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Processo n.º 73/09
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I Relatório
1. Por sentença de 17 de Julho de 2007 o Tribunal de Trabalho de Valongo julgou ilícito o despedimento que a sociedade denominada A., S.A. impôs ao trabalhador B., condenando-a, entre outras coisas, a pagar os salários, férias, subsídios de férias e de Natal vencidos desde o dia 24 de Outubro de 2005 até ao trânsito da sentença, bem como a uma indemnização por despedimento ilícito. Inconformada, a A. recorreu para a Relação do Porto que, por decisão de 14 de Abril de 2008, confirmou a sentença recorrida. Pediu, então, revista ao Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 18 de Dezembro de 2008, lha negou, nos seguintes termos:
“Resta aferir o problema, suscitado na revista, de saber se, optando o trabalhador pela compensação consagrada no nº 1 do artº 437.º do Código do Trabalho, só se deve atender às retribuições intercalares devidas até à data da opção.
De um modo porventura mais exacto, o problema em causa equaciona-se em saber se, optando o trabalhador, em substituição da reintegração, pela indemnização desenhada no nº 1 do artº 439.º do mesmo corpo de leis, o direito à recepção das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal – conferido pelo nº 1 do artº 437.º –, deve ser computado de tal sorte que unicamente se alcance por referência ao momento temporal em que ocorreu a opção e não por referência àquele que resulta do último dos indicados preceitos.
Tocantemente a esta questão, teve já este Supremo ocasião de se debruçar.
Fê-lo, por exemplo, no seu acórdão de 8 de Outubro de 2008, tirado na Revista nº 1983/2008 (disponível em www.dgsi.pt sob o documento nº SJ200810080019834), no qual se concluiu:
– “que a literalidade do normativo a que agora prendemos a atenção não distingue, quanto ao direito nele consignado - o de perceber as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal -, as situações de despedimento ilícito com a consequente reintegração no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade [prevista na alínea b) do nº 1 do artº 436º], e as situações em que o trabalhador, em substituição da reintegração, opta pela indemnização a que se reporta o artº 439º”;
– “que, muito embora a declaração de ilicitude do despedimento acarrete (...) a condenação do empregador à reintegração do trabalhador no seu posto de trabalho, tal reintegração não resulta automática, em face do que se dispõe no nº 1 do artº 438º”;
- que “a compensação a que alude o n.º 1 do artº 437.º (que, obviamente, se trata de algo diverso da compensação indemnizatória gizada no artº 439.º) tem em vista um efeito decorrente directamente da ilicitude do despedimento que somente se tornará irrefutável na ordem jurídica a partir do momento em que esteja transitada em julgado a decisão judicial que a proclamou”;
– que pretende “o n.º 1 do artº 437º do Código do Trabalho uma tutela do trabalhador que se viu alvo de um ilícito despedimento, do mesmo passo que não deixa de «funcionar» como uma forma de sancionamento do empregador pela sua ilegalidade de actuação, não se lobrigando que, neste particular interpretativo defendido pela recorrente e agora não sufragado, possa ser convocada qualquer tutela da entidade patronal. A opção pelo recebimento de indemnização «por antiguidade», pode ainda, de certo jeito, ser perspectivada como uma reacção do trabalhador em não pretender manter um vínculo laboral com a sua entidade empregadora que assim actuou e cuja declaração de ilegalidade somente é firmada com o trânsito em julgado da decisão judicial”;
– que é “esse momento temporal o que produz eficácia relativamente à ilicitude, sendo que é justamente por causa desta que vai nascer a obrigação compensatória desenhada no n.º 1 do artº 437.º”
Anote-se que, na pronúncia que a ré efectuou relativamente ao «parecer» exarado pela Ex.ma Magistrada do Ministério Público, veio aquela sustentar que o acórdão agora citado, e que fora referido em tal «parecer», teria, nas sua página 22, incorrido numa “certa confusão ao introduzir-se a terminologia por nós citada na obra referida, quando se faz apelo a ‘vácuo’ e ‘hiato’ quando com a opção feita pelo trabalhador o limite dos interesses em jogo passam a fica[r] definidos”, pois que, a “partir daí, em caso de recurso da Ré, empregadora, só se discute se ao trabalhador continua ou não a ser reconhecido o direito aos valores que lhe foram reconhecidos na sentença ou não. É que o recurso interposto não revoga tal rescisão feita por iniciativa do trabalhador”.
Deve referir-se que o acórdão de 8 de Outubro de 2008, na página 22, efectuou uma transcrição do Acórdão de uniformização de jurisprudência nº 1/2004, de 20 de Novembro de 2003 (publicado na I Série-A do Diário da República de 9 de Janeiro de 2004), que disse não ser despropositada ser citada em abono do posicionamento que se estava a tomar no aresto em causa e, após ela, unicamente se apôs o que era pretendido pelo nº 1 do artº 437.º do Código do Trabalho e que acima se encontra extractado.
A descortinada confusão ao se fazer apelo a «vácuo» e «hiato» não pode, assim, ser assacável ao acórdão de 8 de Outubro de 2008, que, na sua fundamentação, se não serviu, sequer, desses conceitos.
7.1. Na indicada «pronúncia» da recorrente sobre o «parecer» emitido pela Ex.ma Magistrada do Ministério Público, vem aquela sustentar que “a interpretação que entende que em caso de opção do trabalhador pelo recebimento de indemnização de antiguidade, muito embora considere que tal opção é uma forma atípica de cessação do contrato de trabalho, que em caso de recurso o autor mant[éjm o direito à continuação de recebimento dos vencimentos intercalares até ao trânsito em julgado da decisão final, assume foros inconstitucionais, por violação do disposto no art. 20.º da C.R.P., na medida em que, no caso de recurso por parte do empregador, as consequências são demasiado gravosas, face ao interesse fixado e definido pelo próprio recorrido, violando os mais elementares princípios da proporcionalidade e do acesso ao direito”.
Não se pode sufragar um tal posicionamento.
O artigo 20.º da Constituição proclama, no que agora interessa, o asseguramento, a todos, do acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
Com essa proclamação intenta a Lei Fundamental a garantia de acesso à via judiciária, com vista à defesa das pretensões subjectivas do acedente, ou seja, com vista a que sejam discreteados, perante um órgão imparcial e independente, os motivos ou as razões que, no ponto de vista de quem àquela via recorre, conduziriam a tal defesa, do mesmo passo proporcionando a oportunidade para contrariar eventuais pretensões que foram aduzidas perante aquele órgão e que, na visão do mesmo acedente, constituiriam uma ofensa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.
