso “sub judice”, a Recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade daquela interpretação, pela primeira vez, na reclamação do despacho de Pronuncia proferido pelo Tribunal de 1ª Instancia, que se encontra a fls._ dos autos.
20º
Ou seja, na primeira intervenção processual possível, após ter sido notificada de tal decisão e surpreendida com a interpretação dada ao citado artigo.
21º
Na sequência do indeferimento da Reclamação apresentada e não reconhecimento do vício de inconstitucionalidade invocado, apresentou a Recorrente recurso dirigido ao Tribunal “ a quo”, onde uma vez mais invocou o vício de inconstitucionalidade assinalado.
22º
Nas Alegações/Motivações de recurso apresentadas ao Tribunal “a quo”, invocou a questão da constitucionalidade subjacente à norma resultante da interpretação do disposto no citado artigo do C.P.Penal, que na decisão recorrida vinha sido feita pela 1.ª instância, designadamente no que tange à violação dos também ali aludidos Princípios Constitucionais do “due process in law”, e até do próprio Principio da “Proibição da indefesa”, quer por violação das amplas garantias de defesa conferidas à arguida pelo disposto nos art.ºs 2.º, 20.° e 32.º da Constituição da Republica Portuguesa.
23º
Notificada que foi do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, verificou a Recorrente que, a douta decisão recorrida acabou por ratificar e apropriar-se do normativo interpretativo que foi utilizado pelo tribunal de 1.ª Instância.
24º
E isto ao considerar que “...se não configura no despacho recorrido inconstitucionalidade...” — “vide gratiae” douto Acórdão aqui recorrido -.
25°
Surpreendida com tal decisão, foi a Recorrente constrangida a apresentar Interposição de Recurso para este Venerando Tribunal, pedindo o conhecimento da inconstitucionalidade da norma interpretativa exarada no despacho de 1.ª Instancia e adoptada pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
Ou seja,
26º
Salvo o devido respeito, a Recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade perante o Tribunal recorrido, na respectiva fase do processo em que foi possível invoca-la — 1.ª na Reclamação do despacho de 1ª Instancia e depois na motivação do Recurso do despacho de 1.ª Instancia dirigida ao Tribunal da Relação de Lisboa — e em momento em que o Tribunal “a quo” dela pudesse tomar conhecimento, isto é, antes de esgotado o poder jurisdicional sobre a matéria em causa.
27º
Tanto assim foi, que o Tribunal “a quo” teve oportunidade de se pronunciar — mesmo que singelamente — sobre a questão invocada pela Recorrente, em douto despacho proferido em 29/4/2011.
28º
Naquele douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, é exposto o seguinte:
“(...) Acresce que se não configura no despacho recorrido inconstitucionalidade, se interpretadas como o foram as normas nele invocadas, sem violação do art.º 32.º da Constituição da Republica Portuguesa, e dos princípios aí consignados”.
29º
Ou seja, infelizmente, acabou por não se pronunciar de forma POSITIVA e expressa sobre a supra invocada inconstitucionalidade.
30º
Mas, como decorre do que se acha escrito naquele douto Acórdão, essa questão foi tida em conta e foi entendida como improcedente.
31°
Tudo para dizer que, ao proferir tal entendimento, verifica-se que a “norma” cuja inconstitucionalidade foi suscitada pela recorrente, teve aplicação — foi implicitamente negada — no plano decisório negativo da decisão recorrida.
32°
Em sentido similar do supra propugnado, foi decidido em douto Acórdão, deste venerando Tribunal Constitucional, o seguinte:
“1 — A questão da inconstitucionalidade de uma norma só é suscitada durante o processo quando ele é proposta à decisão do tribunal a quo em tempo de este a poder decidir e, bem assim, em termos de ele ficar ciente de que tem de decidi-la — coisa ultima que, naturalmente, exige que possa saber qual a norma ou o segmento da norma cuja compatibilidade com a constituição se questiona -.
II — O modo mais adequado de suscitar a questão da inconstitucionalidade de uma determinada norma jurídica é, naturalmente, identificar o preceito legal que a contém, o diploma legal em que se inscreve e, bem assim, a norma ou principio constitucional que se entende que ela afronta e as razões de um tal entendimento.
III — Se, porém, perante o tribunal “a quo” identifica a norma que se considera inconstitucional apenas pelo seu conteúdo (em vez de indicar a forma que a contem) não há-de, necessariamente, concluir-se que a questão da inconstitucionalidade não foi suscitada durante o processo. Só haverá de concluir-se desse modo se, por via de assim se identificar a norma questionada, o tribunal “a quo” não tiver podido saber que a norma se considerava inconstitucional e, assim podido decidir a questão (...)”.
IV — Assim, constatando-se que o tribunal a quo ficou a saber perfeitamente que o recorrente ao afirmar que não eram «conformes à Constituição os diplomas donde decorrem as actualizações que tem sido feitas das pensões por acidentes de trabalho» estava a referir-se ao art. 3.° n.°1 e 2 do D.L. n.° 688/75 de 24/11, há que considerar a questão da inconstitucionalidade destas normas suscitada pelo recorrente durante o processo e, por isso, deixar prosseguir o recurso” — “vide gratiae” Acórdão n. 180/90, in BMJ, 398-548.
33°
Por tudo isto, entende a Recorrente que a douta decisão, deverá ser reformada e, ou, alterada por forma a que seja determinada a admissão do recurso interposto no que directamente diz respeito à referida “questão de inconstitucionalidade”, bem como determinada a notificação da recorrente para apresentar neste Tribunal as respectivas alegações, também quanto a essa questão de inconstitucionalidade invocada no requerimento de interposição de Recurso para este Tribunal.
Sem prescindir,
34º
E, sempre salvo o devido e merecidíssimo respeito pela decisão reclamada, de acordo com jurisprudência publicada deste venerando Tribunal, nos processos de fiscalização concreta da constitucionalidade, o que está em causa é a constitucionalidade das normas tais como elas foram interpretadas e aplicadas aos casos submetidos a julgamento — Acórdão do Trib. Cons. de 9 de Novembro de 1990.
35º
Sendo que, o Recurso de Constitucionalidade, embora reportado necessariamente a normas, não exclui a apreciação — e portanto a suscitação — referida à constitucionalidade da interpretação ou sentido com que determinada norma, vem sendo generalizada e, desse modo, tomada no caso concreto e aplicada na decisão recorrida — Acórdão do Tribunal Constitucional de 29 de Outubro de 1997.
36°
De acordo com jurisprudência publicada deste venerando Tribunal, nos processos de fiscalização concreta da constitucionalidade o que está em causa é a constitucionalidade das normas tais como elas foram interpretadas e aplicadas aos casos submetidos a julgamento — “vide gratiae” Ac. Trib. Cons. de 9 de Novembro de 1990.
NESTES TERMOS E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXA. VENERANDO JUIZ CONSELHEIRO, SE REQUER SEJA DADO PROVIMENTO À PRESENTE RECLAMAÇÃO, REFORMANDO-SE E, OU, REVOGANDO-SE A DOUTA DECISÃO RECLAMADA, SUBSTITUINDO-SE TAL DOUTA DECISÃO, POR OUTRA QUE DETERMINE A ADMISSÃO DO RECURSO INTERPOSTO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, ORDENANDO-SE O PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS, COM TODAS AS DEVIDAS E LEGAIS CONSEQUÊNCIAS. (…)»
2. Na sequência do despacho de fls. 35, o tribunal recorrido remeteu a este Tribunal as peças processuais aí identificadas.
3. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se nos termos que se seguem:
«1. A., Lda., veio interpor reclamação (cfr. fls. 1-6 dos autos) do despacho, de 18 de Maio de 2011 (cfr. fls. 30 dos autos), do Ilustre Desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa, que não admitiu o recurso por ela oportunamente interposto para o Tribunal Constitucional (cfr. fls. 28-29 dos autos).
2. Em causa, neste último recurso, a prolação do Acórdão, de 28 de Abril de 2011, do mesmo Tribunal da Relação (cfr. fls. 11-22 dos autos), que rejeitou o recurso interposto, pela ora reclamante, do despacho de pronúncia proferido pelo 2º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa.
Para o efeito, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou, designadamente, que o mesmo despacho de pronúncia era irrecorrível, nos termos dos arts. 309º, nºs 1 e 2, 310º, nºs 1 a 3 e 399º, todos do CPP (cfr. fls. 18-20 dos autos) e que, em bom rigor, o recorrente não havia, sequer, suscitado nenhuma questão de constitucionalidade normativa, não se verificando, de resto, os respectivos pressupostos (cfr. fls. 20-21 dos autos).
3. Na motivação da reclamação apresentada a este Tribunal Constitucional, a arguida alega, designadamente, que “a norma cuja constitucionalidade deve ser apreciada nestes autos de recurso, é a norma criada pelo Tribunal “a quo” - e que foi aplicada no douto Acórdão reclamado – a qual arrancando do disposto no art. 291º do Cód. Proc. Penal do Código de Processo Penal, permite que o Juiz de Instrução nenhuma diligência de prova realize, e nem uma verdadeira e consistente análise crítica da prova constante do processo ocorra, isto é, a interposição que permite o indeferimento integral de todas as diligências de prova requeridas pela arguida/recorrente no âmbito da Instrução” (cfr. fls. 1 verso dos autos).”
Alega, igualmente, que “deduziu reclamação do despacho proferido pelo Juiz de Instrução, invocando a inconstitucionalidade consistente no indeferimento de todas as diligências de prova requeridas, cumprindo, desse modo, quando, pela primeira vez foi confrontada com essa questão de inconstitucionalidade, os pressupostos mínimos bastantes e suficientes à interposição do respectivo Recurso – ao qual tem inalienável direito” (cfr. fls. 2 verso dos autos).
E acrescenta, mais adiante, que a suscitação da inconstitucionalidade foi “realizada de forma instrumental e processualmente adequada” (cfr. fls. 3-5 dos autos).
4. Ora, desde logo, a questão de (in)constitucionalidade suscitada não corresponde à ratio decidendi da decisão reclamada.
Basta, para o efeito, atentar na argumentação do Tribunal da Relação de Lisboa (cfr. fls. 19-20 dos autos), a este propósito, para se ver como é diferente da dimensão referida pela arguida, na motivação da sua reclamação:
“Por outro lado, invocar aparentes nulidades/irregularidades, “v.g.” por omissão/insuficiência da instrução, não pode sustentar, na medida em que visa obter um fim expressamente proibido por lei, o poder recorrer-se de despacho(s) judicial(is) anteriores, que são irrecorríveis, proferidos nos termos dos autos, a saber: “o despacho judicial proferido no final do debate instrutório – despacho de pronúncia” (conclusão 2ª), e o despacho judicial mencionado nas conclusões 14ª a 16ª – cf. Código de Processo Penal, artigo 291º, nº 1 – pelo qual “a arguida/recorrente viu-lhe ser indeferidas todas as diligências instrutórias requeridas, que consistiam quer na inquirição das testemunhas indicas no requerimento de apresentado, quer na inquirição do senhor perito que realizou o exame pericial que se encontra a fls. dos autos”.
Isto para lá de a omissão de diligências não impostas por lei não constituir qualquer nulidade das invocadas pela recorrente, de a insuficiência da instrução só poder respeitar à omissão de actos que a lei prescreva como obrigatórios (o que não sucedeu/veja-se, desde logo, o debate instrutório) – cf. Código de Processo Penal, artigo 120º, nºs 2, alínea d) e 3, alínea c) -, de a decisão revidenda ter dado como não escrita aquela parte da decisão instrutória (cfr. alínea B) da mesma) e/ou de, como se evidencia na resposta à motivação, e, ainda, na promoção de fls. 2219 a 2229 (ali, com outras anteriores, referida, dada por reproduzida e notificada à arguida com a decisão recorrida) a recorrente não tem qualquer razão, em termos do subjacente direito penal adjectivo, em qualquer das vertentes invocadas (o que levaria, e nessa medida, a concluir pela improcedência do recurso).”
Não havendo, assim, coincidência entre a questão de inconstitucionalidade suscitada e a ratio decidendi da decisão reclamada, falece um dos pressupostos do recurso de constitucionalidade.
5. Vejamos, contudo, ainda, a questão de saber se a arguida formulou uma adequada questão de constitucionalidade normativa.
Ora, em face da transcrição atrás feita, da motivação da sua reclamação para este Tribunal Constitucional (cfr. supra nº 3 do presente parecer), a resposta terá de ser negativa.
E o mesmo se poderá dizer dos elementos juntos pela arguida (cfr. fls. 40-55 dos autos), no seguimento do despacho do Ilustre Conselheiro Relator, de fls. 35 dos autos.
Tais elementos atacam, desde logo, a própria decisão, mas, para além disso, em matéria de constitucionalidade, limitam-se à enunciação das disposições constitucionais consideradas violadas (cfr. por exemplo, fls. 44, 46, 48, 49, 51, 52-55 dos autos).
