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Processo n.º 435/11
Plenário
Relator: Conselheiro José Cunha Barbosa
Acordam em plenário no Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. José Narciso Rodrigues Miranda, impugnante na acção de impugnação de deliberação tomada por órgãos de partidos políticos com o n.º 36/2011 – 1ª Secção e em que é impugnado o Partido Socialista, a qual foi instaurada ao abrigo do disposto no artigo 103º-D da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), notificado que foi do Acórdão n.º 219/2011, aí proferido, vem dele interpor recurso para o plenário deste Tribunal ao abrigo do disposto nos artigos 103.º-D, nº 3 e 103.º-C, n.º 8 da LTC, pedindo que, na procedência do recurso, venha a:
(…) ser declarada a nulidade do acórdão recorrido por manifesta falta de fundamentação, nos termos conjugados dos artigos 659.º n.º 2 e 3 e 668.º n.º 1, al. b) ambos do C.P.C., ou quando mesmo assim não se entenda, em todo o caso revogá-lo por errada interpretação do artigo 22.º n.º 2 da Lei dos Partidos na redacção dada pela Lei Orgânica nº 2/2008 de 14 de Maio da Lei e substituí-lo por outro que decida conhecer da acção de impugnação apresentada pelo impugnante. (…).
2. Apresentou, para tanto, alegações de recurso, sendo que nelas formulou as seguintes conclusões:
(…)
1.º
O presente acórdão do qual se recorre decidiu não conhecer do objecto da presente acção de impugnação, considerando que “na situação em apreço a lei exige que estejam esgotados os meios internos de cada partido – art.º 22º n° 2 da Lei dos Partidos Políticos – antes de se socorrer da tutela jurisdicional (do Tribunal Constitucional), sendo que “a peça processual em que o impugnante, qualificando-a como “impugnação/reclamação” (...) não pode ser considerada como impugnação”.
2.º
O acórdão do qual se recorre não fundamenta em que medida a carta que o aqui Recorrente dirigiu ao órgão disciplinar máximo do Partido Socialista, à Comissão Jurisdicional Nacional do Partido Socialista, não pode ser considerada uma “impugnação/reclamação’, isto é, indicando ou explicitando qual ou quais os critérios definidores que levaram os Venerandos Conselheiros deste Tribunal subscritores do acórdão recorrido a não considerar a carta do Recorrente como impugnação/reclamação.
3.º
Entende o Recorrente que o acórdão recorrido enferma de manifesta omissão de pronúncia no que à fundamentação concerne nos termos conjugados dos art.°s 659° n° 2 e 3 e 668° n° 1 al. b) ambos do C.P.C..
4.º
Considera ainda o Recorrente que o acórdão recorrido não interpreta nos devidos termos o nº 2 do art.º 22° da Lei dos Partidos na redacção dada pela Lei Orgânica n° 2/2008 de 14 de Maio, porquanto o referido preceito, não exige que sobre a impugnação/reclamação recaia qualquer decisão, mas tão só que essa garantia de defesa assegurada seja efectivamente exercida.
5.º
Aliás, se assim fosse, estaria encontrada a fórmula para toda e qualquer decisão tomada em deliberação pelo Conselho Nacional de Jurisdição ser insindicável jurisdicionalmente, pois bastaria que este órgão máximo não proferisse qualquer decisão sobre a impugnação/reclamação apresentada por um militante, para que este ficasse impossibilitado de recorrer à tutela jurisdicional (na interpretação que o acórdão recorrido faz do referido preceito exigindo o indeferimento), tornando-se a decisão definitiva.
6.º
Por outro lado, o referido normativo também não exige que a impugnação/reclamação tenha de ser uma peça processual entendida em termos técnico-jurídicos. Em lado algum do disposto no art.º 2° n° 2 da Lei dos Partidos Políticos se exige que a impugnação/reclamação seja uma peça processual em sentido técnico-jurídico, pelo que também aqui o acórdão recorrido enferma de erro na interpretação do preceito legal.
7.º
Para a apreciação de acções de impugnação de deliberações proferidas pelos órgãos máximos de disciplina de cada Partido Político para o Tribunal Constitucional, é mister que se encontrem esgotados todos os meios de impugnação internos, isto é, que o Impugnante demonstre que se socorreu de todas as garantia de defesa previstas na Lei, antes de se socorrer da tutela jurisdicional, o que foi feito no caso concreto, embora todas as garantias de defesa do Recorrente tenham sido postergadas pelo Partido Socialista que não só nunca o notificou para qualquer acto referente ao processo disciplinar, como nem sequer se dignou proferir qualquer decisão sobre a impugnação/reclamação que este apresentou.
