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Processo n.º 815/09
1ª Secção
Relator: Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório
1. A. recorre para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido no Tribunal de Contas com o n.º 5/2009 – Concurso, do Plenário Geral do Tribunal de Contas, de 15 de Julho de 2009, que manteve a graduação dos candidatos apresentados ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do artigo 19.º da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas – Lei n.º 98/97 de 26 de Agosto (LOPTC). Requer, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro (LTC), o seguinte:
1. Os autos de que emerge o presente recurso tiveram por objecto a impugnação da deliberação do júri que aprovou a lista de classificação e graduação final dos candidatos no concurso curricular para o recrutamento de juízes conselheiros do Tribunal de Contas, aberto ou publicitado por via do Aviso n.º 1586/2007, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 1 de Fevereiro, nos termos dos artigos 18.º a 23.º da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto.
2. (…)
3. Em especial, e parte que releva para os efeitos do presente recurso, o Recorrente invocou um erro nos pressupostos de facto quanto à avaliação do currículo apresentado pelo contra-interessado B., graduado em segundo lugar e imediatamente acima do Recorrente, que deveria ter conduzido à respectiva exclusão.
4. Na verdade, aquele Contra-Interessado afirmou na respectiva candidatura que exerceu funções de Administrador de Empresas do Grupo C., SA, de 1 de Janeiro de 2000 a 1 de Janeiro de 2003, perfazendo três anos completos (cfr. p. 10 da respectiva candidatura).
5. Tal afirmação foi reiterada na página 13 da mesma candidatura, onde se refere, em termos inequívocos, que aquele contra-interessado exerceu o “cargo de Administrador de Empresas, durante três anos ininterruptos”.
6. Todavia, nem do requerimento de candidatura, nem de qualquer outro documento que a tenha instruído, resulta a identificação das sociedades em que tais funções terão sido concretamente exercidas ou dos órgãos sociais em causa.
7. Foi preciso, com efeito, a alegação e a demonstração pelo Recorrente da falsidade daquela afirmação, feita cabalmente na petição de recurso apresentada no tribunal a quo – através da junção de cópias de certidões do Registo Comercial e dos extractos de relatórios e contas de todas as sociedades do Grupo Águas de Portugal. –, para o contra-interessado reconhecer que exerceu funções de administrador de uma única empresa – a D., SA – e apenas entre 1 de Janeiro de 2000 e 21 de Setembro de 2001 (cfr. artigo 61.º da respectiva Resposta).
8. É, portanto, por demais evidente que o contra-interessado fez constar do seu requerimento de candidatura um facto cuja falta de veracidade não ignorava ou não podia ignorar, devendo, em consequência, ser excluído ou retirado da lista de classificação final.
9. A invocação de um facto falso no requerimento de candidatura não pode ser atribuída a um mero lapso, nem era objectivamente constatável, mas foi praticada com dolo ou, pelo menos, com culpa do contra-interessado, consubstanciada na violação dos mais elementares deveres de diligência, de lealdade e de verdade exigíveis a um candidato a um tribunal superior.
O. Isto mesmo se reconhece, aliás, no acórdão proferido pelo Tribunal a quo, podendo ler-se aí, designadamente, o seguinte:
a) «(...) o Candidato B. declarou e reiterou no seu requerimento de candidatura um facto que não era verídico: contrariamente ao que alegara, não fora membro de Conselhos de Administração de Empresas do Grupo C. durante três anos completos/ininterruptos no período temporal de 1 de Janeiro de 2000 a 1 de Janeiro de 2003» – cfr. p. 27 (negritos do original);
b) «A inveracidade não é justificada nem é explicável com o argumento, expresso pelo Contra-Interessado nestes autos, que a afirmação feita no requerimento não constituía mais do que a remissão para o conteúdo do documento n.º 27» – cfr. p. 27;
c) «A invericidade não é justificada nem explicável por lapso desculpável do Candidato pois que, como já se sublinhou, a alegação é feita por duas vezes no requerimento de admissão com expressa indicação de três anos completos ou ininterruptos como Administrador de empresas» – cfr. p. 28.
11. Não obstante a clareza, chocante, dos factos – especialmente considerando que o objecto concreto do concurso em causa – o tribunal a quo acabou por manter a graduação fixada na lista de classificação final e julgou improcedente o pedido de exclusão do Contra-Interessado dessa lista.
12. Para a formulação do seu juízo, o Tribunal a quo considerou que a referência feita no artigo 42.º, alínea d), do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho – subsidiariamente aplicável ao concurso em apreço, conforme resulta da Acta n.º 1/07 do respectivo júri –, a documento falso não abrange as falsas declarações prestadas pelos candidatos no requerimento de candidatura.
13. Interpretação que se consubstanciou na extracção de uma norma do artigo 42.º, alínea d), do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho – subsidiariamente aplicável ao concurso em apreço, conforme resulta da Acta n.º 1/07 do respectivo júri –, nos termos da qual:
Não são retirados da lista de classificação final os candidatos que prestem falsas declarações no requerimento de candidatura.
14. Norma na qual assentou a decisão de não exclusão proferida pelo Tribunal a quo.
15. (…)
16. Ora, como já acima se referiu, o Recorrente considera que a norma que resulta do processo interpretativo do tribunal a quo é inconstitucional, tendo invocado, nas respectivas alegações apresentadas naquele tribunal, designadamente que:
a) «Os conceitos de documento falso do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho, por um lado, e da lei penal, por outro, não têm, portanto, de ser necessariamente coincidentes, nem o princípio da tipicidade da lei penal tem o efeito de impedir uma interpretação declarativa ampla ou mesmo extensiva da referência a documento falso constante daquele Decreto-Lei» – cfr. p. 16, n.º 60;
b) «Mantém-se, pois, incólume a pretensão formulada na petição de recurso, no sentido de que o contra-interessado B. seja retirado da lista de classificação final, por ter feito constar falsas declarações do seu requerimento de candidatura, nos termos dos artigos 42.º, alínea d), e 47.º do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho» – cfr. pp. 16-17, n.º 64;
c) «(...) a interpretação daqueles preceitos legais, no sentido de excluir a prestação de falsas declarações escritas do conceito de documento falso – e, portanto, de legalizar ou de admitir tal conduta por parte dos candidatos ao exercício de funções públicas – contraria a lei constitucional e, designadamente, os princípios da legalidade, da igualdade e da imparcialidade (cfr. artigo 266.º, n.º 2, da CRP)» – cfr. p. 17, n.º 65;
d) «Em particular, a lei constitucional determina que todos os cidadãos têm o direito de acesso, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso, à função pública (cfr. artigo 47º, n.º 2, da CRP), direito este cujo exercício efectivo ficaria prejudicado se a lei ordinária permitisse que alguns candidatos procurassem tirar vantagem de factos falsos, sem quaisquer consequências» – cfr. p. 17, n.º 66.
O Recorrente pretende, assim, que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade material do artigo 42.º, alínea d), do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho, na interpretação – que serve de fundamento à decisão proferida pelo tribunal a quo – segundo a qual a referência aí feita a documento falso não abrange as declarações prestadas pelos candidatos no respectivo requerimento de candidatura (consubstanciando-se tal interpretação numa norma segundo a qual não são retirados da lista de classificação final os candidatos que prestem falsas declarações no requerimento de candidatura), por violação (i) dos princípios da legalidade, da igualdade e da imparcialidade (cfr. artigo 266.º, n.º 2, da CRP) na actuação administrativa e (ii) do direito de acesso, em condições de igualdade, à função pública (cfr. artigo 47.º, n.º 2, da CRP).
17. Atendendo a que o Tribunal Constitucional não se encontra limitado pelos fundamentos do pedido, deve também referir-se que, no entendimento do Recorrente, a norma em causa, na interpretação dada pelo tribunal a quo, viola ainda o direito de acesso a cargos públicos em condições de igualdade (cfr. artigo 50.º, n.º 1, da CRP) e, no limite, os princípios da justiça e da boa fé que a Administração deve observar (e fazer observar) na respectiva actuação (cfr. artigo 266.º, n.º 2, da CRP).
Termos em que se requer a V. Ex.a se digne admitir o presente recurso, subindo o mesmo, com o efeito próprio, seguindo-se os demais trâmites legais.
Admitido o recurso, o recorrente alegou e concluiu:
1.ª Nos autos de que emerge o presente recurso, o Recorrente invocou um erro nos pressupostos de facto quanto à avaliação do currículo apresentado pelo Contra-Interessado B., graduado em segundo lugar e imediatamente acima do Recorrente, que deveria ter conduzido à respectiva exclusão.
2.ª Com efeito, aquele Contra-Interessado afirmou na respectiva candidatura, em diversos locais, que exerceu funções de administrador de empresas durante três anos completos, o que não é verdade.
3.ª O tribunal a quo deu como provado, efectivamente, que o referido Contra-Interessado prestou culposamente falsas declarações no respectivo requerimento de candidatura, mas nem por isso procedeu à respectiva exclusão da lista de classificação final.
4.ª A decisão de não exclusão proferida pelo Tribunal a quo assentou numa interpretação do artigo 42.º, alínea d), do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho – subsidiariamente aplicável ao concurso em apreço, conforme resulta da Acta n.º 1/07 do respectivo júri –, segundo a qual a referência feita aí a documento falso não abrange as falsas declarações prestadas pelos candidatos no requerimento de candidatura.
5.ª No entanto, essa interpretação mostra-se materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 47.º, n.º 2, e 50.º da Constituição e, em particular, do direito a um concurso justo, enformado pelos princípios constitucionais relevantes, designadamente os princípios da igualdade e da boa fé (cfr. artigo 266.º, n.º 2, da Constituição).
