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Processo nº 129/02
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Por requerimento de 4 de Janeiro de 2002, C... e M... vieram reclamar para o Tribunal Constitucional da decisão de não admissão do recurso que interpuseram para este Tribunal do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 3 de Maio de
2001, com fundamento em extemporaneidade. Este acórdão negou provimento ao recurso de apelação que haviam interposto da sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras, de 14 de Julho de 2000, que, julgando a acção proposta contra os ora recorrentes por L... e J..., declarara resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre estas e o réu, com fundamento em cedência não autorizada a terceiros, decretando o correspondente despejo. Para o que agora releva, o Tribunal da Relação de Lisboa não atendeu a alegação de que deveria ser modificado o julgamento de facto, 'reapreciando as provas documentais e testemunhais em que assentou a parte impugnada da douta decisão' ou, porque a gravação da audiência apresentava deficiências, determinando 'a renovação dos meios de prova produzidos em 1ª instância, no tocante à prova testemunhal oferecida pelos RR', ou, não sendo isso possível, anulando a decisão e repetindo o julgamento 'quanto à parte da decisão que se reputa viciada'. O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, com efeito, julgou 'que a decisão fáctica da 1ª instância é inatacável'. Por requerimento de 3 de Julho de 2001, os réus pediram a reforma do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que foi negada por acórdão de 4 de Outubro de
2001.
2. No recurso interposto para o Tribunal Constitucional (requerimento de fls.
37), os recorrentes, alegando que impugnaram a decisão de facto no recurso de apelação; que verificaram, então, ser imperceptível a gravação dos depoimentos relevantes para o recurso que interpuseram, razão que leva a que 'a gravação
[deva] ser dada como inexistente'; e que tal 'vício (...) consubstancia uma nulidade insuprível, a qual foi arguida em tempo, conf. o disposto nos art. 205º nº 3 do CPC e artº 9º do DL nº 39/95, de 15 de Fevereiro', vieram sustentar que o Tribunal da Relação de Lisboa deveria ter determinado a renovação da prova, para dar 'cumprimento ao disposto no nº 5 do art. 690º-A do CPC '. Assim, 'não tendo, portanto, o douto Acórdão ordenado a requerida renovação dos meios de prova produzidos em sede de audiência de julgamento, afigura-se-nos, salvo a devida vénia, ter sido violado um direito fundamental constitucionalmente consagrado no art. 20º da CRP, o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva'. E apresentam se seguintes
'CONCLUSÕES: Entendemos, assim, dever o Tribunal Constitucional apreciar a questão da constitucionalidade e legalidade do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa em apreço, porquanto considerarmos ter o mesmo violado o dever fundamental consagrado no art. 20º da CRP, o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos... Deverá, assim, como se requer, com base no disposto no art. 9º do DL n.º 39/95 de 15 de Fevereiro, conjugado com os arts. 205º n.º 3, 690º-A e 712º n.º 1 alínea a), n.º 2 e n.º3 do CPC, a. Ser o douto Acórdão recorrido considerado inconstitucional, por ter o mesmo recusado aplicar as normas legalmente previstas e adequadas ao caso subjudice e, em consequência, b. Conceder provimento ao presente recurso, revogando, a final, a douta decisão recorrida, c. Determinando ao tribunal a quo que a reforme ou mande reformar de acordo com o juízo formulado pelo Tribunal Constitucional.' E assim se fará a habitual JUSTIÇA!!!'
3. Notificado para se pronunciar sobre a reclamação o Ministério Público manifestou-se no sentido da sua improcedência, nos seguintes termos:
'Ao contrário do que se considera no despacho de rejeição do recurso de constitucionalidade, de p. 47 destes autos, é de 10 dias o prazo de interposição dos recursos para o TC, por força do estatuído no n.º 1 do art. 75º da Lei n.º
28/82, na redacção emergente da Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro. Por outro lado, tendo sido suscitados incidentes pós-decisórios no Tribunal 'a quo', versando sobre matérias obviamente insusceptíveis de cognição por este Tribunal Constitucional (arguição de nulidades, pedido de reforma, etc.), o prazo para interposição do recurso de constitucionalidade só se inicia após dirimição, no Tribunal 'a quo', de tais incidentes, nos termos previstos no art. 686º do CPC
(cfr. ac. 79/2000).
De qualquer modo – e cumprindo decidir definitivamente, no âmbito desta reclamação da verificação ou inverificação dos pressupostos do recurso de constitucionalidade interposto – afigura-se que a reclamação deduzida sempre teria de improceder, já que:
– por um lado, o recurso para este Tribunal Constitucional não se mostra interposto no prazo de 10 dias a contar da prolação do acórdão da Relação que dirimiu o pedido de reforma deduzido, proferido em 9/10/01 (p. 249) e notificado por carta registada em 8/10/01 (cf. p. 7 dos autos) – apenas sendo interposto recurso para o TC em 21/11/01;
– por outro lado, o recurso interposto não visa colocar à apreciação do TC qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, idónea para integrar o respectivo objecto, limitando-se o ora reclamante a imputar directamente ao acórdão impugnado a pretensa violação de princípios constitucionais, ignorando ostensivamente que ao TC apenas está cometido um controlo normativo da constitucionalidade, parecendo antes mover-se no âmbito de um 'recurso de amparo', manifestamente inexistente no nosso ordenamento jurídico.'
4. Na verdade, a reclamação é claramente improcedente, pois os recorrentes, como observa o Ministério Público, não definem qualquer questão de inconstitucionalidade normativa susceptível de constituir o objecto do recurso que interpuseram, o que sempre impediria o Tribunal Constitucional de o conhecer. Com efeito, o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas destina-se a que este Tribunal aprecie a conformidade constitucional de normas, ou de interpretações normativas, que foram efectivamente aplicadas na decisão recorrida, não obstante ter sido suscitada a sua inconstitucionalidade 'durante o processo' (al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82), e não das próprias decisões que as apliquem. Assim resulta da Constituição e da lei, e assim tem sido repetidamente afirmado pelo Tribunal (cfr. a título de exemplo, os acórdãos nºs 612/94, 634/94 e 20/96, publicados no Diário da República, II Série, respectivamente, de 11 de Janeiro de 1995, 31 de Janeiro de 1995 e 16 de Maio de
1996). Torna-se, pois, desnecessário conhecer da questão da tempestividade do recurso interposto para o Tribunal Constitucional; esse conhecimento, aliás, exigiria a análise de peças processuais não juntas com a reclamação mas cuja existência é referida no correspondente requerimento, nos seus artigos 1º e 2º e na certidão de fls. 7. Essa análise torna-se, porém, desnecessária. Nestes termos, indefere-se a presente reclamação. Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs, a suportar por ambos. Lisboa,8 de Março de 2002 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida