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Proc. nº 135/02 TC – 1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 – B..., identificado nos autos, foi punido pela prática de uma contra-ordenação p.p. pelo disposto nos artigos 1º alínea a) e 54º nº 1 alínea a) e nº 2 do Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro, com uma coima de
120.000$00.
O arguido impugnou judicialmente a decisão administrativa que o puniu, mas a impugnação veio a ser rejeitada por extemporaneidade por força do disposto no artigo 59º nº 3 do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de Setembro.
Desta decisão recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Lisboa, mas o recurso não foi admitido por extemporaneidade, com fundamento no disposto no artigo 74º nº 1 do Decreto-Lei nº 433/82, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 244/85.
Pedida e deferida a aclaração do despacho de não admissão do recurso, o então recorrente reclamou para o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa.
Estando pendente a reclamação, o arguido requereu, entretanto, a invalidade do acto que mandou proceder ao pagamento de guias e que fosse declarado prescrito o procedimento contra-ordenacional.
O requerimento foi indeferido e do respectivo despacho o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.
O recurso foi admitido por despacho, documentado a fls. 37
(anteriormente fls. 107), nos seguintes termos:
'Admito o recurso interposto pelo arguido, para o Tribunal da Relação de Lisboa, a subir nos próprios autos, com o recurso já interposto e não admitido da decisão que rejeitou a impugnação judicial, caso venha a ser admitida a reclamação deduzida e efeito meramente devolutivo – artigos 74ºnºs 1 e 4 do Dec.-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, actualizado pelo Dec.-Lei nº
244/95,de 14 de Setembro e artigos 406º nº 1, 407º e 408º 'a contrario' do CPP'.
Em nota a este despacho escreveu-se:
'O eventual indeferimento da reclamação deduzida tem, necessariamente, efeito prejudicial relativamente ao recurso ora interposto'.
Entretanto, fora indeferida a aludida reclamação, por despacho do Presidente da Relação de Lisboa, nele se considerando que o reclamante não respeitara o prazo estabelecido no artigo 74º nº 1 do Decreto-Lei nº 433/82 na interposição do recurso da decisão judicial que julgara extemporânea a impugnação da decisão administrativa que lhe impusera a referida coima, não padecendo de inconstitucionalidade a norma ínsita naquele preceito legal.
Notificado deste despacho e do documentado a fls. 37 (anteriormente fls. 107), o arguido 'reclamou' deste último, merecendo a reclamação o despacho documentado a fls. 38/39 (anteriormente, fls. 114/115).
Nele se considera que o acto do reclamante era inútil, vedado pelo disposto nos artigos 137º do CPC e 4º do CPP, dado que se operara a consolidação da decisão punitiva com o citado despacho do Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, pelo que a tramitação subsequente admissível apenas se poderia confinar à liquidação da coima e das custas da responsabilidade do arguido e aos termos posteriores relacionados com o pagamento, voluntário ou coercivo, das quantias liquidadas.
Consequentemente, o despacho determina o desentranhamento do requerimento e a liquidação da coima e das custas da responsabilidade do requerente.
Deste despacho recorreu o arguido para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70º nº 1 alínea b) da LTC, pretendendo a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 74º nº 1 do Decreto-Lei nº 433/82.
O requerido mereceu o despacho documentado a fls. 43 a 45
(anteriormente, fls. 130 a 132) que não admitiu o recurso interposto, com o fundamento no facto de o despacho impugnado (o de fls. 38/39, anteriormente fls.
114/115) não ter aplicado a norma em causa, devendo o requerente ter recorrido do despacho do Presidente da Relação de Lisboa, se queria ver apreciada a constitucionalidade da norma do artigo 74º nº 1 do Decreto-Lei nº 433/82 (o que não fizera), pelo que já não era admissível o recurso para o Tribunal Constitucional, bem como qualquer recurso ordinário, por se terem esgotado todos os que no caso cabiam.
É deste despacho que vem deduzida a presente reclamação.
2 - Com ela, pretende o reclamante a admissão do recurso interposto para o Tribunal Constitucional, sustentando, relativamente ao despacho reclamado:
'A) Em relação ao primeiro fundamento, a aliás douta decisão recorrida de fls. 114 a 115 carece de autonomia processual e integra um acto judicial que também abarca a decisão prévia de que coube recurso não aceite e reclamação adrede formulada, como claramente resulta dos autos, sendo certo que a decisão assim entendida e consumada na decisão recorrida que a ultimou aplicou a norma que se havia dito estar ferida de inconstitucionalidade.
B) Quanto ao segundo fundamento, ou seja, o de não ter sido apresentado recurso da decisão do Tribunal da relação, a verdade é que tal decisão do Tribunal da Relação de Lisboa é meramente incidental, por assim dizer, em relação à decisão da 1ª instância e foi nesta e não naquela que a questão de constitucionalidade se colocara'
Ouvido sobre a reclamação, o Exmo. Magistrado do Ministério Público entende que ela não merece deferimento.
Cumpre decidir.
3 – É manifesta a improcedência da reclamação deduzida, como se passa a demonstrar.
O despacho reclamado tem como antecedente, na cadeia de despachos judiciais proferidos, determinados pela litigância do reclamante, aquele que admitiu condicionalmente um recurso interposto pelo arguido de outro despacho, este sobre a pretensão de se declarar prescrita a contra-ordenação em causa.
Como se deixou dito, tal pretensão e o despacho que a indeferiu foram formulados num momento em que se mostrava pendente uma reclamação para o Presidente da Relação de Lisboa da não admissão do recurso interposto ( primeiro recurso) da decisão que rejeitara a impugnação judicial da coima aplicada ao ora reclamante - não admissão essa fundada no disposto no artigo 74º nº 1 do Decreto-Lei nº 433/82, com a redacção dada pelo Decreto-lei nº 244/95 – e em que o reclamante questionava a constitucionalidade da norma ínsita neste preceito.
Compreende-se aquele despacho de admissão condicional do recurso, pois, uma vez que, se viesse a ser indeferida a reclamação pendente para o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa (como, aliás, sucedeu), se consolidaria com força de caso julgado a decisão judicial que rejeitara por extemporaneidade a impugnação da coima, não havendo que decidir a invocada prescrição da contra-ordenação.
Foi isto, aliás, o que se disse em nota ao próprio despacho de admissão condicional do recurso.
Mas, persistindo a inconformação do reclamante, com a formulação de outro requerimento – este já depois de indeferida a aludida reclamação – foi proferido novo despacho em que, explicitando-se o anteriormente decidido, se considera inútil tal requerimento e se ordena o seu desentranhamento.
É precisamente deste despacho que o reclamante interpõe um último recurso, agora para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70º nº 1 alínea b) da LTC, não admitido pelo despacho ora sob reclamação, e em que se pretende a apreciação da constitucionalidade da norma do citado artigo 74º nº 1 do Decreto-Lei nº
433/82 (que fixa o prazo do recurso da decisão proferida na impugnação), ou seja a que fundamentara a não admissão do primeiro recurso interposto para a relação, a reclamação para o presidente deste Tribunal, onde o reclamante punha em causa
– e, então, oportunamente - a inconstitucionalidade da mesma norma e o seu indeferimento que expressamente apreciou esta questão e concluiu pela conformidade constitucional da norma.
A não admissão deste segundo recurso, com os fundamentos supra referidos, é agora objecto da presente reclamação.
Ora, independentemente de outras razões que poderiam conduzir à não admissão de recurso, desde logo uma se perfila, decisivamente: não ter sido aplicada a norma em causa no despacho recorrido, em contrário do que impõe o artigo 70º nº 1 alínea b) da LTC.
Com efeito, o despacho impugnado limita-se a extrair as consequências do despacho do Presidente da Relação de Lisboa que indeferira a reclamação contra a decisão de não admissão do primeiro recurso e onde – aí sim – foi aplicada aquela norma.
Não há, deste modo, no despacho recorrido, qualquer aplicação da norma do artigo
74º nº 1 do Decreto-Lei nº 433/82, questão que estava definitivamente resolvida com o indeferimento daquela reclamação, não tendo qualquer cabimento fazer repercutir em tal despacho todas as decisões judiciais antecedentes.
Se o reclamante pretendia ver apreciada, pelo Tribunal Constitucional, a constitucionalidade da norma do artigo 74º nº 1 do Decreto-Lei nº 433/82, deveria ter recorrido do despacho do Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa que indeferira a sua reclamação e que, nos termos do artigo 70º nº 3 da LTC, é equiparada a recurso ordinário para efeito de se considerarem esgotados todos os recursos que no caso cabiam.
O despacho do Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa constitui, pois, a
última decisão proferida no âmbito dos tribunais judiciais, sem recurso ordinário admissível, dela cabendo, assim, recurso para o Tribunal Constitucional.
Deste modo, não merece censura o despacho reclamado que decidiu em conformidade com a lei.
4 – Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs.
Lisboa,14 de Março de 2002- Artur Maurício Luís Nunes de Almeida José de Sousa e Brito