8.º
A par da “possibilidade de reclamação ou recurso” prevista no art.º 22° n° 2 da Lei dos Partidos Políticos, encontram-se previstas outras garantias de defesa informais, nomeadamente a “garantia de audiência”, também esta prevista estatutariamente, sendo que nenhumas garantias de defesa junto do órgão de disciplina de cada partido político, estejam estatutariamente previstas ou não, obedecem a formalidades jurídico-processuais, podendo o visado defender-se e exercer o direito ao contraditório como melhor lhe aprouver, sem necessidade de constituir Advogado, nem tão pouco precisa de ser Jurista, ou dominar a linguagem técnico-jurídica, bastando só que exerça plenamente o direito ao contraditório e se possa defender dos factos que lhe são imputados.
9.º
Pese embora a manifesta falta de fundamentação do acórdão recorrido supra alegada, desconhecendo o aqui Recorrente por que razão a sua impugnação/reclamação não foi considerada pelo Tribunal para esse efeito, decisão recorrida qualifica tal impugnação/reclamação como peça processual, permitindo descortinar-se que, provavelmente, um dos motivos ou critérios pelos quais foi desconsiderada terá sido por se ter entendido que deveria ser uma verdadeira peça processual em sentido técnico-jurídico, o que não é de todo exigível, atenta inclusivamente à liberdade de participação nos partidos políticos consignado no art.º 51° n° 1 da C.R.P., bem como à jurisprudência deste Tribunal Constitucional.
10.º
O Recorrente, após as notícias veiculadas pela comunicação social que davam conta da sua expulsão do Partido Socialista (pois nunca foi o mesmo notificado formalmente para qualquer acto), elaborou por sua exclusiva iniciativa e autoria, uma longa impugnação à Comissão Nacional de Jurisdição reclamando quer contra o facto insofismável de nunca ter sido notificado para qualquer acto processual e, como tal, não lhe ter sido dada qualquer oportunidade para se defender, expondo longamente o seu percurso de militância activa e os seus antecedentes políticos de fidelidade ao Partido, abordando os factos que estariam na génese do seu processo disciplinar, uma vez mais fazendo fé nas notícias veiculadas, reclamando a reformulação da eventual decisão que tivesse sido proferida pela Comissão Nacional de Jurisdição para que a mesma fosse reconsiderada, ou, no mínimo, que fosse respeitado o seu direito de defesa.
11.º
O Recorrente que nunca foi ouvido nos autos de processo disciplinar porque nunca foi notificado para esse efeito, ou mesmo para qualquer outro, que proactivamente procura ser notificado e ainda reclama da decisão de que teve conhecimento informalmente, quando decide recorrer à tutela jurisdicional convencido de que tudo fez e todas as garantias internas tentou esgotar em sua defesa, embora sem sucesso, face às gravíssimas irregularidades e manipulação de que o seu processo disciplinar foi alvo, é presenteado como uma decisão por acórdão que não satisfaz os mais elementares propósitos de Justiça, padecendo de manifesto vício de omissão de fundamentação e ilegalidade por erro na interpretação da Lei.
12.º
Não tendo recaído qualquer decisão sobre a reclamação apresentada junto dos vários órgãos do Partido, maxime da CNJ que é o órgão máximo competente para esse efeito, só restava a possibilidade de recurso perante este Tribunal da decisão existente nos autos proferida por acórdão da CNJ.
13.º
O impugnante, aqui Recorrente, rebela-se também contra o facto do acórdão deste Tribunal agora em crise, considerar que não foi arguida a falsidade do documento ficha de militante nos termos do art.º 546° do Código Processo Civil.
14.º
Considera o ora Recorrente que toda a sua alegação se enquadra na impugnação de falsidade da “nova” ficha de militante apresentada, a qual não é sequer a que constava do processo disciplinar, o que só por aí indicia a alegada falsidade, pois quando foi notificado para se pronunciar sobre tal documento o Recorrente impugnou-o alegando e fundamentando que o mesmo havia sido alterado e manipulado, sendo por isso falso.
15.º
O acórdão recorrido enferma de nulidade por total omissão na fundamentação, nos termos conjugados dos art.°s. 659° nº 2 e 3 e 668° nº 1. al. b) ambos do C.P.C., bem como padece de erro na interpretação do art.º 22° nº 2 da Lei dos Partidos na redacção dada pela Lei Orgânica nº 2/2008 de 14 de Maio e constitui flagrante violação do acesso à tutela jurisdicional efectiva e às garantias de defesa que a todos os arguidos são asseguradas nos termo dos art.°s. 20° nº 1 e 32° nº 1 da C.R.P. e ainda à liberdade de participação em partido político nos termos do art.º 51° nº 1 e 5 da C.R.P.
(…)
3. Notificado para tal, o recorrido Partido Socialista veio apresentar contra-alegações do seguinte teor:
(…)
1.º
O recurso ora apresentado não é mais que uma tentativa do ora Impugnante reverter uma decisão que não soube aceitar, fundamentando uma pretensão que, bem sabe, não tem, absolutamente, nenhum fundamento e é até contrária ao Direito.
2°.
É por demais evidente que este recurso não apresenta qualquer base séria para se fundamentar, apenas se alicerçando em argumentos falaciosos e raciocínios subjectivos, que não encontram qualquer apoio quer na prova documental, que as partes trouxeram aos presentes autos.
3.º
E, assim sendo, numa atitude desesperada e de eivada má fé – comportamento, de resto, adoptado ao longo da presente lide, salientando-se ainda que o impugnante vai ao cúmulo de deturpar a verdade dos factos e apresentar novas “teses” e “argumentos”, ainda que, em contradição frontal com o quanto foi por si foi tão vincadamente sustentado ao longo dos presentes autos.
Ou seja,
4°.
Ao contrário do alegado pelo impugnante, não é ao Tribunal que cabe demonstrar que a carta dirigida à Comissão Nacional de Jurisdição não pode ser considerada como urna “impugnação/reclamação”, bem ao contrário, era ao ora impugnante que cabia essa prova, de que tal carta era uma reclamação do acórdão anteriormente proferido por aquele Órgão partidário.
5°.
O ora Recorrente sabe bem que nenhuma reclamação deduziu, não quis, em nenhum momento – porventura por desconhecimento, o qual como é sabido, não aproveita a ninguém (cfr. art. 6° do C.C.) – apresentar qualquer reclamação e a carta que endereçou nada reclama; tão-somente termina com um pedido, aquele que é transcrito no acórdão ora recorrido.
6°.
O Recorrente não reclamou atempadamente, aliás, nem tão pouco invocou ab initio no recurso que dirigiu a este Tribunal que tivesse utilizado tal figura ou que tivesse, de alguma forma, seguido o entendimento de há muito consagrado por este Tribunal no que se refere à interpretação do disposto no art. 22° n.º 2 da Lei dos Partidos Políticos.
7°.
É o próprio que afirma que não teve qualquer intervenção no processo!
8°.
A Justiça e o Direito não podem, evidentemente, ficar à mercê dos propósitos do ora Impugnante …
9°.
Pelo que, andou bem o Tribunal a quo ao decidir como decidiu.
10°.
Em tudo o demais, remete o ora Impugnado Partido Socialista para os requerimentos anteriormente apresentados.
(…).
4. No acórdão deste Tribunal, ora, sob recurso, decidiu-se não tomar conhecimento do objecto da acção de impugnação, com base na seguinte fundamentação:
(…)
8. Este Tribunal teve já, por diversas vezes, o ensejo de decidir, pelo não conhecimento da impugnação, em processos de contencioso partidário onde os impugnantes, aí em causa, recorriam de deliberação punitiva tomada pelo Conselho Nacional de Jurisdição do respectivo partido, perante factos disciplinarmente apreciados em tudo idênticos aqueles que foram objecto da deliberação tomada pela Comissão Nacional de Jurisdição do ora impugnado.
Fê-lo, nesta mesma secção, no Acórdão n.º 252/2010 (publicado no Diário da República, II Série, a 18 de Agosto), em que se exarou:
“ (…) No processo que deu origem aos presentes autos – processo nº 13/2010 – está em causa a infracção de dois deveres que os Estatutos do Partido Social Democrata especificam no artigo 7º, a par de outros deveres dos militantes: o dever de ser leal ao Programa, Estatutos e directrizes do Partido, bem como aos seus Regulamentos (alínea f) do nº 1); e o dever de não se candidatar a qualquer lugar electivo no Estado ou nas Autarquias Locais e não aceitar a nomeação para qualquer função governamental fora dos termos previstos no Estatuto (alínea h) do nº 1). Infracção que se concretizou na apresentação dos impugnantes (militantes do PSD) a acto eleitoral local em candidatura adversária da candidatura apresentada pelo PPD/PSD (artigo 9º, nº 3, daqueles Estatutos), à qual veio a corresponder a aplicação da ‘sanção de cessação de inscrição no Partido’, segundo a terminologia utilizada na instrução do processo e nas deliberações do Conselho de Jurisdição Nacional (fls. 21, 37, 52, 89 e ss., 95 e ss. e 103 e ss. dos presentes autos).
Está em causa a infracção de normas em matéria de disciplina interna de um partido político, como aliás reconhece o Conselho de Jurisdição Nacional do PSD (cf. deliberações impugnadas e resposta apresentada, fl. 89 e ss., 95 e ss., 103 e ss. e 116 e ss. dos presentes autos), sendo inquestionável a natureza sancionatória (punitiva) da consequência estatutária prevista para o comportamento do militante que se apresente em acto eleitoral local em candidatura adversária da candidatura apresentada pelo Partido (cf. nº 3 do artigo 9º, dos Estatutos do Partido Social Democrata, epigrafado ‘Sanções’). Deve, aliás, notar-se que o Regulamento de Disciplina do PSD estatui que constituem infracções disciplinares as violações dos deveres dos militantes constantes do artigo 7º dos Estatutos quando revistam a forma de candidatura a qualquer lugar electivo de Autarquias Locais sem autorização do competente órgão do Partido (alínea j) do artigo 1º). E que a ‘infracção ao exposto no artigo 7º, alínea f) dos Estatutos do PSD e sancionada pelo nº 3 do artigo 9º dos mesmos Estatutos’ foi comunicada ao Conselho de Jurisdição Nacional enquanto infracção disciplinar (cf. Acta da Reunião da Comissão Política Nacional de 13 de Outubro de 2009, fl. 137 dos presentes autos).
3. Estatui-se no nº 1 do artigo 103º-D da LTC que «qualquer militante de um partido político pode impugnar, com fundamento em ilegalidade ou violação de regra estatutária, as decisões punitivas dos respectivos órgãos partidários, tomadas em processo disciplinar em que seja arguido».
Dos artigos 22º, nº 2, e 30º da Lei dos Partidos Políticos (Lei Orgânica nº 2/2003, de 22 de Agosto, na redacção dada pela Lei Orgânica nº 2 /2008, de 14 de Maio) resulta, porém, que o recurso judicial perante o Tribunal Constitucional só é admissível se houver impugnação prévia (reclamação ou recurso) da decisão do órgão partidário que aplique sanção disciplinar, perante o órgão de jurisdição competente. Em matéria de disciplina interna dos partidos políticos, há a garantia da possibilidade de reclamação ou recurso em caso de aplicação de sanções disciplinares pelos órgãos partidários competentes (artigo 22º, nº 2); em matéria de organização interna estatui-se, que as deliberações de qualquer órgão partidário, com fundamento em infracção de normas estatutárias ou de normas legais, são impugnáveis perante o órgão de jurisdição competente, com a possibilidade de recurso judicial da decisão deste órgão perante o Tribunal Constitucional (artigo 30º).
4. Resulta dos presentes autos que as deliberações impugnadas, às quais correspondem os Acórdãos nºs 52/2010, 59/2010 e 71/2010, não foram objecto de reclamação perante o Conselho de Jurisdição Nacional – órgão estatutariamente competente para declarar a sanção de cessação da inscrição no Partido (artigo 9º, nºs 3 e 7) –, o que obsta à admissibilidade da impugnação instaurada….”
Também no Acórdão n.º 317/2010 (publicado em Diário da República, II Série, a 18 de Agosto), do Plenário, o Tribunal Constitucional decidiu que:
“Dispunham os referidos n.º 3 e 7, do artigo 9.º, dos Estatutos do Partido Social Democrata, na redacção aprovada no XXVIII Congresso, de 17/18 de Março de 2006, aplicada nos Acórdãos impugnados:
« (…) 3. Cessa a inscrição no Partido dos militantes que se apresentem em qualquer acto eleitoral nacional, regional ou local em candidatura adversária da candidatura apresentada ou apoiada pelo PPD/PSD.
(…) 7. As sanções previstas nos nº s 3, 5 e 6 são declaradas pelo Conselho de Jurisdição Nacional, com base em comunicação da Comissão Política Nacional e ouvidos os interessados.
(…).» Da leitura deste preceito estatutário verifica-se que as decisões de cessação da inscrição no partido são tomadas em primeira e única instância decisória interna pelo Conselho de Jurisdição Nacional, não estando previsto expressamente nos Estatutos do Partido Social Democrata qualquer mecanismo de reapreciação interna deste tipo de deliberações.
Contudo, o artigo 22.º, n.º 2, da Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de Agosto, na redacção dada pela Lei Orgânica n.º 2/2008, de 14 de Maio (Lei dos Partidos Políticos), determina que compete aos órgãos próprios de cada partido a aplicação das sanções disciplinares, sempre com garantias de audiência e defesa e possibilidade de reclamação ou recurso.
Estamos perante uma norma imperativa que não pode ser contrariada pelos estatutos partidários e que, no caso destes serem omissos sobre a consagração e regulamentação destas garantias, é directamente aplicável.
Assim, apesar de não se encontrar expressamente prevista nos Estatutos do Partido Social Democrata a possibilidade de reclamação ou recurso da deliberação do Conselho de Jurisdição Nacional que aplica a sanção disciplinar de cessação da inscrição no Partido, a existência dessa garantia é imposta pelo disposto no artigo 22.º, n.º 2, da Lei dos Partidos Políticos.
A reclamação ou o recurso previstos neste dispositivo, são meios impugnatórios internos, estando a impugnação judicial prevista no artigo 30.º, n.º 2, da Lei dos Partidos Políticos.
Não existindo na estrutura orgânica do Partido Social Democrata um órgão com poderes de revisão das decisões do Conselho de Jurisdição Nacional, o meio impugnatório interno das suas deliberações só poderá ser a reclamação a ele dirigida, pelo que aos recorrentes assistia o direito de reclamarem perante o Conselho de Jurisdição Nacional das referidas deliberações tomadas em 9 de Abril, nos Acórdãos n.º 52/10, 59/10 e 71/10.
O artigo 103.º-C, n.º 3, da LTC, aplicável, com as necessárias adaptações, às acções de impugnação de deliberação tomada por órgãos de partidos políticos, por força da remissão constante do n.º 3, do artigo 103.º-D, da LTC, apenas admite essas acções depois de esgotados todos os meios internos previstos nos estatutos para apreciação da validade e regularidade da deliberação impugnada.
Estamos perante uma exigência de exaustão dos meios impugnatórios internos que, neste domínio, visa limitar o acesso ao Tribunal Constitucional apenas às pretensões que se mantenham após terem sido esgotadas as hipóteses de reapreciação no interior dos partidos políticos.
Embora o texto do n.º 3, do artigo 103.º-C, da LTC, faça referência somente aos meios internos previstos nos estatutos, a exigência nele contida também abrange, por identidade de razão, os meios impugnatórios internos que resultem de imposição legal, mesmo que não expressamente previstos nos Estatutos, pelo que só após a exaustão destes meios é que é admissível a propositura de acção de impugnação perante o Tribunal Constitucional.
Assim, apesar de o direito de reclamação para o Conselho de Jurisdição Nacional das suas próprias deliberações que apliquem a sanção disciplinar de cessação da inscrição no Partido não se encontrar expressamente consagrado e regulamentado nos Estatutos do Partido Social Democrata, ele assistia aos recorrentes, por força do disposto no artigo 22.º, n.º 2, da Lei dos Partidos Políticos, pelo que, não tendo sido exercido, não se revelam esgotados todos os meios impugnatórios internos previstos para apreciação e regularidade das decisões impugnadas pela presente acção, não podendo assim ser apreciado o seu mérito, por força do disposto no artigo 103.º-C, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional.”
Nestes termos, tendo presente a jurisprudência reiterada deste Tribunal, (vide, ainda os acórdãos nºs 361/2002, 421/2002, 428/2009, 44/2010, 250/2010, 395/2010 e 497/2010, in www.tribunalconstitucional.pt) deve a mesma ser transposta para os presentes autos.
9. Com efeito, sucede que, nos estatutos do Partido Socialista, conforme também ocorre nos do Partido Social Democrata, como se assinala nos arestos supra referenciados, não se encontra expressamente prevista a possibilidade de reclamação ou recurso da deliberação da Comissão Nacional de Jurisdição que aplica a sanção disciplinar de cessação da inscrição no Partido; a existência dessa garantia é imposta pelo disposto no artigo 22.º, nº 2 da Lei dos Partidos Políticos.
A reclamação ou recurso previstos neste dispositivo são meios impugnatórios internos, estando a impugnação judicial prevista no artigo 30.º, nº 2 da mesma lei.
Não existindo na estrutura orgânica do Partido Socialista um órgão com poderes de revisão das decisões da Comissão Nacional de Jurisdição, o meio impugnatório interno das suas deliberações só poderá ser a reclamação a ele dirigida, pelo que ao impugnante assistia o direito de reclamar perante a Comissão Nacional de Jurisdição da deliberação de 5 de Agosto de 2010, que o expulsou do Partido Socialista.
Na situação em apreço, ao exigir a lei que estejam esgotados os meios internos de cada partido – artigo 22.º, n.º 2 da Lei dos Partidos Políticos – antes de se socorrer da tutela jurisdicional (do Tribunal Constitucional) cabia ao impugnante demonstrar que tinha reclamado do órgão impugnado junto do órgão competente e que tal reclamação tinha sido indeferida.
Ora tal não sucedeu nos presentes autos. A peça processual em que o impugnante, qualificando-a como “impugnação/reclamação” afirma (fls. 258): “4. Venho requerer a Vexa. que me seja enviada a notificação ou a carta com cópia da decisão que a meu respeito, terá sido tomada pela Comissão Nacional de Jurisdição do PS no passado dia 3 de Agosto, a acreditar nas noticias publicadas em vários órgãos de comunicação social, já que me parece que, ao menos, me deve ser reconhecido o direito de saber directamente o que foi decidido pelo meu partido no tocante ao dedicado militante que eu sempre fui.”, não pode ser considerada como impugnação.
(…).
II – Fundamentação
5. Como resulta do n.º 8 do artigo 103.º-C da LTC, aplicável por remissão do n.º 3 do artigo 103.º-D da mesma Lei, o presente recurso para o plenário é restrito à matéria de direito e o seu objecto é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente.
Face ao teor de tais conclusões, ter-se-á que são três as questões a decidir no âmbito do presente recurso, como sejam: nulidade do Acórdão n.º 219/201 , proferido na acção de impugnação n.º 36/2011 – 1.ª Secção, por manifesta falta de fundamentação; sua revogação por errónea interpretação do artigo 22.º, n.º 2 da Lei dos Partidos, na redacção dada pela Lei Orgânica nº 2/2008, de 14 de Maio; suscitação ou não da falsidade da 'nova' ficha de militante apresentada.
Abordemos cada uma delas.
6. De acordo com a norma contida no artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei», pelo que, no que importa à suscitada questão de nulidade de acórdão por manifesta falta de fundamentação, dever-se-á ter em atenção o que se dispõe nos artigos 659.º, n.º 2 e 668.º, n.º 1 alínea b) do Código de Processo Civil, segundo os quais, no que à fundamentação interessa, deve a sentença «… discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, …», sob pena de, «… quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;…», a mesma dever ser considerada nula.
Pretende o recorrente que «… o acórdão do qual se recorre não fundamenta em que medida a carta que o aqui Recorrente dirigiu ao órgão disciplinar máximo do Partido Socialista, à Comissão Jurisdicional do Partido Socialista, não pode ser considerada uma ‘impugnação/reclamação’, isto é, indicando ou explicitando qual ou quais os critérios definidores que levaram (…) a não considerar a carta do Recorrente como impugnação /reclamação….» (cf. conclusão 2.ª).
O recorrente invoca, assim, total ausência de motivação quanto à afirmação contida no mencionado acórdão sobre a impossibilidade de qualificação da dita carta como exercício, por parte do mesmo, de uma verdadeira impugnação/reclamação.
