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Processo n.º 268/09 e 287/09
Plenário
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
I- Relatório
1. Em 8 de Abril de 2009, vinte e oito Deputados à Assembleia da República requereram ao Tribunal Constitucional, em fiscalização abstracta sucessiva e ao abrigo do disposto no artigo 281.º, n.º 2, alínea f) da Constituição (CRP), a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas que constam do n.º 1 do artigo 60.º, dos n.º s 1 e 4 do artigo 122.º, do artigo 123.º, do artigo 123.º-A, do n.º 3 do artigo 125.º e do n.º 1 do artigo 127.º do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro, na redacção introduzida pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, bem como do n.º 1 do artigo 90.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto.
Fundaram o pedido, registado no Tribunal sob o n.º 268/09, no seguinte:
“1. O actual estatuto constitucional do Ministério Público assume, por força da sua estrutura hierárquica, uma dupla vertente.
2. A primeira, consagrada no n.º 2 do art. 219º da Constituição, respeita ao Ministério Público como um todo, passando pela garantia de estatuto próprio e, sobretudo, pela sua autonomia, a qual tem um papel, não apenas endógeno, mas ainda de garantia da independência dos tribunais.
3. Esta vertente apresenta um significado negativo de exigência de autodeterminação – exclusão da hetero-determinação, mediante subordinação a outras entidades públicas, incluindo a exclusão de qualquer dependência do poder político – e um significado positivo, como exigência de determinação de acordo com critérios de legalidade e objectividade.
4. A segunda vertente respeita aos agentes do Ministério Público e caracteriza-se pelo facto de se tratar: a) de magistrados dotados de um irrenunciável núcleo de autonomia pessoal; b) magistrados responsáveis e hierarquicamente subordinados, nos termos da primeira parte do n.º 4 do art. 219º da Constituição, embora com limites muito especiais uma vez que: os poderes directivos são restringidos pelo dever ou poder de recusa de obediência a directivas, ordens e instruções ilegais e em caso de grave violação da consciência jurídica do magistrado; os poderes de supervisão (também directivos) encontram limites derivados dos termos em que se processa a intervenção do Ministério Público como sujeito no processo e; os poderes disciplinares são concentrados no Conselho Superior do Ministério Público; c) magistrados inamovíveis no mesmo exacto sentido em que o são os magistrados judiciais, o que importa uma vertente material (de garantia de que não podem ser transferidos, suspensos, aposentados ou demitidos senão nos casos previstos na lei) e uma vertente institucional, cifrada na reserva de competência para a nomeação, colocação, transferência e promoção dos agentes do Ministério Público e o exercício da acção disciplinar no Conselho Superior do Ministério Público (como decorre da segunda parte do n.º 4 e do n.º 5 do artigo 219º da Constituição); d) a elevação constitucional da inamovibilidade a princípio acarreta a exigência, relativamente aos casos de amovibilidade, de excepcionalidade, de fundamento material suficiente, de respeito pelo núcleo essencial do princípio, de reserva de lei e de definição com um mínimo de precisão que afaste a indefinição e infixidez e abra a porta à discricionariedade; e) a consagração da inamovibilidade, como garantia da autonomia dos magistrados no exercício de funções, pressupõe a vigência constitucional de um princípio de pré-constituição normativa semelhante ao juiz natural (a que bem se poderá chamar garantia do Ministério Público quási-natural), muito embora ele seja mitigado pela hierarquia – que a par da autonomia, é outro dado definidor do estatuto e da identidade constitucional do Ministério Público e dos seus magistrados; f) assim, é exigida uma pré-determinação normativa, ou seja, geral e abstracta, não apenas em matéria de competência, como em matéria de distribuição processual, e se, por força da hierarquia, são admissíveis casos de afastamento das regras sem paralelo relativamente aos magistrados judiciais, eles estarão sujeitos às exigências de excepcionalidade, de fundamento material suficiente e de respeito pelo núcleo essencial do princípio – o que exigirá a prévia definição normativa de tais casos e, sendo o caso, dos destinatários das concretas funções em causa; g) o estatuto constitucional do Ministério Público tem as suas implicações ou vertentes institucionais e orgânicas, que se exprimem na existência de uma Procuradoria-geral da República, com a sua complexidade própria, na consagração do Conselho Superior do Ministério Público (cuja função foi determinada previamente ao acolhimento constitucional do órgão) como guardião da autonomia do Ministério Público, e na separação entre os poderes directivos, por um lado, e, por outro, os poderes de gestão e disciplinares (“quem dirige, não classifica, não nomeia, nem sanciona”).
5. São fundamentalmente duas as alterações trazidas pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, ao sistema instituído no Estatuto do Ministério Público: a) a intensificação material da hierarquia interna, mediante a modificação das regras de nomeação dos magistrados para determinados cargos de promoção; b) a redução do número de comarcas que traz consigo a generalização da situação de nomeação de vários magistrados, por vezes em número bastante elevado, para cada comarca, com idêntica e consequente generalização e intensificação do problema da organização interna e de divisão do trabalho entre magistrados do Ministério Público colocados na mesma comarca.
6. A primeira alteração advém da preferência demonstrada pelo legislador, em clara violação dos princípios constitucionais, na definição das regras de nomeação dos titulares de lugares com funções de direcção e coordenação, no sentido da nomeação sob proposta, relativamente ao concurso, e do provimento em regime de comissão de serviço (renovável), relativamente ao provimento nos termos normais.
7. Estas opções, apesar de deixarem inalterados os termos formais da subordinação hierárquica, abrem margem para a criação de uma linha de confiança pessoal que pode atravessar toda a estrutura orgânica do Ministério Público, desde o topo até ás posições de coordenação de base, introduzindo uma alteração qualitativa nas possibilidades reais e na efectividade da orientação da actuação da actividade do Ministério Público.
8. Tal questão é tanto mais relevante quanto é certo que a mesma não se verificaria caso se enveredasse, desde logo, pela implementação de procedimentos de selecção que permitissem, pelas suas características, assegurar os princípios gerais da igualdade, da transparência e da imparcialidade na formação das inerentes decisões.
9. Não será despiciendo recordar as considerações expendidas pelo Tribunal Constitucional a respeito do princípio de acesso à função pública por via do concurso (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 683/99, de 21 de Dezembro), princípios esses cujos fundamentos – pela sua variedade e extensão – são aplicáveis, naturalmente, e até por maioria de razão, à estrutura orgânica do Ministério Público, sobretudo, atendendo aos princípios gerais que derivam da Constituição e impõem a autonomia efectiva dos agentes do Ministério Público.
10. Do aludido princípio – e não obstante as excepções que lhe têm vindo a ser reconhecidas – decorrem, assim, duas asserções principais: em primeiro lugar, é dificilmente justificável o recurso à nomeação sob proposta relativamente a lugares – como os de procurador coordenador de comarca (n.º 1 do art. 60.º do EMP), procurador nos Departamentos de Investigação e Acção Penal na sede dos distritos (n.º s 1 e 4 do art. 122.º do EMP) e no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (n.º 1 do art. 123.º do EMP) – quando, na própria Administração Pública, ele é exigido para provimento dos cargos de direcção intermédia e, sobretudo, quando naqueles dois últimos casos, os cargos incluem uma crucial componente que não tem que ver com a coordenação ou direcção mas com o exercício material de funções próprias do Ministério Público; por seu turno, mesmo quanto aos lugares de topo, a invocação de especiais factores de responsabilidade ou confiança pessoal, sendo passível de justificar o afastamento da regra do concurso, não comporta, em todo o caso, a possibilidade de preterição das necessárias garantias de igualdade, publicidade e transparência nos processos de selecção adoptados.
11. Por essa mesma razão, outra das inovações da reforma legislativa em análise, traduzida na sujeição ao regime de comissão de serviço de todas as nomeações para os cargos de procurador-geral adjunto nos Tribunais da Relação e de procurador da República nos Departamentos de Investigação e Acção Penal e nas instâncias especializadas (n.º 4 do artigo 122.º e n.º 5 do artigo 123.º do EMP) está em flagrante desconformidade com um dos princípios constitucionais referidos.
12. Afigura-se, de facto, configurar violação constitucional, à luz dos princípios delimitadores do estatuto do Ministério Público (inamovibilidade e autonomia), a possibilidade de sujeição dos mencionados cargos a um regime de nomeação temporária, com visível repercussão na estabilidade da colocação dos agentes envolvidos e, consequentemente, da respectiva autonomia pessoal.
13. Quanto à segunda das alterações trazidas pela Lei n.º 52/2008 [enunciada no ponto 5. b)], o facto de a lei estabelecer que compete ao procurador-geral adjunto que dirige a procuradoria da Comarca proceder à distribuição de serviço entre os procuradores da República da mesma comarca e ou entre procuradores adjuntos, sem prejuízo do disposto na lei, suscita a questão de saber se a opção por um sistema de distribuição (directa e única) dos processos por magistrado, caso seja essa a interpretação preferida, é ou não constitucional.
14. Tal interpretação do sentido das disposições referidas é inconstitucional, uma vez que se traduz na completa postergação da garantia da inamovibilidade, tanto na vertente material, como na vertente institucional, dentro do amplo e indiferenciado âmbito das novas comarcas uma vez que: a) materialmente, se é verdade que a Constituição não constitucionalizou um determinado mapa judiciário, não menos o é que ela não assume uma noção formal mas material dos actos de nomeação, colocação, transferência e promoção dos agentes do Ministério Público, abrangendo todos os actos análogos, é também verdade que a Constituição não pode permitir a manipulação arbitrária do mapa judiciário por parte do legislador ordinário de forma a esvaziar a garantia da inamovibilidade, no limite, suprimindo-a totalmente (por exemplo, reduzindo o território a uma ou duas comarcas); b) também institucionalmente, a garantia é violada uma vez que se esvaziaria a reserva de competência constitucional para tais actos (e todos os análogos) do Conselho Superior do Ministério Público e, mais do que isso, resultariam disseminados e confundidos na estrutura hierárquica os poderes de direcção e os de auto-governo ou gestão da magistratura, ao arrepio da opção fundamental tomada pela Constituição em ordem à preservação da autonomia pessoal do magistrado e com a agravante da intensificação material da hierarquia interna; c) embora se levante uma questão de fronteira da ampla margem de conformação deixada ao legislador ordinário, difícil de resolver em abstracto, no presente caso vale a analogia com o Estatuto dos Magistrados Judiciais, no qual se deixa claro que há uma ligação estável (a que se chama “afectação”) dos vários magistrados aos vários juízos – cuja definição é da competência do Conselho Superior da Magistratura – dotada de certa flexibilidade, pois pode ser alterada (mediante “reafectação” dos juízes no âmbito da mesma comarca), tendo em vista uma distribuição racional e eficiente do serviço; d) tendo a garantia constitucional de inamovibilidade o mesmo conteúdo material relativamente aos magistrados do Ministério Público, sendo, além disso, o sistema da afectação dotado de mecanismos de flexibilização, e, enfim, não tendo nem devendo ter a hierarquia interferência na questão (até por força do princípio da separação entre poder directivo e poder de nomeação dos magistrados), deverá valer solução semelhante para o Ministério Público; e) apesar da sua falta de clareza, a melhor interpretação dos dados normativos vigentes aponta no sentido da colocação estável dos magistrados do Ministério Público no âmbito da comarca por decisão do Conselho Superior do Ministério Público, seja porque se dá como provimento em lugares determinados, seja porque se dá em termos de afectação, solução que afasta da interpretação censurada; f) para fazer face à falta de densificação da figura da afectação, uma interpretação conforme à Constituição exigirá ainda que se revista a situação de afectação da estabilidade necessária para assegurar a autonomia do magistrado, sendo de exigir, quando menos, a prévia definição, objectiva e genérica, dos critérios de afectação e, bem assim, dos casos em que se pode tornar necessária a reafectação e do modo de determinação dos magistrados a envolver nela.
15. Também relativamente à distribuição de serviço em sentido estrito (que já funciona após um primeiro momento de colocação dos magistrados nos diversos juízos), estabelecendo-se que compete ao Conselho Superior do Ministério Público deliberar e emitir directivas em matéria de organização interna e de gestão pode perguntar-se se, no mais, isto é, no que se refere à concretização dessas directivas gerais, a questão não estará remetida para a discricionariedade do magistrado que dirija a procuradoria (ou o departamento).
16. Também aqui, uma interpretação que assuma essa resposta, é inconstitucional, como decorre da exigência fundamental de pré-determinação normativa do Ministério Público, que, embora nos termos mitigados pela hierarquia atrás referidos, abrange, não apenas a competência do órgão, mas a própria distribuição dos processos.
17. A posição do Conselho Superior do Ministério Público como guardião da autonomia dos magistrados – sobretudo numa situação em que se intensificou materialmente o pendor hierarquizante da organização interna – impõe a sua intervenção na questão, emitindo directivas gerais em matéria de organização interna e de gestão de quadros que a lei já lhe confere – poder que, para ser dotado de um mínimo de efectividade, deverá ser acompanhado de alguma possibilidade de controlo do seu cumprimento.
18. Por tais razões, as inovações legislativas censuradas afiguram-se inconstitucionais por violação do princípio da autonomia da magistratura do Ministério Público, consagrado no n.º 2 do art. 219.º da Constituição, quer do princípio da inamovibilidade dos magistrados do Ministério Público, extraível da segunda parte do n.º 4 e do n.º 5 do art. 219.º da Constituição”.
2. Em 17 de Abril de 2009, outros vinte e três Deputados à Assembleia da República pediram ao Tribunal Constitucional, igualmente em fiscalização abstracta sucessiva e ao abrigo do disposto no citado artigo 281.º, n.º 2, alínea f) da Constituição, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas:
a) do n.º 1 do artigo 60.º, dos n.º s 1 e 4 do artigo 122.º, dos n.º s 1 e 2 do artigo 123.º, dos n.º s 1, 2 e 3 do artigo 123.º-A, do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro, na redacção introduzida pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, bem como do n.º 1 do artigo 90.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, por violação do princípio da autonomia da magistratura do Ministério Público, consagrado no n.º 2 do artigo 219º da Constituição.
b) dos n.ºs 1 e 4 do artigo 122.º do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro, na redacção introduzida pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, ainda por violação do princípio da inamovibilidade dos magistrados do Ministério Público, insíto na segunda parte do n.º 4 e do n.º 5 do artigo 219º da Constituição.
Estes requerentes fundamentaram o pedido, que tomou o n.º 287/09, nos seguintes termos:
“1. A Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, introduziu alterações substanciais no Estatuto do Ministério Público (EMP), com especial destaque para a intensificação material da hierarquia interna, mediante a modificação das regras de designação dos magistrados para certos cargos de promoção, que deixa de ser feita, como até agora sucedia, por concurso, tendo por base o mérito apurado por via de inspecção, e passa a ser feita por nomeação.
2. Com efeito, nos termos da referida Lei: a) os procuradores-gerais-adjuntos que dirigem as comarcas são nomeados, em comissão de serviço, pelo Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), de entre três nomes propostos pelo procurador-geral distrital – cfr. art. 60.º, n.º1, do EMP e art. 90.º, n.º1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais; b) as funções de procurador da República coordenador são exercidas, em comissão de serviço, por procuradores da República com avaliação de mérito, nomeados pelo CSMP de entre três nomes propostos pelo procurador-geral distrital – cfr. art. 123º.º- A, n.ºs 1, 2 e 3, do EMP; c) o provimento de lugares de procurador da República no Departamento Central de Investigação e Acção Penal efectua-se, de entre três nomes propostos pelo procurador-geral-adjunto com funções de direcção e coordenação, sendo o cargo exercido em comissão de serviço – cfr. artigo 123.º, n.ºs 1 e 2, do EMP; d) o preenchimento dos lugares de procurador da República nos departamentos de investigação e acção penal (DIAP) nas comarcas sede dos distritos judiciais efectua-se, em comissão de serviço, sob proposta do procurador-geral distrital – cfr. artigo 122.º, n.ºs 1 e 4, do EMP.
3. Estas soluções legislativas, de opção pela nomeação sob proposta, em detrimento do concurso, “…abrem a margem para a criação de uma linha de confiança pessoal que pode atravessar toda a estrutura orgânica do Ministério Público, desde o topo até às posições de coordenação de base, introduzindo uma alteração qualitativa nas possibilidades reais e na efectividade da orientação da actuação da actividade do Ministério Público” – cfr. conclusão 8º do parecer elaborado pelos Professores Rui Medeiros e Lobo Moutinho, junto em anexo.
4. Neste novo sistema, não havendo concurso, a hierarquia do Ministério Público passa a cooptar-se a si mesma, correndo-se o risco de só ser cooptado quem for de confiança superior, condição que, para ser mantida e permitir a recondução no cargo, pode envolver a necessidade de agir no essencial de acordo com as sugestões vindas de cima.
5. Estas novas regras potenciam, por conseguinte, a criação de uma situação de dependência excessiva entre os diversos patamares da organização interna do Ministério Público, com evidentes implicações ao nível da preservação da autonomia pessoal dos magistrados do Ministério Público.
6. Naturalmente que esta situação seria obviada se o processo de selecção destes lugares fosse o de concurso ao invés da nomeação.
7. O concurso é o meio de recrutamento e selecção que melhor garante as condições de igualdade no acesso a cargos públicos e privilegia o mérito.
8. E o princípio de acesso à função pública por via de concurso, previsto no art. 47º, n.º 2, da Constituição, não pode deixar de aplicar-se, também, à estrutura orgânica do Ministério Público.
9. A garantia de autonomia contida no artigo 219º, n.º 2, da CRP, impondo a autonomia efectiva dos magistrados do Ministério Público, exige mesmo que não possa haver preterição do concurso na escolha das chefias intermédias.
10. A autonomia efectiva dos agentes do Ministério Público pode ser fortemente afectada e condicionada se o acesso a determinados lugares, mormente os de chefia intermédia, for feito, como decorre da opção legislativa, por nomeação.
11. Como bem refere a conclusão 11º do douto parecer em anexo. “… é dificilmente justificável o recurso à nomeação sob proposta relativamente a lugares – como os de procurador coordenador de comarca, procurador nos DIAP na sede dos distritos e no DCIAP -, quando, na própria Administração Pública, ele é exigido para o provimento dos cargos de direcção intermédia e, sobretudo, quando naqueles dois últimos casos, os cargos incluem uma crucial componente que não tem a ver com a coordenação ou direcção mas com o exercício material de funções próprias do Ministério Público”.
12. De facto, deixar-se o preenchimento de lugares como os de procurador coordenador de comarca, procurador nos DIAP na sede dos distritos e no DCIAP, à mercê da discricionariedade baseada em critérios de confiança pessoal, pode estar-se a comprometer irremediavelmente a autonomia dos Magistrados do Ministério Público, pois que estes poderão ficar colocados numa situação de maior vulnerabilidade a pressões, intimidações e condicionamentos sobre o seu modo de actuar, com óbvias repercussões particularmente ao nível do exercício da acção penal.
13. Ora, o Estatuto do Ministério Público deve espelhar as garantias que assegurem as condições de autonomia dos magistrados, para que estes possam exercer as suas funções com total objectividade e imparcialidade.
14. Não se pode admitir, e muito menos permitir, que a gestão da carreira dos magistrados do Ministério Público possa, de alguma forma, condicionar a sua obrigação de objectividade no exercício das suas funções, sobretudo como titular do exercício da acção penal.
15. Legalidade e objectividade são “imperativos essenciais” da autonomia (Acórdão n.º 219/92; cfr., também, Acórdãos n.º 389/89, 254/92 e 581/00) – in Constituição Portuguesa Anotada, de Jorge Miranda e Rui Medeiros, Tomo III, Coimbra Editora, pg.239).
16. O certo é, porém, que a opção pela nomeação, em detrimento do concurso, compromete seriamente essa objectividade por parte dos magistrados do Ministério Público.
17. Recorde-se, a este propósito, os sabidos ensinamentos do Prof. Alberto dos Reis, citado no parecer em anexo, que dizia “a ameaça de perda do lugar leva naturalmente o magistrado a condescender com imposições e a deferir pedidos que, em circunstâncias desafogadas, abertamente repudiaria”.
18. É, pois, manifesto que a autonomia dos magistrados do Ministério Público está seriamente ameaçada com a preterição do concurso na escolha das chefias intermédias, como decorre das alterações introduzidas pela Lei n.º 52/2008.
19. As normas constantes do n.º 1 do art. 60.º, da al. c) do n.º 2 do art. 62.º, dos n.ºs 1 e 4 do art. 122.º, dos n.ºs 1 e 2 do art. 123.º e dos n.ºs 1, 2 e 3 do art. 123.º-A, do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro, na redacção introduzida pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, bem como do n.º 1 do art. 90.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela mesma Lei n.º52/2008, de 28 de Agosto, são inconstitucionais por violação do princípio da autonomia do Ministério Público, consagrado no n.º 2 do art. 219.º da Constituição.
20. Acresce que o facto de os cargos de procurador da República nos DIAP e nas instâncias especializadas passarem a ser exercidos, nos termos do artigo 122.º, n.ºs 1 e 4, do EMP, em regime de comissão de serviço, em lugar do anterior regime de provimento definitivo, revela-se igualmente inconstitucional, desta feita por violação dos princípios da inamovibilidade e da autonomia.
21. Estes cargos reportam-se apenas à execução do exercício material de funções próprias do Ministério Público, concretamente o exercício de funções de direcção de inquéritos e/ou chefias de equipas de investigação ou de unidades de missão (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do EMP), não se justificando, por isso, o estabelecimento de um regime de nomeação temporária, com evidente repercussão na estabilidade da colocação dos magistrados envolvidos e, consequentemente, da sua autonomia pessoal.
22. Os n.ºs 1 e 4 do artigo 122.º do EMP são, por isso, inconstitucionais por violação do princípio da autonomia da magistratura do Ministério Público, consagrado no n.º 2 do artigo 219.º da Constituição, e do princípio da inamovibilidade dos magistrados do Ministério Público, insito na segunda parte do n.º 4 e no n.º 5 do artigo 219.º da CRP”.
3. Por despacho de 21 de Abril de 2009, o Presidente do Tribunal mandou incorporar os dois pedidos num só processo, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 64.º da Lei do Tribunal Constitucional.
4. Notificada a Assembleia da República, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 54.º e 55.º, n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional, respondeu o seu Presidente, remetendo cópia da Proposta de Lei n.º 187/X, dos Diários da Assembleia da República em que foram publicados os demais trabalhos preparatórios da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, e do Diário da República, 1ª Série, de 28 de Agosto de 2008, onde esta veio a ser publicada. No mais, limitou-se a oferecer o merecimento dos autos.
5. O memorando elaborado pelo Presidente do Tribunal foi submetido a debate em sessão plenária, cumprindo – distribuído, depois, o processo ao agora relator –, decidir de acordo com a orientação que prevaleceu.
II Fundamentação
6. As normas impugnadas no âmbito dos presentes autos inserem-se, conforme referido já, no domínio das alterações legislativas produzidas na sequência da entrada em vigor da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, que aprovou a nova Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, alterações essas que aqui importa, por razões de clareza da subsequente exposição, descrever brevemente.
6.1. A par da aprovação da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais – cujo artigo 90º se inscreve no conjunto das normas pretendidas confrontar com a Constituição –, a Lei n.º 52/2008, procedeu, através do seu artigo 164º, à alteração dos artigos 52.º, 58.º, 60.º, 61.º, 62.º, 63.º, 65.º, 72.º, 73.º, 83.º, 107.º, 120.º, 122.º, 123.º, 125.º, 127.º, 134.º e 135.º do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro, e alterado já pelas Leis n.ºs 2/90, de 20 de Janeiro, 23/92, de 20 de Agosto, 33-A/96, de 26 de Agosto, 60/98, de 27 de Agosto, 42/2005, de 29 de Agosto, e 67/2007, de 31 de Dezembro, aditando ao mesmo Estatuto, através do respectivo artigo 165.º, os artigos 88.º-A e 123.º-A.
A Lei n.º 52/2008 resultou da proposta de Lei n.º 187/X, que teve por objectivo a aprovação de uma nova Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), revogando integralmente, com os limites que resultam da definição do âmbito temporal da respectiva aplicação, quer a Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ) aprovada pela Lei n.º 3/99, de 3 de Janeiro, com a redacção dada pela Declaração de Rectificação n.º 7/99, de 4 de Fevereiro, alterada pela Lei n.º 101/99, de 26 de Julho, pelos Decretos-Lei nºs. 323/2001, de 17 de Dezembro, e 38/2003, de 8 de Março, pela Lei n.º 105/2003, de 10 de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, pela Lei n.º 42/2005, de 29 de Agosto e pelos Decretos-Lei nºs 76 -A/2006, de 29 de Março, 8/2007, de 17 de Janeiro, e 303/2007, de 24 de Agosto, quer a sua regulamentação, constante, por sua vez, do Decreto-Lei n.º 186-A/99, de 31 de Maio, alterado pelos Decretos-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, e 38/2003, de 8 de Março, Lei n.º 105/2003, de 10 de Dezembro, Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, Lei n.º 42/2005, de 29 de Agosto, e Decretos-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, 8/2007, de 17 de Janeiro, e 303/2007, de 24 de Agosto (cfr. artigo186º da Lei n.º 52/2008).
De acordo com a exposição de motivos constante da proposta de lei n.º 187/X, “a nova organização judiciária que o Governo propõe assenta em três eixos fundamentais: uma nova matriz territorial, um novo modelo de competências e um novo modelo de gestão”.
No que diz respeito à nova matriz territorial, a opção subjacente à reforma do mapa judiciário consistiu na agregação das comarcas existentes em circunscrições de âmbito geográfico mais alargado de acordo com o modelo de organização territorial das Nomenclaturas de Unidade Territorial para Fins Estatísticos III (NUTS III), definidas no Decreto-Lei n.º 46/89, de 15 de Fevereiro, alterado pelos Decretos-Lei n.º 163/99, de 13 de Maio, n.º 317/99, de 11 de Agosto, e n.º 244/2002, de 5 de Novembro.
Suprimindo a divisão tripartida do território em distritos judiciais, círculos judiciais e comarcas (artigo 15.º da LOFTJ, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 3 de Janeiro), o novo modelo de organização reduziu a divisão do mapa judiciário às categorias dos distritos judiciais e comarcas, estas definidas como circunscrições base (artigo 18º da LOFTJ, aprovada pela Lei n.º 52/2008).
O novo modelo contempla cinco distritos judiciais delimitados a partir das NUTS II – os distritos judiciais do Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve, sediados, respectivamente, no Porto, Coimbra, Lisboa, Évora e Faro (artigo 19.º da LOTJ e mapa I anexo) – e 39 comarcas, que agregam e substituem as 231 comarcas decorrentes da Lei n.º 3/99, de 3 de Janeiro (Mapa III anexo ao Regulamento da LOFTJ, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 186-A/99, de 31 de Maio), tendo por base o modelo de organização territorial das Nomenclaturas de Unidade Territorial Para Fins Estatísticos III (NUTS III).
Ainda segundo a exposição de motivos constante da proposta de Lei n.º 187/X, “o tribunal de comarca é, nesta nova matriz, constituído pela agregação organizacional e funcional dos actuais tribunais, com base num novo modelo de competências”.
O novo modelo de competências que acompanha a reorganização judiciária do território assenta na existência, em cada uma das referidas circunscrições, de um tribunal de comarca (cfr. artigo 21.º, n.º 2, da LOFTJ), que em regra corresponde ao tribunal judicial de 1.ª instância, designando-se, neste caso, pelo nome da circunscrição em que se encontra instalado (cfr. artigos 17.º, n.º 3, e 72.º, da LOFTJ). O novo modelo de competências inclui ainda o desdobramento dos tribunais de comarca em juízos, que podem ser de competência genérica ou especializada (cfr. artigos 22.º e 74.º, n.º 1, da LOFTJ), compreendendo estes os juízos de instrução criminal, família e menores, trabalho, comércio, propriedade intelectual, marítimos, execução de penas, execução, juízos de instância cível e juízos de instância criminal (cfr. artigos 74.º, n.º 2, e 110.º e seguintes, da LOFTJ).
Procede-se, assim, à eliminação da distinção entre tribunais de competência especializada (tribunais de instrução criminal, de família e menores, do trabalho, de comércio, marítimos e de execução de penas — cfr. artigos 78.º a 95.º da LOFTJ, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro) e tribunais de competência específica (varas cíveis, varas criminais, juízos cíveis, juízos criminais, juízos de pequena instância cível, juízos de pequena instância criminal e juízos de execução — cfr. artigos 96.º a 103.º do mesmo diploma), contemplando-se ainda a possibilidade de os novos juízos de instância cível e de instância criminal se desdobrarem, quando o volume ou a complexidade do serviço o justificarem, em três níveis de especialização, compreendendo os juízos de grande, média ou pequena instância cível e os juízos de grande, média ou pequena instância criminal (cfr. artigos 74.º, n.º 4, e 126.º a 132.º, todos da LOFTJ).
6.2. O novo modelo de organização territorial, definição de competências e gestão dos tribunais de comarca instituído pela Lei n.º 52/2008 originou transversalmente modificações normativas em diversos sectores do ordenamento jurídico, designadamente quanto ao Estatuto dos Magistrados do Ministério Público (artigos 164º e 165.º), diploma em que se inscrevem as normas cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada no âmbito dos presentes autos. Elas correspondem a concretizações do modelo adoptado pelo legislador em relação ao mecanismo de provimento e/ou ao regime do exercício dos seguintes cargos integrados na estrutura orgânica e funcional do Ministério Público: procurador-geral-adjunto-coordenador da comarca (artigo 60º, n.º 1, do Estatuto e artigo 90º, n.º1, da Lei n.º 52/2008); procurador da República coordenador da comarca (artigo 123º-A, n.ºs 1 e 2 do Estatuto); procurador-geral-adjunto coordenador dos departamentos de investigação e acção penal existentes na comarca sede de cada distrito judicial (artigo 127.º, n.º 1, do Estatuto); procurador-geral-adjunto do Departamento Central de Contencioso do Estado (artigo 127.º, n.º 1, do Estatuto); procurador da República nos departamentos de investigação e acção penal existentes na comarca sede de cada distrito judicial (artigo 122º, n.º 1, do Estatuto); procurador da República nos departamentos de investigação e acção penal existentes nas demais comarcas (artigo 122.º, n.ºs 2 e 4, do Estatuto); procurador da República nas instâncias especializadas (artigo 122.º, n.ºs 2 e 4, do Estatuto); procuradores da República no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (artigo 123.º, n.º 1, do Estatuto); procurador-geral-adjunto no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (artigo 127.º, n.º 1 do Estatuto); procurador-geral-adjunto nos tribunais da Relação (artigo 125.º, n.º 3, do Estatuto). Consideremo-las de seguida.
6.3. No âmbito da instituição do novo modelo de gestão do tribunal de comarca, tanto a LOFTJ aprovada pela Lei n.º 52/2008, como o artigo 60.º do Estatuto do Ministério Público, alterado pelo artigo 164.º daquele diploma legal, regulam em termos inovatórios a figura do magistrado do Ministério Público coordenador.
O cargo de magistrado do Ministério Público coordenador encontrava-se já previsto no Estatuto dos Magistrados do Ministério Público, na versão aprovada pela Lei n.º 60/98, de 27 de Agosto, assumindo embora aí uma configuração distinta daquela que veio a resultar das alterações introduzidas pela Lei n.º 52/2008.
A Lei n.º 60/98 teve ainda por base o modelo de organização judiciária instituído pela Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro) e mantido pela Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, que assentava na divisão judicial do território em distritos judiciais, círculos e comarcas (artigo11.º da Lei n.º 38/87 e 15.º, n.º 1, da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro).
Assim, em consonância com uma estrutura de organização territorial integrada também pela categoria dos círculos judiciais, as procuradorias da República encontravam-se localizadas nas respectivas sedes, competindo-lhes dirigir, coordenar e fiscalizar a actividade do Ministério Público na área do respectivo círculo judicial ou nos tribunais e departamentos em que superintendessem (artigo 60.º, n.º1 do EMP, na versão aprovada pela Lei n.º 60/98).
Compreendendo apenas procuradores da República e procuradores-adjuntos (artigo 60.º, n.º 3, do EMP), as procuradorias da República eram dirigidas por um procurador da República (artigo 62.º, nº 1, do EMP), prevendo-se, a título facultativo, a possibilidade de, nos tribunais e departamentos com mais de um procurador, serem nomeados procuradores da República com funções específicas de coordenação (artigo 62.º, n.º 2).
Neste contexto, o provimento do lugar de procurador da República coordenador efectuava-se, sob proposta do procurador-geral distrital, de entre procuradores da República com classificação de muito bom e tempo de serviço não inferior a cinco anos, sendo o cargo exercido em comissão de serviço (artigo 123.º, n.ºs 2 e 3, do EMP) com a duração de três anos e renovável, relevando o tempo correspondente, para todos os efeitos, como de efectiva actividade na função (artigo 140.º, n.ºs 1 e 5, do EMP).
O procurador da República coordenador em tais termos nomeado exerceria, no essencial, competências de gestão e coordenação dos serviços, cabendo-lhe: definir, ouvidos os demais procuradores da República, critérios de gestão dos serviços; estabelecer, ouvidos os demais procuradores da República, normas de procedimento, tendo em vista objectivos de uniformização, concertação e racionalização; garantir a recolha e o tratamento da informação estatística e procedimental relativa à actividade do Ministério Público e transmiti-la ao procurador-geral distrital; estabelecer mecanismos de articulação com as estruturas do Ministério Público com intervenção nas restantes fases processuais, em ordem a obter ganhos de operacionalidade e de eficácia; coordenar a articulação com os órgãos de polícia criminal, os organismos de reinserção social e os estabelecimentos de acompanhamento, tratamento e cura; decidir sobre a substituição de procuradores da República, em caso de falta ou impedimento susceptível de inviabilizar a informação, em tempo útil, do procurador-geral distrital; proferir decisão em conflitos internos de competência e assegurar a representação externa da procuradoria (artigo 63.º, n.º 2, do EMP). Tais funções poderiam ser acumuladas com a direcção de uma ou mais secções (artigo 63.º, n.º 3, do EMP).
Acompanhando a eliminação da categoria dos círculos judiciais em consequência do novo modelo de organização territorial, as procuradorias da República passam a fixar-se na sede de cada uma das novas 36 comarcas, competindo-lhes, em especial, dirigir, coordenar e fiscalizar a actividade do Ministério Público na área da respectiva comarca ou nos tribunais e departamentos em que superintendam (artigo 61.º, do EMP, na versão conferida pela Lei n.º 52/2008).
As procuradorias da República existentes na sede de cada uma das novas circunscrições de base passam a ser integradas, não apenas por procuradores da República e procuradores-adjuntos (artigo 60.º, n.º 3, da versão resultante da Lei n.º 60/98), mas ainda por procuradores-gerais-adjuntos (artigo 60.º, n.º3, do Estatuto, na redacção conferida pela Lei n.º 52/2008) e, em conformidade com esta nova composição, deixam de ser dirigidas por um procurador da República (artigo 62.º, n.º 1, do Estatuto, na versão resultante da Lei n.º 60/98), passando a sê-lo por um procurador-geral-adjunto (artigo 60.º, n.º 1, do Estatuto, na redacção conferida pela Lei n.º 52/2008).
O procurador-geral-adjunto que dirige a Procuradoria da República na comarca é designado por magistrado do Ministério Público coordenador, sendo nomeado, em comissão de serviço, pelo Conselho Superior do Ministério Público, de entre três nomes propostos pelo procurador-geral distrital (artigo 90.º, n.º 1, da LOFTJ, e 60.º, n.º 1, do Estatuto do Ministério Público, na versão aprovada pelo artigo 164.º da Lei n.º 52/2008), designação esta atribuída ao procurador-geral-adjunto que dirige a procuradoria-geral distrital existente na sede de cada distrito judicial de acordo com a estrutura organizativa do Ministério Público constante do respectivo Estatuto (artigo 55.º, n.º 1 e 57.º, n.º 1).
Às procuradorias-gerais distritais, nas quais exercem funções procuradores-gerais-adjuntos (artigo 55.º, n.º 2, do Estatuto), foi atribuída pela Lei n.º 60/98, a competência, entre outras, para “dirigir, coordenar e fiscalizar a actividade do Ministério Público no distrito judicial e emitir as ordens e as instruções a que deve obedecer a actuação dos magistrados, no exercício das suas funções” [artigo 56.º, al. b)] e ao procurador-geral distrital, em conformidade, a de “dirigir e coordenar a actividade do Ministério Público no distrito judicial e emitir ordens e instruções”, bem como de “proceder à distribuição de serviço entre os procuradores da República da mesma comarca ou círculo judicial, sem prejuízo do disposto na lei do processo” [artigo 58.º, n.º 1, als. a) e h)].
Mantendo embora inalteradas as competências da procuradoria-geral distrital definidas no artigo 56.º do Estatuto, a Lei n.º 52/2008 redefiniu, porém, certas das competências do procurador-geral distrital, atribuindo-lhe a prerrogativa de “dirigir o serviço dos procuradores-gerais-adjuntos com funções de direcção e coordenação nas comarcas pertencentes ao respectivo distrito” e, bem assim, de “proceder à distribuição de serviço entre os procuradores-gerais-adjuntos e procuradores da República que exerçam funções na procuradoria-geral distrital ou nos tribunais da Relação do respectivo distrito judicial, sem prejuízo do disposto na lei do processo” [artigo 58.º, als.g) e h)].
É, portanto, o agente do Ministério Público com competência para dirigir o serviço dos procuradores-gerais-adjuntos com funções de direcção e coordenação nas comarcas pertencentes ao respectivo distrito judicial que, de acordo com o regime instituído pela Lei n.º 52/2008, propõe ao Conselho Superior do Ministério Público os três nomes sobre os quais recairá a escolha do magistrado a nomear para o exercício daquele cargo.
A comissão de serviço em que é exercido o cargo de procurador-geral-adjunto coordenador da comarca tem a duração de três anos e será renovável, relevando o tempo que lhe corresponda, para todos os efeitos, como sendo de efectiva actividade na função (artigo 140.º, n.ºs 1 e 5 do Estatuto).
O procurador-geral-adjunto que exerça as funções de magistrado do Ministério Público coordenador deverá frequentar o curso de formação específico previsto para o presidente do tribunal de comarca (cfr. artigo 90.º, n.º 4 e 92.º, ambos da LOFTJ) – curso esse cujo regulamento foi aprovado pela Portaria n.º 1125/2009, de 1 de Outubro –, competindo-lhe dirigir e coordenar a actividade do Ministério Público na comarca, emitindo ordens e instruções (artigo 90.º, n.º 3, da LOFTJ e 62.º, n.º 2, do Estatuto, na versão resultante da Lei n.º 52/2008).
Embora as funções previstas para o magistrado do Ministério Público coordenador continuem a poder definir-se, no essencial, como de gestão e coordenação dos serviços, as competências atribuídas ao procurador-geral-adjunto coordenador foram ampliadas e adensadas relativamente àquelas que, na versão aprovada pela Lei n.º 60/98, o Estatuto dos Magistrados do Ministério Público fazia caber ao procurador da República coordenador.
Assim, ao procurador-geral-adjunto coordenador da comarca caberá: acompanhar o movimento processual dos serviços, identificando, designadamente, os processos que estão pendentes por tempo considerado excessivo ou que não são resolvidos em prazo considerado razoável, informando a procuradoria-geral distrital; acompanhar o desenvolvimento dos objectivos fixados para os serviços do Ministério Público por parte dos procuradores e dos funcionários; proceder à distribuição de serviço entre os procuradores da República da mesma comarca e entre procuradores-adjuntos, sem prejuízo do disposto na lei; promover a realização de reuniões de planeamento e de avaliação dos resultados do tribunal, com a participação dos procuradores e funcionários; adoptar ou propor às entidades competentes medidas, nomeadamente, de desburocratização, simplificação de procedimentos, utilização das tecnologias de informação e transparência do sistema de justiça; ser ouvido pelo Conselho Superior do Ministério Público, sempre que seja ponderada a realização de inspecções extraordinárias ou sindicâncias à comarca; elaborar os mapas e turnos de férias dos procuradores e autorizar e aprovar os mapas de férias dos funcionários; exercer a acção disciplinar sobre os funcionários em funções nos serviços do Ministério Público, relativamente a pena de gravidade inferior à de multa, e, nos restantes casos, instaurar processo disciplinar, se a infracção ocorrer no respectivo tribunal; definir métodos de trabalho e objectivos mensuráveis para cada unidade orgânica, sem prejuízo das competências e atribuições nessa matéria por parte do Conselho Superior do Ministério Público; determinar a aplicação de medidas de simplificação e agilização processuais e; proceder à reafectação de funcionários dentro da respectiva comarca e nos limites legalmente definidos (artigo90.º, n.º 3, da LOFTJ e 62.º, n.º 2, do Estatuto).
6.4. Apesar da criação do cargo de procurador-geral-adjunto coordenador, as alterações ao Estatuto do Ministério Público introduzidas pela Lei n.º 52/2008 não envolveram a eliminação do cargo de procurador da República coordenador.
Embora mantida, a figura do procurador da República coordenador foi, no entanto, reconfigurada em vários dos seus aspectos em estreita correlação com o cargo de procurador-geral-adjunto coordenador, este introduzido ex novo.
Aos procuradores da República coordenadores passam a estar atribuídas funções de coadjuvação do procurador-geral-adjunto que exerça as funções de magistrado do Ministério Público coordenador na comarca, cabendo-lhes as competências de gestão e coordenação dos serviços que por este lhes forem delegadas (artigo 62.º, n.º 3, do Estatuto, na versão alterada pela Lei n.º 52/2008). Tal como os procuradores-gerais-adjuntos coordenadores, também os procuradores da República coordenadores deverão frequentar o curso de formação adequada entretanto regulamentado através da Portaria n.º 1125/2009, de 1 de Outubro (artigo 63.º, n.º 8, do Estatuto) e, para além do exercício das competências que por estes lhe forem delegadas, passará a competir-lhes ainda: propor ao procurador-geral-adjunto respectivo critérios de gestão dos serviços e normas de procedimento, tendo em vista objectivos de uniformização, concertação e racionalização; garantir a recolha e o tratamento da informação estatística e procedimental relativa à actividade do Ministério Público e transmiti-la ao procurador-geral-adjunto com funções de direcção e coordenação na comarca; propor mecanismos de articulação com as estruturas do Ministério Público que intervenham noutras áreas ou noutras fases processuais, em ordem a obter ganhos de operacionalidade e de eficácia; coadjuvar o procurador-geral-adjunto da comarca na articulação com os órgãos de polícia criminal, os organismos de reinserção social e os estabelecimentos de acompanhamento, tratamento e cura; decidir sobre a substituição de procuradores da República, em caso de falta ou impedimento que inviabilize a informação, em tempo útil, do procurador-geral-adjunto da comarca; proferir decisão em conflitos internos de competência; assegurar a representação externa da procuradoria, mediante delegação ou em substituição do procurador-geral-adjunto e exercer as demais competências previstas na lei (artigo 63.º, n.º 3, do Estatuto).
Tal como sucedia com o cargo de procurador da República coordenador previsto na Lei n.º 60/98, também os procuradores da República coordenadores nomeados ao abrigo da Lei n.º 52/2008 poderão acumular as funções de gestão e coordenação com o exercício da actividade própria da magistratura do Ministério Público, mais concretamente com a direcção de processos e/ou a chefia de equipas de investigação ou unidades de missão (artigo 63.º, n.º 4, na redacção da Lei n.º 52/2008) que integrem a estrutura dos departamentos de investigação e acção penal (artigo 72.º, n.º 1, na redacção da Lei n.º 52/2008) existentes na comarca sede do distrito judicial correspondente ou que hajam sido criados em outras comarcas em razão do volume processual respectivo (artigo 71.º, n.º 1, do Estatuto).
Conforme igualmente resultava já da Lei n.º 60/98 (artigo 123.º, n.º 2, do Estatuto, na versão aprovada pela referido diploma), o provimento do cargo de procurador da República coordenador continua a fazer-se por nomeação: as funções de procurador da República coordenador são exercidas por procuradores da República com avaliação de mérito, nomeados pelo Conselho Superior do Ministério Público de entre três nomes propostos pelo procurador-geral distrital, que tenham frequentado com aproveitamento o curso de formação adequada, nos termos de portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça ou, quando tal não seja possível, de entre três nomes de procuradores da República com classificação de mérito propostos pelo procurador-geral distrital (artigo 123.º-A, n.ºs 1 e 2, aditado ao Estatuto do Ministério Público pelo artigo165.º da Lei n.º 52/2008, e artigo 63.º, n.º 8, do mesmo Estatuto, na redacção conferida pelo mencionado diploma).
Conforme decorria também já da Lei n.º 60/98 (artigo 123.º, n.º 3, do Estatuto, na versão aprovada pelo referido diploma) – e ocorre agora com o cargo de procurador-geral-adjunto coordenador –, o cargo de procurador da República coordenador é exercido em comissão de serviço (artigo 123º-A, n.º 3, do Estatuto, introduzido pela Lei n.º 52/2008) com a duração de três anos, renovável, computando-se o tempo que lhe corresponda, para todos os efeitos, como de efectiva actividade na função (artigo 140.º, n.ºs 1 e 5, do Estatuto).
6.5. Em cada uma das comarcas sede dos distritos judiciais previstos na LOFTJ – que, de acordo com a divisão judiciária resultante do artigo19.º da Lei n.º 52/2008 e respectivo mapa I anexo, correspondem às comarcas do Porto, Coimbra, Lisboa, Évora e Faro (artigo 19.º da LOTJ e mapa I anexo) – é mantida a existência dos departamentos de investigação e acção penal criados pelo Estatuto dos Magistrados do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 60/98, de 27 de Agosto (artigo 70.º do Estatuto).
Segundo a Exposição de motivos constante da proposta de Lei n.º 113/VII, que deu origem à Lei n.º 60/98, de 27 de Agosto, a alteração do Estatuto do Ministério Público teve por finalidade a redefinição das competências dos vários magistrados e a criação, no âmbito de um esforço de reorganização interna, de novos órgãos vocacionados para a resolução de problemas concretos (Dias, João Paulo, Fernando, Paula e Lima, Teresa Maneca, “O Ministério Público em Portugal”, O papel do Ministério Público, Estudo comparado dos países latino-americanos, Almedina, 2008, pg.56), tendo considerado o legislador que “a emergência de novos fenómenos de criminalidade associada e induzida pelo consumo de estupefacientes, a mobilidade e estruturação dos grupos e sub-culturas delinquentes, a sofisticação das novas formas de acção e organização da criminalidade de colarinho branco tornaram patentes as insuficiências e fragilidades do sistema”, com o que se tornou “manifesto que um órgão fechado em si mesmo, sem valências de especialização, modelado segundo critérios rígidos de competência territorial na base da comarca, sem ligação à prevenção e à investigação policial e às suas formas de organização territorial e material poderia não dar resposta suficiente às novas solicitações”.
Com tais preocupações, o Estatuto criou um departamento de investigação e acção penal na sede de cada distrito judicial e atribuiu-lhe competências que a Lei n.º 52/2008 reformulou apenas na medida correspondente à modificação resultante da eliminação, no âmbito do novo modelo de organização territorial, da categoria dos círculos judiciais.
Assim, competirá aos departamentos de investigação e acção penal existentes na comarca sede de cada distrito judicial: dirigir o inquérito e exercer a acção penal por crimes cometidos na área da comarca, bem como relativamente aos crimes indicados no n.º 1 do artigo 47.º do Estatuto [crimes contra a Paz e a Humanidade, organização terrorista e terrorismo, contra a segurança do Estado (com excepção dos crimes eleitorais), tráfico de estupefacientes, substâncias psicotrópicas e precursores (salvo tratando-se de situações de distribuição directa ao consumidor) e associação criminosa para o tráfico, branqueamento de capitais, corrupção, peculato e participação económica em negócio, insolvência dolosa, administração danosa em unidade económica do sector público, fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito, infracções económico-financeiras cometidas de forma organizada, nomeadamente com recurso à tecnologia informática e infracções económico-financeiras de dimensão internacional ou transnacional] quando a actividade criminosa ocorrer em comarcas pertencentes, já não a diferentes círculos do mesmo distrito judicial (artigo 73.º, n.º 1, al. b), do Estatuto, na versão aprovada pela Lei n.º 60/98, de 27 de Agosto), mas simplesmente ao mesmo distrito judicial (artigo 73.º, n.º 1, al. b), do Estatuto, na redacção aprovada pela Lei n.º 52/2008); e precedendo despacho do procurador-geral distrital, dirigir o inquérito e exercer a acção penal quando, relativamente a crimes de manifesta gravidade, a complexidade ou dispersão territorial da actividade criminosa justificarem a direcção concentrada da investigação.
Tal como sucede com os departamentos de investigação e acção penal que sejam criados em outras comarcas, também os departamentos de investigação e acção penal existentes na comarca sede do distrito judicial, para além de conservarem a possibilidade de se organizar por secções, dirigidas por procuradores da República, em função da estrutura da criminalidade, passam também a poder constituir-se em unidades de missão ou equipas de investigação, por decisão do procurador-geral distrital (artigo 72.º, n.ºs 1 e 4, do Estatuto).
Embora nos departamentos de investigação e acção penal localizados na comarca sede de cada distrito judicial, tal como nos demais, continuem a exercer funções procuradores da República e procuradores-adjuntos (artigo 72.º, n.º 5, do Estatuto), a Lei n.º 52/2008 introduziu modificações na configuração do cargo de direcção daquele departamento, alterando ainda o modo de provimento deste e dos lugares de procurador da República existentes nos referidos departamentos.
6.6. Os departamentos de investigação e acção penal localizados nas comarcas sede de distrito judicial passam a ser dirigidos, já não por procuradores-gerais-adjuntos ou por procuradores da República em alternativa (artigo 72.º, n.º 2, do Estatuto, na versão da Lei n.º 60/98), mas obrigatoriamente por um procurador-geral-adjunto, exercendo este competências idênticas às previstas para o procurador-geral-adjunto coordenador da comarca (artigo 72.º, n.º 2, na versão da Lei n.º 52/2008).
O lugar de procurador-geral-adjunto nos departamentos de investigação e acção penal nas comarcas sede de distrito judicial continua a ser provido por proposta do procurador-geral da República, embora agora apenas de entre procuradores-gerais-adjuntos – e não já também por promoção, de entre procuradores da República, com classificação de muito bom (artigo 127.º do Estatuto, na versão aprovada pela Lei n.º 60/98) –, não podendo o Conselho Superior do Ministério Público vetar, para cada vaga, mais de dois nomes (artigo 127.º, n.º 1, do Estatuto, na versão da Lei n.º 52/2008).
Segundo decorre do artigo 22.º do Regulamento Interno da Procuradoria-Geral da República (Regulamento n.º 1/2002), aprovado pelo Conselho Superior do Ministério Público nos termos previstos na al. b) do artigo 27.º do Estatuto, na versão resultante da Lei n.º 60/98, e publicado no DR II Série, de 28 de Fevereiro de 2002, a proposta a apresentar será fundamentada e acompanhada de notas biográficas relativas a cada um dos nomes propostos.
Na sequência do que sucedia já no âmbito da Lei n.º 60/98 (artigo 127.º do Estatuto, na versão aprovada pelo mencionado diploma), o cargo de procurador-geral-adjunto nos departamentos de investigação e acção penal situados nas comarcas sede dos distritos judiciais é exercido em comissão de serviço (artigo 127.º, n.º 2, do Estatuto, na redacção conferida pela Lei n.º 52/2008) com a duração de três anos e renovável, relevando o tempo que lhe corresponda, para todos os efeitos, como sendo de efectiva actividade na função (artigo 140.º, n.ºs 1 e 5 do Estatuto).
6.7. No âmbito da versão do Estatuto resultante da Lei n.º 60/98, o preenchimento dos lugares de procurador da República nos departamentos de investigação e acção penal existentes nas comarcas sede de cada distrito judicial efectuava-se de entre procuradores da República com classificação de mérito, recaindo a nomeação sobre o magistrado com melhor classificação e, de entre os melhor classificados, sobre o mais antigo (artigo 122.º, n.ºs 1 e 2).
Sujeito ao regime geral constante do artigo 134º do Estatuto, o provimento de tais cargos era precedido de concurso, com a particularidade de “relativamente a comarcas sede de distrito judicial, os magistrados pode[rem] concorrer para tribunais ou para departamentos específicos, nos termos do regulamento aprovado pelo Conselho Superior do Ministério Público” (cfr. n.º 4).
Concretizando tal previsão, o Conselho Superior do Ministério Público aprovou o Regulamento interno n.º 7/99, publicado no DR, II Série, de 29 de Outubro de 1999, aí definindo os termos a seguir pelo concurso para tribunais ou departamentos específicos das comarcas sede de distrito judicial.
Nos termos do referido regulamento, os procuradores da República poderiam concorrer para os departamentos de investigação e acção penal das comarcas de Lisboa, Porto (2.2.), Coimbra e Évora (3.) e, uma vez aí colocados, a afectação a determinado serviço ou lugar far-se-ia por despacho do competente procurador-geral distrital ou procurador da República (7.).
De acordo com as alterações introduzidas pela Lei n.º 52/2008, o provimento dos lugares de procurador da República nos departamentos de investigação e acção penal existentes nas comarcas sede de distrito judicial passa a realizar-se por nomeação do Conselho Superior do Ministério Público, sob proposta do procurador-geral distrital – que mantém inalterada a competência, definida na al. a) do n.º1 do artigo 58.º do Estatuto, para “dirigir e coordenar a actividade do Ministério Público no distrito judicial [respectivo] e emitir ordens e instruções” –, de acordo com os seguintes factores relevantes: experiência na área criminal, designadamente no respeitante à direcção ou participação em investigações relacionadas com criminalidade violenta ou altamente organizada; experiência curricular de chefia; formação específica ou realização de trabalhos de investigação no domínio das ciências criminais; e classificação de mérito como procurador da República ou na última classificação como procurador—adjunto (artigo 122.º, n.º 1, do Estatuto, na versão da Lei n.º 52/2008).
Acompanhando tal alteração, a norma do n.º 4 do artigo134.º do Estatuto dos Magistrados do Ministério Público, relativa à preparação dos movimentos, foi igualmente modificada pela Lei n.º 52/2008, substituindo-se a anterior previsão de que, “relativamente a comarcas sede de distrito judicial, os magistrados pode[riam] concorrer para tribunais ou para departamentos específicos, nos termos do regulamento aprovado pelo Conselho Superior do Ministério Público”, pela genérica atribuição ao Conselho Superior do Ministério Público da incumbência de “aprova[r] os regulamentos necessários à efectivação dos concursos para provimento dos lugares previstos n[o] Estatuto” a prover por essa forma.
Tal como sucede com o cargo de procurador-geral-adjunto dos departamentos de investigação e acção penal existentes na comarca sede de cada distrito judicial, os cargos de procurador da República nestes departamentos são exercidos em comissão de serviço, por três anos, com a particularidade de a renovação se encontrar dependente de parecer favorável do director do departamento (artigo 122.º, n.ºs 1 e 4, do Estatuto, na redacção introduzida pela Lei n.º 52/2008) e, uma vez cessada a comissão de serviço, terem os magistrados que ocupem os cargos de procurador da República nos referidos departamentos o direito a colocação na comarca sede do distrito judicial (artigo 122.º, n.º 5 do Estatuto, na redacção resultante da Lei n.º 52/2008).
Os procuradores da República que exerçam funções nos departamentos de investigação e acção penal existentes nas comarcas sede de distrito judicial frequentam o curso de formação adequada entretanto regulamentado através da Portaria n.º 1125/2009, de 1 de Outubro (artigo 63.º, n.º 8, do Estatuto), e poderão “assumir exclusivamente funções de direcção de inquéritos e ou a chefia de equipas de investigação, de unidades de missão, podendo ainda coadjuvar o procurador-geral adjunto na gestão do departamento” (cfr. artigo 122.º, n.º 3, do Estatuto). Quando o departamento de investigação e acção penal se organizar por secções, poderão ainda dirigi-las, uma vez que estas são obrigatoriamente dirigidas por procuradores da República (72. º, n.º 4, do Estatuto).
6.8. Tal como sucedia no âmbito da Lei n.º 60/98, também na versão conferida pela Lei n.º 28/2008 o Estatuto do Ministério Público continua a prever a possibilidade de criação, através de Portaria do Ministério da Justiça, ouvido o Conselho Superior do Ministério Público, de departamentos de investigação e acção penal em outras comarcas para além das correspondentes à sede de cada distrito judicial em razão do volume processual respectivo, sendo consideradas para tal efeito comarcas de elevado volume processual aquelas que registem entradas superiores a 5.000 inquéritos anualmente e em, pelo menos, três dos últimos cinco anos judiciais (artigo 71.º do Estatuto).
Competindo-lhes dirigir o inquérito e exercer a acção penal relativamente a crimes cometidos na área da comarca correspondente (artigo 73.º, n.º 2, do Estatuto), tais departamentos são, ao contrário do que sucede com os departamentos de investigação e acção penal existentes nas comarcas sede de cada distrito judicial, integrados apenas por procuradores da República e procuradores-adjuntos e, em conformidade, dirigidos por um procurador da República (artigo 72. º, n.º 3, do Estatuto).
Nos departamentos de investigação e acção penal existentes fora das comarcas sede de distrito, o preenchimento dos lugares de procuradores da República, não se incluindo no conjunto daqueles que passam a subordinar-se ao mecanismo da nomeação sob proposta de acordo com as alterações efectuadas pela Lei n.º 52/2008, continuará a ser precedido de concurso nos termos previstos no artigo 134.º do Estatuto, seguindo-lhe a aplicação do critério específico de selecção previsto agora no n.º 2 do artigo 122.º, do Estatuto, na versão aprovada pela Lei n.º 52/2008: o preenchimento dos lugares de procurador da República em tais departamentos realizar-se-á segundo os factores relevantes representados pela classificação de mérito, experiência na área respectiva e formação específica ou realização de trabalhos de investigação nessa mesma área.
Para além disso, o concurso que antecede o preenchimento de tais lugares passará a sujeitar-se a regulamento a aprovar pelo Conselho Superior do Ministério Público de acordo com o n.º 4 do artigo 134.º do Estatuto, na versão conferida pela Lei n.º 52/2008, já que, em resultado da alteração da referida norma, todos os cargos previstos no Estatuto a prover por concurso – e não já apenas certos deles, conforme sucedia no âmbito da redacção resultante da Lei n.º 60/98 – sê-lo-ão de acordo com o regulamento a aprovar naqueles termos.
Tal como sucede com os procuradores da República colocados nos departamentos existentes nas comarcas sede de distrito, também os procuradores da República que exerçam funções nos restantes departamentos podem assumir exclusivamente funções de direcção de inquéritos e ou a chefia de equipas de investigação ou unidades de missão (artigo 122.º, n.º 3, do Estatuto, na redacção conferida pela Lei n.º 52/2008), embora já não também funções de coadjuvação do procurador-geral-adjunto na gestão do departamento uma vez que, ao contrário daqueles, estes não são dirigidos por um procurador-geral-adjunto.
Ao invés do que sucedia no âmbito da Lei n.º 60/98, os cargos de procurador da República dos departamentos de investigação e acção penal situados fora das comarcas sede do distrito passam a ser exercidos em comissão de serviço, por três anos, renovável, mediante parecer favorável do director do departamento (artigo 122.º, n.ºs 2 e 4, do Estatuto), não se prevendo expressamente neste caso, ao contrário do que sucede com os lugares de procurador da República nos departamentos de investigação e acção penal situados nas comarcas sede de distrito judicial, o direito a colocação na comarca respectiva uma vez cessada a comissão de serviço (artigo 122.º, n.º 5, do Estatuto, a contrario sensu).
6.9. Conforme referido já, a reorganização judiciária do território nacional foi acompanhada da instituição de um novo modelo de competências que, substituindo a distinção entre tribunais de competência especializada e tribunais de competência específica decorrente da LOFTJ, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, assenta na existência, em cada uma das circunscrições, de um tribunal de comarca (cfr. artigo 21.º, n.º 2, da LOFTJ), desdobrável, por decreto-lei, em juízos, que podem ser de competência genérica ou especializada (cfr. artigos 22.º e 74.º, n.º 1, da LOFTJ), compreendendo estes os juízos de instrução criminal, família e menores, trabalho, comércio, propriedade intelectual, marítimos, execução de penas, execução, juízos de instância cível e juízos de instância criminal (cfr. artigos 74.º, n.º 2, e 110.º e seguintes, da LOFTJ).
As instâncias referidas no artigo 45.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, na redacção conferida pelo artigo 162.º da Lei n.º 52/2008 – que procedeu à 10º alteração ao Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, e alterado pelo Decreto -Lei n.º 342/88, de 28 de Setembro, e pelas Leis n.ºs 2/90, de 20 de Janeiro, 10/94, de 5 de Maio, 44/96, de 3 de Setembro, 81/98, de 3 de Dezembro, 143/99, de 31 de Agosto, 3 -B/2000, de 4 de Abril, 42/2005, de 29 de Agosto, e 26/2008, de 27 de Junho – são as enunciadas no respectivo n.º 2: a) Juízo de grande instância cível; b) Juízo de grande instância criminal; c) Juízo de família e menores; d) Juízo de trabalho; e) Juízo de execução; f) Juízo de comércio; g) Juízo de propriedade intelectual; h) Juízo marítimo; i) Juízo de instrução criminal; j) Juízo de execução de penas.
Tendo por referência a nova nomenclatura resultante do modelo de competências instituído pela Lei n.º 52/2008, o artigo 122.º, n.º 2, do Estatuto dos Magistrados do Ministério Público, na redacção conferida pelo artigo 164.º daquele diploma, prevê que, tal como sucede com os lugares de procurador da República nos departamentos de investigação e acção penal situados fora da comarca sede de cada distrito judicial também o preenchimento dos lugares de procurador da República nas instâncias especializadas referidas no artigo 45.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais se efectue de entre procuradores da República, segundo um critério integrado pelos factores classificação de mérito, experiência na área respectiva e formação específica ou realização de trabalhos de investigação na área respectiva (artigo 122.º, n.º 2, do Estatuto, na redacção da Lei n.º 52/2008), sendo precedido de concurso de acordo com o regime geral constante do artigo 134.º do Estatuto.
Os cargos de procurador da República nas instâncias especializadas são igualmente exercidos em comissão de serviço, por três anos, sendo esta renovável (artigo 122.º, n.º 4, do Estatuto).
Ao contrário do que sucede com os cargos de procurador da República nos departamentos de investigação e acção penal situados nas comarcas sede de distrito judicial e em termos idênticos aos que valem para o cargo de procurador da República nos departamentos de investigação e acção penal situados fora das comarcas sede de distrito judicial, não se prevê expressamente neste caso o direito à colocação na comarca respectiva uma vez cessada a comissão de serviço (artigo 122.º, n.º 5, do Estatuto, a contrario sensu).
6.10. Igualmente no contexto das finalidades de reorganização interna e de maximização dos níveis de eficiência prosseguidas pela alteração do Estatuto do Ministério Público de acordo com a exposição de motivos constante da proposta de Lei n.º 113/VII, que deu origem à Lei n.º 60/98, de 27 de Agosto, esta procedeu à criação, na dependência da Procuradoria-Geral da República, do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (artigo 9.º, n.º 3, do Estatuto), tendo o mesmo sido instalado através da Portaria n.º 264/99, de 12 de Abril.
Em consequência da revogação do artigo 3.º da Portaria n.º 264/99 pelo artigo 2.º da Portaria n.º 386-B/99, de 25 de Maio, e do que, em substituição, passou a resultar do respectivo artigo 1.º, o Departamento Central de Investigação e Acção Penal considera-se instalado no dia 15 de Setembro de 1999.
O Departamento Central de Investigação e Acção Penal foi pretendido instituir “como um órgão de coordenação e de direcção da investigação e de prevenção da criminalidade violenta, altamente organizada ou de especial complexidade” (…), fazendo-se-lhe caber uma “intervenção em áreas específicas da criminalidade que, pela sua gravidade, dispersão territorial e complexidade de investigação, exigem uma actuação coordenada (…) ou uma direcção centralizada da investigação”, nomeadamente em relação a um “conjunto de crimes associados à criminalidade grave e altamente organizada e à criminalidade económico-financeira”, segundo “um objectivo que tem presentes razões de economia e eficiência e que procura conjugar a concentração e eficácia de meios, a especialização e a mobilidade e em que se pretende salvaguardar a transparência dos procedimentos através da definição legal das competências e dos pressupostos de intervenção deste órgão” (Diário da Assembleia da República, I Série, nº 71, de 21 de Maio de 1998, p. 27).
A Lei n.º 52/2008 não introduziu qualquer alteração às normas do Estatuto do Ministério Público que procedem à definição e ao estabelecimento da composição do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, mantendo este a configuração de órgão de coordenação e de direcção da investigação e de prevenção da criminalidade violenta, altamente organizada ou de especial complexidade, e permanecendo constituído por um procurador-geral-adjunto, que o dirige, e por procuradores da República, em número constante de quadro aprovado pela referida Portaria (artigo 46.º, n.ºs 1 e 2, do Estatuto, na versão aprovada pela Lei n.º 60/98).
O Departamento Central de Investigação e Acção Penal mantém, assim, nos seus exactos e precisos termos, as atribuições que lhe haviam sido fixadas pela Lei n.º 60/98 (com a Declaração de Rectificação n.º 20/98, de 2 de Novembro), pelo que continuará a competir-lhe: coordenar a direcção da investigação relativamente a certos tipos de crimes (crimes contra a Paz e a Humanidade; organização terrorista e terrorismo; contra a segurança do Estado, com excepção dos crimes eleitorais; tráfico de estupefacientes, substâncias psicotrópicas e precursores, salvo tratando-se de situações de distribuição directa ao consumidor, e associação criminosa para o tráfico; branqueamento de capitais; corrupção, peculato e participação económica em negócio; insolvência dolosa; administração danosa em unidade económica do sector público; fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito; infracções económico-financeiras cometidas de forma organizada, nomeadamente com recurso à tecnologia informática; e infracções económico-financeiras de dimensão internacional ou transnacional); dirigir o inquérito e exercer a acção penal relativamente aos referidos crimes quando a actividade criminosa ocorrer em comarcas pertencentes a diferentes distritos judiciais e, precedendo despacho do procurador-geral da República, quando, relativamente a crimes de manifesta gravidade, a especial complexidade ou dispersão territorial da actividade criminosa justificarem a direcção concentrada da investigação.
Ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal continuará a competir ainda a realização das acções de prevenção previstas na lei relativamente aos crimes de branqueamento de capitais, corrupção, peculato e participação económica em negócio, administração danosa em unidade económica do sector público, fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito, infracções económico-financeiras cometidas de forma organizada, com recurso à tecnologia informática e infracções económico-financeiras de dimensão internacional ou transnacional.
O conteúdo das funções de coordenação do Departamento Central de Investigação e Acção Penal também não foi alterado, pelo que no âmbito do respectivo exercício se mantêm compreendidos o exame e a execução de formas de articulação com outros departamentos e serviços, nomeadamente de polícia criminal, tendo em vista o reforço da simplificação, racionalidade e eficácia dos procedimentos, bem como a elaboração, em colaboração com os Departamentos de Investigação e Acção Penal das sedes dos distritos judiciais, de estudos sobre a natureza, o volume e as tendências de evolução da criminalidade e os resultados obtidos na prevenção, na detecção e no controlo.
As alterações introduzidas pela Lei n.º 52/2008 situam-se, assim, exclusivamente no plano do provimento dos lugares previstos para o Departamento Central de Investigação e Acção Penal.
De acordo com o artigo 1.º da Portaria n.º 264/99, de 12 de Abril, o Departamento Central de Investigação e Acção Penal é constituído por um procurador-geral-adjunto e por oito procuradores da República.
6.11. O exercício das funções de coordenação a cargo do procurador-geral adjunto coordenador do Departamento Central de Investigação e Acção Penal compreende o exame e a execução de formas de articulação com outros departamentos e serviços, nomeadamente de polícia criminal, com vista ao reforço da simplificação, racionalidade e eficácia dos procedimentos, bem como a elaboração, em colaboração com os Departamentos de Investigação e Acção Penal das sedes dos distritos judiciais, de estudos sobre a natureza, o volume e as tendências de evolução da criminalidade e os resultados obtidos na prevenção, na detecção e no controlo (artigo 47.º, n.º 1, do Estatuto).
Tal como sucedia no âmbito da Lei n.º 60/98, o provimento do lugar de procurador-geral-adjunto no Departamento Central de Investigação e Acção Penal mantém-se sujeito ao regime previsto para o provimento do mesmo lugar nos departamentos de investigação e acção penal existentes nas comarcas sede de cada distrito judicial, pelo que as modificações quanto a este verificadas terão aqui o mesmo sentido e alcance.
Assim, o lugar de procurador-geral-adjunto com funções de direcção do Departamento Central de Investigação e Acção Penal continua a ser provido por proposta do procurador-geral da República, embora agora apenas de entre procuradores-gerais-adjuntos – e não já também por promoção, de entre procuradores da República, com classificação de muito bom (artigo 127.º do Estatuto, na redacção conferida pela Lei n.º 60/98) –, com a particularidade de o Conselho Superior do Ministério Público passar a não poder vetar, para cada vaga, mais de dois nomes (artigo127.º, n.º 1, do Estatuto, na versão aprovada pela Lei n.º 52/2008).
Nos termos que resultam do artigo 22.º do regulamento interno da Procuradoria-Geral da República (Regulamento n.º 1/2002), publicado no DR II Série, de 28 de Fevereiro de 2002, a proposta a apresentar será fundamentada e acompanhada de notas biográficas relativas a cada um dos nomes propostos.
Na sequência do que sucedia já no âmbito da Lei n.º 60/98 (artigo127.º do Estatuto, na versão aprovada pelo mencionado diploma), o cargo de procurador-geral-adjunto no Departamento Central de Investigação e Acção Penal é exercido em comissão de serviço (artigo 127.º, n.º 2, do Estatuto, na redacção conferida pela Lei n.º 52/2008) com a duração de três anos e renovável, relevando o tempo que lhe corresponda, para todos os efeitos, como sendo de efectiva actividade na função (artigo140.º, n.ºs1 e 5 do Estatuto).
O exercício das funções de coordenação a cargo do procurador-geral adjunto coordenador do DCIAP compreende o exame e a execução de formas de articulação com outros departamentos e serviços, nomeadamente de polícia criminal, com vista ao reforço da simplificação, racionalidade e eficácia dos procedimentos, a elaboração, em colaboração com os Departamentos de Investigação e Acção Penal das sedes dos distritos judiciais, de estudos sobre a natureza, o volume e as tendências de evolução da criminalidade e os resultados obtidos na prevenção, na detecção e no controlo.
6.12. O provimento dos oito lugares de procurador da República no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (artigo 1.º da Portaria n.º 264/99, de 12 de Abril), embora continue a efectuar-se de entre procuradores da República com classificação de mérito segundo critérios preferenciais assentes na experiência na área criminal, especialmente no respeitante ao estudo ou à direcção da investigação da criminalidade violenta ou altamente organizada, e na formação específica ou experiência de investigação aplicada no domínio das ciências criminais (artigo 123.º, n.º 1, do Estatuto, na versão aprovada pela Lei n.º 60/98), passa a realizar-se de entre três nomes propostos pelo procurador-geral-adjunto com funções de direcção e coordenação (artigo 123.º, n.º 1, do Estatuto, na redacção conferida pela Lei n.º 52/2008).
Tal como sucedia no âmbito da Lei n.º 60/98 (artigo 123.º, n.º 3, e 140.º, n.º 1, do Estatuto), os cargos de procurador da República no Departamento Central de Investigação e Acção Penal são exercidos em comissão de serviço, por três anos, com a particularidade de a renovação se encontrar agora dependente de parecer favorável do director do departamento (artigo123.º, n.º 2, do Estatuto, na versão conferida pela Lei n.º 52/2008).
6.13. A possibilidade de criação de departamentos de contencioso do Estado foi introduzida pela Lei n.º 60/98, de 27 de Agosto, dando concretização ao objectivo de “de prevenir os possíveis riscos de conflito de deveres ou de interesses e de conferir agilidade à representação do Estado pelo Ministério Público, na defesa dos seus interesses privados, quer nas relações com a Administração, quer no que se refere à sua intervenção junto dos tribunais” (ponto 12 da Exposição de motivos constante da proposta de Lei n.º 113/VII).
Tais departamentos são criados por portaria do Ministro da Justiça sob proposta do Conselho Superior do Ministério Público (artigo 51.º, n.º 3, do Estatuto) e têm competência em matéria cível, administrativa ou, conjuntamente, cível e administrativa (artigo 51.º, n.º2) do Estatuto), cabendo-lhes a representação do Estado em juízo, na defesa dos seus interesses patrimoniais, bem como a preparação, exame e acompanhamento das formas de composição extrajudicial de conflitos em que o Estado seja interessado (artigo 53.º do Estatuto).
Os referidos departamentos organizam-se na dependência da Procuradoria-Geral da República ou das procuradorias-gerais distritais, conforme a área da sua competência territorial exceder ou não o âmbito do distrito judicial (artigo 51.º n.º 5, do Estatuto).
No seguimento das alterações introduzidas pela Lei n.º 52/2008, tais departamentos são agora dirigidos necessariamente por procuradores-gerais-adjuntos (artigo 52.º, n.º 1, do Estatuto) – e não já também por procuradores-adjuntos em alternativa (artigo 52.º, n.º 1, do Estatuto na versão conferida pela Lei n.º 60/98) – neles continuando a exercer funções procuradores da República e procuradores-adjuntos (artigo 52.º, n.º 2, do Estatuto).
6.14. Na versão resultante da Lei n.º 60/98, o Estatuto do Ministério Público dispunha que os lugares de procurador-geral-adjunto nos departamentos de contencioso do Estado seriam providos por proposta do procurador-geral da República de entre procuradores-gerais-adjuntos ou, por promoção, de entre procuradores da República com a classificação de muito bom, por proposta do procurador-geral da República, sendo exercidos em comissão de serviço (artigo 127.º, n.º 1).
De acordo com as modificações introduzidas pela Lei n.º 52/2008, a regra do provimento por nomeação sob proposta restringe-se agora ao lugar de procurador-geral-adjunto no Departamento Central de Contencioso do Estado, passando aquela a incidir apenas sob procuradores-gerais-adjuntos – e não já também por promoção, sob procuradores da República, com classificação de muito bom (artigo 127.º do Estatuto, na redacção conferida pela Lei n.º 60/98) –, com a particularidade de o Conselho Superior do Ministério Público passar a não poder vetar, para cada vaga, mais de dois nomes (artigo127.º, n.º 1, do Estatuto, na versão aprovada pela Lei n.º 52/2008).
Tal proposta será fundamentada nos termos que resultam do artigo 22.º do Regulamento Interno da Procuradoria-Geral da República (Regulamento n.º 1/2002), publicado no DR II Série, de 28 de Fevereiro de 2002, e, na sequência do que sucedia já no âmbito da Lei n.º 60/98 (artigo127.º do Estatuto, na versão aprovada pelo mencionado diploma), o cargo de procurador-geral-adjunto no Departamento Central de Contencioso do Estado será exercido em comissão de serviço (artigo 127.º, n.º 2, do Estatuto, na redacção conferida pela Lei n.º 52/2008) com a duração e três anos e renovável, relevando o tempo que lhe corresponda, para todos os efeitos, como sendo de efectiva actividade na função (artigo140.º, n.ºs 1 e 5 do Estatuto).
6.15. Relativamente aos lugares de procurador-geral-adjunto nos tribunais da Relação, a alteração produzida pela Lei n.º 52/2008 diz respeito ao modo de exercício do cargo, que passa a estar sujeito ao regime previsto já na Lei n.º 60/98 para o exercício dos cargos de procuradores-gerais-adjuntos nos supremos tribunais.
Assim, a par da manutenção da regra segundo a qual os lugares de procurador-geral-adjunto no Supremo Tribunal de Justiça, no Tribunal Constitucional, no Supremo Tribunal Administrativo, no Tribunal de Contas e no Supremo Tribunal Militar são exercidos em comissão de serviço (artigo 125.º, n.º s 1 e 3, do Estatuto, na versão aprovada pela Lei n.º 60/98), a Lei n.º 52/2008 estende tal regime aos cargos de procurador-geral-adjunto nos tribunais da Relação, que passam a ser também exercidos em comissão de serviço (artigo 125.º, n.º 3, do Estatuto, na redacção conferida pela Lei n.º 52/2008.
7.1 Os dois pedidos têm um objecto parcialmente coincidente: o pedido formulado no âmbito do processo n.º 268/09, para além de incluir a totalidade das normas que integram o pedido com que foi dado início ao processo n.º 287/09, acrescenta-lhe as normas do n.º 3 do artigo 125.º e do n.º 1 do artigo 127.º, ambos do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro, na redacção introduzida pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto.
O teor das normas impugnadas do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro, e alterado pelas Leis n.ºs 2/90, de 20 de Janeiro, 23/92, de 20 de Agosto, 33-A/96, de 26 de Agosto, 60/98, de 27 de Agosto, 42/2005, de 29 de Agosto, e 67/2007, de 31 de Dezembro, na redacção conferida pelo artigo 164º da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, é o seguinte:
Artigo 60.º
Estrutura
1 - Na sede das comarcas existem procuradorias da República, dirigidas por um procurador -geral -adjunto, nomeado, em comissão de serviço, pelo Conselho Superior do Ministério Público, de entre três nomes propostos pelo procurador-geral distrital.
2 - […]
3 - […]
4 - […]
Artigo 122.º
Procurador da República nos departamentos de investigação e acção penal e nas instâncias especializadas
1 - O preenchimento dos lugares de procurador da República nos departamentos de investigação e acção penal nas comarcas sede dos distritos judiciais efectua-se, em comissão de serviço, por nomeação do Conselho Superior do Ministério Público, sob proposta do procurador-geral distrital, constituindo factores relevantes:
a) Experiência na área criminal, designadamente no respeitante à direcção ou participação em investigações relacionadas com criminalidade violenta ou altamente organizada;
b) Experiência curricular de chefia;
c) Formação específica ou realização de trabalhos de investigação no domínio das ciências criminais;
d) Classificação de mérito como procurador da República ou na última classificação como procurador-adjunto.
2 - […]
3 - […]
4 - Os cargos referidos nos números anteriores são exercidos em comissão de serviço, por três anos, renovável mediante parecer favorável do director do departamento.
Artigo 123.º
Procurador da República no Departamento
Central de Investigação e Acção Penal
1 - O provimento dos lugares de procurador da República no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) efectua-se, de entre três nomes propostos pelo procurador-geral-adjunto com funções de direcção e coordenação, de entre procuradores da República com classificação de mérito, constituindo factores relevantes:
a) Experiência na área criminal, especialmente no respeitante ao estudo ou à direcção da investigação da criminalidade violenta ou altamente organizada;
b) Formação específica ou a experiência de investigação aplicada no domínio das ciências criminais.
2 - O cargo a que se refere o número anterior é exercido em comissão de serviço, por três anos, renovável mediante parecer favorável do director do Departamento.
Artigo 123.º -A
Procurador da República coordenador
1 - As funções de procurador da República coordenador são exercidas por procuradores da República com avaliação de mérito, nomeados pelo Conselho Superior do Ministério Público de entre três nomes propostos pelo procurador-geral distrital, que tenham frequentado com aproveitamento um curso de formação adequada, nos termos de portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.
2 - Quando não seja possível cumprir o disposto no número anterior, o provimento do lugar de procurador da República coordenador efectua-se de entre três nomes propostos pelo procurador-geral distrital de entre procuradores da República com classificação de mérito.
3 - O cargo a que se referem os números anteriores é exercido em comissão de serviço.
Artigo 125.º
Procuradores-gerais-adjuntos nos supremos tribunais e nos tribunais da Relação
1 - [...]
2 - [...]
3 - Os cargos a que se refere o n.º 1, bem como os cargos de procurador-geral-adjunto nos tribunais da Relação, são exercidos em comissão de serviço.
Artigo 127.º
Procurador-geral-adjunto no DCIAP, no Departamento Central de Contencioso do Estado e nos departamentos de investigação e acção penal
1 - Os lugares de procurador-geral-adjunto no DCIAP, no Departamento Central de Contencioso do Estado e nos departamentos de investigação e acção penal nas comarcas sede de distrito judicial são providos por proposta do Procurador -Geral da República de entre procuradores-gerais-adjuntos, não podendo o Conselho Superior do Ministério Público vetar, para cada vaga, mais de dois nomes.
2 - […]
7.2. O teor da norma impugnada pertencente à Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto que aprova a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, é o seguinte:
Artigo 90.º
Magistrado do Ministério Público coordenador
1 - Em cada comarca existe um procurador-geral-adjunto que dirige os serviços do Ministério Público, nomeado, em comissão de serviço, pelo Conselho Superior do Ministério Público, de entre três nomes propostos pelo procurador -geral distrital.
2 - […]
7.3. Os pedidos formulados em relação às várias normas impugnadas desenvolveram-se, essencialmente, em torno de três questões. A primeira diz respeito ao regime jurídico relativo ao modo de estabelecimento da relação entre os magistrados e os cargos previstos em cada uma das normas impugnadas, enquanto prevê a nomeação como regra de designação para esses cargos. A segunda, diz respeito ao segmento das normas que estabelece o regime da comissão de serviço, renovável, para o exercício desses cargos. Finalmente, na terceira questão os requerentes discutem a realidade normativa que fazem corresponder à “segunda das alterações trazidas pela Lei n.º 52/2008”, e que descrevem como a atribuição legal ao procurador-geral-adjunto que dirige a procuradoria da comarca da prerrogativa de “proceder à distribuição de serviço entre os procuradores da República da mesma comarca e ou entre procuradores adjuntos, sem prejuízo do disposto na lei”.
7.4. Todavia, o Tribunal não pode conhecer desta terceira matéria que, segundo os requerentes, “centralizando-se num sistema de distribuição (directa e única) dos processos por magistrado, é inconstitucional, uma vez que se traduz na completa postergação da garantia da inamovibilidade, tanto na vertente material, como na vertente institucional, dentro do amplo e indiferenciado âmbito das novas comarcas”. É que, a norma que atribui ao procurador-geral-coordenador da comarca competência para “proceder à distribuição de serviço entre os procuradores da República da mesma comarca e ou entre procuradores adjuntos, sem prejuízo do disposto na lei” encontra-se plasmada na alínea c) do n.º 2 do artigo 62.º do Estatuto dos Magistrados do Ministério Público, na redacção conferida pelo artigo 164.º da Lei n.º 52/2008 que não integra o objecto de qualquer um dos pedidos formulados nos presentes autos. Uma vez que o Tribunal Constitucional só pode declarar a inconstitucionalidade de normas cuja apreciação tenha sido requerida (n.º 5 do artigo 51.º da LTC) não poderá, por tal motivo, apreciar a questão de inconstitucionalidade da referida norma. Serão apenas analisados, assim, o primeiro e o segundo grupos da questão.
8.1. As normas do Estatuto dos Magistrados do Ministério Público e da Lei n.º 52/2008 que estabelecem a nomeação enquanto regra de designação dos magistrados para certos cargos são as que regulam a forma de provimento dos seguintes cargos: procurador-geral-adjunto coordenador da comarca (artigo 60.º, n.º 1, do Estatuto e artigo 90.º, n.º 1, da Lei n.º 52/2008); procurador-geral-adjunto coordenador dos departamentos de investigação e acção penal existentes na comarca sede de cada distrito judicial (artigo 127.º, n.º 1, do Estatuto); procurador-geral-adjunto no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (artigo 127.º, n.º 1 do Estatuto); procurador-geral-adjunto no Departamento Central de Contencioso do Estado (artigo 127.º, n.º 1 do Estatuto); procurador da República coordenador da comarca (artigo 123.º-A, n.ºs 1 e 2 do Estatuto); procuradores da República nos departamentos de investigação e acção penal existentes na comarca sede de cada distrito judicial (artigo 122.º, n.º 1, do Estatuto); procuradores da República no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (artigo 123.º, n.º 1, do Estatuto).
8.2. São vários os fundamentos de inconstitucionalidade imputados pelos recorrentes a este grupo de normas na parte em que prevêem, como modo de estabelecimento da relação entre um magistrado e os cargos previstos, o regime de nomeação. Tais normas colocariam em causa, na dimensão referida, dois princípios constitucionais: o princípio da autonomia da magistratura do Ministério Público, consagrado no n.º 2 do artigo 219.º da Constituição, ao qual deverá associar-se, de acordo com os requerentes subscritores do pedido formulado no âmbito do processo n.º 268/09, o princípio da inamovibilidade da magistratura do Ministério Público, alegadamente extraível da segunda parte do n.º 4 e do n.º 5 do artigo 219.º da Constituição. Cumpre analisar separadamente cada um dos referidos fundamentos.
8.3.1. Consideram os recorrentes que a garantia de autonomia exige que não haja preterição da figura de concurso público no que toca ao modo de estabelecimento da relação entre um magistrado e os cargos em causa. Nesse sentido, lembram o “respeito do princípio de acesso à função pública por via do concurso (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 683/99, de 21 de Dezembro), princípios esses cujos fundamentos – pela sua variedade e extensão – são aplicáveis, naturalmente, e até por maioria de razão, à estrutura orgânica do Ministério Público, sobretudo atendendo aos princípios gerais que derivam da Constituição e impõem a autonomia efectiva dos agentes do Ministério Público”.
Não obstante, é jurídico-constitucionalmente imprestável a convocação para o caso presente, com base num argumento de identidade ou maioria de razão, da disciplina de direito ordinário estabelecida para a administração pública no que toca a regimes de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas, que hoje consta da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro. É que o estatuto constitucional do Ministério Público apresenta um carácter próprio – que, aliás, os requerentes repetidamente invocam – marcado pela conjugada interferência dos princípios da autonomia e da hierarquia, pelo que é às decorrências procedentes do núcleo essencial desses princípios e à necessidade da sua mútua acomodação, que terá de recorrer-se para aferir da legitimidade constitucional das normas impugnadas. Na verdade, ao contrário do que se alega, é nula a pertinência de tal comparação.
8.3.2. Em primeiro lugar, cumpre caracterizar o atributo constitucional da autonomia do Ministério Público, que encontra a sua justificação, como já afirmou o Tribunal, “na necessidade que há de o Ministério Público exercer, com distanciação em relação ao poder político, a sua função típica de defender a sociedade contra a violação de bens jurídicos essenciais ao viver comunitário” – a do exercício da «acção penal» (Acórdão n.º 516/93. Todos os acórdãos do Tribunal Constitucional referidos poderão ser consultados in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/). Enquanto atributo necessário a um exercício da acção penal orientado pelo princípio da legalidade, a autonomia do Ministério Público assume um duplo sentido: significa, desde logo, que o Ministério Público, não sendo representante do Executivo, nem tendo natureza administrativa, corresponde a um poder autónomo do Estado, que se materializa quando exerce a acção penal como titular do ius puniendi; e significa ainda que o Ministério Público é um órgão dotado de independência institucional (cfr. J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª edição, Almedina, 2003., p. 684).
No seguimento deste segundo sentido, o atributo constitucional da autonomia “vale, antes de mais, negativamente, como exigência de auto-determinação – exclusão de hetero-determinação mediante subordinação a outras entidades públicas, incluindo a exclusão de qualquer dependência do poder político (…) – e vale depois, correlativamente, como exigência de determinação de acordo com critérios de legalidade e objectividade” (Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora, p. 239). A autonomia constitucionalmente atribuída ao Ministério Público projecta-se, assim, no plano organizativo-institucional, implicando a instituição de formas de auto-composição ou de governo próprio, bem como a contenção dentro da hierarquia do Ministério Público dos poderes de direcção e orientação da respectiva actividade (cfr. Cunha Rodrigues, Em nome do Povo, Coimbra Editora, 1999, p.106 e ss.) no sentido da exclusão da possibilidade de qualquer outro poder, nomeadamente o executivo, impor ordens ou instruções ou influir no governo e administração daquela magistratura (cfr. J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Anotada, 3ª Edição, p. 605). O que equivale a dizer que o atributo da autonomia do Ministério Público se traduz, antes de mais, numa “autonomia externa”. Por fim, essa autonomia externa é a garantia de isenção e objectividade, traduzindo para este corpo de magistrados o dever de agir através de uma subordinação exclusiva à lei e ao Direito.
Ora, com este conteúdo nuclear, fácil é perceber que o princípio da autonomia do Ministério Público não é mobilizável para a problemática respeitante às soluções normativas introduzidas pela Lei n.º 52/2008 quanto ao modo de provimento de certos cargos que integram a sua estrutura orgânica, já que o provimento desses cargos se mantém, precisamente, no interior da estrutura orgânica do Ministério Público. De facto, o provimento dos cargos de procurador-geral-adjunto coordenador da comarca (artigo 60.º, n.º1, do Estatuto, e artigo 90.º, n.º 1, da nova Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), procurador-geral-adjunto no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (artigo 127.º, n.º 1, do Estatuto), procurador-geral-adjunto nos Departamentos de Investigação e Acção Penal nas comarcas sede de distrito judicial (artigo 127.º, n.º 1, do Estatuto), procurador-geral-adjunto no Departamento Central de Contencioso do Estado (artigo 127.º, n.º 1), procurador da República no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (artigo 123.º, n.º 1, do Estatuto), procurador da República nos Departamentos de investigação e acção penal nas comarcas sede de distrito judicial (artigo 122.º, n.º 1, do Estatuto) e procurador da República coordenador da comarca (artigo 123.º-A, n.ºs 1 e 2, do Estatuto) ocorre por nomeação pelo Conselho Superior do Ministério Público – sob proposta, os primeiro, sexto e sétimo do procurador-geral distrital respectivo, os segundo, terceiro e quarto, do procurador-geral da República, e o quinto do procurador-geral-adjunto coordenador do departamento.
8.3.3. Invocam todos os Deputados requerentes a violação de uma diferente vertente do princípio da autonomia do Ministério Público que albergaria uma suposta autonomia pessoal dos seus agentes. Os do segundo grupo (processo n.º 287/09) alegam, inclusivamente, que “estas novas regras potenciam (…) a criação de uma situação de dependência excessiva entre os diversos patamares da organização interna do Ministério Público, com evidentes implicações ao nível da preservação da autonomia pessoal dos magistrados do Ministério Público.” Trata-se, aqui, da autonomia, já não enquanto garantia de que os instrumentos de orientação do Ministério Público só podem ser dimanados da própria hierarquia, mas enquanto privilégio de independência funcional dos magistrados do Ministério Público no interior da respectiva estrutura orgânica.
Nenhuma razão assiste aos requerentes. Na verdade, a invocada “autonomia pessoal” ou “interna” dos agentes do Ministério Público não é garantida pela Constituição. Para esta conclusão aponta decisivamente o elemento histórico do n.º 2 do artigo 219.º da Constituição, pois é seguro que a autonomia que o legislador constituinte aí pretendeu reconhecer de forma expressa foi a autonomia externa ou institucional do Ministério Público. De facto, da discussão realizada no âmbito da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional (cfr. Acta n.º 47, Diário da Assembleia da República de 22 de Outubro de 1988, II Série, Número 49-RC, p. 1545 e ss.), resulta ter sido propósito do legislador constituinte o de transpor para a Constituição o princípio que constava da lei ordinária, consagrando-se por essa via na lei fundamental a “autonomia orgânica e funcional” do Ministério Público “face ao poder executivo” ou, mais amplamente, em relação aos órgãos do poder central, regional e local, bem como a sua exclusiva vinculação a critérios de legalidade e objectividade, o que nada tem a ver com a autonomia funcional, interna, de cada um dos seus agentes no interior da estrutura hierarquizada em que desenvolve a sua actuação. É este o modelo adoptado na Constituição conforme se reconheceu já no Acórdão n.º 254/92:
“Não será isento de escolhos o caminho a percorrer se se quiser estabelecer com rigor o exacto conteúdo do conceito de autonomia do Ministério Público e, designadamente, se se pretender distingui-lo do conceito de independência, reservado para os tribunais.
De todo o modo, parece seguro, por um lado, que o conceito de autonomia, agora consagrado na Constituição, vem importado da legislação ordinária – referido, primeiramente, na Lei n.º 39/78, foi confirmado, depois, na Lei n.º 47/86, donde passou para a Lei Fundamental na revisão de 1989.
E parece igualmente seguro, por outro lado, que o preenchimento de tal conceito pelo legislador ordinário há-de impedir que o Ministério Público, ao qual compete defender a legalidade democrática, seja transformado em instrumento do poder político; deve, assim, ser o mesmo organizado de forma a assegurar-se a sua «isenção e imparcialidade» (…)”.
Por outro lado, é igualmente certo que um tal atributo não é imprescindível para a realização da autonomia externa, por supostamente se assumir como um seu corolário. Pelo contrário, na doutrina mais recente, prospera a ideia de que o princípio da autonomia do Ministério Público convive melhor com uma “organização interna que afaste o espectro de uma política de «personalização das funções de prossecução»” (Figueiredo Dias, “Autonomia do Ministério Público e seu dever de prestar contas à comunidade: um equilíbrio difícil, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 17, n.º 2, Abril-Junho de 2007, p. 192 e 202).
8.3.4. A tudo isto acresce a circunstância de, no estatuto constitucional do Ministério Público, o atributo da autonomia conviver com o da hierarquia. Ora, o atributo constitucional da hierarquia encontra-se subordinado à realização das necessidades impostas pela natureza das funções constitucionalmente atribuídas ao Ministério Público, exprimindo a ideia de que os amplos poderes de iniciativa e de acção, que lhe cabem, reclamam uma actuação unipessoal e coordenada que acautele a variação e a fragmentação de procedimentos, garantindo que os cidadãos sejam colocados, face ao Ministério Público, numa posição de verdadeira igualdade (cfr. Cunha Rodrigues, op. cit., p.113-114). O atributo constitucional da hierarquia concretiza, por isso, o princípio da unidade e da indivisibilidade da magistratura do Ministério Público no exercício da acção penal, contribuindo para a afirmação da sua autonomia externa, na medida em que vincula a actuação dos magistrados do Ministério Público a critérios de legalidade e objectividade e na sua exclusiva subordinação às directivas, ordens e instruções dimanadas internamente de acordo com o quadro legalmente pré-estabelecido (cfr. J.J. Gomes Canotilho, op. cit., p .684).
É certo que a atribuição à hierarquia do poder de intervir no processo de provimento de certos cargos da estrutura do Ministério Público e, por via disso, na definição da composição de certas das suas unidades orgânicas transcende o conteúdo típico da relação hierárquica perfeita (entendida como integrando um poder de direcção, um poder de superintendência ou de supervisão e um poder disciplinar), já que dele não faz parte necessariamente o poder de interferência dos escalões precedentes na constituição dos quadros correspondentes aos níveis que se lhes seguem de acordo com a respectiva estrutura organizativa. Não obstante, as soluções previstas na lei no que toca à forma de provimento de certos cargos interligam-se ainda com a função instrumental e organizacional da hierarquia, enquanto princípio de estruturação e de inter-relacionamento destinado a assegurar a coordenação do exercício da acção penal e a maximizar a execução dos fins institucionais do Ministério Público.
Assim, é da conjugação do atributo da autonomia com o da hierarquia que derivará, a final, a concreta configuração do estatuto constitucional dos magistrados do Ministério Público. A hierarquia acaba, assim, por contribuir para a afirmação da autonomia externa, por via da limitação da autonomia interna ou pessoal dos respectivos agentes.
8.3.5. O atributo de autonomia pessoal dos magistrados do Ministério Público não decorre de qualquer outro princípio constitucional.
Desde logo, ele não deriva do princípio da independência dos tribunais – já que a sua projecção se reflecte essencialmente sobre o estatuto dos juízes. Quanto a este, a autonomia pessoal implica um duplo nível de independência do poder judicial: a independência externa, que “aponta para a independência dos juízes em relação aos órgãos ou entidades estranhas ao poder judicial”, e uma independência interna, que significa “independência perante os órgãos ou entidades pertencentes ao poder judicial” (J.J. Gomes Canotilho, op. cit., p. 664). Nada disto ocorre em relação aos agentes do Ministério Público. O Tribunal teve, aliás, oportunidade de sublinhar essa diferença. Escreveu-se no Acórdão n.º 336/95, a propósito da eventual inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, subjacente ao diferente modo de impugnação das deliberações dos Conselhos Superiores:
“(…) não é possível ignorar que as deliberações em causa, apesar da sua natureza e objecto similares, respeitam a magistraturas que embora usualmente designadas de «paralelas» são regidas por princípios diferentes e têm estruturas próprias que as tornam radicalmente diferentes entre si.
Esta diversidade tem, aliás, origem na própria matriz constitucional das magistraturas Judicial e do Ministério Público e, por isso, é não só incontornável pela lei ordinária como também não poderá deixar de influenciar o regime legal que regula as respectivas relações interprofissionais e disciplinares e, consequentemente, de algum modo, influir no particular regime de impugnação das deliberações dos seus órgãos de cúpula.
Efectivamente, são diferentes as garantias constitucionais que a Lei Fundamental institui para os tribunais e magistrados judiciais e para os magistrados do Ministério Público, sendo também diversa a estatuição constitucional respeitante à composição dos respectivos Conselhos Superiores.
Assim, os tribunais são os órgãos de soberania, dotados de independência e em que um ou mais juízes procedem à administração da justiça (artigos 205.º, 206.º e 218.º da CRP), assegurando e defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimindo a violação da legalidade democrática e dirimindo os conflitos de interesses públicos e privados (artigo 205.º, n.º 2, da CRP).
A independência dos Tribunais é, segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira (in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed. revista, p. 794), «um elemento essencial da sua definição, uma das regras clássicas do Estado Constitucional e uma das garantias essenciais do Estado de direito democrático (artigo 2.º)».
Pelo seu lado, a independência dos juízes é uma das garantias essenciais da independência dos tribunais, abrangendo segundo aqueles autores (ibidem) não só a «sua inamovibilidade e irresponsabilidade (artigo 218.º) mas também a sua liberdade perante quaisquer ordens ou instruções das demais autoridades, além de um regime adequado de designação, com garantias de isenção e imparcialidade que evitem o preenchimento dos quadros da magistratura de acordo com os interesses dos demais poderes do Estado, sobretudo do Governo e da Administração (cfr. artigos 219.º e 220.º)».
(…)
Por outro lado, a Constituição reconhece como uma das garantias essenciais de todos os juízes a da sua inamovibilidade que, à semelhança do que também acontece com a garantia da não responsabilização pelas decisões proferidas, a Constituição não reconheceu de uma forma absoluta mas apenas de modo relativo — ressalvando os casos ou excepções previstas na lei — garantias estas que, juntamente com a exigência da dedicação exclusiva dos juízes (também constante da Constituição), realizam a independência dos tribunais, a qual, todavia, não pode deixar de pressupor a própria independência dos juízes, que é a característica essencial e marcante da judicatura.
Mas, no que respeita ao Ministério Público, já a Constituição, para além de expressamente reconhecer que também esta magistratura goza de estatuto próprio, não só não lhe reconhece a independência que é atributo dos tribunais mas a mera «autonomia nos termos da lei» como também, de forma inequívoca, determina que os «agentes do Ministério Público são, magistrados responsáveis» e «hierarquicamente subordinados», gozando constitucionalmente de uma inamovibilidade relativa similar à dos juízes («não podem ser transferidos, suspensos, aposentados ou demitidos senão nos casos previstos na lei» — artigo 221.º da Constituição).
Existe, assim, uma clara separação — por imposição constitucional — das carreiras da magistratura judicial e do ministério público, com separação dos respectivos corpos profissionais e autonomia das respectivas carreiras, as quais estão submetidas também a princípios constitucionais diversos.
À irresponsabilidade e independência dos juízes corresponde, em contraponto, a responsabilização e a subordinação hierárquica dos magistrados do Ministério Público; à independência dos tribunais, enquanto órgãos de soberania competentes para administrar a justiça corresponde a autonomia do Ministério Público, enquanto órgão ao qual compete representar o Estado, exercer a acção penal, defender a legalidade democrática e os interesses que a lei determinar”.
Há, assim, que concluir – com total segurança –, que a independência funcional e interna é privativa dos juízes. O princípio da independência dos tribunais apenas tem, quanto aos magistrados do Ministério Público, o efeito de impossibilitar a inclusão no modelo da respectiva organização interna de mecanismos que comportem o risco de afrouxamento do “programa de legalidade e metodologia de objectividade” que constituem o quadro referencial de actuação daquela magistratura (António Cluny, “Pensar o Ministério Público Hoje”, Cadernos da Revista do Ministério Público, n.º 8, 1997, p. 92), mas já não a imposição de fórmulas de afectação de magistrados equiparadas àquelas que, no contexto do poder judicial, se encontram funcionalmente adstritas a garantir o princípio da independência dos tribunais.
A relação que constitucionalmente se pode estabelecer entre o papel do Ministério Público e a independência do exercício da jurisdição, se exclui a viabilidade de opções relativas à organização interna que indirectamente comprometam a realização imparcial do Direito, já não constitui, pelo contrário, um parâmetro suficientemente preciso e denso que exija autonomia interna ou pessoal dos magistrados do Ministério Público.
8.3.6. Por fim, a classificação constitucional dos agentes do Ministério Público como “magistrados” também não permite extrair uma garantia de autonomia pessoal ou interna destes magistrados.
Como resulta do aresto do Tribunal por último citado, apesar da designação comum, a Constituição não impõe que a magistratura judicial e a magistratura do Ministério Público tenham graus de autonomia interna equivalentes. Se os juízes são independentes e estão sujeitos apenas à lei, os magistrados do Ministério Público não poderão ser igualmente independentes no interior da estrutura em que operam, nem poderão ser deixados aí tão sozinhos com a lei como os juízes, já que isso pressuporia a personalização das funções institucionalmente fixadas àquela magistratura e a atribuição aos respectivos magistrados de uma titularidade difusa da acção penal, incompatível com a opção constitucional por um modelo de funcionamento hierarquizado do Ministério Público.
É certo que a classificação constitucional dos agentes do Ministério Público como “magistrados” recebe a denominação que se cristalizou no nosso sistema jurídico quando ele previa uma muito mais intensa proximidade à magistratura judicial, por via do sistema vestibular que descaracterizava uma carreira do Ministério Público com individualidade própria. Pode, no entanto, reconhecer-se que enquanto a Constituição conservar essa denominação, ela se projecta sobre o estatuto dos seus agentes, apontando para que lhes seja reconhecida a margem de liberdade de decisão interior, ou de independência de actuação, sem a qual não seria já possível distingui-los dos meros funcionários. Daí resultam certas limitações ao dever de subordinação aos escalões superiores da estrutura hierarquizada. Essas limitações, concretizadas pelo artigo 79º do Estatuto, impõem, por um lado, um dever de recusa do cumprimento de directivas e de ordens ilegais (artigo 79.º, n.º 2, 1ª parte), e consagram, por outro, a possibilidade de o magistrado colocado em grau inferior recusar o cumprimento de ordens com fundamento em grave violação da sua consciência jurídica (artigo 79.º, n.º 2, 2ª parte) [cfr. António Henriques Gaspar, “Ministério Público, Hierarquia e Processo Penal”, Revista do Ministério Público, Cadernos, n.º 6, p. 79-80].
Em boa verdade, a qualificação dos agentes do Ministério Público como “magistrados” não dispõe de densidade normativa suficiente para excluir a possibilidade de interferência da hierarquia na organização interna do Ministério Público através da conformação da relação entre um magistrado e um cargo: a qualificação constitucional dos agentes do Ministério Público como “magistrados” condiciona em escassa medida a margem de conformação do legislador ordinário, podendo dizer-se que a este apenas se encontra vedada a possibilidade de, na modelação do estatuto do Ministério Público, concretizar a estrutura relacional que deriva da concepção hierarquizada daquela magistratura através de mecanismos que ponham em causa o “indeclinável núcleo de autonomia” que tal qualificação traz consigo – e que é constituído pela liberdade de consciência (Jorge Miranda e Rui Medeiros, op. cit., p. 240). Daí não resultará um condicionamento ao regime jurídico do provimento de cargos, já que, do ponto de vista da preservação da liberdade de consciência, ou até mesmo da liberdade de decisão e de actuação, qualquer juízo a formular aqui será sempre de natureza prospectiva e conjectural. De facto, não é possível descortinar, com evidência, que a introdução, no regime de provimento dos cargos, de hipóteses em que este se faz por nomeação, se projecte negativamente sobre a actividade dos magistrados do Ministério Público no sentido de, como invocam os recorrentes no processo n.º 287/09, “envolver a necessidade de [os fazer] agir no essencial de acordo com (…) sugestões vindas de cima” contrárias à sua consciência pessoal para assegurar o provimento ou “permitir a recondução no cargo”. E, menos ainda, que tal regime imponha, como consequência necessária ou por efeito de uma relação de causalidade que se possa dizer normativamente adequada, a sujeição dos magistrados assim colocados à situação de vulnerabilidade a “pressões, intimidações e condicionamentos sobre o seu modo de actuar” de natureza diversa daquela que é inerente ao funcionamento dos poderes de direcção e respectivo dever de subordinação hierárquica, comprometedora, por isso, do respectivo grau de adesão pessoal ao padrão de legalidade e objectividade a que se encontra indexada a realização das funções que constitucionalmente se lhe encontram atribuídas.
8.3.7. Os referentes constitucionais representados pela autonomia do Ministério Público, pela sua definição como componente dos tribunais, e pelo estatuto de magistrado atribuído aos respectivos agentes não constituem, em suma, de um ponto de vista normativo, parâmetros suficientemente plenos e densos para impor, designadamente perante os princípios da unidade e indivisibilidade daquela magistratura e os objectivos legitimadores da sua estrutura hierárquica, a exclusão da possibilidade de intervenção conformadora da hierarquia no estabelecimento da relação entre um magistrado e um cargo.
8.3.8. Daqui não se segue que tais elementos exerçam uma eficácia normativa nula sobre o modo de provimento dos cargos que integram a estrutura orgânica do Ministério Público. Na verdade, aqueles atributos, apesar de não imporem directamente a universalidade da regra do provimento por concurso, não deixarão de condicionar os termos em que a mesma pode ser afastada. Soluções normativas que supusessem a generalizada substituição do concurso pela nomeação sob proposta tenderiam a situar-se já fora da margem de discricionariedade legislativa por se revelarem de sentido contrário à ideia que justifica a própria estrutura hierarquizada, comprometendo a realização dos fins constitucionalmente fixados àquela magistratura.
As soluções aqui em análise não constituem, todavia, uma substituição arbitrária do concurso pela nomeação sob proposta. E assim é, desde logo, porque o regime em causa acautelou devidamente formas que permitem uma compatibilização entre a forma de provimento dos cargos escolhida e as funções constitucionalmente atribuídas ao Ministério Público. Assim, a afectação aos referidos cargos ocorre através do Conselho Superior do Ministério Público – órgão de composição plural ao qual cabe velar pela autonomia que a Constituição garante ao Ministério Público (assim, o Acórdão n.º 254/92) –, ao qual a lei atribui poder de veto sobre as propostas a apresentar pelos escalões superiores da hierarquia, que é ilimitado em todos os casos em que o proponente não seja o procurador-geral da República.
Por outro lado, a opção do legislador não impõe um modelo que exija a preterição de garantias de igualdade, publicidade e transparência nos processos de selecção. E isso demonstra-o a circunstância de o Conselho Superior do Ministério Público ter, no âmbito do exercício dos seus poderes de gestão do processo de nomeação e colocação dos magistrados do Ministério Público, procedido à criação formal de condições adequadas a garantir aos interessados a possibilidade de se autoproporem à titularidade do lugar (por exemplo, no que toca ao cargo de procurador-geral adjunto coordenador, o Aviso n.º 4993/2009, publicado no DR, IIª Série, de 6 de Março de 2009 que tornou pública a realização do movimento extraordinário de magistrados na sequência da Lei n.º 52/2008). O regime legalmente definido é complementável por via regulamentar, que pode prever a institucionalização de um procedimento diverso com respeito pela margem de conformação consentida pelo âmbito das normas impugnadas. Posto isto, há que concluir que as regras de afectação que se instituem nessas normas não excluem a possibilidade de combinação com a definição de regras procedimentais internas destinadas a garantir o acesso generalizado aos mesmos.
Por fim, no que toca a cada uma das normas impugnadas, é possível encontrar justificação material bastante para o legislador afastar a regra do concurso público. A norma do artigo 60.º do Estatuto e 90.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, respeitante ao cargo de procurador-geral-adjunto coordenador, a quem cabe dirigir a procuradoria da República existente na respectiva sede, participa da ideia de actuação unipessoal e concertada que se encontra na génese dos fundamentos da opção constitucional pelo exercício das funções cometidas ao Ministério Público através de uma estrutura organizativa hierarquizada. Neste contexto, é possível invocar especiais factores de responsabilidade pessoal que justificam o afastamento da regra do concurso. Na mesma situação está o lugar de procurador-geral-adjunto no Departamento Central de Contencioso do Estado, lugar que igualmente se inscreve no âmbito dos cargos de coordenação funcional da actividade do Ministério Público, e de cuja nomeação versa o artigo 127.º do Estatuto. Esta norma, de resto, refere-se ainda aos lugares de procurador-geral-adjunto no Departamento Central de Investigação e Acção Penal e nos Departamentos de Investigação e Acção Penal nas comarcas sede de distrito judicial. No que toca a estes cargos, as razões susceptíveis de tornar adequada a intervenção da hierarquia no seu preenchimento verificar-se-ão duplamente: de um ponto de vista formal, são cargos de direcção e coordenação da actividade do Ministério Público; materialmente, correspondem a cargos especialmente especializados, instituídos no âmbito do processo de criação de “unidades autónomas de carácter organizativo e funcional independente e diferenciado” no contexto do combate à criminalidade organizada e, portanto, do exercício da acção penal (António Cluny, op. cit., p.125-126). Constituindo os referidos departamentos unidades orgânicas de coordenação investigativa e de articulação no combate à criminalidade organizada, eles acabam por representar espaços tipicamente abertos a soluções de reforço dos mecanismos de estruturação hierárquica, já que essa estruturação encontra a sua principal justificação, como é recorrentemente assinalado, na função de coordenação da acção penal (António Cluny, op. cit., p. 116). As mesmas considerações valem, de resto, para o artigo 122.º e para o artigo 123.º, n.º 1 do Estatuto, que regula o provimento, respectivamente, dos lugares de procurador da República nos Departamentos de Investigação e Acção Penal nas comarcas sede dos distritos judiciais e de procurador da República no Departamento Central de Investigação e Acção Penal. A isto acresce que, no que toca a estes últimos lugares, a discricionariedade na apresentação da proposta se encontra limitada por efeito da pré-fixação legal de critérios preferenciais de selecção pré-ordenados à indigitação dos magistrados mais qualificados para o desempenho das funções – o que afasta, no plano da realização funcional do modelo, designações arbitrárias e materialmente infundadas.
Finalmente, no que toca ao artigo 123.º-A do Estatuto, que prevê o provimento do cargo de procurador coordenador da comarca, a norma deve de ser lida em conjugação com o artigo 134.º do mesmo Estatuto e com o Regulamento a que alude o respectivo n.º4, que prevê um mecanismo concursal, donde resulta que a nomeação sob proposta representa apenas um dos momentos que integram o processo de provimento do cargo, o que comprime a possibilidade de criação unidireccional de uma cadeia de relações de pura “confiança pessoal” por “toda a estrutura orgânica do Ministério Público, desde o topo até às posições de coordenação de base”.
Pode assim concluir-se que as normas impugnadas não representam uma substituição generalizada e arbitrária do regime de concurso público pelo de nomeação, não violando o princípio da autonomia do Ministério Público consagrado no artigo 219.º, n.º 2 da Constituição.
8.4.1. Para além do princípio da autonomia da magistratura do Ministério Público, os requerentes subscritores do pedido formulado no processo n.º 268/09, convocam ainda “o princípio da inamovibilidade dos magistrados do Ministério Público, extraível da segunda parte do n.º 4 e do n.º 5 do artigo 219.º da Constituição”, com o qual consideram igualmente incompatíveis as normas que integram o regime jurídico relativo ao procedimento de afectação dos magistrados do Ministério Público constante dos artigos 60.º, 122.º, n.º 1, 123.º, n.º 1, 123.º-A, n.ºs 1 e 2 e 127.º, n.º 1, do Estatuto, na versão conferida pela Lei n.º 52/2008, e no artigo 90.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, por esta aprovada.