Sendo assim, dir-se-á que, desde logo, não é facilmente apreensível em que ponto é que a interpretação questionada conflituaria com o direito fundamental consagrado no nº 1 do artigo 20.º do Diploma Básico.
Na verdade, se, com o esgrimir das suas razões, o acedente aos tribunais consegue prevalecer na sua pretensão subjectiva – e, no caso, seria a de se ter revestido de legalidade o despedimento com que sancionou o autor – torna-se claro que em nada foi afectada a garantia constitucional. Mas, por outro lado, se o órgão independente e imparcial concluir pela improcedência da pretensão, então isso dever-se-á à circunstância de, em face do ordenamento jurídico, não ter suporte tal pretensão, o que vale por dizer que, afinal, não tinha ocorrido violação do dever ou interesse que o acedente entendia como postergados ou ofendidos.
Na primeira vertente, e volvendo à situação dos autos, se viesse a ser proferido veredicto no sentido de o despedimento realizado pela recorrente ser lícito, claramente que não cobraria aplicação o direito consagrado no artº 437.º, nº 1, do Código do Trabalho. Mas, na segunda vertente, essa cobrança de aplicação já operaria, pois que, então, o que seria reconhecido seria, isso sim, a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos da outra parte.
Dir-se-ia, de todo o modo, que, com a interpretação questionada, a entidade patronal sempre vislumbraria temores em lançar mão da impugnação recursiva da decisão – e parece ser esse, fundamentalmente, o argumento da impugnante – pois que, com o tempo que isso acarretava, deparar-se-ia uma maior «penosidade» da sua situação.
Depara-se-nos límpida a falência de uma tal postura.
Efectivamente, se, com a impugnação da decisão jurisdicional, não foi alterado o seu conteúdo decisório, tal significa que não havia motivos de censura para pôr em causa o veredicto do tribunal de inferior hierarquia, pelo que foi desprovida de propósito essa impugnação, ou, o que é o mesmo, que o brandido direito ou interesse da parte recorrente não tinha razão de ser.
E, nessa senda, mesmo que se aceitasse que, com o decorrer do tempo necessário para se alcançar o proferimento da decisão do tribunal de superior hierarquia, a parte que se serviu da impugnação recursiva via a sua situação mais gravemente posicionada, então haver-se-ia de concluir que isso se deveu à adopção de uma opção incarecida de suporte, não se podendo olvidar, num outro plano, que a parte contrária não deixou de assistir, por via do impulso de impugnação da outra parte, a uma dilação no tempo da satisfação dos seus interesses legítimos, que haviam já sido reconhecidos pela primitiva decisão.
Não se surpreende, por isso, perante a interpretação em causa, ofensa do que se consagra no artigo 20.º da Constituição, ou uma definição normativa que inculque uma solução de desproporcionalidade, porque arbitrária e desprovida de fundamento razoável, antes apontando em sentido inverso, tendo em atenção os interesses em presença”.
2. É desta decisão que a A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º1, alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro), em requerimento do seguinte teor:
“A., S.A., Recorrente nos autos à margem referenciados, não se conformando com o douto acórdão proferido, Vem, ao abrigo do disposto no art. 70.º n.º 1, alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional, dele interpor recurso para o Tribunal Constitucional, por considerar inconstitucional o art. 437.º n.º 1 do Código do Trabalho, interpretado no sentido que “em caso de opção do trabalhador pelo recebimento de indemnização de antiguidade, muito embora considere que tal opção é uma forma atípica de cessação do contrato de trabalho, que em caso de recurso o autor mantém o direito à continuação de recebimento dos vencimentos intercalares até ao trânsito em julgado da decisão final”, por tal entendimento violar o disposto no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa.
A Recorrente suscitou esta inconstitucionalidade quando exerceu o seu direito ao contraditório relativamente ao Parecer da Digníssima Magistrada do Ministério Público junto do S.T.J., tendo esta questão sido igualmente apreciada no Douto Acórdão ora posto em crise, apesar de não ter obtido o acolhimento desse Venerando Tribunal.
Nos termos do disposto no art. 78.º n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional o Recurso sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo”.
3. O Tribunal acabou por decidir conhecer do objecto do recurso por via do Acórdão n.º 207/2009, nos seguintes termos:
“Está em causa saber se a recorrente suscitou adequadamente a questão de inconstitucionalidade que pretende debater no presente recurso; foi este o motivo pelo qual a decisão reclamada não aceitou conhecer do objecto do recurso, e é contra esse julgamento que se manifesta a reclamante A., S.A..
Está fora de dúvida que a suscitação da questão de inconstitucionalidade que é objecto do recurso disciplinado na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC se deve processar por via da acusação formal, minimamente substanciada, de desconformidade constitucional imputada a uma determinada norma jurídica, relevante para a decisão da causa, por forma a que o tribunal deva decidir autonomamente essa matéria, ou, como diz a lei, em termos de estar obrigado a conhecer dessa questão.
Sustenta a reclamante que suscitou a questão da seguinte forma:
(...)
O sentido que se retira deste trecho é que nele se pretende contrariar um determinado entendimento, que assumiria «foros inconstitucionais, por violação do disposto no art. 20.º da C.R.P.». Ora, embora o texto não faça uma acusação expressa de desconformidade constitucional a uma determinada norma jurídica, aplicável ao caso, o certo é que o contexto processual em que foi apresentada a peça da reclamante permite estabelecer uma ligação entre a acusação de desconformidade constitucional e a norma do n.º 1 do artigo 437º do Código do Trabalho, invocada no requerimento objecto da resposta.
Pode, portanto, concluir-se que a reclamante suscitou, perante o tribunal recorrido, a questão de inconstitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 437º do Código do Trabalho conforme exige o n.º 2 do artigo 72º da LTC”.
4. Notificada para o efeito, a recorrente apresentou alegações, tendo concluído da seguinte forma:
1.ª O despedimento ilícito não é inválido, sendo certo que, mesmo injustificado, produz efeitos, ou seja, determina a imediata cessação do contrato de trabalho, podendo, contudo, em determinados casos, restabelecer-se retroactivamente o vínculo.
2.ª A manutenção do contrato de trabalho, ilicitamente cessado pela entidade patronal, resulta do principio geral da obrigação de indemnizar, que impõe a reconstituição natural da situação que existira (art. 562.º do CC), desde que não se verifique nenhuma das hipóteses previstas no art. 566.º, n.º 1, do CC (p. ex: impossibilidade da prestação de trabalho).
3.ª O pagamento dos salários intercalares corresponde à indemnização dos lucros cessantes sofridos pelo trabalhador, ou seja, dos proventos que o trabalhador teria obtido se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido.
4.ª Não obstante, o princípio geral em matéria de ilicitude do despedimento seja o da reintegração do trabalhador (art. 439º do CT em vigor à data dos factos), o trabalhador pode optar pela indemnização de antiguidade em substituição da reintegração. (art. 438º do CT em vigor à data dos factos).
5.ª A opção pela indemnização de antiguidade constitui um facto inequivocamente concludente da vontade do trabalhador de fazer cessar o contrato de trabalho, a partir da sentença que decrete a ilicitude do despedimento.
6.ª A cessação, na sequência da opção do trabalhador pela indemnização, produz efeitos na data da sentença que, declarando o despedimento ilícito, condena o empregador na indemnização de antiguidade.
7.ª A cessação do contrato pelo trabalhador, através da opção pela indemnização de antiguidade, só terá eficácia rescisória da relação laboral se o despedimento vier a ser declarado ilícito
8.ª O trabalhador que optou pela indemnização de antiguidade só tem direito a receber os salários de tramitação referentes ao período compreendido entre a data do despedimento ilícito e a decisão que declarou o despedimento ilícito.
9.ª Verificada a cessação do contrato, por iniciativa do trabalhador, através opção pela indemnização de antiguidade, deixa de haver qualquer fundamento legal para o pagamento dos vencimentos intercalares.
10.ª O recebimento destes vencimentos intercalares, depois de cessado o contrato, configura uma situação de enriquecimento sem causa, prevista no art. 472º do CC, pois, o trabalhador está a locupletar-se à custa do empobrecimento da entidade patronal, sem causa justificativa face à ausência de vínculo contratual.
11.ª Estão subjacentes à imposição de pagamento dos salários intercalares até ao trânsito em julgado da decisão, prescrita no art. 437.º/1 do CT, o direito do empregador ao acesso ao direito e à tutela efectiva e o direito do trabalhador à segurança no emprego e à proibição do despedimento sem justa causa.
12.ª Resulta do art. 437.º/1 do CT um aumento significativo dos montantes devidos ao trabalhador em caso de despedimento ilícito, atendendo à morosidade dos tribunais, não imputável ao empregador, mas por este suportada, enquanto percorre as instâncias de recurso.
13.ª O direito ao acesso ao direito é um direito fundamental inerente à ideia de Estado de Direito, enquanto garantia essencial da protecção de direitos fundamentais, sujeito ao regime constitucional específico dos direitos, liberdades e garantias previsto no art. 18º da CRP.
14.ª A doutrina considera abrangido pelo direito de acesso ao direito, entre outros, o direito de acção e o direito ao processo perante os tribunais.
15.ª O direito à tutela jurisdicional efectiva (epígrafe) ou direito à tutela efectiva (n.º 5) impede o legislador de criar dificuldades excessivas e materialmente injustificadas no direito de acesso aos tribunais.
16 .ª O direito de acesso aos tribunais e à tutela judicial efectiva não fundamenta um direito subjectivo ao duplo grau de jurisdição.
17.ª No entanto, é entendimento pacífico que, embora o legislador tenha liberdade para proceder à regulação dos requisitos e graus de recurso, ele não pode regulá-lo de forma discriminatória, nem limitá-lo de forma excessiva.
18.ª O direito ao acesso ao direito é também um dos instrumentos do princípio material da igualdade, proibindo a existência de distorções e discriminação no acesso ao direito, assim concretizando a igualdade dos cidadãos perante as instâncias judiciais.
19.ª O direito à segurança no emprego e a proibição dos despedimentos sem justa causa, consagrado no art. 53.º da CRP, é o primeiro dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, sendo expressão directa do direito ao trabalho, previsto no art. 58º da CRP.
20.ª O pagamento dos salários intercalares até ao trânsito em julgado da decisão, que, como já referimos, pode vir a acontecer muito tardiamente por facto não imputável ao empregador, mas à morosidade dos tribunais, é uma evidente limitação do direito ao acesso ao direito do empregador, nomeadamente, o direito de acção e a um processo justo, em favor da concretização do direito fundamental do trabalhador à segurança no emprego e proibição do despedimento sem justa causa.
21.ª No art. 437.º/1 do CT há uma colisão entre o direito do empregador ao acesso ao direito e o direito do trabalhador à segurança no emprego.
22.ª Por força do principio da concordância prática é possível sacrificar o direito fundamental do empregador ao acesso ao direito, nomeadamente, o direito de acção e a um processo justo, admitindo que este é especialmente onerado com o pagamento dos salários intercalares até ao trânsito em julgado da decisão, na hipótese de recurso, de forma a preservar o conteúdo do direito fundamental de segurança no emprego e proibição do despedimento sem justa causa, que necessariamente fundamenta o direito, consagrado no art. 437.º/1 do CT, ao ressarcimento dos lucros cessantes provocados pelo despedimento ilícito.
23.ª Ainda que se considere que o direito de acesso aos tribunais e à tutela judicial efectiva não fundamenta um direito subjectivo ao duplo grau de jurisdição, a verdade é que o legislador no caso do art. 437º/1 do CT está a regulá-lo de forma discriminatória face ao trabalhador e a limitá-lo, fazendo impender um agravamento monetário sobre o empregador, que não se verifica para o trabalhador.
24.ª O direito do empregador ao acesso ao direito, nesta situação do art. 437.º/1 do CT é sacrificado, apenas na medida da necessidade de realização do direito à segurança no emprego.
25.º O direito aos salários de tramitação depende da manutenção do vinculo contratual, ou seja, o trabalhador tem direito aos salários de tramitação, enquanto subsistir o vinculo, sendo pacífico na doutrina e na jurisprudência que a cessação do contrato acarreta a cessação do direito do trabalhador aos salários de tramitação.
26.ª Esta limitação no direito do empregador ao acesso ao direito é constitucional e legalmente admissível, quando o contrato de trabalho se mantém e o trabalhador aguarda a reintegração.
27.ª É legalmente admissível, porque a obrigação de indemnizar nascida no não cumprimento contratual em que se traduz o despedimento ilícito, impõe a restauração natural, nesta se compreendendo a indemnização dos lucros cessantes sofridos pelo trabalhador, ou seja, os vencimentos que deixou de auferir entra a data do despedimento e a data do trânsito da decisão que condena o empregador a reintegrar o trabalhador.
28.ª É constitucionalmente admissível, na medida em que a indemnização destes lucros cessantes é uma manifestação do direito fundamental à segurança no emprego e à proibição do despedimento sem justa causa.
29.ª Na colisão entre os direitos fundamentais do acesso ao direito e da segurança no emprego, o primeiro, por aplicação do princípio de concordância prática é comprimido e limitado, mas salvaguarda-se o seu núcleo essencial.
30.ª No caso sub iudice, o trabalhador optou pela indemnização de antiguidade, tendo sido conhecido na decisão da ia instância o aludido pedido de indemnização, com a consequente cessação do contrato de trabalho.
31.ª Com fundamento na interpretação do art. 437.º/1 do CT, no sentido de serem devidos salários de tramitação até ao trânsito em julgado da decisão, independentemente do contrato ter cessado, por iniciativa do trabalhador quando optou pela indemnização de antiguidade, a recorrente foi condenada a pagar os salários de tramitação até ao trânsito em julgado da decisão, tendo essa decisão sido confirmada em sede de recurso.
32.ª O direito aos salários intercalares que, como explicámos, correspondem aos vencimentos que o trabalhador deixou de auferir na sequência do despedimento ilícito, de acordo com a interpretação do art. 437.º/1 do CT propugnada nas decisões juntas aos autos, mantém-se mesmo depois de cessado o contrato.
33.ª A interpretação do art. 437.º/1 do CT, não é legalmente admissível porquanto, cessado o contrato deixam de se verificar os lucros cessantes que o art. 437.º/1 do CT pretende ressarcir.
34.ª Sob ponto de vista constitucional, esta interpretação do art. 437.º/1 do CT configura uma situação de limites imanentes.
35.ª Os limites imanentes pressupõem que o próprio preceito constitucional não protege essas formas de exercício do direito fundamental, ou seja, é a própria Constituição que, ao enunciar os direitos, exclui da respectiva esfera normativa esse tipo de situações
36.ª O direito fundamental à segurança no emprego não abrange o pagamento de salários intercalares, depois de cessado o contrato de trabalho.
37.ª A esfera normativa do direito à segurança no emprego não acolhe esta forma de exercício do direito, que configura um limite imanente.
38.ª O pagamento dos salários intercalares coloca o trabalhador numa situação patrimonial mais vantajosa do que se o contrato se tivesse mantido, sem vicissitudes.
39.ª Esta vantagem viola o conteúdo essencial do principio da igualdade plasmado no art. 13.º da CRP e reafirmado no art. 59.º da CRP, ao criar desigualdades acentuadas entre estes trabalhadores e os que, cessando o contrato, através das formas típicas, deixam de auferir qualquer retribuição, entre os quais estão incluídos os trabalhadores, representados pelos seus herdeiros, cujo contrato caduca, no decurso da acção, na sequência da morte do trabalhador.
40.ª A interpretação do art. 437.º/1 do CT propugnada no processo sub iudice é, assim, violadora do principio fundamental da igualdade consagrado no art. 13.º da CRP e reafirmado no art. 59.º da CRP, ao beneficiar infundadamente os trabalhadores cujo contrato cessa, por via da opção pela indemnização de antiguidade, no decurso da acção judicial de impugnação de despedimento, face aos trabalhadores, cuja cessação do contrato de trabalho se verifica pelas vias consideradas típicas.
O direito de acção e o direito a um processo justo, integrantes do direito do empregador ao acesso ao direito, saem, nestas circunstâncias, extremamente condicionados, com reflexo no principio da igualdade, consagrado no art. 13.º da CRP, enquanto proibição de distorções no acesso à justiça.
42.ª O direito do empregador ao acesso ao direito, perante a ausência de apoio legal e constitucional da condenação no pagamento dos salários de tramitação, é violado no seu conteúdo essencial, na medida em que, o agravamento económico emergente do pagamento dos salários intercalares, sem cabal fundamento jurídico-constitucional, retira sentido útil ao direito fundamental do acesso ao direito, na vertente em que proíbe a limitação excessiva e discriminatória do acesso ao duplo grau de jurisdição
43.ª Conforme já referimos, não obstante seja considerado que o direito de acesso aos tribunais e à tutela judicial efectiva não fundamenta um direito subjectivo ao duplo grau de jurisdição, é entendimento pacífico que o legislador não pode regulá-lo de forma discriminatória, nem limitá-lo de forma excessiva.
44.ª Face ao exposto, a interpretação do art. 437.º do CT, no sentido propugnado pelas decisões constantes dos autos, é inconstitucional por violar os limites imanentes do direito à segurança no emprego e à proibição do despedimento sem justa causa, assim, violando o conteúdo essencial do direito do empregador ao acesso ao direito.
45.ª No caso de rejeição da posição expendida acerca dos limites imanentes e da violação do conteúdo essencial do direito do acesso ao direito, sempre resulta a inconstitucionalidade da interpretação do art. 437.º do CT propugnada nos autos da sua submissão ao art. 18.º que regula o regime constitucional específico dos “direitos, liberdades e garantias”.
46.ª A interpretação do art. 437º/1 do CT propugnada nos autos pelas várias decisões judiciais viola o princípio da proporcionalidade, imposto pelo art. 18.º/2 da CRP para a restrição de direito fundamentais.
47.ª Esta interpretação não é o meio adequado à consagração do direito fundamental à segurança no emprego e à proibição do despedimento sem justa causa, subjacentes, como já abundantemente demonstrámos, ao art. 437.º/1 do CT, já que, com a cessação do contrato, deixam de existir os lucros cessantes que o dispositivo legal pretende indemnizar, sendo manifestamente contrária à ratio legis o pagamento dos salários intercalares em data posterior à cessação do contrato.