6. Uma tal formulação não respeita, assim, os parâmetros habitualmente definidos, para o efeito, por este Tribunal Constitucional, como se facilmente se depreende do excerto abaixo indicado, retirado do Acórdão 181/10, deste Tribunal Constitucional:
“2. Na sua alegação, o representante do Ministério Público começou por levantar um obstáculo ao conhecimento do recurso; em seu entender, não teria sido adequadamente suscitada a questão de inconstitucionalidade que constitui o objecto desta pretensão. A questão prende-se com um dos requisitos de cuja verificação a lei faz depender a admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC. Exige, com efeito, o n.º 2 do artigo 72º LTC que tais recursos 'só podem' ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer. Em jurisprudência constante, o Tribunal tem entendido esta exigência no sentido de o recorrente estar obrigado a identificar com o necessário rigor uma determinada questão de inconstitucionalidade normativa, por forma a que o tribunal comum dela possa conhecer. E, salientando-se a circunstância de, em fiscalização concreta, o Tribunal ter apenas competência para sindicar normas jurídicas aplicadas nas decisões dos tribunais e não as próprias decisões desses tribunais, tem-se entendido que não pode haver-se como suscitação adequada aquela que não corresponda a uma enunciação normativa, mas à mera indicação de um sentido genérico não coincidente ao que é defendido pelo interessado, a qual, obviamente, não habilita o tribunal a extrair o sentido preciso da norma que seria inconstitucional.
A necessidade de individualização do segmento normativo, ou de enunciação do sentido ou interpretação normativa que o recorrente reputa inconstitucional torna-se evidente quando o preceito em causa se reveste de várias dimensões ou sentidos interpretativos, susceptíveis de suscitar questões de constitucionalidade diversas, eventualmente passíveis de tratamento autónomo (caso dos Acórdãos n.ºs 116/2002, 21/2006, 450/2006, 578/2007 e 131/2008). Compreende-se, por isso, que o ónus de suscitação de forma clara e precisa da questão de constitucionalidade se não basta com uma afirmação genérica de que uma “diferente interpretação” normativa será violadora da Constituição (Acórdãos n.ºs 376/2006 e 141/2008), que não revela de forma clara e perceptível o exacto sentido normativo considerado inconstitucional (acórdãos n.ºs 21/2006, 126/2007, 50/2008, 476/2008, 16/2009), por não identificarem “positiva e expressamente” o preciso sentido normativo que, na perspectiva do recorrente, padece de inconstitucionalidade (Acórdão n.º 244/2007).”
7. Terá, assim, de concluir-se, que a questão de constitucionalidade, invocada pela arguida, ao contrário do que esta alega, não foi “realizada de forma instrumental e processualmente adequada” (cfr. fls. 3-5 dos autos).
Nessa medida, crê-se que a presente reclamação não poderá deixar de ser desatendida por este Tribunal Constitucional.»
4. A reclamante pretende interpor recurso para este Tribunal Constitucional para apreciação da inconstitucionalidade da norma do artigo 291.º do Código de Processo Penal (CPP), interpretada no sentido de «permitir que o Juiz de Instrução nenhuma diligência de prova realize, e nem uma verdadeira e consistente análise crítica da prova constante do processo ocorra, isto é, uma interpretação que permite o indeferimento integral de todas as diligências de prova requeridas pela arguida/recorrente no âmbito da Instrução e, sem mais, avance para a decisão instrutória».
O recurso não foi admitido por despacho do Relator no Tribunal da Relação de Lisboa, com fundamento na não suscitação, pela reclamante, de uma “questão de constitucionalidade normativa” no decurso do processo.
O representante do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional pronunciou-se pelo indeferimento da presente reclamação, com fundamento, em síntese, na falta de coincidência entre a questão de inconstitucionalidade suscitada e a ratio decidendi da decisão reclamada, bem como na não suscitação da questão de constitucionalidade de forma processualmente adequada.
De facto, os elementos dos autos revelam que a reclamante não suscitou uma questão de inconstitucionalidade normativa perante o tribunal recorrido.
Na motivação do recurso que apresentou junto do Tribunal da Relação de Lisboa, a reclamante limitou-se a argumentar no plano infraconstitucional e a imputar o vício de inconstitucionalidade à própria decisão recorrida. Quando na conclusão 20.ª da referida motivação refere a inconstitucionalidade de uma suposta interpretação do artigo 291.º do CPP está, na verdade, a questionar, do ponto de vista constitucional, o resultado da aplicação dessa norma ao seu caso concreto (designadamente, a alegada não realização de diligências de prova e a alegada inexistência de uma análise crítica da prova). O que equivale a imputar a inconstitucionalidade à própria decisão recorrida.
A falta de suscitação de uma questão de constitucionalidade idónea a constituir objecto do recurso de constitucionalidade obsta, só por si, ao conhecimento do seu objecto (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
5. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação do despacho que não admitiu o recurso de constitucionalidade acima identificado.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 29 de Setembro de 2011. – Joaquim de Sousa Ribeiro – J. Cunha Barbosa – Rui Manuel Moura Ramos.