6.ª Na verdade, o artigo 47.º, n.º 2, da Constituição consagra não apenas um direito de carácter pessoal, associado à liberdade de escolha da profissão, mas visa também assegurar um interesse de transparência e democraticidade, de tal forma que se apresenta como uma verdadeira «(...) garantia institucional fundamental num Estado de Direito democrático», conforme se decidiu no acórdão n.º 683/99, desse Venerando Tribunal.
7.ª Do artigo 47.º, n.º 2, da Constituição decorre, assim, o direito a um concurso justo, que também é instrumento de realização de precípuos valores e princípios constitucionais e do interesse público.
8.ª Longe de constituir uma fórmula oca ou vazia, a referência constitucional à regra geral do concurso apresenta-se carregada de sentido e com um alcance normativo que pode ser sintetizado desta forma: estão abrangidos na imposição do concurso todos os requisitos e formalidades normalmente tidos como inerentes ao conceito, designadamente em face dos princípios constitucionais pertinentes, bem como aqueles que constituam instrumento necessário à realização dos fins prosseguidos pela norma constitucional em apreço.
9.ª Entre os princípios relevantes na densificação daquela noção de concurso justo está, obviamente, o elementar e sempre cogente princípio da boa fé, a que faz referência o artigo 266.º, n.º 2, da Constituição.
10.ª Um dos corolários evidentes desse princípio é um dever de lealdade e de verdade, aliás expressamente prescrito no artigo 60.º, n.º 1, do CPA.
11.ª Tanto falta à observância do princípio de boa fé e do dever de verdade quem presta culposamente falsas declarações, como quem junta documento falso: da óptica da materialidade subjacente, ambas as condutas relevam uma disposição ou uma intenção enganosa que não pode ser tolerada pelo Direito, nem ficar impune.
12.ª A matriz ou o desvalor comuns a essas duas condutas reclamam, obviamente, um tratamento unitário das respectivas consequências procedimentais, sob pena de as exigências do princípio da boa fé e de o direito do Recorrente a um concurso enformado pelos princípios constitucionais pertinentes saírem defraudados.
13.ª É por isso que a referência do artigo 42.º, alínea d), do Decreto-Lei n.º 204/98 a documento falso tem de ser entendida no sentido de abranger as falsas declarações culposamente prestadas, tendo como suporte um documento escrito.
14.ª Se assim não fosse, de resto, estar-se-ia a tratar de forma diferente situações que comungam da mesma contrariedade ao Direito e do mesmo desvalor, merecendo idêntico tratamento, com a consequente admissibilidade de uma interpretação de norma legal violadora do princípio constitucional da igualdade.
15.ª Contra isto não vale o argumento, aceite pelo tribunal a quo, segundo o qual as falsas declarações prestadas no requerimento de candidatura são irrelevantes quando se refiram a requisitos especiais de admissão e provimento no concurso, uma vez que estes requerem prova documental, não se bastando com a mera declaração do candidato, dado que o que está em causa é sancionar o desvalor ou a perigosidade da conduta.
16.ª A violação gritante de deveres impostos pelo princípio geral da boa fé e a potencialidade enganosa da prestação de falsas declarações não é compaginável com a impunidade dessa conduta, à luz do direito do Recorrente a um concurso justo e das razões de transparência, seriedade e democraticidade que subjazem também a essa exigência constitucional.
17.ª Pelas mesmas razões, à posição propugnada não obsta a circunstância de o Contra-Interessado haver logrado demonstrar documentalmente a verificação de outro requisito especial que permite suprir a falta daquele a que directamente se referiam as falsas declarações.
18.ª Assim se conclui, efectivamente, que a interpretação perfilhada pelo tribunal a quo do artigo 42.º, alínea d), do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho, se revela materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 47.º, n.º 2, e 50.º da Constituição e, em particular, do direito a um concurso justo, enformado pelos princípios constitucionais relevantes, designadamente os princípios da igualdade e da boa fé.
Nestes termos e nos demais de Direito, requer-se a V. Exas. se dignem a julgar o presente recurso procedente, declarando a inconstitucionalidade do artigo 42.º, alínea d), do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho – na interpretação que fez vencimento no acórdão recorrido – e, consequentemente, a revogar esse acórdão, determinado ao tribunal a quo a respectiva reformulação, de acordo com o decidido por esse Venerando Tribunal. (…)”
Juntou aos autos um Parecer de Direito em sentido concordante com a sua pretensão, subscrito pelo Professor Jorge Miranda.
2. A entidade recorrida ofereceu o mérito dos autos. O recorrido B. apresentou contra alegação, concluindo:
I- Um “recurso de constitucionalidade” que visa um alargamento da previsão e da estatuição de uma norma legal com base na necessidade de dar aplicação prática a princípios constitucionais que, de outro modo, não estão nela contemplados – “em particular, do direito a um concurso justo” – é, afinal, um processo de inconstitucionalidade por omissão. Que o recorrente não pode accionar e que, de resto, hoje se aferiria perante normas diversas.
II – Quer a doutrina (supra, §4), quer a jurisprudência administrativa (supra, nota 4), entendem que as causas de exclusão dos candidatos a concursos públicos só podem ser as expressamente previstas na lei, em razão da natureza de direito, liberdade e garantia do direito de acesso à função pública, e da natureza restritiva (e sancionatória) da norma que as prevê. Se fosse de outro modo, seria impossível garantir a transparência, igualdade, justiça e boa-fé dos resultados dos concursos públicos.
III – Não obstante a exigência constitucional de taxatividade nesta matéria, e apesar de reconhecer a natureza de ius singulare da norma impugnada, pretende o recorrente criar, por via interpretativa, um regime sancionatório supletivo do regime que, em matéria de concursos de acesso a cargos públicos, resulta directamente da lei. E, certamente à falta de melhor, fá-lo invocando precisamente os princípios constitucionais que excluem a margem de arbitrariedade, ou pelo menos de desigualdade, que resultaria dessa não taxatividade.
IV- Para substanciar uma tal pretensão, impossível de fazer descer da Constituição para a lei, o recorrente segue, em alternativa, um percurso bottom-up, i.e, parte de um facto (incorrecção declarativa do contra-interessado), adscreve-lhe um juízo de censura (dolo ou culpa do contra-interessado), e conclui que, em consequência, se impunha a exclusão do recorrido do concurso. Como esta não resulta da norma aplicável (disse-o o Plenário do Tribunal de Contas e disse-o o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República), o recorrente, inconformado, conclui que o sentido e o âmbito da previsão da norma do artigo 42.º, alínea d), do Decreto-Lei n.º 204/98 têm de ser mais amplos, e apela (então e só então) ao plano de constitucionalidade para resolver essa fabricada “omissão”.
V – Um tal alargamento interpretativo da previsão de tal norma (justificado na “óptica da materialidade subjacente”, com uma mesma “intenção enganosa que não pode ser tolerada pelo Direito”, e com a exigência de tratar de dar “idêntico tratamento” a “situações que comungam da mesma contrariedade ao Direito e do mesmo desvalor”, revela-se, afinal, apoiada (não num juízo de equiparação, mas) na consumpção do regime existente: se, para efeitos concursais, uma declaração não é um documento (e, portanto, uma norma excepcional que valha para estes, não pode valer para aquelas), já um documento é uma declaração, com uma certa forma e referente a uma certa matéria (e, portanto, uma norma que valha para estas, vale para aquele).
VI – De facto, o tratamento que o recorrente pretende vir a conferir a deficiências na apresentação de declarações (na veste, conveniente mas equívoca, de “falsas declarações”), revela-se mais amplo e mais rigoroso do que o regime a que está sujeita a apresentação de documentos (ao ponto de o poder dispensar): na medida em que a exigência documental se delimita, ponto por ponto, pela exigência de verificação dos elementos essenciais (gerais e especiais) de oposição no concurso, o regime supletivo desejado pelo recorrente implicaria uma articulação entre previsão e estatuição oposta à da norma legal posta em crise: uma estatuição prevista legalmente apenas para as deficiências quanto a elementos essenciais passaria a afectar, por interpretação, as deficiências quanto a elementos não essenciais.
VII – Claudicam, portanto, todos os argumentos do recorrente: a inconstitucionalidade não resulta de qualquer imperativo constitucional (e se resultasse, referindo-se a uma falha de previsão em matéria em que vigora um estrito princípio de legalidade, só poderia relevar em sede de inconstitucionalidade por omissão); não pode resultar do juízo de censura que o recorrente quer assacar ao ora recorrido; não pode resultar da equiparação ao regime legal existente à época do concurso; não pode resultar do confronto com outros regimes legais contemporâneos ou posteriores a ele; e nem é sequer claro qual o âmbito do regime que o recorrente entende que é imposto pelos princípios constitucionais, impedindo que o Tribunal Constitucional possa concretizar o exacto sentido da norma que o recorrente pretende ver julgada inconstitucional.
VII – Certo é que a incorrecção de elementos objecto de declaração do ora contra-interessado no âmbito do concurso deu origem à desconsideração da totalidade do tempo por ele exercido na função, ainda que parte dela estivesse perfeitamente documentada. Não tem cabimento, pois, a alegação terrorista de que a configuração da norma impugnada pudesse induzir à prestação de declarações inexactas, por omissão sancionatória. E, do ponto de vista formal, não tendo esse elemento sido valorado na decisão recorrida, um juízo de constitucionalidade referente à norma sobre a sua valoração não se poderia repercutir na questão subjacente: a da classificação relativa de recorrente e contra-interessado.
VIII – Uma vez que o ora contra-interessado continuou a preencher os requisitos gerais e especiais do concurso, mesmo desconsiderando a totalidade do exercício de funções em que houve inexactidão quanto ao termo, o tratamento a conferir a esse elemento não essencial sempre deveria ser, do ponto de vista material – como foi na decisão do Júri, e na decisão do Plenário do Tribunal de Contas – irrelevante para interferir na graduação do mérito relativo de recorrente e contra-interessado. Quer dizer que a decisão tomada pelo tribunal a quo, tendo já sido proferida com o expurgo do elemento curricular afectado, sempre poderia ser mantida qualquer que fosse o juízo de inconstitucionalidade a proferir.
Nos termos e pelos fundamentos invocados, bem como nos demais de Direito, o recurso não deve ser admitido; quando assim não se entendesse, deveria ser recusado provimento ao recurso e, em consequência, ser integralmente mantida a decisão recorrida; com o que V. Ex.cias, Venerandos Conselheiros, farão Justiça!
3. À questão prévia suscitada nesta peça respondeu o recorrente. Considera, em suma, que o presente recurso é admissível e útil, já que o preceito em causa é inteiramente compatível com a interpretação segundo a qual o requerimento de candidatura do qual constem falsas declarações constitui documento falso, determinando a exclusão do candidato faltoso independentemente da verificação ou não de outros requisitos que pudesse fundar por si só o provimento.
II - Fundamentação
4. Impõe-se começar pela suscitada questão da utilidade do conhecimento do presente recurso.
O Tribunal Constitucional tem afirmado reiteradamente o carácter instrumental dos recursos de fiscalização concreta de inconstitucionalidade: a decisão do recurso deve apresentar a virtualidade de se projectar de forma útil na decisão recorrida, de modo a alterar a solução jurídica obtida no caso concreto, mediante a reponderação do caso pelo tribunal comum (neste sentido, entre muitos outros, Acórdãos nºs 14/91, 454/91, 169/92, 272/94, 324/94, 332/94, 337/94, 343/94, 463/94, 577/95, 608/95, 41/96, 148/96, 366/96, 1015/96, 196/97, 490/99, 635/99, 362/2000 e 687/2004 – os arestos citados sem indicação do lugar de publicação podem ser consultados em www.tribunalconstitucional.pt). O julgamento do recurso carecerá, por isso, de utilidade quando, qualquer que seja a solução a dar pelo Tribunal Constitucional à questão de inconstitucionalidade, ela se mostre irrelevante para a solução do caso concreto, mantendo-se obrigatoriamente inalterada a decisão impugnada.
O recorrido equaciona a questão da inutilidade do recurso como decorrência lógica da invocada impossibilidade de a solução da questão de inconstitucionalidade poder influir no resultado final, isto é, no acto final de graduação dos candidatos: as razões dessa impossibilidade radicar-se-iam, no entender do recorrido, no quadro de soluções impostas pela inevitável operatividade do direito infraconstitucional aplicável.
Mas, lendo os argumentos apresentados no plano normativo em que a questão deve ser tratada no presente recurso, tal conjectura surge, afinal, ligada à negação da especial qualidade que a norma impugnada apresentaria no caso, por não corresponder à vinculação jurídica da solução encontrada, irrelevante, nesta óptica, para influenciar a solução concreta, descaracterizada do papel de ratio decidendi da decisão recorrida.
A essa conclusão não pode, porém, chegar-se sem a análise do silogismo lógico adoptado na decisão. É de sublinhar que a diferença de planos em que se desenvolvem as decisões dos tribunais comuns e as do Tribunal Constitucional obriga neste último caso a acentuar com especial destaque a influência da norma na aplicação do direito para efeito da fiscalização que constitui o cerne da tarefa imposta ao Tribunal Constitucional. É, assim, oportuno analisar a decisão recorrida, o que, além disso, permite esclarecer se o recurso visa, conforme também alega o recorrido, dilucidar uma questão de inconstitucionalidade por omissão, para impulso da qual o recorrente não gozaria de legitimidade processual. Diz a decisão recorrida:
Tendo em atenção os factos adquiridos temos de considerar que o Candidato, ao apresentar o seu requerimento em 22.02.07 – única data que releva pois o mesmo não está datado – intitulando-se Director da G.D.L., S.A. e reafirmando, quanto à sua experiência profissional ser Director desde 1 de Janeiro até à data declarou factos não verídicos.
(...) Retira-se do exposto que o Candidato B. declarou e reiterou no seu requerimento de candidatura um facto que não era verídico: contrariamente ao que alegara, já não era Director da G.D.L., S.A. desde 02.02.07.
As consequências de tal inveracidade não permitem integrar a estatuição do art.º 42º-d) do Decreto-Lei n.º 204/98 uma vez que a declaração questionada não é idónea nem relevante ao preenchimento dos requisitos especiais previstos nas diversas alíneas do nº 1 do art.º 19º da L.O.P.T.C. e que só aceitam prova documental, nos termos dos pontos nºs 8.1. e 8.2. do Aviso de Abertura do Concurso.
Do texto decorre que o tribunal recorrido, interpretando a 'estatuição' do artigo 42º alínea d) do Decreto-Lei n.º 204/98 num determinado sentido, não integrou na sua previsão o caso em presença. Para assim concluir, o tribunal não deixou, porém, de reconhecer:
Os candidatos que, em sede de procedimento concursal a que, como no caso dos autos, seja aplicável o Decreto-Lei nº 204/98, venham a apresentar ou entregar documento falso são, como já se referiu, sancionados com a exclusão da lista de classificação final e são alvo de procedimento disciplinar e penal (artº 42º-d) e 47º do referido diploma).
A decisão recorrida preencheu o sentido da norma com uma interpretação precisa («Em síntese: o conceito de “documento falso” utilizado pelo legislador no artº 42º-d) do Decreto-Lei nº 204/98 deve ser preenchido pelo conceito de “falsidade do documento” previsto na legislação penal.») razão pela qual concluiu que as «consequências de tal inveracidade não permitem integrar a estatuição do artº 42º-d) do Decreto-Lei no 204/98 uma vez que a declaração questionada não é idónea nem relevante ao preenchimento dos requisitos especiais previstos nas diversas alíneas do nº 1 do artº 19º da L.O.P.T.C.»
O tribunal recorrido conferiu, em suma, um determinado conteúdo normativo à disposição legal em causa e rejeitou uma outra opção interpretativa, opção essa à qual não deixou de prognosticar capacidade para interferir decisivamente na solução da causa. O que equivale a dizer que, apurando-se que a norma é – na parte que em que não rege o caso – desconforme com a Constituição, a sua influência passaria a ser determinante, constituindo a ratio decidendi da solução jurídica.
Não é de todo fácil a caracterização do objecto do recurso de inconstitucionalidade, no domínio da fiscalização concreta. Uma grande parte da jurisprudência do Tribunal – que se perde em decisões denegatórias do conhecimento dos recursos – resulta da necessidade de o Tribunal distinguir entre a solução adoptada pelo tribunal recorrido e a norma que ela aplica. Certo, porém, é que a fiscalização concreta não se reporta à inconstitucionalidade em abstracto ou em tese, mas à inconstitucionalidade da norma na sua aplicação ao caso sub judice (Jorge Miranda, O Tribunal Constitucional em 2006, Anuário Português de Direito Constitucional, pg 201), razão pela qual o provimento das questões de inconstitucionalidade «revela um direito que não se sabe ao certo o que é», por provocar a existência de normas ainda vigentes mas com um sentido modificado. Ora, a norma que interferiu no raciocínio jurisdicional com o alcance definido pelo próprio tribunal recorrido não pode escapar ao controlo de inconstitucionalidade quando é justamente a estrita extensão do seu pressuposto de aplicação que é questionada com fundamento em violação constitucional. Essa realidade é, ainda, funcionalmente uma norma concreta para efeitos da sua fiscalização em contencioso constitucional. Tal circunstância é própria da fiscalização concreta de normas e nada tem a ver com a matéria relativa à inconstitucionalidade por omissão, que exige a verificação de uma omissão legislativa de uma especifica imposição legiferante, constante de uma norma constitucional dotada de um grau de precisão suficientemente densificado (Acórdão n.º 474/02, DR I-A de 18 de Dezembro de 2002). Não é este, em suma, o domínio em que o presente recurso situa o Tribunal.
Diga-se, ainda, que não cabe ao Tribunal Constitucional sindicar a correcção da interpretação do direito ordinário feita pelos tribunais, pelo que não está em causa a decisão recorrida em si ou as suas implicações; não cabe julgar aqui o caso concreto, mas tão somente apreciar se a norma aplicada ofende a Constituição, o que, obviamente, impede o Tribunal de emitir pronúncia sobre o acerto da decisão recorrida, ou sobre a matéria de facto subjacente e a sua qualificação jurídica.
Nada obsta, pois, ao conhecimento da questão, cujo objecto consiste na norma do artigo 42.º alínea d) do Decreto-Lei n.º 204/98 de 11 de Julho, segundo a qual a referência a documento falso não abrange as declarações prestadas pelos candidatos no respectivo requerimento de candidatura.
5. O princípio da igualdade no acesso à função pública não tem significado diferente do princípio geral da igualdade, que proíbe qualquer discriminação constitucionalmente ilegítima, bem como qualquer privilégio ou preferência arbitrária.
O princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição – tem-no dito o Tribunal Constitucional repetidas vezes e por diversas formas – requer que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. Reclama, por isso, respeito pela diferença, não proibindo distinções de tratamento mas tão-só a discriminação, o arbítrio legislativo – é dizer: as soluções irracionais ou desrazoáveis, carecidas de fundamento material bastante (cfr., por exemplo, o acórdão n.º 340/92, publicado no Diário da República, II Série, n.º 266, de 17 de Novembro de 1992, e o acórdão n.º 185/98, publicado no mesmo Diário, n.º 72, de 26 de Março de 1998, onde se pode ler: 'Numa expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio').
Acerca deste princípio, escreveu-se no Acórdão n.º 33/2002 deste Tribunal:
“(…)
Ora, tendo como perspectiva as garantias resultantes directamente da própria Constituição, é evidente que, quanto a elas, inexiste qualquer liberdade de conformação do legislador que, por isso, as não poderá deixar de consagrar, não podendo, também, editar normação que afecte o seu conteúdo essencial. Assim, quanto a tais garantias, na margem de liberdade conformativa do legislador unicamente se poderá incluir a determinação das respectivas formas, modos, termos e, porventura, circunstâncias – tudo como decorrência da concretização dessas específicas garantias. Já pelo que toca à estipulação de meios tendentes a garantir a adequação e suficiência do princípio da imparcialidade administrativa, e na falta de preceitos constitucionais directamente consagradores desta ou daquela concreta garantia que nesse princípio entronque, deve reconhecer-se que a liberdade de conformação do legislador ordinário é mais lata (e nem sempre com idêntico dimensionamento). Na realidade, onde estiverem menos especificadas ou densificadas na Constituição as garantias de imparcialidade administrativa, mais ampla pode ser a intervenção criadora do legislador ordinário; e, pelo contrário, se a Lei Fundamental já concretizou mais pormenorizadamente ou densificou um catálogo de garantias concretas, a actividade legislativa deverá apresentar-se mais reduzida.
(…)”.
O concurso público para provimento de cargos públicos é um procedimento administrativo dirigido a um elenco não pré-determinado ou indeterminável de destinatários, em regime de concorrência, visando escolher os candidatos mais hábeis para integrar lugares na Administração Pública.
O concurso foi erigido em regime-regra a observar em matéria de recrutamento de pessoal para os quadros dos serviços e organismos da Administração Publica, desde que a Constituição passou a prescrever, no n.º 2 do seu artigo 47º: «Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso.»
A regra do concurso público para preenchimento de lugares nos quadros da função pública teve em atenção, precisamente, o respeito pela igualdade de oportunidades dos candidatos e a transparência nas relações jurídicas administrativas. A regra constitucional do concurso consubstancia, assim, um direito a um procedimento justo de recrutamento, baseado no mérito, constituindo uma garantia institucional de um Estado de Direito democrático, pois reforça a legitimação da Administração Pública, assegurando os princípios materiais que vinculam esta: imparcialidade, legalidade, igualdade. Como se afirmou no Acórdão n.º 683/99 (Diário da República, II Série, n.º 28, de 3 de Fevereiro de 2000, pág. 2351):
« (…)
No recrutamento e selecção dos trabalhadores para o sector público e para o sector privado existem igualmente diferenças, destacando-se a que decorre de o preenchimento de um lugar do quadro de pessoal de um qualquer organismo público resultar de um acto de nomeação, e de o artigo 47º, n.º 2 da Constituição assegurar 'o acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso' (cujo processo encontra hoje disciplina legal no Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho). As diferentes regras de recrutamento impõem, assim, que o Estado defina um procedimento justo de selecção dos seus trabalhadores, em princípio de acordo com as capacidades e os méritos de cada candidato (referindo um direito a um procedimento justo de recrutamento e selecção, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 3ª ed., Coimbra,1993, pág. 265).
(…)
Segundo o artigo 47º, n.º 2, da Constituição da República, 'todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso'.
Todavia, esta norma não consagra apenas uma concretização para o regime do acesso à função pública do princípio da igualdade enquanto regra de direito objectivo. O princípio de direito objectivo aparece aqui como integrando um direito subjectivo – um direito de igualdade. É um dos casos – a título de exemplo, cfr. também os artigos 36º, n.ºs 1 e 4, 50º, n.º 1, 59º, n.º 1, alínea a), 74º, n.º 1, 76º, n.º 1 –, em que a Constituição explicitamente enuncia um direito subjectivo visto como um 'direito de igualdade' (assim, G. Canotilho/V. Moreira, ob. e loc. cits.). Pode, assim falar-se – como o faz a doutrina germânica a propósito do artigo 33, n.º 2, da Lei Fundamental (v., por exemplo, Konrad Hesse, Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland, 20ª ed., Heidelberg, 1999, n.º 437; entre nós, v. J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da constituição, cit., pág. 394) –, de um 'direito especial de igualdade' ('spezielles Gleichheitsrecht') no acesso à função pública.
(…)»
No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão n.º 368/2000 (Diário da República, I Série-A, n.º 277, de 30 de Novembro de 2000, pág. 6886). E, anteriormente, no Acórdão n.º 53/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11.º vol., pág. 303 e seguintes) já se expressara o seguinte entendimento, relativamente ao n.º 2 do artigo 47.º da Constituição:
«Como decorre do seu próprio enunciado, este preceito compreende três elementos: a) o direito à função pública, não podendo nenhum cidadão ser excluído da possibilidade de acesso, seja à função pública em geral, seja a uma determinada função em particular, por outro motivo que não seja a falta dos requisitos adequados à função (v. g., idade, habilitações académicas e profissionais); b) a regra da igualdade e da liberdade, não podendo haver discriminação nem diferenciações de tratamento baseadas em factores irrelevantes, nem, por outro lado, regimes de constrição atentatórios da liberdade; c) regra do concurso como forma normal de provimento de lugares, desde logo de ingresso, devendo ser devidamente justificados os casos de provimento de lugares sem concurso.»
A exigência constitucional de «acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso» apresenta duas vertentes. Por um lado, numa vertente subjectiva, traduz um direito de acesso à função pública garantido a todos os cidadãos; por outro lado, numa vertente objectiva, constitui uma garantia institucional destinada a assegurar a imparcialidade dos agentes administrativos, ou seja, que «os trabalhadores da Administração Pública e demais agentes do Estado e outras entidades públicas estão exclusivamente ao serviço do interesse público» (n.º 1 do artigo 269.º da Constituição). Procedimentos de selecção e recrutamento que garantem a igualdade e a liberdade de acesso à função pública têm também a virtualidade de impedir que essa selecção e recrutamento se façam segundo critérios que facilitariam a ocupação da Administração Pública por cidadãos exclusiva ou quase exclusivamente afectos a certo grupo ou tendência, com o risco de colocarem a mesma Administração na sua dependência, pondo em causa a necessidade de actuação «com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé» (n.º 2 do artigo 266.º da CRP).
6. O procedimento concursal regido pelo Decreto-Lei n.º 204/98 de 11 de Julho visa o recrutamento para preenchimento de quadros da Administração Pública e exerce-se, com respeito pelos princípios de liberdade de candidatura, de igualdade de condições e de igualdade de oportunidades para todos os candidatos, mediante operações de avaliação e de classificação, conforme as aptidões e capacidade de cada um dos candidatos (artigos 4º e 5º). Adoptando-se o método de avaliação curricular, o exame do júri radica-se na análise do currículo profissional dos candidatos, numa perspectiva necessariamente comparativa. No caso presente, o concurso decorreu segundo este método, pelo que a graduação dos candidatos teve por base a avaliação feita pelo júri do concurso, de acordo com os critérios de classificação a que se achava vinculado.
Não é verdade que a norma impugnada haja conferido qualquer vantagem ilegítima ao concorrente ora recorrido: através dela não foi consolidada uma avaliação curricular fundamentada em dados não verdadeiros, ou falsos, ou desequilibradamente avaliados. Na verdade, a norma não interferiu nesta área.
Caem, desta forma, todos os argumentos avançados pelo recorrente ao contestar a fiabilidade do concurso e a regularidade do critério de selecção adoptado, a que corresponderia a violação do dever de imparcialidade e de justiça na actuação administrativa.
O que se passa é que a disciplina do concurso contém uma norma final que prevê:
Artigo 42.º
Redução da lista
São retirados da lista de classificação final os candidatos aprovados que:
a) Recusem ser providos no lugar a que têm direito de acordo com a sua ordenação;
b) Não compareçam para posse ou aceitação no prazo legal, por motivos que lhes sejam imputáveis;
c) Apresentem documentos inadequados à prova das condições necessárias para o provimento ou não façam a sua apresentação no prazo fixado;
d) Apresentem documento falso.
Esta disposição, de cuja alínea d) foi retirada a norma ora impugnada, não tem o alcance de interferir na selecção, avaliação e graduação dos candidatos e é, aliás, exterior ao processo de avaliação dos candidatos. E, por isso, abrange num conjunto limitado de circunstâncias – que se não reportam à actividade de avaliação dos candidatos –, visando essencialmente garantir a utilidade prática do concurso; as alíneas a) e b) referem-se a casos de recusa de aceitação do lugar e os dois restantes reportam-se à não apresentação dos documentos 'necessárias para o provimento' ou apresentem 'documento falso'.
A disciplina do concurso prevê a necessidade de comprovação da titularidade dos requisitos especiais exigidos para provimento dos lugares a concurso, mediante a apresentação de 'documentos comprovativos' (artigo 31º n.º 1). Há, por isso, uma justificação válida para o legislador diferenciar a disciplina das declarações não verdadeiras da relativa à apresentação de documento falso. A sua força probatória é totalmente distinta e, para além disso, a materialidade do comportamento censurável que lhes é subjacente é facilmente estabelecida quanto à apresentação do documento falso, ao contrário do que pode suceder nos restantes casos.
Reportando-se o caso presente a declarações cuja comprovação requeria a apresentação de documentos, é manifesto que a gravidade da sua não correspondência com a realidade é bem menor do que o caso da apresentação de documento falso. E isto por razões de toda a evidência. O uso de documento falso, aliás, corresponde genericamente a uma actividade que a ordem jurídica censura fortemente com sancionamento de natureza penal.
É, por isso, de concluir que a interpretação normativa efectuada pelo Tribunal de Contas não violou os princípios da legalidade, da igualdade e da imparcialidade na actuação administrativa, o direito de acesso, em condições de igualdade, à função pública, ou o direito de acesso a cargos públicos em condições de igualdade nem os princípios da justiça e da boa fé que a Administração deve observar.
III - Decisão
7. Decide-se, em consequência, negar provimento ao recurso. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de conta.
Lisboa, 7 de Junho de 2011. – Carlos Pamplona de Oliveira – José Borges Soeiro – Gil Galvão – Maria João Antunes – Rui Manuel Moura Ramos.