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Processo nº 13/02
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A. Nos presentes autos, vindos da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (2ª Subsecção), proferiu o Relator a seguinte Decisão Sumária:
'1. J..., com os sinais identificadores dos autos, veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional, ‘ao abrigo da alínea b) do artigo 70º da Lei nº
28/82 com redacções posteriores’, do acórdão da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (2ª Subsecção), de 23 de Outubro de 2001, que ‘julgou improcedente a reclamação para a conferência’ e decidiu ‘manter a decisão do relator’, ou seja, o ‘despacho do relator de fls.
178/178vº que não admitiu o recurso que interpusera para o Plenário com fundamento em oposição do Acórdão desta 2ª Subsecção de fls. 162-164 e 171, com o Acórdão da Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa, de 3.2.99’. O acórdão recorrido, para demonstrar que não assiste razão ao recorrente, tem o seguinte discurso argumentativo, que, por comodidade se transcreve:
‘O acesso á justiça foi assegurado pela admissão e apreciação de fundo da questão que foi colocada aos tribunais administrativos, inclusive com recurso jurisdicional para este STA e, a limitação de um recurso jurisdicional do tipo do recurso por oposição é uma questão processual que a Constituição deixa à lei comum, sendo que a exclusão desse recurso em determinadas circunstâncias não significa, só por si, uma diminuição da garantia constitucional de acesso á justiça que ponha em risco o seu conteúdo fundamental. Em concreto, acentua-se este raciocínio pelo facto de a lei facultar regras tendentes a evitar que se produza este tipo de oposição de decisões, regras essas que, por razões que aqui não importa analisar , não funcionaram. Mas, nem por isso há agora lugar a admitir-se um recurso fora da previsão da lei comum, quando os mecanismos desta se mostram adequados ao acesso à justiça de modo equilibrado e capaz de evitar com suficiência a oposição de decisões, ainda que seja impossível impedir que na prática sempre surjam alguns casos de decisões divergentes. Também não existe a violação do princípio da igualdade que o reclamante invoca porque o tratamento desigual deriva da diferente aplicação do direito a casos concretos diferentes e não por as normas jurídicas aplicáveis conterem soluções diferentes para situações essencialmente iguais. O princípio da justiça não é afectado pela inadmissibilidade do recurso de oposição, nas condições em que o reclamante pretende que fosse admitido, porque as diferentes soluções resultam do facto de não terem sido observadas as regras de competência em alguma das correntes divergentes que são assinaladas e não da iniquidade das soluções das normas da lei comum sobre a matéria. Por outro lado, o recurso por oposição de acórdãos para o Plenário foi criado para uniformizar decisões no âmbito das matérias que são da competência da ordem dos tribunais administrativos e fiscais, como resulta também da composição daquele Tribunal prevista no artigo 23º do ETAF e não para decidir as questões de divergência quanto ao âmbito de competências dos tribunais comuns e dos tribunais administrativos, que está na base da divergência de soluções substantivas sobre a interpretação das mesmas normas do DL 25/93 de 5 de Fev. Em resumo, pode concluir-se que não é admissível recurso nos termos da al. a) do artigo 22º do ETAF de acórdão da 1ª Secção do Supremo' Tribunal Administrativo, com fundamento em alegada oposição com Acórdão da Secção Social do Tribunal da Relação. Nesta solução, a alegada oposição resulta de conflito positivo de competência que no caso concreto não foi resolvido nos termos prescritos na lei comum, pelo que não se pode falar em violação dos princípios constitucionais do acesso ao direito, da igualdade e da justiça pela norma do citado artigo 22º, ao não permitir a admissão do pretendido recurso’.
2. No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade o recorrente enuncia a ‘questão a apreciar’ nestes termos:
‘3°A questão a apreciar incide sobre a norma contida no artigo 22°, alínea a) do
1 ETAF, que permite apenas o recurso de acórdãos das Secções que, relativamente ao mesmo fundamento, perfilhem solução oposta à de acórdão de diferente Secção, ou do respectivo Pleno ou Plenário:
4°Entende o recorrente, que o mencionado preceito, enferma de inconstitucionalidade material, dado que, órgãos jurisdicionais, organicamente distintos em razão da matéria, mas ambos com competência para apreciar das mesmas questões de fundo, decidiram de forma diferente, sobre os mesmos factos e aplicação de Direito.
5°Assim, é pertinente que o Tribunal Constitucional, em douto acórdão a prolatar, aprecie e decida se, a norma supra referida viola os princípios constitucionais ínsitos nos artigos 13°, 20°, 266°, e 268° n° 4 da C.R.P. - princípio do acesso ao direito, da justiça, da igualdade - na medida em que veda ao cidadão o direito a uma justa e imparcial apreciação dos seus interesses, legalmente protegidos’
3. Inexistindo dúvidas quanto à verificação dos pressupostos processuais do presente recurso, nomeadamente quanto à suscitação da questão de inconstitucionalidade durante o processo, pois ela consta da reclamação para a conferência apresentada pelo recorrente, ‘nos termos do artigo 9º nº 2 e do artigo 111º nº 2 da LPTA’, o certo é que tal questão revela-se manifestamente infundada e, por isso, é uma questão simples a decidir (artigo 78º-A, nº 1, da Lei nº 28/82, na redacção do artigo 1º, da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro). Com efeito, o Tribunal Constitucional teve já oportunidade de se pronunciar sobre o questionado artigo 22º, a), embora não se debruçasse em concreto sobre o aspecto aqui focado, e explicitou o sentido da aplicação desse artigo, no contexto da jurisdição administrativa. Fê-lo no acórdão nº 673/95, nos Acórdãos
32º vol., págs. 599 e segs, para o qual se remete e não interessa estar a transcrever. Sendo isso assim, parece claro que naquele artigo 22º, a), definindo-se os poderes do Plenário, não pode caber o entendimento do recorrente, pretendendo aí incluir uma divergência de julgados entre acórdãos de tribunais integrados em diferentes ordens de jurisdição ( um acórdão da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo e um acórdão da Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa).
É a própria Constituição a distinguir as duas ordens de jurisdição – a jurisdição dos tribunais comuns, desde logo ‘em matéria cível e criminal’ e a jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais – e a definir o âmbito de competência de cada delas (artºs 209º, nº 1, a) e b), 210º, 211º e 212º), devolvendo para os tribunais de conflitos ‘os casos e as formas’ em que tais conflitos se hão-de resolver (artigo 209º, nº 3). Não é, pois, ao Plenário do Supremo Tribunal Administrativo – que não é um tribunal de conflitos -, que compete resolver uma divergência entre tribunais integrados em diferentes ordens de jurisdição. Bem concluiu, pois, o acórdão recorrido em demonstrar a falta de razão do recorrente, que, aliás, manifestamente, nem carecia de demonstração, dado o sentido inequívoco da norma legal questionada que faz parte de um Estatuto privativo dos tribunais administrativos e fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei nº
129/84, de 27 de Abril. Com o que, nada mais havendo a adiantar ao que está escrito no acórdão recorrido, e tendo em conta a doutrina do citado acórdão nº 673/95, o presente recurso não merece provimento.
4. Termos em que, DECIDINDO, nego provimento ao recurso e condeno o recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada em seis unidades de conta'. B. Dessa Decisão veio o recorrente 'ao abrigo do artigo 78º A, nº 3 da Lei
28/82, reclamar para a conferência', começando por tecer considerações sobre aplicação do direito 'no âmbito das várias jurisdições', quando não se tem
'igual sorte' numa ou noutra dessas jurisdições, o que 'gera a desconfiança e descrença no sistema judicial e como decorrência na justiça, quebrando-se o princípio da confiança', sendo que, no caso concreto, 'afigura-se-nos que não estamos perante um conflito de competências entre a jurisdição administrativa e judicial, pois que ambas as jurisdições se julgaram competentes para julgar a questão submetida à sua apreciação e decisão e caso tivesse sido levantada, caberia ao Tribunal de Conflitos dirimir qual a jurisdição competente' ('O assunto é outro, é impossibilidade da jurisprudência por razão técnico-formal de um tribunal administrativo não poder conhecer e decidir definitivamente de acórdãos que perfilham solução oposta, sobre a mesma questão de fundo, factual e de direito de jurisdição civil e laboral' – acrescenta depois o reclamante). E conclui assim o reclamante:
'Nestas circunstâncias, as normas restritoras as contidas no artigo 22° do DL
124/84, de 27/04 E. T .A.F ., que se reportam, tão só, aos acórdãos das Secções e dos Plenos, no âmbito da mesma jurisdição, assim como o segmento do n°. 2 do artigo 732-A, nº 2 do C.P.C. ‘. . . solução jurídica que esteja em oposição com jurisprudência anteriormente firmada . . . ‘ para o Supremo Tribunal de Justiça, o que impossibilita este órgão jurisdicional de conhecer de matéria do foro administrativo, levando a situações concretas de injustiça, conflituando com a paz pública e insegurança nas instituições que aplicam a Justiça, formal ou positiva, gerando a iniquidade como manifestamente resulta dos acórdãos em colisão. Desta forma, é claro o desiderato com as normas constitucionais vertidas nos artigos 2°, 13°, 20°, 58°, 59°, 266° e 268° da CRP'. C. Não foi apresentada resposta à reclamação pela parte recorrida. D. Cumpre decidir. O que o reclamante, no fundo, pretende agora é denunciar 'situações concretas de injustiça, conflituando com a paz pública e insegurança nas instituições que aplicam a Justiça, formal ou positiva, gerando a iniquidade como manifestamente resulta dos acórdãos em colisão', mas não desmonta a argumentação de que se serviu a Decisão reclamada para concluir que a questão posta pelo recorrente
'revela-se manifestamente infundada, e, por isso, é uma questão simples a decidir', de nada valendo falar em 'normas restritas', sem se justificar o que se pretende com esse discurso. Não há, pois, nada a adiantar ou alterar quanto à fundamentação do decidido nessa Decisão, não merecendo, assim, atendimento a presente reclamação. E. Termos em que, DECIDINDO, indefere-se a reclamação e condena-se o reclamante nas custas, com a taxa de justiça fixada em 15 unidades de conta. Lisboa, 14 de Março de 2002-03-22 Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa