Imprimir acórdão
Processo n.º 288/11
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Nos autos de inquérito com o n.º 48/08.7P6PRT, A., preso preventivamente, veio requerer providência de habeas corpus.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão proferido em 27 de Outubro de 2010, indeferiu o pedido por se revelar manifestamente infundado.
O Requerente recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional.
O Conselheiro Relator proferiu despacho de não admissão do recurso, com fundamento na sua extemporaneidade.
O Requerente, através de requerimento por si subscrito, reclamou deste despacho para o Tribunal Constitucional.
No Tribunal Constitucional, o Relator proferiu despacho de não admissão da reclamação, com fundamento em que a mesma não tinha sido subscrita por advogado que representasse o Reclamante.
Este reclamou deste despacho para a conferência, com os seguintes fundamentos:
1.º Decidiu o Ilustre e Respeitável Relator desse Douto Tribunal Constitucional, que não se iria conhecer da reclamação do despacho do Supremo Tribunal de Justiça (doravante STJ), que indeferiu o pedido de Habeas Corpus formulado pelo reclamante, alegando para tal que o Artº 83 da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), exige que nos recursos para o Tribunal Constitucional seja obrigatória a constituição de Advogado, determinando por tanto, que a reclamação do despacho em questão tinha que ser subscrita por advogado que representasse o reclamante.
2.º Entende o reclamante – com o devido respeito e salvo melhor entendimento dos Ilustres integrantes dessa Conferência – que na citação parcial feita pelo Sr. Relator do teor do Art.º 83 da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), se bem obriga à constituição de Advogado, não obriga a que todas as reclamações ou recursos apresentados ou interpostos para o Tribunal Constitucional, tenham que ser subscritos “por advogado que represente o reclamante”. Tanto é que,
3.º O Art.º 83 da LTC está composto por duas disposições, sendo a primeira delas e apenas essa, a arguida pelo Ilustre e Respeitável Relator para não conhecer da reclamação, sem considerar o nº 2 do Artigo que nos ocupa, o qual dispõe que “só pode advogar perante o Tribunal Constitucional quem o puder fazer junto do Supremo Tribunal de Justiça”. Ora bem! e quem é que pode – ou in casu podia – advogar junto do S.T.J. requerendo ou formulando uma Providência de Habeas Corpus e as suas respectivas reclamações- “O próprio! ou qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos” (Art.º 31 da Constituição da República Portuguesa); ou “o preso ou qualquer cidadão no gozo………” (Artº 222 nº 2 do C.P.P.). Por que este último artigo citado não é mais do que um prolongamento amplificado daquilo que a C.R.P. estabelece, e que por simples e forçosa analogia concluímos: Se legitimamente só pode advogar perante o Tribunal Constitucional – segundo a própria LTC – quem o puder fazer perante o S.T.J. tanto o preso como qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos podem requerer ou formular a petição do Habeas Corpus, nada obstava para que o reclamante subscrevesse – e não unicamente o seu advogado – a reclamação apresentada, nem – tão pouco – nada legalmente disposto obrigava a que a reclamação devia ser subscrita pelo Mandatário ou Defensor Oficioso do reclamante. Aliás, todo o processo penal, em todas as instâncias, requer a constituição de mandatário ou de defensor oficioso, não sendo no entanto obrigatória a intervenção destes últimos no Capítulo reservado ao Habeas Corpus, providência que também abrange matéria Constitucional. Sem prescindir o reclamante de alegar que:
4.º o legal é o legal, é o que consta na respectiva legislação e que tem de ser explanado; coisa diferente é que, geralmente, e como uma errada prática social, jurídica e profissional, “o costume se faça lei;” por que sendo invulgar que um preso ou “qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos”, por MOTUS PRÓPRIO, empreenda – face ao nosso injustíssimo sistema judicial –, a batalha legal que o preso-reclamante decidiu empreender ao ver vulnerados e ultrajados os seus direitos fundamentais, é triste e inadmissível que o sistema – pior, os seus representantes! –, exibindo grandes dotes de ginástica judiciária, tenham tentado desvalorizar e indeferir sem fundamentos válidos as diligências processuais por aquele praticadas. Ontem foi por isto e mais aquilo; ontem foi por extemporaneidade; hoje é por que o advogado do reclamante não assinou o documento. Serão meras coincidências ou, há de facto uma espécie de relutância para conhecer da questão- Queiram, por favor V/Exas., desculpar se o reclamante peca por excesso de franqueza. Sem prescindir
5.º de informar esse Douto Tribunal Constitucional que o reclamante tem – não Defensor Oficioso, mas – Mandatário Judicial no processo em questão; mas considerando na pior das hipóteses que não tivesse nem um nem outro, o nº 1 do Art.º 78-B da LTC, confere os poderes suficientes ao Ilustre e Respeitável Relator como para que este, em vez de decidir não conhecer da reclamação apresentada pelo reclamante, tivesse ordenado ou convidado ao reclamante a juntar ao processo o documento comprovativo do preenchimento do requisito exigido no nº 1 do Art.º 83 da LTC, dando prioridade ao princípio mais nobre no âmbito do espírito da justiça: o apuramento da verdade para que seja feita precisamente justiça. Dai que no início da presente motivação, o reclamante expressasse surpresa e admiração pela decisão que, aliás, lhe merece todo o seu respeito e consideração.”
O Ministério Público respondeu, pronunciando-se pelo não conhecimento da reclamação por não se encontrar subscrita por advogado.
Fundamentação
O Reclamante, através de requerimento por si subscrito, reclamou da decisão do Conselheiro Relator que não admitiu recurso por aquele interposto para o Tribunal Constitucional de acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em incidente de habeas corpus.
No Tribunal Constitucional o Relator desta Reclamação não a admitiu, com fundamento em que o respectivo requerimento não se encontrava subscrito por advogado.
O Reclamante discorda que esse requisito seja obrigatório e, subsidiariamente, sustenta que a existir essa exigência, deveria ter sido notificado para a satisfazer.
Uma vez que a reclamação deduzida tem precisamente por fundamento o entendimento que o Requerente pode intervir em recurso constitucional sem estar representado por advogado, o facto dessa reclamação se encontrar também ela subscrita pelo Reclamante não deve impedir o conhecimento do seu mérito.
O artigo 83.º, da LTC dispõe nos seus dois primeiros números:
“1. Nos recursos para o Tribunal Constitucional é obrigatória a constituição de advogado, sem prejuízo do disposto no n.º 3.
2. Só pode advogar perante o Tribunal Constitucional quem o puder fazer junto do Supremo Tribunal de Justiça.”
No n.º 1, estabelece-se como pressuposto processual, nos recursos de fiscalização concreta, o patrocínio obrigatório das partes por advogado.
Tal como sucede noutros direitos processuais, exige-se que a participação dos sujeitos processuais nos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade seja feita através de advogado, como forma de garantir serenidade e competência técnica na defesa dos seus interesses (vide, sobre as razões que justificam a exigência de patrocínio, Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, em Manual de Processo Civil, pág. 190, da 2.ª ed., da Coimbra Editora).
Da obrigatoriedade de patrocínio por advogado resulta que um requerimento, como o de interposição de recurso ou de reclamação de um despacho de não admissão de recurso interposto para o Tribunal Constitucional, como é o caso, apesar de serem apresentados na instância recorrida, destinam-se a ser apreciados pelo Tribunal Constitucional, pelo que têm que ser subscritos por um advogado que patrocine o recorrente (vide, neste sentido Lopes do Rego, em “Os recursos de fiscalização concreta na lei e na jurisprudência do Tribunal Constitucional”, pág. 315, da ed. de 2010, da Almedina, Guilherme da Fonseca e Inês Domingos, em “Breviário de direito processual constitucional”, pág. 21, da 2.ª ed., da Coimbra Editora, e os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 17/95, 1125/96, 654/99, 47/00, 50/00, todos acessíveis no site www.tribunalconstitucional.pt).
E quando o transcrito n.º 2, do artigo 83.º, da LTC, refere que só pode advogar perante o Tribunal Constitucional quem o puder fazer junto do Supremo Tribunal de Justiça, isso não significa que, podendo as partes intervir, sem patrocínio, nos processos pendentes no Supremo Tribunal de Justiça, possam recorrer ou reclamar da não admissão de recurso para o Tribunal Constitucional, sem estarem representadas por advogado.
O disposto neste n.º 2 pressupõe a obrigação de patrocínio por advogado no Tribunal Constitucional, consagrada no n.º 1 (daí a utilização do termo advogar), introduzindo uma nova exigência - a de quem nem todos os advogados poderão intervir nos recursos para o Tribunal Constitucional, mas apenas aqueles que estão admitidos a advogar perante o Supremo Tribunal de Justiça.
O n.º 2 do artigo 83.º da LTC, limita-se, pois, a restringir o universo de advogados que podem patrocionar causas no Tribunal Constitucional, remetendo para as restrições que nessa matéria existam em termos de patrocínio no Supremo Tribunal de Justiça e não a estabelecer um outro critério para a obrigatoriedade de patrocínio no Tribunal Constitucional.
Daí que, mesmo que tal patrocínio não fosse obrigatório no processo-base em que foi deduzido o recurso para o Tribunal Constitucional, a partir do momento em que se pretende recorrer para este Tribunal o patrocínio por advogado passa a ser obrigatório (vide, neste sentido, Lopes do Rego, na ob. e loc. cit.).
Refira-se, a propósito, que não estando actualmente consagradas quaisquer restrições para advogar no Supremo Tribunal de Justiça, estas também não existem para o Tribunal Constitucional.
Verificando-se, pois, a obrigatoriedade do requerimento de reclamação para o Tribunal Constitucional do despacho que não admitiu o recurso para este órgão ser subscrito por advogado que patrocine o Reclamante, resta apurar se, perante o desrespeito dessa regra, o Tribunal deveria ter-lhe dado uma oportunidade para corrigir esse falta.
O recurso de constitucionalidade é um recurso sui generis, regulado, seja qual for a natureza do processo em que a questão de constitucionalidade se enxerta, pela LTC e, subsidiariamente, pelas normas do Código de Processo Civil, em especial as respeitantes ao recurso de apelação (artigo 69.º da LTC).
No artigo 33.º, do C.P.C., apenas se determina a notificação da parte para constituir advogado, nos casos em que é obrigatória a sua constituição, quando esta não tenha advogado constituído nos autos. Quando esta, apesar de ter advogado constituído nos autos, como ocorre na presente situação, intervém por si própria no processo, reclamando de despacho que não lhe admitiu um recurso para o Tribunal Constitucional, não há lugar ao cumprimento daquele normativo, nem se justifica que se lhe conceda qualquer oportunidade para suprir a ausência desse pressuposto processual, uma vez que a sua observância não depende dela, nem existe qualquer elemento que nos permita concluir que o representante do Reclamante pretenda subscrever o requerimento apresentado, sendo certo que não o fez com a Reclamação apresentada à Conferência, a qual continuou a ser subscrita pela própria parte.
Por estes motivos concorda-se com a decisão do Relator que não admitiu a reclamação apresentada nos termos do artigo 77.º, da LTC, indeferindo-se a presente reclamação.
Decisão
Nestes termos, indefere-se a reclamação apresentada por A. do despacho proferido em 12 de Abril de 2011.
Custas pelo Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 4 de Maio de 2011.- João Cura Mariano – Catarina Sarmento e Castro – Rui Manuel Moura Ramos.