Imprimir acórdão
Processo n.º 236/11
1ª Secção
Relator: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A., CRL e B., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 12 de Outubro de 2010.
2. Pela Decisão Sumária n.º 287/2011, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.ºs 1 e 2, da LTC, não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«O presente recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC. Do artigo 75º-A, nº 1, parte final, da LTC decorre que o recorrente tem o ónus de indicar a norma cuja inconstitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie. Notificada para o efeito, nos termos do disposto no artigo 75º-A, nº 6, da LTC, a recorrente continua a não satisfazer este requisito do requerimento de interposição de recurso.
Do requerimento de interposição de recurso e do aperfeiçoamento posterior decorre que a recorrente não identificou a dimensão interpretativa dos artigos 700º, n.º 1, alínea e), 701º, n.º 1, 687º, n.os 3 e 4, 686º e 685º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil, na redacção anterior à mais recente revisão deste diploma, cuja apreciação pretende. Refere apenas, sem a especificar, “a interpretação que lhes foi dada”.
Constitui entendimento reiterado deste Tribunal que o recorrente pode requerer a apreciação de uma norma, considerada esta na sua totalidade, em determinado segmento ou segundo certa interpretação (cf., entre muitos, o Acórdão n.º 232/2002, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Mas, neste último, caso tem «o ónus de enunciar, de forma clara e perceptível, o exacto sentido normativo do preceito que considera inconstitucional» (Acórdão n.º 21/2006, disponível no mesmo local), uma vez que o objecto do recurso é definido no requerimento de interposição de recurso (cf., entre outros, os Acórdãos n.os 286/2000 e 293/2007, disponíveis no mesmo local).
Resta, pois, concluir pelo não conhecimento do objecto do recurso, o que justifica a prolação da presente decisão (artigo 78º-A, n.ºs 1 e 2, da LTC)».
3. Da decisão sumária vem agora a recorrente reclamar para a conferência, nos termos seguintes:
«A recorrente foi notificada para indicar, com precisão, a norma cuja apreciação pretende, bem como a decisão de que recorre para este Tribunal.
A recorrente esclareceu, quanto à norma, o seguinte:
As normas cuja apreciação pretende correspondem aos arts. 700, nº1, alínea e), 701, nº1, 687 nºs 3 e 4, 686, 685, nºs 1 e 2, todos do CPC, na redacção anterior à mais recente revisão deste diploma, que se considera serem violadores, na interpretação que lhes foi dada, do disposto no art. 20, nºs 1, 2, 4 e 5, da CRP, e dos princípios e normas constitucionais que consagram a tutela jurisdicional efectiva e o direito a um processo equitativo e a independência dos tribunais.
Quanto à decisão de que se recorre, informou o seguinte:
A decisão de que se recorre corresponde ao aresto do Tribunal da Relação de Lisboa que considerou que não corre prazo para recorrer após um requerimento de clarificação ou esclarecimento de uma decisão apresentado mais de 10 dias depois de notificado às partes e clarificou ou esclareceu a referida decisão, nos termos do disposto art. 686 do CPC, com a redacção anterior à anterior sua revogação, e ainda que se apresentado o recurso nos 10 dias subsequentes à notificação daquele despacho, e admitido pelo tribunal a quo, o relator poderá não conhecer do objecto do recurso com fundamento na apresentação do requerimento de clarificação ou esclarecimento depois de decorridos 10 dias sobre a data de notificação às partes da decisão que veio a ser aclarada ou esclarecida.
Salvo o devido respeito, não se percebe como a recorrente poderá ter incumprido o ónus de indicar a norma cuja inconstitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie.
Na verdade, e como parece de manifesta razoabilidade, o disposto no nº1, art. 75º-A, da LTC, não pode ser interpretado de forma literal, ou seja, no sentido de que só uma norma pode ser apreciada quanto à sua conformidade quanto à CRP.
Aliás, se for apreciado a decisão recorrida ver-se-á que a recorrente não poderia ter indicado apenas uma norma, pois a decisão fundamenta-se na interpretação articulada de um conjunto de normas, como invocado, de resto, pela recorrente.
Depois, considera-se que a recorrente não enunciou, de forma clara e perceptível, o sentido do normativo do preceito que considera inconstitucional.
Ora, a recorrente alegou o seguinte:
O aresto do Tribunal da Relação de Lisboa considerou que não corre prazo para recorrer após um requerimento de clarificação ou esclarecimento de uma decisão apresentado mais de 10 dias depois de notificado às partes e clarificou ou esclareceu a referida decisão, nos termos do disposto art. 686 do CPC, com a redacção anterior à anterior sua revogação, e ainda que se apresentado o recurso nos 10 dias subsequentes à notificação daquele despacho, e admitido pelo tribunal a quo, o relator poderá não conhecer do objecto do recurso com fundamento na apresentação do requerimento de clarificação ou esclarecimento depois de decorridos 10 dias sobre a data de notificação às partes da decisão que veio a ser aclarada ou esclarecida.
Isto é, dificilmente o entendimento poderia estar enunciado de forma mais clara e perceptível se se atender que a matéria em questão é de natureza processual e eminentemente técnica.
Isto é, o recurso poderá vir a ser julgado procedente ou improcedente. Eventualmente, poderá vir a considerar-se manifestamente procedente ou manifestamente improcedente.
O que a recorrente não vislumbra é como se pode deixar de conhecer o presente recurso com fundamento na falta de indicação das normas a apreciar ou de indicação do exacto do sentido do normativo dos preceitos em causa – estes ónus foram cumpridos pela recorrente!
A recorrente bem sabe que o recurso para o Tribunal Constitucional é utilizado bastas vezes de forma quase abusiva e com desrespeito pelos requisitos legalmente fixados.
O que não se deseja - e jamais poderá ser tolerado num estado de Direito – é que os requisitos legais sejam injustificadamente invocados para impedir a apreciação da constitucionalidade das normas legais, como entende ser o caso.
Por cautela ainda dirá que a taxa de justiça sempre terá sido fixada de forma manifestamente excessiva, devendo ser significativamente reduzida.
Termos em que deverá ser julgado procedente a presente reclamação, conhecendo-se o objecto do recurso, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!».
4. Notificado da reclamação, o recorrido não respondeu.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. Nos presentes autos foi proferida decisão de não conhecimento do objecto do recurso com fundamento na não satisfação de um dos requisitos do artigo 75.º-A, apesar de a recorrente ter sido convidada para precisar a norma cuja apreciação pretendia. Concretamente, a recorrente não identificou a dimensão interpretativa dos artigos 700.º, n.º 1, alínea e), 701.º, n.º 1, 687.º, n.ºs 3 e 4, 686.º e 685.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, na redacção anterior à mais recente revisão deste diploma, cuja constitucionalidade pretendia ver apreciada.
Para contrariar o decidido, a reclamante argumenta que o disposto no n.º 1 do artigo 75.º-A da LTC não pode ser interpretado de forma literal, ou seja, no sentido de que só uma norma poderá ser apreciada quanto à sua conformidade constitucional. Sucede, porém, que a decisão reclamada não fez a interpretação que lhe é imputada. Interpretou a segunda parte daquela disposição legal, isso sim, no sentido de a recorrente ter o ónus de identificar a dimensão interpretativa cuja constitucionalidade questiona, quando indica no requerimento de interposição de recurso uma norma segundo determinada interpretação. Ónus que não foi cumprido, uma vez que se limitou a indicar aqueles artigos do Código de Processo Civil, “na interpretação que lhes foi dada”.
A reclamante sustenta, ainda, que enunciou, de forma clara e perceptível, o sentido normativo do preceito que considera inconstitucional. Para tal concluir remete para a resposta ao convite para aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso. Acontece que a parte da resposta que é destacada visava somente identificar a decisão da qual pretendia recorrer e não propriamente identificar uma qualquer dimensão interpretativa de determinados preceitos legais. Para responder ao despacho que a convidou a identificar a decisão sob recurso, a recorrente descreveu o decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
2. A reclamante contesta igualmente o quantum da taxa de justiça aplicada, considerando que o mesmo foi fixado de forma manifestamente excessiva, devendo ser significativamente reduzido.
Na decisão reclamada, a taxa de justiça (8 unidades de conta) foi fixada respeitando o Regime de Custas no Tribunal Constitucional, previsto no Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro, e de acordo com o critério que este Tribunal vem seguindo de forma reiterada e uniforme em situações idênticas às dos presentes autos. A taxa foi fixada dentro dos limites estabelecidos no artigo 6.º, n.º 2 (entre 2 UC e 10 UC), com respeito pelo critério constante do artigo 9.º.
Não há, pois, razões para modificar o quantitativo da taxa de justiça.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 30 de Junho de 2011. – Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira – Gil Galvão.