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Proc.º n.º 447/2001.
2.ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
I
1. Na acção seguindo a forma de processo sumário que, em 22 de Novembro de 1993, foi proposta no Tribunal de comarca de Coimbra por A ... e C... contra M..., Ldª, foi em 10 de Novembro de 1997, proferido saneador/sentença, o qual julgou resolvidos os contratos de arrendamento celebrados com a ré e incidentes sobre uma loja, primeiro andar e parte de um segundo andar de um imóvel sito na Rua da Sofia, em Coimbra, e determinou, ainda, a condenação da mesma ré a pagar aos autores a quantia de Esc. 4.205.480$00 a título de rendas já vencidas e o quantitativo correspondente a rendas vincendas até efectivo despejo ou entrega dos locados.
Desse saneador/sentença apelou a ré para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão de 23 de Junho de 1998, julgou parcialmente procedente a apelação, determinando:
- a manutenção da declaração de resolução do contrato de arrendamento relativo à citada parte do segundo andar;
- a condenação da ré a pagar aos autores as rendas correspondentes a essa parte desde Janeiro de 1993 e até efectiva entrega;
- a prossecução dos autos, com elaboração de especificação e questionário, quanto à matéria referente aos pedidos de despejo e pagamento de rendas da loja e do primeiro andar . Por sentença de 3 de Março de 2000 foram declarados resolvidos os contratos de arrendamento reportados à loja e primeiro andar e condenada a ré a pagar aos autores a quantia de Esc. 5.189.550$00, a título de rendas vencidas, e a pagar as rendas vincendas. Dessa sentença apelou a ré para o dito Tribunal de 2ª instância, tanto em matéria de direito, como em matéria de facto. Na alegação que produziu, a ré, a dado passo, transcreveu dactilografadamente parte do depoimento prestado em audiência por determinadas testemunhas e que, no seu entendimento, versavam sobre matéria constantes de dados quesitos, e isso sem que se indicasse o motivo pelo qual aquela transcrição era ali efectuada. O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 23 de Janeiro de 2001, negou provimento ao recurso. No que ora releva, pode ler-se nesse aresto:-
'......................................................................................................................................................................................................................................................................' I - Pretende a recorrente, em primeiro lugar, que se proceda à alteração da matéria de facto ao abrigo do disposto no artº 712º Este normativo (nº 1, al. a) permite a alteração, pela Relação, da decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 690º-A, a decisão com base neles proferida. Este último dispositivo impõe, no seu n° 1, que o recorrente especifique obrigatoriamente (a) - quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, assim como (b) - quais os concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, dispondo, por sua vez, o n° 2 que, no caso previsto na al. b), quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, proceder à transcrição, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação em que se funda. A exigência prevista no n° 2 só pode ser entendida no sentido de que a transcrição tem de ser feita em separado das alegações, mas apresentada com estas, como é óbvio. Efectivamente, se assim não fosse, não se perceberia o motivo porque exige o legislador que ela conste de escrito dactilografado. Bastaria impor que o recorrente procedesse à transcrição, que constaria das alegações, sem necessidade de mencionar que a mesma teria de constar de escrito dactilografado
(cfr. Ac. R.P. de 04/02/99, CJ; TI-210 e Ac. desta Relação de Coimbra de
21/12/99, Proc. n° 2502/99, em que foram relator e adjuntos os mesmos Juízes do presente processo). No caso sub judice, a recorrente, pretendendo impugnar a decisão sobre a matéria de facto, e tendo havido gravação da prova, não deu cumprimento ao disposto no n° 2 daquele artº 690°-A, apresentando a transcrição em escrito dactilografado, a juntar com a alegação do recurso. Por isso, não é possivel a esta Relação alterar a decisão proferida na 1ª instância sobre a matéria de facto, ao abrigo do disposto na al. a) do n° 1 do artº 712º pelo que se vai atender aos factos aí dados como provados, improcedendo, consequentemente, as conclusões I a VI e XIII a XXV..
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Notificada deste acórdão, veio a ré arguir a respectiva nulidade com esteio no art° 668° do Código de Processo Civil, invocando, para o que agora interessa e no que concerne à questão da solicitada reapreciação da matéria de facto, que:-
- cumpriu integralmente as exigências decorrentes do art° 690º-A do Código de Processo Civil;
- a 'considerar como válida a interpretação feita no Acórdão do dito n° 2, do Art. 690°-A, do Cód de Proc. Civil, no sentido de exigir que as transcrições das passagens da gravação que fundam a discordância da recorrente face à decisão da matéria de facto, devam ser apresentadas em separado das Alegações, o que apenas por hipótese de trabalho se admite, sempre se dirá que em obediência ao disposto no Art. 690º, n° 4, do Cód. de Proc. Civil, o Venerando Desembargador Relator, deveria ter convidado a Recorrente a suprir essa pretensa fala', pelo que, não o fazendo, foi omitida a prática de um acto previsto na lei, o que redundava em estar o acórdão em causa ferido de nulidade;
- como o acórdão em crise não veio a conhecer do objecto do recurso sobre a matéria de facto, deveria, no caso, o Desembargador Relator ter ouvido as
«partes» nos termos do nº 1 do art° 704º do Código de Processo Civil, razão pela qual, não o tendo feito, deveria aquele aresto ter conhecido de tal matéria, sendo que incorreria em nulidade por omissão de pronúncia se tal conhecimento não tivesse lugar;
- a interpretação do art° 690º-A, nº 2, do compêndio adjectivo levada a efeito pelo acórdão arguido de nulo não era a correcta, pois que carente de qualquer fundamento legal, motivo pelo qual, ao fazer tal interpretação, com ela fundamentando a sua decisão de não conhecer do recurso em matéria de facto, incorreu em nulidade;
- a norma constante daquele nº 2 do art° 690º-A, 'com a interpretação com que foi aplicada no douto Acórdão ... , não pode deixar de ser considerada Inconstitucional por violar, desde logo, o Art. 20°, da Constituição da República Portuguesa', pois que consagra 'um inequívoco excesso de forma e uma diminuição das garantias processuais do Recorrente, consubstanciando uma inequívoca violação do Principio do Direito a um Julgamento Justo e Equitativo' sendo que a falada interpretação é 'infundada, insólita, imprevista e imprevisível'. O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 27 de Março de 2001, indeferiu a arguição, podendo ler-se aí, a dado passo, que:-
'.........................................................................................................................................................................................................................................................................
IV - Invoca a requerente a violação do Principio do Direito a um Julgamento Justo e Equitativo com consagração constitucional no arfo 20° da Constituição da República Portuguesa, por a norma do artº 690°-A, com a interpretação com que foi aplicada no Acórdão, não pode deixar de ser considerada inconstitucional. Parece-nos que não ocorre a violação invocada (que, a verificar-se, nada teria a ver com o disposto naquele artº 20° da Constituição),em virtude de a exigência da transcrição em separado estar prevista na lei, certamente com a louvável intenção de evitar a confusão que resultaria da sua inclusão na alegação de recurso. Se for de considerar tal exigência como violadora daquele principio, então teremos, praticamente, que ver uma violação em cada formalidade processual prevista na lei.
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É deste acórdão que, pela M..., Ldª, vem interposto recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art° 70° da Lei no 28/82, de 15 de Novembro, com vista à apreciação da inconstitucionalidade da norma ínsita no nº 2 do art° 690º-A do Código de Processo Civil. Após convite que lhe foi dirigido, a impugnante veio precisar o seu anterior requerimento de interposição de recurso por uma forma da qual se pode extrair que a pretendida apreciação se reportava à norma do nº 2 do art° 690º-A do Código de Processo Civil, na redacção anterior à dada pelo Decreto-Lei no
183/2000, de 10 de Agosto, quando interpretada no sentido de exigir, sob pena de rejeição do recurso sobre a matéria de facto, a transcrição, em separado da alegação do escrito dactilografado das passagens dos meios de prova que tenham sido gravados.
2. Determinada a feitura de alegações concluiu a recorrente a por si formulada do seguinte modo:-
' I - A recorrente interpôs oportunamente Recurso da decisão proferida pelo MMº Juiz de 1ª Instância sobre matéria de facto, constante de fls. 298 a 300 dos autos. II - Aquando da motivação do seu recurso, nas respectivas Alegações, cumprindo a exigência legal fixada no n° 2 do Art. 690°-A, do Cód. de Proc. Civil, na redacção vigente nessa época, a recorrente transcreveu todas e cada uma das passagens dos depoimentos testemunhais que haviam sido gravados, e que, no seu entender, justificavam uma decisão diversa daquela que o MMº Juiz de 1ª Instância tinha proferido a fls. 298 a 300, dos autos. III - Todavia o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra absteve-se de conhecer esta vertente do Recurso, invocando que a Recorrente não dera cumprimento ao disposto no n° 2 daquele Art. 690°-A. IV - Aquele Venerando Tribunal proferiu esta decisão de não conhecer do Recurso interposto da decisão proferida pelo MMº Juiz de 1ª Instância sobre matéria de facto, escudando-se numa interpretação daquela norma do Cód. de Proc. Civil que lhe confere um carácter de inconstitucionalidade. Na verdade, V- O Tribunal da Relação de Coimbra, no Acórdão proferido de fls. 552 a fls. 570, dos autos, e em especial a fls. 562 e 563. onde decide a questão relativa ao Recurso da matéria de facto, interpreta o n° 2 do art. 690°-A, do Cód de Proc. Civil, no sentido de
‘A exigência prevista no n° 2 só pode ser entendida no sentido de que a transcrição tem de ser feita em separado das alegações, mas apresentadas com estas, como é óbvio.’, (cfr. fls. 563, dos autos). VI - Tendo esta interpretação fundamentado a decisão proferida de recusa na apreciação do recurso sobre a matéria de facto, conforme se ilustra pela transcrição da decisão: ‘No caso sub judice, a recorrente, pretendendo impugnar a decisão sobre a matéria de .facto, e tendo havido gravação da prova, não deu cumprimento ao disposto no n° 2 daquele artº 690°-A, apresentando a transcrição em escrito dactilografado, a juntar com as alegações de recurso. Por isso, não é possível a esta Relação alterar a decisão proferida na 1ª instância sobre a matéria de facto ...’ (cfr. fls. 563 dos autos). VII - Ora, conforme se demonstrou supra, nas presentes Alegações, esta interpretação efectuada pela Relação de Coimbra, não tem qualquer assento nem na letra do preceito, nem no espirito da Lei, dado que a intenção do legislador não era no sentido de exigir que a transcrição tivesse de ser feita em separado das alegações. VIII - Pelo contrário, como se viu, através da análise do preceito e através dos elementos interpretativos previstos no Art. 9º do Código Civil, compulsado o preâmbulo do Dec.-Lei nº39/95, de 15 de Fevereiro, que introduziu a matéria em causa no nosso ordenamento jurídico, o pensamento legislativo ia no sentido de a transcrição ser efectuada pelo Recorrente na motivação do seu recurso, ou seja nas suas Alegações. IX - Ora, foi isso exactamente o que a Recorrente ‘Marguil, Ldª’ fez, transcrevendo as passagens da gravação em que fundou a sua disc[o]rdância relativamente à decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto. Transcreveu-as nas Alegações que oportunamente apresentou nos autos. X- Todavia, a Relação de Coimbra, interpretando o n° 2 do Art. 690°-A, com o sentido com que o fez, e referido supra nas conclusões V e VI, entendeu que a Recorrente não cumpriu a exigência estatu[í]da naquele preceito, abstendo-se de conhecer do Recurso sobre a matéria de facto. XI - A interpretação daquele preceito, com o sentido com que foi efectuado, pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, exigindo para a prática de um acto processual, uma forma que a lei não prevê nem exige, consagra um inequ[í]voco excesso de forma e uma diminuição das garantias da Recorrente que consubst[a]ncia uma violação do Principio do Direito a um Processo e Julgamento Justo e Equitativo. XII- Este Principio tem consagração constitucional no Artigo 20º. n° 4, da Lei Fundamental. XIII - Pelo que, a norma constante do n° 2, do art. 690°-A, do Cód. de Proc. Civil, na redacção anterior às alterações introduzidas pelo Dec-Lei 182/2000. de
10-8, com o sentido que foi interpretada e aplicada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no Acórdão ora recorrido, encontra-se afectada de inconstitucionalidade, por violar o Artigo 20º n° 4, 2ª parte, da Constituição da República Portuguesa'.
Por seu turno, os recorridos não efectuaram alegação.
Cumpre decidir .
II
3. Como deflui do relato supra efectuado, antecedentemente à prolação do acórdão de 23 de Janeiro de 2001, a recorrente não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade tendo por referência a norma constante do nº 2 do art°
690º-A do Código de Processo Civil. Simplesmente, nesse aresto, não se tomou conhecimento do recurso atinente à matéria de facto, justamente com base numa interpretação que o Tribunal da Relação de Coimbra conferiu àquele preceito e que, tanto quanto se saiba, não é algo que esteja ainda devidamente consolidado quer doutrinária, quer jurisprudencialmente (cfr., porém, o acórdão da Relação do Porto de 4 de Fevereiro de 1999, publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano XXVI, 210 a
213, maxime parte final do ponto 1 - Recurso de Agravo, a fls. 212, de onde poderia resultar que o escrito dactilografado seria apresentado em separado da alegação).
Confrontada com essa interpretação, a recorrente arguiu a nulidade do dito acórdão de 23 de Janeiro de 2001, nos termos que se acima se deixaram expostos, e é da decisão que decidiu uma tal arguição, que não acolheu a perspectiva da inconstitucionalidade da interpretação do normativo em causa, que vem interposto o vertente recurso. Ora, a ser eventualmente formulado por este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade um juízo de inconstitucionalidade, certamente que a solicitada arguição haveria de ser passível de decisão diversa da que foi tomada. Tem, pois, utilidade o presente recurso e, porque o mesmo é repercutível na aludida arguição, é de considerar como tendo sido atempadamente suscitada a questão de inconstitucionalidade. Vejamos, pois.
3. O art° 690º-A, números 1 e 2, na redacção anterior à conferida pelo Decreto-Lei nº 183/2000, apresentava a seguinte redacção:- Artigo 690. º-A
Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão de facto
1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Quais os concretos meios probatórios que considera incorrectamente julgados; b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, proceder à transcrição, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação em que se funda.
4. Como se extrai do relato acima feito, o aresto ora impugnado interpretou o nº2 do art° 690°-A do Código de Processo Civil, no sentido de o recorrente, sob pena de rejeição do recurso tocante à matéria de tacto, dever apresentar, em separado da alegação que produz, a transcrição dactilografada das passagens da gravação em funda o erro na apreciação das provas.
É, pois, esta dimensão normativa que a recorrente considera contrária à Lei Fundamental e que incumbe agora apreciar . Cumprirá, desde logo, assinalar que, por se situar fora dos seus poderes cognitivos, este Tribunal não se pode pronunciar sobre a questão de saber se a interpretação levada a efeito pelo acórdão recorrido é a única, ou, ao menos, a mais consonante com o teor do nº 2 do art° 690º-A em apreço. Incumbe-lhe, isso sim, saber a norma resultante daquela interpretação é ofensiva do Diploma Básico, o que equivale a dizer que a questão ora sub iudicio consiste em dilucidar se será conflituante com a Constituição - designadamente por violação do que se preceitua no seu artigo 20° - um preceito que exija ao recorrente que impugna a matéria de facto em processo cujos meios probatórios constaram de gravação nele realizada e sob pena de rejeição do recurso, que proceda à transcrição, em escrito separado da alegação das passagens da gravação em que se esteia.
