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Processo n.º 163/11
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, o relator proferiu decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso, com os seguintes fundamentos:
«(…) 2. Não se encontram reunidos os pressupostos necessários ao conhecimento do objecto do recurso, pelas razões a seguir indicadas.
A “interpretação” do artigo 5.º do Código de Processo Penal que o recorrente enuncia no requerimento de interposição do presente recurso carece de generalidade e abstracção, pois integra um conjunto de elementos do caso concreto que a tornam insusceptível de aplicação a outros casos. O recorrente diz que pretende ver apreciada a inconstitucionalidade da “interpretação” que não lhe admitiu o recurso que havia interposto da «decisão proferida pela Relação em 13 de Outubro de 2010», concretizando que era uma decisão relativa a ‘factos ocorridos em 2002, e pelos quais foi acusado antes da entrada em vigor da Lei n.º 48/2007» e, além disso, «factos cuja moldura penal abstracta era de prisão até 10 anos». Ou seja, o recorrente está, na verdade, a imputar o vício de inconstitucionalidade à própria decisão de não admissão do seu recurso, e não a uma qualquer interpretação normativa do artigo 5.º do CPP supostamente aplicada por esta.
Não se trata, assim, de uma interpretação normativa idónea a constituir objecto de um recurso de constitucionalidade.
Além disso, e sem prejuízo, o recorrente também não suscitou uma questão de constitucionalidade normativa perante o tribunal recorrido. Na reclamação que apresentou junto do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o recorrente afirma que «a interpretação que a decisão reclamada fez do citado artigo 5.º do CPP, viola os artigos 13.º, n.º 1, 20.º, 32.º, n.º 1, da CRP, por contender com direitos adquiridos e com o direito de defesa e de recurso» (cfr. ponto 9. da reclamação, a fls. 3 dos autos). Mas não enuncia qual a “interpretação” do referido artigo 5.º que alegadamente foi adoptada na decisão aí reclamada, sendo certo que esta decisão nem sequer alude àquele preceito legal (cfr. despacho de fls. 66 e ponto 2. da referida reclamação, a fls. 2 dos autos)
Nem se diga, em contrário, que o Supremo Tribunal de Justiça apreciou uma tal questão de constitucionalidade. Pois para além de concluir genericamente pela inexistência do vício de inconstitucionalidade, o despacho recorrido apenas faz referência a vários arestos do Tribunal Constitucional que trataram questão de constitucionalidade diversa da que vem enunciada no requerimento de interposição do presente recurso (que além do mais, como vimos, não tem carácter normativo nem foi suscitada). A questão apreciada nesses acórdãos não tinha por objecto o artigo 5.º do CPP (ou a uma das suas várias normas), mas antes se referia a interpretações normativas extraídas da conjugação de uma das normas do artigo 5.º do CPP com outras normas do mesmo código, designadamente as que enunciam as decisões que não admitem recurso (que, no presente caso, não foram convocadas).
Conclui-se, assim, pelo incumprimento do ónus de suscitação da questão de constitucionalidade (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
3. Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se não conhecer do objecto do recurso. (…)»
2. Notificado da decisão, o recorrente veio reclamar para a conferência, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, nos seguintes termos:
«(…)1. A decisão reclamada considerou que não se encontravam reunidos os pressupostos necessários ao conhecimento do objecto do recurso por a interpretação invocada na interposição do recurso carecer de generalidade e abstracção e, ainda, por o recorrente não ter suscitado a questão da inconstitucionalidade normativa perante o tribunal recorrido,
2. Ora, o REQUERIMENTO DE INTERPOSIÇÃO do recurso dizia o seguinte:
(…….)
A., com os sinais dos autos notificado do douto despacho de folhas… … e não se podendo racionalmente, conformar com o mesmo, dele vem interpor recurso paro o TC, o que faz nos seguintes termos:
1. O recurso é interposto ao abrigo do artigo 70.° n.°1, alínea b) da Lei 28/82 de 15 de Setembro.
2. Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da Interpretação feita nos autos do artigo 5.° do CPP, no sentido de que, considerando as regras de aplicação da lei no tempo, não admite recurso paro o STJ, decisão proferida pela Relação em 13 de Outubro de 2010, relativa a processo que ponderou factos ocorridos em 2002 ,e pelos quais foi acusado antes da entrada em vigor da Lei 48/2007, factos cuja moldura penal abstracta era de prisão até 10 anos.
3. A interpretação efectuada viola os artigos 13.° n.°1, 20.° e 32.° n.°1 da CRP.
4. A questão da inconstitucionalidade de tal interpretação foi levantada, oportunamente, na reclamação deduzida.
5. O recurso sobe imediatamente, nos autos, com efeito suspensivo.
(………………)
3. Por seu lado a RECLAMAÇÃO junto do tribunal, recorrido era do seguinte teor:
( …………………….)
FUNDAMENTAÇÃO DA RECLAMAÇÃO
1. O presente processo é do ano de 2002.
2. A decisão reclamada é do seguinte teor: atento o disposto no artigo 432.° n.º 1, alínea b) e 400.º, n.°1, alínea f) do CPP não admito o recurso interposto pelo arguido.
3. De tais normativos a lei 48/2007 de 29 de Agosto alterou a redacção da alínea f) do n.º 1, do artigo 400.° que agora, por isso, é:
Não é admissível recurso...De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.
E antes era:
Não é admissível recurso… de acórdãos condenatórios proferidos; em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções
4. Ora a factualidade pela qual foi indiciado e veio a constar da acusação eram factos que vieram a ser subsumidos a dois crimes distintos com moldura abstracta, cada um de prisão até cinco anos, isto é, com pena abstracta de prisão até 10 anos.
5. E, pois, passível de recurso, face à versão antiga da aludida norma. (cf. Acórdão 4/2009 do STJ)
6. Mas, nos termos do artigo 5.° do CPP, a nova lei não se aplica se houver limitação do direito de defesa.
7. O que ocorreria se lhe fosse vedado um de recurso de que antes dispunha.
8. É, pois, aplicável ao caso a redacção anterior do citado normativo.
9. A interpretação que a decisão reclamada fez do citado artigo 5.° do CPP,, viola os artigos 13.°, n.°1, 20.° 32.° n.º 1 da CRP, por contender com direitos adquiridos e com o direito de defesa e de recurso.
Termos em que,
Deve ser determinado que o recurso seja admitido e siga a sua normal tramitação.
(…………)
4. Lendo as aludidas peças processuais constata-se que, aquando da interposição do recurso, foi invocada uma dimensão normativa genérica e abstracta da norma questionada, o artigo 5.º do CPP, a aplicação da lei nova limitando direitos de defesa garantidos na antiga, se bem que, como tinha que o ser, considerando a realidade concreta que estava subjacente a tal interpretação; por outro lado, a questão da inconstitucionalidade foi levantada perante o tribunal recorrido, em tempo devido, e, naturalmente, que o recorrente não pode ser responsabilizado pela forma como este encarou a questão, concretamente, de forma genérica e sem ponderar a concreta questão enunciada no requerimento de interposição.
5. Temos, assim, que inexiste qualquer razão que obste ao conhecimento do recurso pelo que o mesmo não só deve ser conhecido, como provido. (…)»
3. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional apresentou resposta nos termos seguintes:
«1º
Pela Decisão Sumária nº 208/2011 não se conheceu do objecto do recurso porque o recorrente, nem no requerimento de interposição do recurso para este Tribunal, nem na reclamação para o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça – o momento processual adequado –, enunciara uma questão de inconstitucionalidade normativa.
2º
Parece-nos evidente que a forma detalhada, pormenorizada e com ligação exclusiva ao caso concreto, retiram à questão enunciada no requerimento de interposição do recurso, qualquer natureza normativa.
3.º
Por outro lado, quer no reclamação para o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, quer na própria decisão recorrida, o que se questionou e apreciou foi a questão de saber – face ao disposto no artigo 5.º do CPP - qual o regime aplicável ao recurso, face às alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, citando-se a propósito diversa jurisprudência do Tribunal Constitucional e os pertinentes princípios constitucionais.
4.º
Nunca foi enunciada ou apreciada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.»
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A decisão sumária ora reclamada pronunciou-se pelo não conhecimento do objecto do recurso, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, com fundamento, por um lado, na falta de normatividade da questão enunciada no requerimento de interposição do recurso, e, por outro, e sem prejuízo, na não suscitação, junto do tribunal recorrido, de uma questão idónea a constituir objecto de um recurso de constitucionalidade.
A presente reclamação em nada abala esta conclusão.
O reclamante limita-se a insistir que suscitou no decurso do processo a inconstitucionalidade de uma “dimensão genérica e abstracta” da norma do artigo 5.º do Código de Processo Penal, a qual, no entanto, continua a não conseguir identificar.
É manifesto que a “interpretação” que o reclamante indicou como objecto do recurso, no respectivo requerimento de interposição, carece da necessária generalidade e abstracção, antes se apresentando umbilicalmente ligada ao caso concreto. Por outro lado, pelas razões que já constam da decisão reclamada, é também seguro que o reclamante não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. Quanto muito, como refere o Ministério Público na sua resposta, o reclamante questionou – face ao disposto no citado artigo 5.º do CPP – qual o regime que, após as alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, devia ser aplicado ao seu recurso, citando, a esse propósito, jurisprudência do Tribunal Constitucional e princípios constitucionais.
Deve, por isso, manter-se, na íntegra, a decisão reclamada.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 6 de Junho de 2011.- Joaquim de Sousa Ribeiro – J. Cunha Barbosa – Rui Manuel Moura Ramos.