48.ª A interpretação do art. 437.º/1 do CT, ora posta em causa, uma vez que não está a prosseguir as finalidades do direito à segurança no emprego, não é uma restrição necessária ao direito do empregador ao acesso ao direito.
49.ª A interpretação do art. 437.º/1 do CT restringe, de forma desproporcionada e excessiva, o direito do empregador ao acesso ao direito, sem prosseguir o bem jurídico - constitucional que o direito fundamental do trabalhador à segurança no emprego, subjacente ao art. 437º/1 do CT, pretende tutelar.
50.ª O art. 437.º/1 do CT na interpretação que considera serem devidos salários intercalares até ao trânsito em julgado da decisão, depois de cessada a relação laboral, por iniciativa do trabalhador, ao optar pela indemnização de antiguidade, produzindo efeitos na sentença que declara a ilicitude do despedimento e condena o empregador no pagamento da indemnização de antiguidade, é inconstitucional.
51.ª A inconstitucionalidade desta interpretação do art. 437.º/1 do CT fundamenta-se no facto de configurar um limite imanente do direito à segurança no trabalho. sem prescindir,
52.ª Na eventual rejeição da posição que sustenta a existência de um limite imanente, a aludida interpretação sempre será inconstitucional por violar o princípio da proporcionalidade imposto pelo art. 18.º/2 do CRP para a restrição de direitos fundamentais.
53.ª A interpretação do art. 437º/1 do CT, em vigor à data dos factos, no sentido de serem devidos salários de tramitação até ao trânsito em julgado da decisão, quando o trabalhador optou pela indemnização por antiguidade, com a consequente cessação do contrato, na decisão que declarou o despedimento ilícito e conheceu o pedido de indemnização, enquanto limite imanente do direito fundamental do trabalhador à segurança no emprego consagrado no art. 53.º da CRP, viola o direito fundamental do empregador ao acesso ao direito constante do art. 20.º da CRP, nomeadamente, o direito de acção e a um processo justo, com reflexo no principio da igualdade consagrado no art. 13.º da CRP, enquanto proibição de discriminação e distorções no acesso ao direito.
54.ª A aludida interpretação viola também o principio fundamental da igualdade consagrado no art. 13.º da CRP e reafirmado no art. 59.º da CRP, beneficiando infundadamente os trabalhadores cujo contrato cessa, por via da opção pela indemnização de antiguidade, no decurso da acção judicial de impugnação de despedimento, face aos trabalhadores, cuja cessação do contrato de trabalho se verifica pelas vias consideradas típicas.
55.ª A aludida interpretação, enquanto restrição do direito fundamental do empregador de acesso ao direito, consagrado no art. 20.º da CRP, também viola o princípio da proporcionalidade imposto pelo art. 18.º/2 do CRP para a restrição de direitos fundamentais.
Termos em que face ao exposto, deve a interpretação do art. 437.º/1 do CT, em vigor à data dos factos, no sentido de serem devidos salários de tramitação até ao trânsito em julgado da decisão, quando o trabalhador optou pela indemnização por antiguidade, com a consequente cessação do contrato na decisão que declarou o despedimento ilícito e conheceu o pedido de indemnização ser declarada inconstitucional, e, por via disso, revogar-se a decisão das instâncias assentes nessa interpretação, fazendo-se, assim, Justiça!
5. O recorrido B. limitou-se a oferecer o merecimento dos autos.
II Fundamentação
6. O objecto do presente recurso é a norma do n.º 1 do artigo 437.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, interpretado no sentido de que em caso de opção do trabalhador pelo recebimento de indemnização de antiguidade, o autor mantém, em caso de recurso, o direito à continuação de recebimento dos vencimentos intercalares até ao trânsito em julgado da decisão final. Como antecedente da norma em análise, o artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 372-A/75 de 16 de Julho conferia ao trabalhador, em consequência da declaração de invalidade do despedimento de que tivesse sido alvo, o “direito (…) às prestações pecuniárias que deveria ter normalmente auferido desde a data do despedimento até à data da sentença, bem como a reintegração na empresa e no respectivo cargo ou posto de trabalho e com a antiguidade que lhe pertencia”. Nos termos do n.º 3 do referido artigo 12.º, o trabalhador podia, em substituição da reintegração, optar por uma indemnização 'de antiguidade'. Posteriormente, o artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89 de 27 de Fevereiro (Lei de Cessação de Contrato de Trabalho) previa que “sendo o despedimento declarado ilícito, a entidade empregadora será condenada (…) no pagamento da importância correspondente ao valor das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença”, bem como na “reintegração do trabalhador (…) salvo se até à sentença este tiver exercido o direito de opção previsto no n.º 3, por sua iniciativa ou a pedido do empregador”. Nos termos do n.º 3, o trabalhador podia optar por uma indemnização correspondente a um mês de remuneração base por cada ano de antiguidade ou fracção, não inferior a três meses, contando-se para o efeito todo o tempo decorrido até à data da sentença.
No domínio da vigência destes diplomas, os tribunais do Trabalho começaram por considerar que a data relevante, nestes casos, era a da sentença de 1ª instância que tivesse declarado (ou devesse ter declarado e não declarara), a nulidade do despedimento. Posteriormente, esta orientação começou a ser revista e, por fim, o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2004, (Diário da República, I Série-A, de 9 de Janeiro de 2004), veio firmar o entendimento de que, numa acção de impugnação do despedimento pelo trabalhador, o momento que releva como referência temporal final para a definição dos direitos que o artigo 13.º da LCCT lhe conferia era a data da sentença ou do acórdão, que, declarando ilícito o acto de despedimento, transitasse em julgado. Essa interpretação impunha-se, quer estivesse em causa a reintegração do trabalhador, quer a indemnização por antiguidade.
Finalmente, o Código aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27 de Agosto veio adoptar expressamente a data do “trânsito em julgado da sentença” como a data relevante para determinar as retribuições que o trabalhador tem direito a auferir desde a data do despedimento, na seguinte redacção:
Artigo 437.º
Compensação
1 — Sem prejuízo da indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado
da decisão do tribunal.
2 — Ao montante apurado nos termos da segunda parte do número anterior deduzem-se as importâncias que o trabalhador tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento.
3 — O montante do subsídio de desemprego auferido pelo trabalhador é deduzido na compensação, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social.
4 — Da importância calculada nos termos da segunda parte do n.º 1 é deduzido o montante das retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do despedimento até 30 dias antes da data da propositura da acção, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento.
7. Invoca o recorrente que a norma do n.º 1 deste artigo 437.º do Código do Trabalho de 2003, no sentido de serem devidos salários de tramitação até ao trânsito em julgado da decisão, quando o trabalhador optou pela indemnização por antiguidade, “viola o direito fundamental do empregador ao acesso ao direito constante do art. 20.º da CRP, nomeadamente, o direito de acção e a um processo justo”. Alega que “o pagamento dos salários intercalares até ao trânsito em julgado da decisão, que (…) pode vir a acontecer muito tardiamente por facto não imputável ao empregador, mas à morosidade dos tribunais, é uma evidente limitação do direito ao acesso ao direito do empregador, nomeadamente, o direito de acção e a um processo justo, em favor da concretização do direito fundamental do trabalhador à segurança no emprego e proibição do despedimento sem justa causa”.
Alega, ainda, que a referida interpretação viola o princípio fundamental da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição, reafirmado no seu artigo 59.º, em virtude de beneficiar infundadamente os trabalhadores cujo contrato cessa, por via da opção pela indemnização de antiguidade no decurso da acção judicial de impugnação de despedimento, face aos trabalhadores cuja cessação do contrato de trabalho se verifica pelas vias consideradas típicas. Este último fundamento é manifestamente improcedente pois a substancial diferença entre as duas situações habilita o legislador a prever soluções não coincidentes.
8. Sustenta-se, no recurso, que a questão de inconstitucionalidade em análise não é uma questão que se deva colocar em sede de conflito de direitos, mas sim em sede dos limites imanentes ao direito fundamental que o referido artigo 437.º visa salvaguardar – o direito à segurança no emprego previsto no artigo 53.º da Constituição, já que “o direito fundamental à segurança no emprego não abrange o pagamento de salários intercalares, depois de cessado o contrato de trabalho”. Mas este argumento arranca da tese de que o contrato de trabalho cessa efectivamente na data da sentença de 1ª instância, o que manifestamente não pode dar-se por assente. Na verdade, o acórdão aqui recorrido invoca na sua fundamentação o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Outubro de 2008, que referiu que “a compensação a que alude o n.º 1 do artº 437.º (que, obviamente, se trata de algo diverso da compensação indemnizatória gizada no artº 439.º) tem em vista um efeito decorrente directamente da ilicitude do despedimento que somente se tornará irrefutável na ordem jurídica a partir do momento em que esteja transitada em julgado a decisão judicial que a proclamou”, pelo que é “esse momento temporal o que produz eficácia relativamente à ilicitude, sendo que é justamente por causa desta que vai nascer a obrigação compensatória desenhada no n.º 1 do artº 437.º”. O acórdão recorrido cita, ainda, o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2004, de 20 de Novembro de 2003, que entendeu que, nos casos em que o trabalhador opta pela indemnização por antiguidade, se trata de uma rescisão do contrato por iniciativa do trabalhador que se diferencia das outras formas de cessação do contrato já que só terá eficácia rescisória da relação laboral se o despedimento vier a ser declarado ilícito, concluindo que a “coerência lógica do sistema impõe que se reportem à “decisão judicial final no sentido da ilicitude do despedimento” os efeitos que no artigo 13.º da LCCT são imputados à sentença da 1ª instância”.
A sede de colocação do problema deverá ser, assim, a do conflito entre dois direitos fundamentais – o do acesso ao direito e o direito à segurança no emprego, este último prosseguido pelo artigo 437.º do Código do Trabalho de 2003, de forma a saber se, nesse exercício de ponderação, o legislador ultrapassou a margem de liberdade de conformação que lhe cabe, sacrificando desproporcionalmente o direito do empregador ao acesso à justiça em favor do direito do trabalhador à segurança no emprego.
9. Cumpre, por isso, caracterizar as dimensões de cada um dos direitos fundamentais supostamente em conflito no presente recurso.
O artigo 437.º do Código do Trabalho de 2003 é uma expressão do direito ao trabalho, previsto no artigo 58.º da Constituição que implica, na sua vertente negativa, o direito a não ser privado do trabalho (J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2007, p. 707). O preceito visa estabelecer garantias no que toca à segurança no emprego, direito consagrado no artigo 53.º da Constituição, e “concretiza-se, antes de mais, na proibição dos despedimentos sem justa causa” (Jorge Miranda, Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, p. 505)
O regime estabelecido na norma impugnada resulta do entendimento de que a nulidade dos actos de despedimento sem justa causa implica o direito do trabalhador a manter o seu posto de trabalho e a ser reintegrado nele (João Leal Amado, “Despedimento Ilícito e Salários Intercalares”, Questões Laborais, a.1, n.º1. 1994, p. 44), pelo que tem direito a receber a remuneração que deixou de auferir ilicitamente por via do irregular despedimento.
Ora, seja qual for a natureza da obrigação de pagamento dos salários intercalares, estas importâncias não perdem, para o trabalhador, o carácter de meio de subsistência, como resulta, por exemplo, da possibilidade de dedução dos montantes recebidos pelo trabalhador com outras actividades (n.º 2), e mesmo com o subsídio de desemprego (n.º 3). A garantia do pagamento dos salários intercalares até à data do trânsito em julgado da sentença visa, por isso, “evitar uma situação de vácuo de tutela de interesses entre as várias instâncias”. (Messias de Carvalho e Vítor Nunes de Almeida, Direito do Trabalho e Nulidade do Despedimento, p. 206). No mesmo sentido, o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2004 ponderou que a interpretação de acordo com a qual o trabalhador deveria ter direito aos salários intercalares até à data do trânsito em julgado da sentença, independentemente de ter optado pela indemnização por antiguidade, nos termos do artigo 439.º do CT de 2003, reflecte uma orientação que é a que “melhor salvaguarda os interesses do trabalhador que, de um modo geral, o legislador primacialmente visou proteger, em atenção à sua qualidade de parte mais frágil na relação de trabalho”.
A necessidade de tutela do interesse do trabalhador na manutenção da prestação salarial, em atenção aos fins de subsistência que esta reveste, constitui justificação suficiente para a opção do legislador de garantir o pagamento até ao trânsito em julgado da decisão que declarou a ilicitude do despedimento. A isso não se opõe o facto de o trabalhador ter optado pela indemnização por antiguidade ao invés da reintegração no posto de trabalho. Com efeito, a indemnização visa fins diferentes das remunerações intercalares, por pretender reparar o dano da perda do posto de trabalho.
10. Não está em causa, no presente recurso, o problema do pagamento, por parte do empregador, dos salários intercalares até à data da sentença de primeira instância. O que o recorrente alega é que é inconstitucional a interpretação de acordo com a qual, ainda que o trabalhador opte pela indemnização por antiguidade, lhe são ainda devidos os salários intercalares até ao trânsito em julgado da sentença – o que engloba o período de tempo de duração do recurso, caso o empregador decida reagir contra a decisão de primeira ou segunda instância que tenha declarado ilícito o despedimento.
Assim, o que o recorrente alega, no fundo, é que o pagamento desses salários, mesmo quando o trabalhador optou pelo pagamento de indemnização por antiguidade, nos termos do artigo 439.º do CT de 2003, viola o seu direito de acesso ao recurso da decisão condenatória de 1ª instância que declarou o despedimento ilícito.
Mas não tem razão.
Escrevem Jorge Miranda e Rui Medeiros que “num Estado de Direito, para além do direito à reparação dos danos advenientes de erro judiciário ou da anormal administração da justiça, a garantia de acesso aos tribunais implica a possibilidade de reacção contra determinados vícios da decisão jurisdicional”. Para os autores, “a plenitude do acesso à jurisdição e os princípios da juridicidade e da igualdade postulam um sistema que assegure a protecção dos interessados contra os próprios actos jurisdicionais, incluindo um direito de recurso” (op. cit., p. 200). Aliás, o Tribunal Constitucional já considerou que o direito de acesso aos tribunais inclui, para além do direito de acção e do direito ao processo, o direito de recurso. Nesse sentido, por exemplo, o Acórdão n.º 502/96 (Diário da República, IIª Série, n.º 49, de 27/02/1997) ao referir:
“O direito de recurso das decisões judiciais implica para qualquer cidadão, a possibilidade de acesso a todos os graus de jurisdição que forem legalmente reconhecidos, sem que a tal obstem dificuldades económicas. A Constituição, ao prever a existência de tribunais de recurso no artigo 212º, não pode deixar de conter a implícita referência à existência de um qualquer sistema de recursos, ainda que com uma larga margem de conformação do legislador, na sua estruturação, não podendo este, porém, suprimir, em bloco, os tribunais de recurso, abolir genericamente o sistema de recursos nem inviabilizar, na prática, a faculdade de recorrer (cfr. Armindo Ribeiro Mendes, 'Recursos em Processo Civil', 1992, pág. 99/101)”.
É certo que o direito de acesso aos tribunais não impõe ao legislador ordinário que garanta sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição. Referem J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira que “o direito de acesso aos tribunais e à tutela judicial efectiva não fundamenta um direito subjectivo ao duplo grau de jurisdição” (op. cit., p. 418). Assim, também Lopes do Rego: “fora do âmbito processual penal, vem sendo uniformemente entendido pela jurisprudência constitucional que a garantia de um duplo grau de jurisdição não goza de protecção generalizada, não se podendo, nomeadamente, considerar incluída no direito de acesso aos tribunais – e gozando, consequentemente, o legislador infraconstitucional de uma ampla margem de discricionariedade legislativa” (op. cit., p. 853).
Não obstante, tem sido também entendimento deste Tribunal que o legislador, ao optar por proceder à regulação dos requisitos e graus de recurso, não pode regulá-los de forma arbitrária, nem restringi-los de forma excessiva; o direito de acesso ao direito, consagrado no artigo 20.º impede o legislador de criar dificuldades excessivas e materialmente injustificadas no direito de acesso aos tribunais.
Todavia, a verdade é que o acesso ao recurso por parte do empregador não é restringido pelo facto de este poder ser condenado no pagamento dos salários intercalares até ao trânsito em julgado da decisão. Não é demais lembrar que o pagamento dos salários intercalares só será devido se o tribunal de recurso não vier dar razão ao empregador e confirmar a decisão de primeira instância que considerou o despedimento ilícito, caso em que o pagamento dos salários intercalares constitui uma consequência da ilicitude que afectou ab initio o despedimento. Se o recorrente fizer valer as suas razões perante o tribunal de recurso, não sofre qualquer dano patrimonial decorrente da sua interposição.
11. A entidade patronal pode, no entanto, sentir-se dissuadida de lançar mão da impugnação recursiva da decisão em virtude da incerteza do resultado e da possibilidade real de a condenação implicar o agravamento da sua situação patrimonial.
Como referem Pedro Romano Martinez et al., este regime podia “acarretar um aumento significativo dos montantes devidos ao trabalhador em caso de despedimento ilícito, principalmente porque, sendo célere o processo judicial em primeira instância, é frequente tardar vários meses, e, inclusive, anos a decisão do recurso no Tribunal da Relação e no Supremo Tribunal de Justiça. Esta regra, para o empregador, constitui um desincentivo ao recurso” (Código do Trabalho Anotado, 2ª Edição, 2004, Almedina, Coimbra, p. 638). Em sentido semelhante, Albino Mendes Baptista reconhece também que a excessiva demora dos processos pode acarrear custos elevados para os empregadores, e em alguns casos desproporcionados (“Primeiras Reflexões sobre os Efeitos da ilicitude do Despedimento no novo Código do Trabalho”, Prontuário de Direito do Trabalho, n.º 66, Set. - Dez. 2003, p. 108). No entanto, os hipotéticos prejuízos que advirão para o empregador não provêm directamente do exercício do direito de recurso, mas sim da demora que naturalmente ocorre na obtenção da sentença final. Como em qualquer outro caso, é um dado que o interessado deve ponderar no livre exercício dos seus direitos e na livre escolha das opções possíveis. É certo que o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva implica, nos termos do n.º 4 do artigo 20.º da Constituição, o direito à decisão da causa em prazo razoável, em qualquer processo e perante qualquer jurisdição. Todavia, seja o que for o que se entenda por esse prazo razoável face às vicissitudes da lide, à forma pela qual é exercida a actividade processual das partes envolvidas e à interferência de factores ligados à própria organização judiciária, ele tem necessariamente reflexos no caso, razão pela qual constitui uma contrapartida irrecusável e obrigatória do exercício do direito ao recurso. Também por isso se não vê que da norma impugnada resulte directamente uma restrição do direito a uma decisão em prazo razoável. Aliás, no novo regime do Código de Processo do Trabalho, na versão do Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro, o legislador criou um mecanismo para obviar ao prejuízo invocado pelo empregador através de um meio que não modifica, na sua essência, a forma de cálculo dos salários intercalares, mas que co-responsabiliza o Estado nos pagamentos a efectuar. Trata-se do artigo 98.º-N, nos termos do qual “o tribunal determina, na decisão em 1.ª instância que declare a ilicitude do despedimento, que o pagamento das retribuições devidas ao trabalhador após o decurso de 12 meses desde a apresentação do formulário referido no artigo 98.º-C até à notificação da decisão de 1.ª instância seja efectuado pela entidade competente da área da segurança social”.
As precedentes considerações conduzem o Tribunal a negar a existência de uma restrição do direito ao recurso invocada pelo empregador que alegadamente resultaria da referida interpretação do artigo 437.º do Código do Trabalho de 2003; essa suposta restrição resultaria, afinal, de um facto puramente subjectivo – o facto de o empregador se sentir dissuadido de recorrer – e de um outro puramente eventual – a possibilidade de ver naufragar a sua pretensão e ser prejudicado com uma demora excessiva do processo.
12. Mas mesmo que se entenda que o artigo 437.º do CT de 2003 comporta uma restrição ao direito de acesso à justiça, ainda assim teria de se concluir que a mesma respeita os requisitos exigidos pelo artigo 18.º n.º 2 da Constituição.
Em primeiro lugar, porque, como já se referiu, a referida norma visa tutelar outros direitos constitucionalmente protegidos – o direito à segurança no emprego e o direito ao trabalho, garantidos, respectivamente, nos artigos 53.º e 58.º da Constituição.
Em segundo lugar, porque na configuração então vigente do regime de proibição de despedimentos ilícitos, tal restrição era necessária para salvaguardar esses direitos. De facto, a solução oposta levaria, naquelas circunstâncias, à desprotecção do trabalhador, que ficaria privado de rendimentos pelo simples facto de o empregador ter decidido interpor recursos da decisão de 1ª instância, protelando o transito em julgado da decisão. Não se atribuindo o direito aos salários intercalares até ao trânsito em julgado da sentença, o trabalhador deixaria de auferir os salários por facto que não lhe era imputável. Neste sentido, João Leal Amado, apesar de admitir que, com esta solução, o empregador é prejudicado por um facto ao qual o mesmo é perfeitamente alheio – a excessiva duração do processo judicial –, acrescenta: “sucede, no entanto que, se o empregador não é responsável pela excessiva demora no funcionamento dos tribunais, a mesmíssima coisa se pode dizer em relação ao trabalhador, nenhum fundamento válido se vislumbrando para que à penalização daquele se tenha vindo substituir a penalização deste” (“Despedimento Ilícito e Salários Intercalares”, cit).
Ora, na tarefa de escolha de qual dos dois interesses, ou, dito por outra forma, a que direito fundamental dar prevalência, deve concluir-se que o legislador não excedeu a sua margem de ponderação, optando por proteger a parte mais fraca na relação laboral, de acordo com o espírito global do Direito Laboral português.
Diga-se, em abono da verdade, ser essa a solução legitimada pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Esta instância já considerou, inclusivamente, que a exigência do pagamento de uma caução por parte do empregador como condição para interpor recurso, não viola o princípio da proibição da discriminação, por se mostrar justificada pela desigualdade de facto existente entre empregador e trabalhador, bem como pelas consequências que um recurso pode acarretar para um e para outro (Martinez v. Espanha, decisão de 04 de Setembro de 1989, queixa n.º 13012/87).
Mas, neste caso, ainda haveria razões acrescidas para proteger mais eficazmente os direitos do trabalhador. De facto, o legislador optou por proteger aquele que não deu azo à situação de ilicitude. Como refere o STJ no Acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 1/2004, “nenhuma justificação se pode encontrar para que um empregador tire proveito de um acto ilícito praticado na pessoa do seu trabalhador, sendo que tal proveito manifestamente ocorreria se o empregador, após sujeitar um seu trabalhador a um despedimento ilícito, fosse, contraditoriamente, contemplado com o benefício de não pagar a este as remunerações devidas a partir da data da prolação da sentença até à sua efectiva reintegração, que, em caso de recurso, pode demorar meses e, eventualmente, até anos. Esta situação operaria um vácuo nos direitos do trabalhador ilicitamente despedido, fazendo, injustificada e inexplicavelmente, reverter em favor da entidade patronal e em detrimento do trabalhador os efeitos do acto ilícito por aquele praticado, quando o normal e justo seria o trabalhador ser colocado na situação em que se encontraria se o despedimento (ilícito) não tivesse ocorrido”.
Nem tão pouco se pode considerar, como invoca o recorrente, que, com esta solução, “o pagamento dos salários intercalares coloca o trabalhador numa situação patrimonial mais vantajosa do que se o contrato se tivesse mantido, sem vicissitudes”. O argumento não releva por desconsiderar desde logo a severidade da situação que um despedimento ilícito impõe ao trabalhador. E, por outro lado, como se viu, a lei prevê já mecanismos que obviam a um possível enriquecimento sem causa do mesmo, ao estipular a dedução dos montantes entretanto obtidos pelo trabalhador com outras actividades ou com o subsídio de desemprego.
Assim, não se pode considerar que o legislador tenha ultrapassado a sua margem de decisão, restringindo infundada ou desproporcionadamente o direito de acesso ao direito por parte do empregador. Em suma, o Tribunal não vê fundamento para julgar inconstitucional o n.º 1 do artigo 437.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27 de Agosto, interpretado no sentido que em caso de opção do trabalhador pelo recebimento de indemnização de antiguidade, o autor mantém, em caso de recurso, o direito à continuação de recebimento dos vencimentos intercalares até ao trânsito em julgado da decisão final.
III Decisão
13. Pelos fundamentos expostos, o Tribunal decide negar provimento ao recurso. Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de conta.
Lisboa, 7 de Junho de 2011. – Carlos Pamplona de Oliveira – José Borges Soeiro – Gil Galvão – Maria João Antunes – Rui Manuel Moura Ramos.