8.4.2. As normas contestadas não põem, todavia, em causa o âmbito de protecção da regra consagrada no n.º 4 do artigo 219.º da Constituição, segundo a qual “os magistrados do Ministério Público não podem ser transferidos, suspensos, aposentados ou demitidos senão nos casos previstos na lei”.
O comando constitucional diz respeito à impossibilidade de quebra da vinculação estabelecida, por transferência, suspensão, demissão ou aposentação, relaciona-se com a estabilidade, quer da relação constituída no interior da estrutura orgânica do Ministério Público, quer, mais amplamente, do vínculo que liga cada um dos seus agentes à própria entidade por efeito do processo de investidura definitiva que acompanha o ingresso na magistratura do Ministério Público. As normas impugnadas referem-se a outra realidade, ao momento da constituição da relação entre os magistrados e certos cargos que integram a estrutura orgânica do Ministério Público, dispondo sobre o mecanismo pelo qual deverá ocorrer o respectivo provimento. Dessas normas não resulta que a nomeação sob proposta seja antecedida da desafectação forçada do magistrado a nomear. Assim, o princípio que proíbe a transferência dos magistrados do Ministério Público fora dos casos previstos na lei, qualquer que seja o conteúdo que lhe deva ser atribuído, não é aqui, claramente, posto em causa.
Pode dizer-se, por isso, que aquele conjunto de soluções contestadas não se situa, atento o seu objecto, no âmbito normativo da regra da inamovibilidade.
9.1. A segunda questão de inconstitucionalidade suscitada pelos recorrentes diz respeito ao segmento das normas impugnadas onde se estabelece o provimento de determinados cargos em regime de comissão de serviço renovável, em vez do provimento definitivo.
Da articulação dos fundamentos em que se apoiam os pedidos formulados com os preceitos expressamente impugnados resulta estarem aqui em causa as normas que regulam o modo de exercício dos seguintes cargos: procurador da República coordenador da comarca (artigo 123.º-A, n.º 3, do Estatuto), procuradores da República no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (artigo 123.º, n.º 2 do Estatuto), procurador da República nos departamentos de investigação e acção penal existentes na comarca sede de cada distrito judicial (artigo 122.º, n.ºs 1 e 4, do Estatuto), procurador da República nos departamentos de investigação e acção penal existentes nas demais comarcas (artigo 122.º, n.ºs 2 e 4, do Estatuto), procurador da República nas instâncias especializadas (artigo 122.º, n.ºs 2 e 4, do Estatuto) e procurador-geral adjunto nos tribunais da Relação (artigo 125.º, n.º3).
Quanto aos cargos de procurador da República nos departamentos de investigação e acção penal existentes nas comarcas que não são sede de distrito judicial e nas instâncias especializadas –, ambos os requerentes, ao definirem o objecto do pedido a partir da enumeração dos preceitos que suportam as normas impugnadas, limitaram-se a indicar o n.º 4 do artigo 122.º do Estatuto, omitindo a simultânea referência ao preceito correspondente ao respectivo n.º 2. No entanto, com esse sentido e alcance, a norma impugnada ancora-se na conjugação de ambos os preceitos referidos, até porque o primeiro, tendo carácter remissivo, é inapto a produzir, por si só, qualquer regra ou comando vinculativo completo e operativo.
Não obstante, os fundamentos invocados em ambos os pedidos permitem estabelecer, do ponto de vista normativo, a conjugação omitida na indicação dos preceitos, já que deles resulta, com suficiente clareza, que as normas cuja constitucionalidade se pretende discutir são as que prevêem que os cargos de “procuradores da República nos departamentos de investigação e acção penal e nas instâncias especializadas” passem a subordinar-se, quanto à forma do seu exercício, ao “regime da comissão de serviço”. Daí que as normas em questão não possam deixar de considerar-se definidas e identificadas pelos grupos requerentes com o mínimo de precisão exigível, o que, perante a indicação, parcial mas expressa, do enunciado legal que as suporta, permite tê-las por incluídas no âmbito do objecto dos pedidos.
9.2. No que toca à questão agora em análise, invocam os recorrentes que as referidas normas, ao sujeitarem o exercício dos respectivos cargos a comissão de serviço, põem em causa o princípio da inamovibilidade dos magistrados do Ministério Público.
Conforme é recorrentemente apontado na doutrina, enquanto a responsabilidade e a hierarquia caracterizam o Ministério Público por contraposição aos juízes (irresponsabilidade e independência), já a inamovibilidade aproxima os estatutos de ambas as magistraturas (J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, op. cit., p. 606). De facto, a Constituição de 1976, ao mesmo tempo que estabeleceu que “os juízes são inamovíveis, não podendo ser transferidos, suspensos, aposentados ou demitidos senão nos casos previstos na lei” (artigo 216.º, n.º 1), dispôs que “os agentes do Ministério Público são magistrados responsáveis, hierarquicamente subordinados, e não podem ser transferidos, suspensos, aposentados ou demitidos senão nos casos previstos na lei” (artigo 219.º, n.º 4). Este princípio encontra-se sujeito a uma exigência material para ambas as magistraturas, expressa num “verdadeiro princípio de tipicidade”, que limita o espaço de discricionariedade do legislador ordinário, circunscrevendo “a área de mobilidade dos magistrados (…) a hipóteses contadas, inequívocas, ou definidas, pelo menos, com um mínimo de precisão que afaste a indefinição e infixidez” (Parecer n.º 33/82 da Comissão Constitucional. loc. cit., p. 114-115).
Tendo em conta o estatuto globalmente fixado pela Constituição a cada uma das magistraturas, há que concluir que o sentido do princípio da inamovibilidade se diferencia de uma para a outra. No que aos juízes respeita, encontra-se funcionalmente associado ao princípio da independência dos tribunais e à reserva de jurisdição – princípios que exigem que o estatuto dos juízes seja integrado por regras como as da inamovibilidade, da irresponsabilidade ou do auto-governo, indispensáveis ao exercício imparcial da jurisdição. Já no caso do Ministério Público, aquelas garantias não irradiam para o respectivo estatuto nos mesmos termos em que se comunicam ao estatuto dos magistrados judiciais. Desde logo porque é necessário ter em conta que, também aqui, o princípio da inamovibilidade se conjuga, como decorre da própria formulação do artigo 219.º, com o princípio da hierarquia, sofrendo as modelações que daí decorrem.
No que aos magistrados do Ministério Público diz respeito, as excepções ao princípio da inamovibilidade, embora estabelecidas “em termos paralelos aos fixados para os juízes”, não deixam de apresentar “um conteúdo específico, justificado pela natureza do Ministério Público”, que tem como “característica estrutural (…) a sua unidade e indivisibilidade”. Desde logo, por força do princípio da unidade e da indivisibilidade que concretiza a configuração constitucionalmente hierarquizada da magistratura do Ministério Público, a relação entre um concreto magistrado e um processo em concreto não tem, de modo algum, nem a densidade, nem o alcance normativo que lhe correspondem no plano da magistratura judicial. Por exemplo, a atribuição à hierarquia da faculdade proceder à avocação de processos ou à substituição do respectivo magistrado titular (através de normas como a do artigo 67.º do Estatuto dos Magistrados do Ministério Público que prevê que, nas acções cíveis em que o Estado seja parte, o procurador-geral da República possa nomear qualquer magistrado do Ministério Público para coadjuvar ou substituir o magistrado a quem incumba a representação; ou a do artigo 79.º, n.º 4 que estipula que, em caso de recusa do cumprimento de directivas, ordens e instruções, o magistrado que tiver emitido a directiva, ordem ou instrução recusada pode avocar o procedimento ou distribui-lo a outro magistrado), demonstra que a regra da inamovibilidade, ao invés do que sucede no âmbito dos magistrados judiciais, não se destina a garantir a estabilidade da relação entre um concreto magistrado e um certo processo pela via do asseguramento da estabilidade da relação daquele magistrado com o cargo em relação ao qual o processo se insere.
Na sua relação com o princípio da hierarquia, o princípio da inamovibilidade assume-se, no que toca aos magistrados do Ministério Público, como uma garantia de estabilidade que os distingue dos funcionários públicos, que reveste o sentido de excluir a possibilidade de, sem dependência da verificação de fundamento material justificativo, ser atribuída por via ordinária ao precedente escalão hierárquico o poder de transferir discricionariamente os magistrados dos respectivos lugares de origem. Dele já não resulta, porém, o sentido de os vincular à preservação da relação entre certo magistrado e determinado processo em concreto, nos termos que valem para os magistrados judiciais.
9.3. Com o sentido assim delineado, fácil é ver que o princípio da inamovibilidade não é posto em causa pela submissão do exercício de certos cargos ao regime de comissão de serviço. Embora o conceito de “comissão de serviço” se haja alargado a situações por ele não originariamente contempladas, abrangendo por isso hoje realidades muito distintas, pode dizer-se que, tal como escreve Jorge Leite (in “Comissão de Serviço”, Questões Laborais, Ano VII, 2000, p.152 e ss.), “as ideias mais correntemente associadas a esta figura, insira-se ela no âmbito do direito administrativo do trabalho ou no âmbito do direito “privado” do trabalho, são, por um lado, a de que se trata de uma situação transitória e, por outro lado, a de que o carácter provisório da comissão de serviço é reclamado pelo tipo de funções a desempenhar e não pela duração destas”. Por outro lado, ainda segundo o mesmo autor, “à comissão de serviço associa-se, também, em geral, a ideia de deslocação funcional do respectivo agente, isto é, a ideia de que esta figura – dado, precisamente, o seu carácter precário – se analisa na passagem transitória de um lugar para o outro, com consequente reserva daquele”. A transitoriedade e a reserva do lugar de origem são duas notas caracterizadoras da figura de comissão de serviço, conforme foi já afirmado pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 369/96:
“A comissão eventual de serviço é concebida, tradicionalmente, como precária, entendendo-se que pode ser feita cessar a todo o tempo, por conveniência de serviço.
(…)
A cessação da comissão de serviço da recorrente teve como consequência o regresso ao quadro de origem, com os inerentes direitos e deveres funcionais. Deste modo, nem a permanência na função pública, nem a segurança no emprego, nem o direito ao trabalho, foram postas em causa.
(…)
Só seria configurável uma violação da Constituição se a cessação da comissão de serviço provocasse a quebra do vínculo à função pública e impedisse o regresso ao lugar de origem”.
Ora, há que ter presente que cada magistrado do Ministério Público beneficia de uma tripla vinculação: 1) vinculação à entidade Ministério Público, estabelecida por efeito do ingresso na respectiva magistratura; 2) vinculação, na sequência de concurso, a um dos quadros de magistrados do Ministério Público fixados, para as comarcas piloto, pelos artigos 13.º, 24.º e 36.º, todos do Decreto-Lei n.º 25/2009, de 26 de Janeiro, e respectivo mapa II anexo e, para a restante parte do país, pelo artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 186-A/99, de 31 de Maio, e respectivo mapa VII anexo; 3) vinculação aos cargos em causa nas normas impugnadas: de procurador da República coordenador da comarca (artigo 123.º-A, n.º 3, do Estatuto), procurador da República no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (artigo 123.º, n.º 2 do Estatuto), procurador da República nos departamentos de investigação e acção penal existentes na comarca sede de cada distrito judicial (artigo 122.º, n.ºs 1 e 4, do Estatuto), procurador da República nos departamentos de investigação e acção penal existentes nas demais comarcas (artigo 122.º, n.ºs 2 e 4, do Estatuto), procurador da República nas instâncias especializadas (artigo 122.º, n.ºs 2 e 4, do Estatuto) e procurador-geral adjunto nos Tribunais da Relação (artigo 125.º, n.º3 do Estatuto).
Apenas o último vínculo mencionado é submetido pelas normas impugnadas ao regime jurídico da comissão de serviço. Assim, a precariedade que caracteriza o regime de comissão de serviço atingirá apenas o vínculo do cargo gerado por efeito da nomeação, caso em que a estabilidade dos vínculos pré-existentes em nada é afectada, mantendo-se invulnerável a vinculação do lugar ao quadro de magistrados que corresponde, no fundo, à inamovibilidade dos magistrados do Ministério Público.
No que toca especificamente ao cargo de procurador-geral adjunto nos tribunais da Relação, dispõe o Estatuto do Ministério Público o seguinte:
“Artigo 125.º
Procuradores-gerais-adjuntos nos supremos tribunais
1 - Os lugares de procurador-geral-adjunto no Supremo Tribunal de Justiça, no Tribunal Constitucional, no Supremo Tribunal Administrativo, no Tribunal de Contas e no Supremo Tribunal Militar são providos de entre procuradores-gerais-adjuntos ou, por promoção, de entre procuradores da República com a classificação de Muito bom.
2 - A nomeação realiza-se sob proposta do Procurador-Geral da República, não podendo o Conselho Superior do Ministério Público vetar, para cada vaga, mais de dois nomes.
3 - Os cargos a que se refere o n.º 1, bem como os cargos de procurador-geral-adjunto nos tribunais da Relação, são exercidos em comissão de serviço”.
Por seu turno, dispõe o artigo 62.º da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto:
Artigo 62.º
Representação do Ministério Público
1 - Nos tribunais da Relação da sede do distrito judicial, o Ministério Público é representado pelos procuradores -gerais distritais.
2 - Nos restantes tribunais da Relação, o Ministério Público é representado pelo procurador-geral-adjunto que o Conselho Superior do Ministério Público designar.
3 - Os procuradores-gerais-adjuntos mencionados no número anterior são designados em comissão de serviço e integram as procuradorias-gerais distritais da respectiva área territorial, podendo ser coadjuvados por procuradores-gerais-adjuntos ou por procuradores da República.
4 - Os procuradores-gerais-adjuntos referidos no n.º 2 dirigem e coordenam a actividade do Ministério Público no respectivo tribunal, conferem posse aos procuradores da República e aos procuradores-adjuntos na comarca sede daquele, podendo ainda ser-lhes delegada pelo procurador-geral distrital a competência a que se referem as alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 58.º da Lei n.º 60/98, de 27 de Agosto.
Ora, também aqui o único vínculo submetido pelas normas impugnadas ao regime jurídico da comissão de serviço é o da representação do Ministério Público junto de um específico Tribunal da Relação que não seja sede de distrito judicial. A estabilidade do cargo de procurador-geral adjunto em si em nada é afectada através da designação de um determinado magistrado para a referida representação num determinado Tribunal, integrando o referido magistrado a procuradoria-geral distrital da respectiva área territorial.
9.4. A invocação do princípio da inamovibilidade torna-se totalmente imprestável se perspectivado em relação ao exercício do cargo em regime de comissão de serviço. Como se viu, no específico contexto da magistratura do Ministério Público, o princípio da inamovibilidade reveste o significado de impedir que o vínculo estabelecido de forma tendencialmente estável possa ser subitamente interrompido por mero efeito do exercício dos poderes de coordenação hierárquica, ou mesmo na sequência da superveniente verificação de um qualquer tipo de acontecimento de ocorrência futura e incerta. Ora, no que toca à comissão de serviço a precariedade do vínculo é originária, fazendo parte da própria natureza do instituto, o que é previamente conhecido e aceite como tal.
Diga-se ainda, de resto, que o facto de o exercício do cargo se efectivar através de comissão de serviço é ainda justificado pelo facto de esta ocorrer, não por efeito do concurso, mas por nomeação ou indigitação dos órgãos legalmente competentes. Aqui, o carácter temporário da investidura corresponde à outra face do provimento por nomeação: este tornar-se-á possível – e até mesmo constitucionalmente lícito – na medida em que não origina o provimento definitivo ou vitalício do cargo.
O regime de provimento dos cargos em causa em regime de comissão de serviço renovável não viola, em suma, a regra da inamovibilidade prevista no artigo 219.º, n.º 4 da Constituição.
III Decisão
10. Cumpre concluir; pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide não se pronunciar pela inconstitucionalidade das normas impugnadas.
Lisboa, 29 de Junho de 2011. – Carlos Pamplona de Oliveira – J. Cunha Barbosa – Catarina Sarmento e Castro – José Borges Soeiro – Vítor Gomes – Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão – Maria Lúcia Amaral – João Cura Mariano – Maria João Antunes – Joaquim de Sousa Ribeiro – Rui Manuel Moura Ramos.