Porém, no que concerne à nulidade de sentença prevista no artigo 668.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil, haver-se-á de convir, como afirma J. Rodrigues Bastos (cf. Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, 3ª edição/2001, página 194, anotação n.º 3), que «A falta de motivação a que alude a alínea b) do n.º 1 é a total omissão dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito em que assenta a decisão; uma especificação dessa matéria apenas incompleta ou deficiente não afecta o valor legal da sentença».
Ora, no que à equacionada questão importa, o acórdão em causa, relativamente à interpretação e valor da mencionada ‘carta’, afirma, clara e expressamente, que:
(…)
A peça processual em que o impugnante, qualificando-a como “impugnação/reclamação” afirma (fls. 258): “4. Venho requerer a Vexa. que me seja enviada a notificação ou a carta com cópia da decisão que a meu respeito, terá sido tomada pela Comissão Nacional de Jurisdição do PS no passado dia 3 de Agosto, a acreditar nas noticias publicadas em vários órgãos de comunicação social, já que me parece que, ao menos, me deve ser reconhecido o direito de saber directamente o que foi decidido pelo meu partido no tocante ao dedicado militante que eu sempre fui.”, não pode ser considerada como impugnação.
(…).
Efectivamente, do teor de tal documento, designadamente do que nele se requer sob o transcrito ponto n.º 4, outra qualificação tal texto não consente que não seja a que veio a concretizar-se no mencionado acórdão, isto é, que com tal carta se não estava a exercer uma efectiva impugnação, mas tão só a solicitar a notificação do teor da decisão adoptada com vista, quiçá, a uma possível reclamação e futura impugnação.
Afigura-se-nos, assim, que esse é o único sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, face à natureza explícita da declaração contida em tal documento, poderia deduzir ou apreender (cf. artigo 236.º, n.º 1 do Código Civil), pelo que, atenta a significação óbvia de tal declaração, se não impusesse a necessidade de um maior desenvolvimento do discurso fundamentador do decidido.
Impõe-se, por isso, concluir pela inexistência de omissão de fundamentação e, em consequência, pela não verificação da invocada nulidade de acórdão.
7. Invoca, ainda, o recorrente que, perante uma possível inexistência da suscitada nulidade de acórdão, sempre este deveria ser revogado por nele se ter realizado uma errónea interpretação do disposto no artigo 22.º, n.º 2 da Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de Agosto (Lei dos Partidos), com a redacção introduzida pela Lei Orgânica n.º 2/2008, de 14 de Maio.
Diga-se, desde já, que, da leitura do mencionado acórdão, contrariamente ao pretendido pelo recorrente (cf. ‘conclusão 4º), nada resulta que nos permita concluir que nele se tenha interpretado o supra referido artigo 22.º n.º 2 com o sentido de que ele exige que «… sobre a impugnação/reclamação recaia qualquer decisão…», isto é, que tenha havido ‘reclamação/impugnação para o competente órgão do partido e sobre ela este tenha proferido decisão.
O que, no dito acórdão, se afirma é que o recorrente não apresentou qualquer reclamação junto do competente órgão partidário, já que o documento por ele apresentado a fls. 258 não pode valer como tal.
Assim, soçobra tudo quanto o recorrente alega e afirma com fundamento na pretensa, mas inexistente, interpretação, falecendo-lhe, por isso, razão com base em tal argumentação.
Efectivamente, no que importa à interpretação do artigo 22.º n.º 2 do citado diploma legal, o acórdão recorrido limita-se a afirmar, em conformidade com a reiterada jurisprudência deste Tribunal sobre a matéria e que cita, que:
(…)
9. Com efeito, sucede que, nos estatutos do Partido Socialista, conforme também ocorre nos do Partido Social Democrata, como se assinala nos arestos supra referenciados, não se encontra expressamente prevista a possibilidade de reclamação ou recurso da deliberação da Comissão Nacional de Jurisdição que aplica a sanção disciplinar de cessação da inscrição no Partido; a existência dessa garantia é imposta pelo disposto no artigo 22.º, nº 2 da Lei dos Partidos Políticos.
A reclamação ou recurso previstos neste dispositivo são meios impugnatórios internos, estando a impugnação judicial prevista no artigo 30.º, nº 2 da mesma lei.
Não existindo na estrutura orgânica do Partido Socialista um órgão com poderes de revisão das decisões da Comissão Nacional de Jurisdição, o meio impugnatório interno das suas deliberações só poderá ser a reclamação a ele dirigida, pelo que ao impugnante assistia o direito de reclamar perante a Comissão Nacional de Jurisdição da deliberação de 5 de Agosto de 2010, que o expulsou do Partido Socialista.
Na situação em apreço, ao exigir a lei que estejam esgotados os meios internos de cada partido – artigo 22.º, n.º 2 da Lei dos Partidos Políticos – antes de se socorrer da tutela jurisdicional (do Tribunal Constitucional) cabia ao impugnante demonstrar que tinha reclamado do órgão impugnado junto do órgão competente e que tal reclamação tinha sido indeferida.
Ora tal não sucedeu nos presentes autos. A peça processual em que o impugnante, qualificando-a como “impugnação/reclamação” afirma (fls. 258): “4. Venho requerer a Vexa. que me seja enviada a notificação ou a carta com cópia da decisão que a meu respeito, terá sido tomada pela Comissão Nacional de Jurisdição do PS no passado dia 3 de Agosto, a acreditar nas noticias publicadas em vários órgãos de comunicação social, já que me parece que, ao menos, me deve ser reconhecido o direito de saber directamente o que foi decidido pelo meu partido no tocante ao dedicado militante que eu sempre fui.”, não pode ser considerada como impugnação.
(…).
Portanto, o que decorre de tal fundamentação é que da norma contida no artigo 22.º, n.º 2 da Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de Agosto, com a redacção introduzida pela Lei Orgânica n.º 2/2008, de 14 de Maio, se pode afirmar que o recurso à tutela jurisdicional (do Tribunal Constitucional) prevista no artigo 30.º, n.º 2 daquele diploma legal e por referência ao artigo 103.º-C, n.º 3 da LTC, aplicável às acções de impugnação de deliberação tomada por órgãos políticos por remissão do artigo 103.º-D, n.º 3 da mesma Lei, não é admissível sem que se mostrem esgotados todos os meios internos de cada partido.
Aliás, da leitura das 'conclusões' apresentadas pelo recorrente, nas respectivas alegações de recurso, designadamente da primeira parte da ´conclusão 7.ª', pode afirmar-se que o próprio recorrente não coloca em crise a referida interpretação, porquanto aí afirma de forma clara que:
(…)
7) Para apreciação de acções de impugnação de deliberações proferidas pelo órgãos máximos de disciplina de cada Partido Político para o Tribunal Constitucional, é mister que se encontrem esgotados todos os meios de impugnação internos, isto é, que o Impugnante demonstre que se socorreu de todas as garantias de defesa previstas na Lei, antes de se socorrer da tutela jurisdiscional, …
(…).
O recorrente, por isso, no que à questão da interpretação da dita norma interessa, não discorda propriamente da que veio a ser alcançada no acórdão recorrido, mas tão só pretende que, como resulta da leitura das conclusões por si formuladas sobre tal matéria, não ocorre, no caso ‘sub judicio’ e contrariamente ao que naquele acórdão se deixou afirmado, ausência de demonstração por parte do recorrente/impugnante, como lhe competia, dos pressupostos de facto que justificariam o recurso à prevista tutela jurisdicional.
Todavia, a questão inerente à (in)verificação de tais pressupostos de facto é insusceptível de ser conhecida no âmbito do presente recurso, já que, como se afirmou supra, o mesmo é restrito a matéria de direito (cf. artigo 103.º-C, n.º 8 da LTC).
8. Aliás, o mesmo se diga quanto à questão da suscitação ou não da falsidade da ‘nova’ ficha de militante que, por não integrar matéria de direito mas tão só de facto, não pode ser objecto de conhecimento no âmbito do presente recurso.
9. Por tais razões, impõe-se negar provimento ao recurso.
III – Decisão
10. Nos termos supra expostos, decide-se negar provimento ao recurso interposto por José Narciso Rodrigues Miranda para o Plenário deste Tribunal Constitucional do acórdão nº 219/2011, proferido nestes autos, em 3 de Maio de 2011, pela 1ª Secção deste Tribunal.
Sem custas.
Lisboa, 13 de Julho de 2011. – J. Cunha Barbosa – Catarina Sarmento e Castro – Ana Maria Guerra Martins – Vítor Gomes – Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão – Maria Lúcia Amaral – João Cura Mariano – Maria João Antunes – Joaquim de Sousa Ribeiro – Carlos Pamplona de Oliveira – Rui Manuel Moura Ramos.