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Processo n.º 424/2011
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. A. foi condenado, por acórdão do tribunal colectivo da 7ª Vara Criminal de Lisboa, pela prática de vários crimes, como autor material e em cúmulo jurídico, na pena única de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão.
De tal acórdão, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa com fundamento em que houve erro na apreciação da prova e, bem assim, pretendendo a alteração da medida da pena por se estar perante concurso virtual, que não real, entre os crimes de falsificação e burla, sendo sempre que, a aplicar-se pena efectiva de prisão, haveria lugar à suspensão da mesma.
Tal recurso veio a ser conhecido por acórdão de 30 de Junho de 2010, nele se tendo julgado improcedente o recurso e confirmado a sentença proferida em primeira instância, acórdão este que veio a ser objecto de arguição de nulidade, por omissão de pronúncia, arguição essa que, por sua vez, veio a ser indeferida por decisão de 27 de Outubro de 2010.
Não se conformando com esta decisão, dela o, ora, reclamante (arguido) interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso esse que, por despacho de 26 de Janeiro de 2011, não foi admitido com fundamento em irrecorribilidade da decisão impugnada face às normas contidas no n.º 1, alínea f) do artigo 400.º e n.º 1, alínea b) do artigo 432.º, ambos do Código de Processo Penal.
De novo inconformado, o arguido (reclamante) veio apresentar reclamação, ao abrigo do disposto no artigo 405.º do Código de Processo Penal, para o Supremo Tribunal de Justiça, reclamação essa que mereceu decisão de indeferimento, datada de 30 de Março de 2011, com o seguinte teor:
(…)
1. Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30.06.2010, no que releva foi confirmada a decisão da 1ª instância que condenara o arguido A. pela prática dos seguintes crimes:
- um crime continuado de falsificação de documento autêntico, p. e p. pelos arts. 30.°, n.º 2, 255.° e 256.°, n.ºs 1, alínea a) e 3, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão;
- um crime de falsificação, p. e p. pelos arts. 255.° e 256.°, n.º 1, alínea a), do CP, na pena de 2 anos de prisão;
- um crime de burla qualificada, p. e p. pelo art. 218.°, n.º 2, alínea a), do CP, na pena de 3 anos de prisão;
- um crime de falsificação, p. e p. pelos arts. 255.° e 256.°, n.ºs 1, alínea a) e 3, do CP, na pena de 2 anos de prisão.
- Em cúmulo jurídico destas penas parcelares, foi o mesmo arguido A. condenado na pena única de 4 anos e 2 meses de prisão.
Notificado deste acórdão do Tribunal da Relação, veio o arguido apresentar requerimento arguindo a sua nulidade.
Em 27.10.2010, foi proferida decisão que indeferiu o referido requerimento por não se verificar a arguida nulidade no acórdão proferido.
2. Não se conformando, recorreu o arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, mas o recurso não foi admitido, nos termos dos arts. 400,° n.º 1, alínea f) e 432.°, n.º 1, alínea b), do CPP.
O arguido reclama da não admissão do recurso nos termos do art. 405.° do CPP, invocando, em síntese, os seguintes fundamentos.
- Interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação que confirmou a decisão condenatória da 1ª instância e da decisão que indeferiu o pedido de arguição de nulidade.
- Foi condenado na pena de 4 anos e 2 meses de prisão.
- Em abstracto, em tais casos, a lei processual penal impossibilita a apresentação de recurso do acórdão da Relação, não podendo, apesar disso, ser prejudicado o duplo grau de jurisdição.
- O Tribunal da Relação ao não se pronunciar sobre a matéria impugnada nas alegações de recurso e ao não admitir o recurso interposto para o STJ, violou o princípio do duplo grau de jurisdição e o direito de recurso constitucionalmente consagrado no art. 31.° (seguramente 32.°), n.º 1, da CRP.
- Recorreu também da decisão que indeferiu a arguição de nulidade, não podendo esta decisão deixar de ser susceptível de oposição por recurso.
3. No domínio dos recursos e das normas que disciplinam a competência em razão da hierarquia, a redacção do art. 432.°, n.º 1, alínea b), do CPP dispõe que há recurso para o Supremo Tribunal das decisões que não sejam irrecorríveis proferidas em recurso pelas relações nos termos do artigo 400.°.
E deste preceito destaca-se a alínea f) do n.º 1 do mesmo preceito que estabelece serem irrecorríveis «os acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos».
O acórdão da Relação confirmou a decisão da 1ª instância, que, na parte relevante, condenara o arguido, na pena de 4 anos e 2 meses de prisão, pela prática dos crimes enunciados.
É que havendo conformidade, como resulta directamente da norma – no caso há conformidade – o recurso só é admissível se for aplicada pena superior a 8 anos de prisão.
Assim sendo, não é admissível recurso do acórdão condenatório ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do art. 400.° do CPP.
E a decisão que inferiu a arguição de nulidade também não é susceptível de recurso.
A arguição de nulidade reporta-se ao acórdão da Relação que condenara o arguido na pena única de 4 anos e 2 meses de prisão.
Dispõe a alínea c) do n.º 1 do art. 400.° do CPP serem irrecorríveis os «acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objecto do processo».
O objecto do processo penal é delimitado pela acusação ou pela pronúncia e constitui a definição dos termos em que vai ser julgado e decidido o mérito da causa – ou seja, os termos em que, para garantia de defesa, possa ser discutida a questão da culpa e, eventualmente, da pena.
No caso concreto, a decisão de 27.10.2010 ao indeferir o requerimento de arguição de nulidade, não conheceu do objecto do processo, mas antes duma questão lateral relacionada com a competência própria da Relação, precisamente por o acórdão condenatório não ser susceptível de recurso.
O recurso não é, portanto, admissível (artigos 432°, n.º 1, alínea b), e 400.°, n.º 1, alínea c), do CPP).
Por fim, foi garantido o duplo grau de jurisdição.
Com efeito, o direito ao recurso, garantido como direito de defesa no n.º 1 do art. 32.° da Constituição, basta-se com um grau de recurso, ou segundo grau de jurisdição, que o reclamante já utilizou ao recorrer para o Tribunal da Relação. É esta a jurisprudência constante do Tribunal Constitucional (cf., v.g. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 189/01 e 377/2003 de 3 de Maio de 2001 e de 15 de Julho de 2003, respectivamente).
4. Nestes termos, indefere-se a presente reclamação.
(…).
O arguido, notificado desta decisão, requereu a sua aclaração e reforma, requerimento esse que foi indeferido, por decisão do Supremo Tribunal de Justiça datada de 14 de Abril de 2011, nos seguintes termos:
(…)
O reclamante A. requer a aclaração e a reforma da decisão de 30/Março/2011 proferida sobre a Reclamação que apresentou.
Vê-se, porém, dos fundamentos que o reclamante não pretende qualquer esclarecimento sobre ambiguidade ou obscuridade (fundamentos admissíveis para o pedido do esclarecimento - art. 380.° do CPC ex vi do art. 4.° do CPP), mas apenas manifesta discordância quanto ao decidido, repondo os fundamentos da Reclamação.
Esgotado o poder jurisdicional e nada havendo a esclarecer, pois não vem indicada qualquer obscuridade ou ambiguidade, indefere-se o requerimento.
O reclamante não indica também qualquer fundamento que, nos termos do art. 669.°, n.º 2 do CPC, admita a reforma da sentença.
(…)
2. Perante tal decisão, o arguido interpôs recurso para este Tribunal Constitucional através de requerimento com o seguinte teor:
(…)
1. O presente Recurso tem fundamento na norma contida na alínea b) do nº 1 do Art° 70º da LT. Constitucional
2. Pondo-se em crise a suposta constitucionalidade das seguintes normas (com a redacção que as mesmas tinham à data da respectiva aplicação):
a) Art°s 50º do Cód. Penal e 375°/l e 379/1/c), ambos do CPP, na medida em que a suspensão da pena não deva ser decretada em sede de Recurso, sempre que não haja sido concretamente suscitada pelo Recorrente na motivação, tendo suscitado a questão da espécie da pena;
b) Art°s 400/1/e) e 401°/1/b), ambos do CPP, quando prevêem que o Recorrente não possa para o STJ de decisão judicial (que não do Acórdão da Relação) subsequente, da mesma Relação, na qual é indeferida uma Nulidade, arguida relativamente ao Acórdão condenatório da referida Relação;
c) Dos Artigos acima citados, quando prevêem que, não havendo ainda decisão judicial já transitada que dê como excluído do objecto do processo um crime punido com prisão de dosimetria abstracta superior a cinco anos de prisão, não possa o Arguido recorrer da decisão judicial prolatada pela Relação em acto judicial subsequente a Acórdão pelo qual confirmou a absolvição do Arguido relativamente a diversos Crimes por que vinha acusado (Receptação Dolosa, Burlas Qualificada e Simples e Falsificação de Documentos),
d) Quando não é de excluir que, por via do funcionamento do Art° 410º/2 do CPP ou, por haver Recursos pendentes que o suscitam, do decretar da inconstitucionalidade de norma jurídica aplicável, não venha a ocorrer anulação que reponha como objecto do processo, aqueles crimes;
3. Consideram-se violadas as seguintes normas constitucionais:
A) Quanto ao referido em a) supra, os Art°s 1º e 13°, na medida em que negam a valoração elementos atinentes à personalidade de uma pessoa; Art° 2°, na medida em que inviabiliza a sociabilidade e a liberdade, quando estas são possíveis; Art° 32°/1, ao tornar processualmente irrelevantes factos e elementos que militem em favor de um arguido, para efeitos da aplicação de uma pena substituta e Art° 205°/1, por falta de fundamentação relativamente a matéria de conhecimento obrigatório.
B) Quanto ao aduzido em b), igualmente supra, o Art°. 32°/1, por limitação desproporcionada, o direito ao recurso em matéria penal.
C) O mesmo Art° 32°/1 da CRP
4. As normas em causa foram aplicadas:
A) Quanto ás referidas em a) e A) supra, no Acórdão da Primeira Instância, na medida em que recusou ‘a Suspensão da Pena e
B) Naquele que, na Relação de Lisboa conheceu do Recurso interposto, denegando uma vez mais à conhecimento da peticionada Suspensão, com a alegação de que se quisesse suspender, deveria ter sido o Juiz da Primeira Instância a fazê-lo;
C) Quanto ás aduzidas em b) do n° 2 e B) do n° 3 supra, na decisão que conheceu a Reclamação, Indeferindo-a, em sede da sustentada irrecorribilidade do Acórdão ‘da Relação.
D) As demais, na decisão que conheceu a Reclamação suscitada ante a decretada irrecorribilidade do Acórdão da Relação.
5. Quanto à prevenção da questão, a matéria da inconstitucionalidade foi prevenida, quanto a 2.a) e 3.A), na motivação do Recurso (Conclusão 12.d) e 12.i)) e, ainda, na petição de Recurso para o STJ (Conclusão XXXIX) e,
6. Também, na Reclamação apresentada (Conclusões e) e f)) e quanto a 2.b) e 3.B), nas Conclusões da Sobredita Reclamação (Conclusões e) e f).
Pelo exposto e pelo mais que possa resultar do Douto suprimento de V. Exa., deve dar-se provimento ao presente Recurso e, em conformidade, declarar-se a inconstitucionalidade material das referidas normas e ser reformadas as decisões judiciais que as aplicaram, nomeadamente conhecendo-se do Recurso interposto e da peticionada Suspensão da Pena aplicada ao recorrente, assim se fazendo.
(…)
Tal recurso não foi admitido por decisão do Supremo Tribunal de Justiça, datada de 4 de Maio de 2011, do seguinte teor:
(…)
Não se toma conhecimento da parte do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional em que o recorrente A. invoca a inconstitucionalidade do art. 50.° do CP e dos arts 375.°, n.º 1 e 379°, n.º 1, alínea c), ambos do CPP, por se referirem às decisões da 1ª instância e da Relação e não a decisão proferida nos termos do art. 405.° do CPP.
*
Não se admite o recurso interposto para o Tribunal Constitucional na parte em que o recorrente A. pretende ver apreciada a inconstitucionalidade dos arts. 400.°, n.º 1, alínea e) e 401.º, n.º 1, alínea b), ambos do CPP, uma vez que a decisão que indeferiu a reclamação não as aplicou.
Com efeito, esta decisão fundamentou a inadmissibilidade do recurso para o STJ, nas alíneas f) e c) do n.º 1 do art. 400.° do CPP.
Assim fica inviabilizado qualquer julgamento sobre a inconstitucionalidade das normas referidas, por parte do TC, porquanto os recursos de constitucionalidade desempenham uma função instrumental, só podendo o Tribunal Constitucional conhecer de uma questão de constitucionalidade quando exerça influência no julgamento da causa.
(…).
3. É desta decisão do Supremo Tribunal de Justiça que vem a presente reclamação, pretendendo o reclamante que o recurso para este Tribunal Constitucional é admissível face às razões que, sob a epígrafe “IV Admissibilidade legal do recurso para o Tribunal Constitucional”, concretiza da seguinte forma:
(…)
18º
O recurso objecto de Despacho de Não Admissão foi interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que não concedeu provimento ao Recurso apresentado pelo ora Reclamante, da decisão da primeira instância.
19º
E do Acórdão que indeferiu o requerimento de Declaração de Nulidade daquele, por Omissão de Pronúncia.
20º
Quanto à Impugnação apresentada, relativamente à matéria de facto dada como provada e não provada, o Tribunal da Relação não se pronunciou sobre ela.
21º
E também se não pronunciou quanto à arguida Nulidade resultante da falta de fundamentação da medida da Pena Aplicada ao arguido e,
22º
Por fim, não se pronunciou sobre as considerações e alegações apresentadas, relativamente à Suspensão da Execução da Pena de Prisão, caso se concluísse pela confirmação da condenação do Recorrente. Ora,
23º
O Recurso não foi admitido e, igualmente,
24º
Não mereceu provimento a Reclamação apresentada perante o Exmo. Presidente do STJ,
25º
Acabando o aqui Reclamante por apresentar Recurso para esse Supremo Tribunal (remessa postal de 02.05.2011), que igualmente não foi admitido pelo STJ.
26º
Por despacho de que por este meio se reclama e que foi expedido para notificação ao Reclamante, por envio postal datado de 06.05.2011.
27º
Em que a fundamentação (dupla diga-se e como V. Exa. confirmará) é o que é,
28º
Nomeadamente quando se pretende que a apreciação da invocada inconstitucionalidade das normas,
29º
Não exerce influência no julgamento da presente causa,
30º
Pelo que não é admissível o recurso. Certo é que,
31º
Ficou, assim, o Recorrente privado em ambos os casos, do Direito de Recurso que constitucionalmente lhe assistia.
32º
Ao não se verificar, por acção (in casu, Omissão) do Tribunal da Relação de Lisboa, o duplo Grau de Jurisdição, o Reclamante viu-se forçado a recorrer aos Exmos. Senhores Conselheiros, para ver assegurado o seu Direito ao Recurso, por um Tribunal Superior (vd. Acórdãos do STJ de 19.05.2004; 16.06.2005 e 19.01.2006, in www.dgsi.pt).
(…)
4. Notificado da reclamação apresentada, o representante do Ministério Público, junto deste Tribunal, veio pugnar pelo seu indeferimento com fundamento em que, independentemente da não verificação de outros requisitos de admissibilidade – como o da não suscitação adequada da questão durante o processo, inexiste « … correspondência entre a norma aplicada e aquela cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada …» e, consequentemente, falta um requisito de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Como flui dos autos, o reclamante (arguido) interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou a sentença condenatória proferida em 1ª instância, recurso que, por inadmissibilidade legal, não veio a ser admitido.
Não se conformando com a decisão que considerou inadmissível legalmente aquele recurso, o reclamante dela apresentou reclamação para o Supremo Tribunal de Justiça, na qual pugnava pela admissibilidade do recurso interposto e, em consequência, pela revogação daquela e sua substituição por outra que o admitisse.
No Supremo Tribunal de Justiça, tal reclamação mereceu despacho de indeferimento com fundamento em inadmissibilidade legal do recurso que o reclamante pretendia ver interposto, despacho este de que, após incidente interlocutório de aclaração e reforma, veio o reclamante a interpor recurso para este Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do artigo 70.º da LTC (Lei da Organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional).
Tal requerimento de interposição de recurso para este Tribunal Constitucional foi indeferido, por decisão proferida no Supremo Tribunal de Justiça, com fundamento em que as normas sobre as quais o reclamante pretendia ver proferido um juízo de (in)constitucionalidade não haviam sido aplicadas na decisão (da reclamação) que não admitiu o recurso para aquele Supremo Tribunal.
A presente reclamação vem, obviamente, desta decisão de indeferimento, pretendendo o reclamante que, no deferimento da mesma, seja o recurso, por si interposto para este Tribunal Constitucional, admitido.
Vejamos da existência ou inexistência de razão por parte do reclamante.
O recurso, que o reclamante pretende ver admitido para este Tribunal Constitucional, mostra-se interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, e tem como objecto as normas dos artigos 50.º do Código Penal e 375.º, n.º 1, 379.º, nº 1 alínea c), 400.º, n.º 1 alínea e) e 401.º, n.º 1 alínea b) do Código de Processo Penal, como se pode ver do requerimento de recurso oportunamente apresentado.
Ora, de acordo como o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para este Tribunal das decisões dos tribunais que «…apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo» (sublinhado nosso).
No caso sub judice, nenhuma daquelas mencionadas normas veio a ser aplicada na decisão do Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu a reclamação sobre o despacho que, proferido na Relação de Lisboa, não admitiu o recurso que se pretendia ver interposto para o Supremo Tribunal de Justiça; na realidade, em ambas as decisões, quer da Relação quer do Supremo Tribunal de Justiça, aquele recurso para este último tribunal não foi admitido com fundamento nas alíneas c) e f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal.
Daí que seja manifesta a discrepância entre as normas aplicadas e as que se invocam para integrar o objecto de juízo de (in)constitucionalidade a proferir, discrepância essa que, tendo sido afirmada expressamente na decisão de que vem a reclamação em apreço, não mereceu, por parte do reclamante, qualquer infirmação.
Como se vem entendendo, os recursos para o Tribunal Constitucional, interpostos ao abrigo do artigo70.º, n.º 1 alínea b) da LTC, só devem ser conhecidos quando se verifique existir coincidência entre a ‘norma’ cuja (in)constitucionalidade se pede que o Tribunal aprecie e a ‘norma’ que tenha sido aplicada pela decisão recorrida; aliás, compreende-se que assim seja, na medida em que, verificada essa discrepância, o juízo de (in)constitucionalidade a proferir tornar-se-ia inútil, porquanto, inserindo-se tal recurso entre as hipóteses de fiscalização concreta de constitucionalidade, careceria de qualquer relevância ou influência ao nível do caso concreto.
Falecem, assim, razões que possam sustentar o deferimento da presente reclamação.
III – Decisão
Nos termos supra expostos, decide-se indeferir a reclamação apresentada e confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo recorrente, fixando-se em 20 (vinte) UC a taxa de justiça.
Lisboa, 6 de Julho de 2011. – J. Cunha Barbosa – Joaquim de Sousa Ribeiro – Rui Manuel Moura Ramos.