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Processo n.º 407/11
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:I – Relatório1. A., inconformado com a decisão sumária proferida a 23 de Maio de 2011, vem dela reclamar dizendo o seguinte:
“O Exmo. Senhor Relator Conselheiro considerou que o recorrente não suscitou durante o processo a questão das inconstitucionalidades e por esse motivo não conhece do objecto do processo.
Sucede que, o recorrente, nos recursos interpostos, quer do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação bem como do Supremo Tribunal de Justiça, fez várias referências às inconstitucionalidades e que a interpretação normativa dada às respectivas normas nas decisões recorridas eram susceptíveis de violarem vários preceitos constitucionais.
No recurso do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça para o Constitucional, o recorrente, fez várias referências acerca da interpretação que o tribunal lhe atribuíra e no seu entender era violador de vários preceitos constitucionais: “ (…) O arguido discorda da interpretação judicial efectuada das citadas normas processuais, designadamente, a interpretação dada no sentido de não ser possível aplicar ao arguido a suspensão da execução da pena de prisão de 3 anos e 8 meses que havia sido condenado ou a averiguação acerca do preenchimento dos requisitas do artigo 50° do Código Penal, sem que mostrem postos em causa os princípios da igualdade, proporcionalidade, necessidade das penas e proibição do excesso (...) O arguido, não concorda com a interpretação dada pelo Acórdão recorrido à Lei 65/2003, designadamente, ao princípio do reconhecimento mútuo, no sentido de que a decisão judicial tomada pela autoridade de um Estado membro á exequível directamente pelo outro estado membro e tem um efeito directo e pleno, sem que tal ponha me causa os princípios constitucionais da igualdade, proporcionalidade e proibição do excesso, previstos nos artigo 13°,15° 18° da Constituição da República Portuguesa.’
Portanto, o recorrente, nos recursos apresentados invocou as inconstitucionalidades das normas aplicadas, no sentido de não concordar com a interpretação dada a essas mesmas normas.
Nos recursos apresentados, o recorrente, fez sempre menção que no seu entendimento, não aplicar a suspensão da execução da pena de prisão ao arguido, nos termos do artigo 50.º do Código Penal, violava as disposições constitucionais e que não punha em causa o princípio do reconhecimento mútuo nem violava o espírito do mandado de detenção europeu.
Pelo que, analisando os recursos apresentados, constatamos que ao longo do processo, o recorrente, sempre invocou e entendeu que a interpretação efectuada da lei 65/2003 de 23 de Agosto ao não permitir a aplicação do regime do artigo 50.º do Código Penal — averiguar se o arguido preenchia os requisitos para a suspensão da execução da pena de prisão — e que essa não aplicação violava várias disposições constitucionais.
O recorrente, nunca concordou com a interpretação dada nos acórdãos recorridos ao regime do Mandado de detenção Europeu, ao não permitir que ao arguido fosse aplicada a suspensão da execução da pena de prisão, tal como aconteceria caso fosse julgado em Portugal.
E, o estado português ao executar a pena de prisão efectiva ao arguido esta a violar os princípios constitucionais previstos nos artigos 13.º, 15.º, 18.º, e, está ainda, a dar um tratamento diferente a nacionais.
Nos recursos apresentados, o recorrente, alegou que o princípio do reconhecimento mútuo não era absoluto, e, como tal a interpretação dada pelos acórdãos recorridos violavam as várias disposições constitucionais.
Defendeu, ainda, o recorrente que a interpretação dada pelo Tribunal ao executar a pena de prisão efectiva de 3 anos e 8 meses a um cidadão português, sem proceder à suspensão da execução está a violar os princípios constitucionais previstos nos artigos 13°, 15°, 18° da Constituição da Republica Portuguesa, ou seja, o princípio da Igualdade, proporcionalidade, necessidade e proibição do excesso.
Não aplicar o regime da suspensão da execução da pena de prisão ao arguido, estar-se-ia a violar o princípio da aplicação do tratamento e a lei mais favorável, conforme está constitucionalmente consagrado.
Portanto, são várias as referências feitas pelo recorrente ao longo do processo às inconstitucionalidades.”
2. A decisão reclamada, e no que ora importa, tem o seguinte teor:
“1. Na sequência de mandado de detenção europeu emitido pelas autoridades judiciárias espanholas contra A., Recorrente nos presentes autos, para cumprimento de pena de prisão de 3 anos e 8 meses em que foi condenado, por sentença transitada em julgado, devido à prática de um crime continuado de ameaças condicionais, previsto e punido pelo artigo 169.º, n.º 1, último parágrafo, do Código Penal espanhol, com referência ao artigo 74.º, n.º 1, do mesmo diploma, foi promovida, pelo Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Guimarães, a respectiva execução, com vista à detenção do requerido.
Uma vez detido, A. veio declarar não consentir na sua entrega às autoridades espanholas e não renunciar ao benefício da regra da especialidade, nos termos do artigo 12.º, n.º 1, alínea g), da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto (diploma que aprovou o regime jurídico do mandado de detenção europeu). Requereu ainda a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º do Código Penal, que considera aplicável uma vez que foi condenado em pena de prisão inferior a 5 anos.
A Relação de Guimarães decidiu recusar a execução do mandado, ordenando o cumprimento e execução da pena em Portugal, tendo ainda julgado improcedente a pretensão do arguido no sentido da suspensão da execução da pena de prisão. Para tanto, afirmou que o mandado de detenção europeu tem por base o princípio do reconhecimento mútuo no sentido de que ‘a decisão judicial tomada por uma autoridade judiciária de um Estado membro com base nas suas leis internas é reconhecida e executada pela autoridade judiciária do outro Estado membro, impondo-se a condenação nos precisos termos que foi proferida.’
2. A. interpôs recurso desta decisão, limitado à questão da suspensão da execução da pena de prisão, para o Supremo Tribunal de Justiça, alegando, em síntese, e no que ora importa, que a decisão recorrida havia violado os artigos 50.º do Código Penal e 12.º, 13.º, 15.º, 18.º e 27.º, todos da Constituição.
3. Por acórdão de 27 de Abril de 2011, o Supremo Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso. Na sequência de tal decisão, vem agora interposto recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações subsequentes (Lei do Tribunal Constitucional – LTC), para apreciação da ‘interpretação dada pelo Acórdão recorrido à Lei 65/2003, designadamente, ao princípio do reconhecimento mútuo, no sentido de que a decisão judicial tomada pela autoridade de um Estado membro é exequível directamente pelo outro estado membro e tem um efeito directo e pleno, sem que tal ponha em causa os princípios constitucionais da igualdade, proporcionalidade e proibição do excesso, previstos nos artigos 13.º, 15.º, 18.º da Constituição da República Portuguesa.’
Cumpre decidir.
II – Fundamentação
4. Profere-se decisão sumária ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, pelo facto de não se encontrar preenchido pressuposto essencial ao conhecimento do recurso. Com efeito, o recurso tentado interpor tem por objecto decisões que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. No entanto, compulsados os autos, facilmente se constata que, perante as instâncias recorridas, o Recorrente nunca imputou as inconstitucionalidades suscitadas a qualquer norma ou preceito legal, sempre o tendo feito relativamente à actividade judicatória das decisões.
Pelo que, não tendo ocorrido, durante o processo, suscitação de inconstitucionalidade normativa, não pode o recurso ser conhecido.”
3. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação4. A reclamação deduzida carece manifestamente de fundamento. Com efeito, a argumentação do Reclamante em nada abala a fundamentação da decisão sumária reclamada. O conhecimento de recursos interpostos ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, como sucede nos autos, depende da prévia verificação de vários requisitos, nomeadamente a suscitação, pelos recorrentes, de inconstitucionalidade de uma norma durante o processo. Isso mesmo decorre não só de tal preceito, mas também do artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição.
5. Como foi referido na decisão sumária, durante o processo o Recorrente não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado. De facto, ao contrário do que alega o ora reclamante, discordar da interpretação ou entender que “não aplicar a suspensão da pena de prisão […] violava as disposições constitucionais” não é suscitar a questão da constitucionalidade nos termos do artigo 72.º, n.º 2 da Lei do Tribunal Constitucional, uma vez que se reporta apenas à decisão. Não tendo suscitado a inconstitucionalidade de norma (ou dimensão normativa) durante o processo, quando tal lhe era exigível, improcede a sua pretensão de ver conhecido o objecto do recurso de constitucionalidade que tentou interpor.
Também na reclamação ora deduzida, nenhum facto novo vem invocado, pelo que é de reiterar o decidido.
III – Decisão6. Assim, acordam, em conferência, indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido de não tomar conhecimento do recurso.
Custas pelo Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 5 de Julho de 2011. – José Borges Soeiro – Gil Galvão – Rui Manuel Moura Ramos.