5. O direito processual constitui um encadeamento de actos com vista à consecução de um determinado objectivo, qual seja o de se obter uma decisão judicial que componha determinado litígio o que, consequentemente, impõe, por um lado, que as «partes» assumam posições equiparadas para desfrutarem de igualdade processual para discretear sobre as razões de facto e de direito apresentadas por uma e outra (cfr., sobre o ponto, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil I, 364 e 365, e Acórdão deste Tribunal no 223/95, publicado na 2ª Série do Diário da República de 27 de Junho de 1995); e, por outro lado para se alcançar uma justa e equitativa decisão, mister é que haja determinada disciplina para, além do mais, se conseguir que a composição do litígio se não
«perca» por razões ligadas a um livre alvedrio das mesmas «partes» , alvedrio esse que, no limite, poderia conduzir a uma «eternização» de actos com repercussão na não razoabilidade da tomada de decisão em tempo útil. Daí que o processo, todo o processo - aqui se incluindo obviamente, o processo civil - ,para além de dever ser um due process of law (vejam-se, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal números 249/97 e 514/98, publicados na 2ª Série do jornal oficial de, respectivamente, 17 de Maio de 1997 e 10 de Novembro de
1998), tenha de obedecer a determinadas formalidades que, elas mesmas não podem deixar de ser consideradas, numa certa perspectiva, como constituindo, inclusivamente, factores ou meios de segurança, quer para as «partes» , quer para o próprio tribunal. As formalidades processuais ou, se se quiser, os formalismos, os ritualismos, os estabelecimentos de prazos, requisitos de apresentação das peças processuais e efeitos cominatórios, são, pois, algo de inerente ao próprio processo. Ponto é, porém, que a exigência desses formalismos se não antolhe como algo que, mercê da extrema dificuldade que apresenta, vai representar um excesso ou uma intolerável desproporção que, ao fim e ao resto, apenas serve para acentuadamente dificultar o acesso aos tribunais, assim deixando, na prática, sem conteúdo útil a garantia postulada pelo nº1 do artigo 20° da Constituição. Afora casos como esse, a exigência das formalidades processuais não poderá, desta arte, ser vista como a prescrição de obstáculos à livre e desmedida actuação processual das «partes». Na interpretação conferida pelo aresto sub specie à norma ínsita no nº 2 do art°
690º-A do Código de Processo Civil (e viu-se já que este Tribunal não poderá, no caso, aquilatar da sua «bondade» em sede de direito ordinário), o mesmo entendeu que, como acima se transcreveu, a transcrição em escrito dactilografado a apresentar em separado da alegação tinha um intuito louvável, justamente porque evitaria 'a confusão que resultaria da sua inclusão na alegação de recurso', O que vale por dizer que, na óptica do tribunal a quo, aquela apresentação, no fundo, tinha por escopo facilitar a tarefa, quer do tribunal, quer dos próprios intervenientes processuais, maxime as «partes» , que, dessa sorte, mais facilmente descortinariam os pontos de divergência sobre a matéria de facto invocados pelo recorrente. Sendo isto assim, então há-de concluir-se que a exigência alcançada pela interpretação sub specie constitucionis não se revela :
- por uma banda, desprovida de qualquer sentido útil, antes apresentando uma finalidade disciplinadora do processo, com o escopo de facilitar a missão do tribunal e dos próprios intervenientes processuais;
- por outra, como constituindo uma acentuada dificuldade imposta às «partes» , por isso que, na realidade das coisas, o labor de transcrição em escrito dactilografado das passagens da gravação em que o recorrente se funda é equivalente, quer ela ocorra em escrito separado, quer na própria peça processual da alegação;
- por outra, ainda, que seja desconforme com a justiça e equidade que devem ser apanágio do processo, como vertente do direito de acesso aos tribunais, ou uma diminuição das garantias dos recorrentes, pois que a dita exigência, de todo em todo, não coarcta a possibilidade de eles desfrutarem da possibilidade de acesso
à impugnação da matéria táctica.
III
Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso, condenando-se a impugnante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em quinze unidades de conta . Lisboa, 14 de Março de 2002 Bravo Serra Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa