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Processo n.º 419/11
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
A. foi condenado no processo n.º 255/09.5PDXL, do Tribunal do Seixal, pela prática de diversos crimes, em cúmulo, na pena de 7 anos de prisão.
Interpôs recurso desta decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por Acórdão proferido em 9 de Dezembro de 2010, confirmou a decisão da 1.ª instância.
O arguido interpôs recurso deste Acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça, que não foi admitido por despacho proferido pelo Desembargador Relator, em 15 de Fevereiro de 2011.
O arguido reclamou desta decisão para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que, por decisão proferida em 14 de Março de 2011, indeferiu a reclamação.
O arguido interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
1. Têm os presentes autos origem no processo, 255/09.5PDSXL, que correu termos no 1.º Juízo Criminal do Tribunal de Família, Menores e Comarca do Seixal;
2. Nesse processo, foi o arguido condenado numa pena única de 7 anos de prisão;
3. Inconformado, o arguido veio a recorrer para o Tribunal da Relação;
4. Nesse mesmo Tribunal foi confirmada a sentença, mantendo-se a pena aplicada na 1ª Instância;
5. Ao abrigo das normas processuais penais contidas na Constituição, o arguido interpôs recurso dessa decisão para a mais alta das instâncias, o Supremo Tribunal de Justiça;
6. O Recurso foi indeferido com fundamento na norma constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea f) do Código de Processo Penal;
7. Dessa decisão foi feita Reclamação, nos termos do artigo 405.º do Código de Processo Penal para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça;
8. Na Reclamação foi arguida a Inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos supra citados do Código de Processo Penal;
9. Essa Reclamação foi indeferida e notificada ao arguido a 18 de Março de 2011;
10. Encontra-se agora o arguido numa situação em que é inequívoco que nos presentes autos se encontram já para si irremediável e completamente esgotados todos os meios ou recursos jurisdicionais ordinários;
11. Ora, inconformado que está o arguido com a decisão proferida por este Tribunal da Relação de Lisboa que aplicou uma norma desconforme com a Constituição, dela vem agora, ao abrigo do disposto do artigo 70.º, n.º 1 da Lei 28/82 (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, porque está em tempo e para tal tem legitimidade (Cfr. al. b) do nº 1 do art.º 72º da Lei do T. Constitucional), interpor recurso para o Tribunal Constitucional, o qual deverá subir imediatamente e nos próprios autos, com efeito suspensivo (cfr. nº 4 do artigo 78º da Lei do Tribunal Constitucional).
12. De facto, e de acordo com o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, desde já o arguido esclarece que, com o presente recurso, pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade e a desconformidade das normas constantes dos artigos 400.º, n.º 1, alínea f) e 432.º, n.º 1, alínea c) conjugado com o artigo 432, n.º 2 do Código de Processo Penal, com os mais básicos princípios e normas constitucionais, como as constantes no artigo 1.º, 2.º. 12.º, 13.º, 20.º, 18.º e, sobretudo, 32.º da Constituição;
13. Termos em que o arguido requer a V. Exa. que desde já considere validamente interposto recurso da decisão deste Tribunal da Relação de Lisboa para o Tribunal Constitucional, seguindo-se os ulteriores termos, sendo certo que as respectivas alegações que o motivarão serão produzidas já no Tribunal ad quem, de acordo com o disposto no artigo 79º da Lei do Tribunal Constitucional e no prazo aí previsto.
Foi proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso, com a seguinte fundamentação:
“O Recorrente vem interpor recurso do despacho do Desembargador Relator que no Tribunal da Relação de Lisboa não admitiu um recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão proferido por aquele Tribunal da Relação.
No sistema de recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade, ao abrigo do disposto no artigo 280.º, n.º 1, b), da Constituição, vigora o princípio da exaustão das instâncias que visa limitar o acesso ao Tribunal Constitucional apenas às pretensões que já tenham sido previamente analisadas pela hierarquia judicial correspondente, devendo ser objecto de recurso apenas as decisões definitivas (artigo 70.º, n.º 2, da LTC). Assim, se é interposto recurso ordinário de decisão de tribunal da 1ª instância e este é apreciado por tribunal superior, a decisão recorrida já não pode ser objecto de recurso para o Tribunal Constitucional, devendo este recair sobre a decisão proferida pelo tribunal superior, caso se encontre nas condições exigidas pelo n.º 2, do artigo 70.º, da LTC.
Equiparando, o n.º 3, do referido artigo 70.º, da LTC, as reclamações para os presidentes dos tribunais superiores, nos casos de não admissão do recurso, aos recursos ordinários, nestas situações já só pode ser interposto recurso para o Tribunal Constitucional da decisão do Presidente do tribunal superior e não da decisão reclamada de não admissão de recurso proferida pelo tribunal da instância inferior.
O Recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional da decisão de não admissão de recurso proferida pelo tribunal da 2ª instância, pretendendo que fosse fiscalizada interpretação normativa sustentada nessa decisão, quando o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça já havia apreciado a reclamação que aquele entretanto havia apresentado daquele despacho, pelo que não pode ser admitido o recurso constitucional deste despacho, uma vez que o mesmo não constituiu uma decisão definitiva.
Deve assim ser proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso, nos termos do artigo 78.º - A, n.º 1, da LTC.
O Recorrente reclamou desta decisão, com a seguinte argumentação:
§ 1 ENQUADRAMENTO FÁTICO
1. Veio o Arguido recorrer, para este Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no art.º 70.º, n.º 1, al. b) da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (doravante designada apenas por LTC), do despacho proferido pelo Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Lisboa que não lhe admitiu o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça.
2. Desse despacho foi feita reclamação, nos termos do artigo 405.º do Código de Processo, sendo que a decisão foi corroborada por despacho do Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de Março de 2011.
3. Encontra-se agora o arguido numa situação em que é inequívoco que nos presentes autos se encontram já para si irremediável e completamente esgotados todos os meios ou recursos jurisdicionais ordinários.
4. Apesar de tudo, foi proferida pelo Conselheiro Relator deste Tribunal Constitucional uma decisão sumária de não conhecimento do recurso, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1 da LTC.
5. Salvo devido respeito, esta decisão sumária padece de vícios que urge esclarecer e suprir;
6. Na verdade, e como se demonstrará, andou mal a decisão sumária quando sustentou que só poderia existir recurso de decisão de Tribunal Superior e quando referiu que o despacho de não admissão de recurso proferido pelo Venerando Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Lisboa não era decisão definitiva.
§ 2 DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
7. Uma vez que se trata de um recurso de “segundo tipo” (vide CARLOS BLANCO DE MORAIS, in Justiça Constitucional), cumpre saber quais os requisitos a que está sujeita a sua admissibilidade.
8. O ponto de partida deve ser a Lei Fundamental. Esta, no seu artigo 280.º, n.º 4 é taxativa: cabe à lei regular o regime de admissão desses recursos;
9. Como tal, o diploma incontornável, nesta sede, é a Lei Orgânica do Tribunal Constitucional.
10. Formalmente, a “arrumação” dos processos de fiscalização concreta no diploma supra citado encontra-se nos artigos 69.º e seguintes, do sub-capítulo II da Secção IV;
11. Será o artigo 70.º, n.º 1, alínea b) a permitir que seja interposto recurso para o Tribunal Constitucional mas com condições;
12. De acordo com o mesmo artigo 70.º, n.º 2 da LTC, será necessário que o recurso seja interposto de uma decisão que já não admita recurso ordinário, sendo que o n.º 3 do mesmo preceito equipara recursos ordinários às reclamações para os presidentes dos tribunais superiores, nos casos de não admissão ou de retenção do recurso, bem como as reclamações dos despachos dos juízes relatores para a conferência.
13. Eis que se apura um requisito que é, afinal de contas, o pomo da discórdia: admissibilidade de recurso ordinário;
14. Por não virem ao caso, dá-se por certo que se cumprem todos os outros pressupostos de índole processual, sejam eles subjectivos, ou mesmo objectivos;
15. Mas reflicta-se sobre o requisito da não admissão de recurso ordinário;
16. A decisão sumária de que ora se reclama padece de duas patologias que se vão, desde já, identificar.
§ 3 DOS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE
17. A primeira prende-se com a própria letra da lei. Com efeito, o artigo 70.º, n.º 2 da LTC fala, tão somente, em decisões que não admitam recurso ordinário, no caso, por já terem sido esgotados todos os que aqui cabiam;
18. Isto é substancialmente diferente daquilo que a decisão sumária vem sustentar. O Magnânime Conselheiro Relator vem referir que o recurso só recai sobre decisão do tribunal superior que, no caso concreto, seria o Supremo Tribunal de Justiça.
19. Tal entendimento não pode proceder, essencialmente, por dois motivos: o primeiro prende-se com a letra da lei que, ainda que não seja absoluta e nunca deva ser lida cegamente, é contrária ao entendimento da decisão. O segundo relaciona-se com os fatos concretos.
20. Com efeito, somente requer a norma que a decisão recorrida não admita recursos ordinários ou reclamações, que se lhes equiparam. Não fala em decisão alguma de qualquer tribunal superior;
21. Mais, no presente caso, o despacho de não admissão não admite recursos, mas admite reclamação... sucede, porém, que essa reclamação foi feita e foi indeferida pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
22. Só depois dessa decisão de indeferimento foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional... pelo que estavam esgotados todos os meios e recursos jurisdicionais.
23. Que dizer, então- O despacho de não admissão do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça proferido pelo Venerando Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Lisboa já tinha transitado em julgado, logo não admitiria quaisquer recursos nem reclamação, já efectuada.
24. Pelo que se cumpriu, ferreamente, o artigo 70.º, n.º 2 da LTC.
25. Mas, por mera hipótese académica, vamos supor que o entendimento do Magnânime Conselheiro Relator do Tribunal Constitucional vinga.
26. Há algum impedimento material de fundo a que o Tribunal Constitucional pudesse conhecer do recurso- É manifesto que não.
27. Por um lado, estão esgotadas todas as instâncias possíveis. O Tribunal em o sabe, uma vez que tal foi referido em requerimento de interposição do recurso;
28. Por outro, não há uma pronúncia sobre a questão de fundo, que é relevante, que pode fazer a diferença na vida de alguém.
29. Pautam-se as leis de processo por um princípio que, neste caso deveria ter sido seguido e não foi: o princípio do aproveitamento dos actos processuais. Principio esse que emana, entre outras, do artigo 75-A, n.º 5 da LTC, em que o Juiz convida o requerente a suprir irregularidades, em vez de lhe indeferir o requerimento;
§ 4 DOS ENTENDIMENTOS DOUTRINAIS E JURISPRUDÊNCIAIS
30. Na doutrina lusa, há uma especialmente autorizada voz a escutar quando de constitucional se fala. CARLOS BLANCO DE MORAIS, na sua obra de referência, Justiça Constitucional, tomo II, vem a páginas 700 e seguintes, que se citam: “São três os pressupostos objectivos do recurso interposto de decisões negativas de invalidade, a saber: i) Aplicação efectiva da uma norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade tenha sido suscitada adequadamente no decurso de um processo; ii) Necessidade de a decisão recorrida fazer caso julgado no processo principal; iii) Menção na petição de recurso dos elementos exigidos por lei.”
31. Concordado com o ilustre académico, sempre se dirá que os requisitos que enuncia estão completamente cumpridos. Foi aplicado o artigo 400.º, n.º1 alínea f) do Código de Processo Penal que obstou a que o Supremo Tribunal de Justiça recebesse o recurso interposto pelo Reclamante. Contra esta aplicação reagiu o mesmo em reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, reclamação essa que suscitou a inconstitucionalidade da norma, isto de forma válida.
32. A decisão recorrida, que é o despacho do Venerando Desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa também transitou em julgado no processo principal. Para uma noção de trânsito em julgado, basta relembrar o artigo 677.º do Código de Processo Civil: “A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação, nos termos dos artigo 668.º e 669.º” Verifica-se.
33. Quanto à menção na petição de recurso dos elementos exigidos na lei, nada a dizer, uma vez que nem o despacho do Desembargador que admitiu o recurso nem a decisão sumária vem apontar seja o que for à petição apresentada pelo Reclamante.
34. Dito isto, impõe-se uma e só uma conclusão: o recurso foi validamente interposto e, com os fundamentos apresentados pelo Conselheiro Relator nunca deveria ter sido proferida decisão de não conhecimentos.
35. Mas para além da doutrina, é fulcral o exame da jurisprudência.
36. Os entendimentos e considerações que foram expedidos em nada contestam ou ofendem aquela que tem vindo a ser a jurisprudência constante do Tribunal Constitucional quando confrontado com “problemas” semelhantes.
37. O primeiro Aresto a citar será o Acórdão n.º 359/2009, referente ao processo n.º 779/07, 1ª Secção, relatado por Carlos Pamplona de Oliveira que se pronunciou sobre a questão de fundo do recurso, recurso esse interposto de um Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, à semelhança do caso sub judice.
38. Mais há que especificar: o processo teve origem numa decisão do Conservador da 7ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa da qual se recorreu para o Tribunal Cível da Comarca de Lisboa;
39. Não tendo sido proferida decisão favorável, as recorrentes recorreram, salvo pleonasmo, para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo sido o recurso considerado improcedente.
40. Não se dando por vencidas, as recorrentes interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso esse que não foi aceite pelo Juiz Desembargador Relator do Processo.
41. Do despacho que não admitiu recurso, reclamaram as recorrentes para o Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Uma vez mais, não foi admitido o recurso.
42. Perante isto, o que fizeram as recorrentes- Recorrem da decisão da reclamação- Não. As recorrentes seguiram, precisamente, o caminho que o Reclamante seguiu neste mesmo processo: interpuseram recurso da decisão do Tribunal da Relação.
43. Pelo que sempre se dirá que não há a apontar ao Reclamante qualquer violação do Direito Adjectivo e que deveria ter sido admitido o recurso por si interposto.
Neste temos e nos mais de Direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Ex.ªs, deve ser revogada a douta decisão sumária proferida pelo Tribunal Constitucional que indeferiu o recurso interposto e substituída por outra que o aceite, com as legais consequências.
O Ministério Público respondeu, pronunciando-se pelo indeferimento da reclamação.
Fundamentação
Nos recursos de constitucionalidade interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, como é o caso, só é admissível a interposição do recurso quando se mostrem esgotados os recursos ordinários possíveis (artigo 70.º, n.º 2), visando-se assim garantir que apenas seja possível aceder ao Tribunal Constitucional, neste tipo de recursos, relativamente a decisões que constituam a “última palavra” dentro da ordem jurisdicional a que pertence o tribunal que a proferiu.
Por isso se a parte utiliza um meio impugnatório como a reclamação para um tribunal superior de um despacho que não admitiu um recurso interposto para esse tribunal, é manifesto que aquele despacho já não pode ser objecto de recurso para o Tribunal Constitucional, uma vez que não traduz a última palavra da respectiva ordem jurisdicional, a qual, por força daquela impugnação, passou a ser a do tribunal superior que decidiu a reclamação.
Por esse motivo revela-se correcta a decisão de não conhecer do recurso interposto para o Tribunal Constitucional, uma vez que o despacho recorrido não foi quem aplicou de forma definitiva a norma cuja constitucionalidade o Reclamante pretende ver apreciada.
Não há aqui também lugar para o cumprimento do artigo 75.º-A, n.º 5, da LTC, uma vez que esse convite apenas deve ser efectuado quando o requerimento de interposição de recurso for omisso quanto à indicação de qualquer elemento exigido pelo mesmo artigo 75.º, n.º 1 e 2, da LTC., o que não é o caso.
Por esta razão deve ser indeferida a reclamação apresentada.
Decisão
Pelo exposto indefere-se a reclamação apresentada por A..
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 6 de Julho de 2011. – João Cura Mariano – Catarina Sarmento e Castro – Rui Manuel Moura Ramos.