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Processo n.º 446/11
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Tribunal da Relação de Évora, A. reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho proferido naquele Supremo Tribunal que não admitiu o recurso, por si interposto, para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
«(…) A., arguido/recorrente nos autos do processo à margem indicado, e aí melhor identificado, tendo sido notificado do douto despacho do Sr. Dr. Juiz Desembargador Relator, datado de 17/03/2011, que não admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, e não se conformando com o mesmo, vem apresentar reclamação nos termos do n.° 4 do art.° 76.° e seguintes da Lei 28/82 de 15 de Novembro, Lei do Tribunal Constitucional, porque tem legitimidade está em tempo.
Requer mui respeitosamente, a V. Exa. se digne admitir a presente reclamação, seguindo-se os ulteriores termos até final.
Exmos. Srs. Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional
Vem a presente reclamação interposta do douto despacho do Meritíssimo Juiz Desembargador Relator, que decidiu rejeitar o recurso em causa por intempestivo.
Com o devido respeito, que é muito, não podemos concordar com tal decisão.
O prazo para a interposição do recurso para o Tribunal Constitucional é efectivamente de 10 dias, conforme art.° 75.º n.° l da Lei 28/82 de 15 de Novembro, no entanto, situações há, em que o prazo para a interposição de recurso se conta a partir do trânsito em julgado da decisão que não admite recurso, conforme n.° 2 art.° 75.° da LTC.
No caso em apreço, como se pode verificar nos fundamentos invocados na interposição do Recurso para o Tribunal Constitucional, o recorrente, ora reclamante, não recorre da decisão do Tribunal da Relação de Évora que não admitiu o recurso interposto para o STJ, por tal não ser admissível e não ter razão de ser.
O recorrente interpõe recurso para o Tribunal Constitucional para que este aprecie a inconstitucionalidade da aplicação dos artigos 171.º, n.° 2, do Código Penal, após alteração introduzida pela Lei 59/2007 de 4 de Setembro, no sentido em que a sua aplicação aos factos em causa nos presentes autos, violou o disposto no artigo 1.º e no artigo 2.°, n.° 1 e 4 do Código Penal e do artigo 29.° da CRP, no douto acórdão, datado de 27 de Janeiro de 2010, proferido pelo Tribunal Judicial de Coruche que condenou o arguido ora recorrente em pena de prisão.
A inconstitucionalidade mencionada foi suscitada pelo Recorrente, tanto na motivação como nas conclusões do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Évora datado de 26/02/2010, no entanto o Tribunal da Relação de Évora decidiu não conhecer do Recurso por o considerar extemporâneo.
Inconformado o recorrente interpõe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça uma vez que a conclusão da extemporaneidade suscitada no recurso interposto para o Tribunal da Relação de Évora não é pacifica, e existe larga jurisprudência do STJ que considera que se o recorrente recorreu da matéria de facto mas não o fez respeitando todos os requisitos a consequência será a não apreciação dessa parte do recurso e não a extemporaneidade de todo o recurso, o Tribunal da Relação de Évora profere despacho de não admissibilidade do mesmo, cujo trânsito ocorreu em 07/02/2011.
Uma vez que o Tribunal da Relação de Évora não conheceu do objecto do recurso, e todas as hipóteses de recurso se encontram esgotadas, o Recorrente dirigiu-se ao Tribunal Constitucional tendo em conta as garantias de defesa que a CRP lhe confere, uma vez que foi condenado por uma decisão que enferma de uma ilegalidade e uma inconstitucionalidade as quais foram suscitadas no recurso interposto do douto acórdão proferido pelo Colectivo de Juízes do Tribunal Judicial de Coruche, pelo que deverá o Tribunal Constitucional conhecer das questões suscitadas, porque o recurso é tempestivo nos termos do n.° 2 do art.° 75 da LTC.
Assim, e tendo em conta as garantias de defesa do arguido, deverá o Tribunal Constitucional pronunciar-se pela tempestividade do recurso interposto e consequentemente pronunciar-se pela inconstitucionalidade suscitada.
Assim, farão V. Exas., Sábios Conselheiros, JUSTIÇA!»
2. Por despacho de fls. 86 foram solicitadas ao tribunal recorrido as peças processuais aí identificadas.
3. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se nos termos que se seguem:
«1. Em 1.ª Instância, A. foi condenado, em cúmulo, na pena de sete anos e seis meses de prisão, pela prática dos crimes de abuso sexual de crianças (artigos 171.º, n.º 2, e 177.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal) e ameaças (artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal).
2. Interpôs o arguido recurso para a Relação de Évora, que, nesse Tribunal, foi sumariamente rejeitado por decisão do Senhor Desembargador Relator.
3. Na sequência da reclamação daquela decisão, foi proferido Acórdão que confirmou a rejeição do recurso, por ter sido extemporaneamente interposto.
4. Desse Acórdão interpôs o arguido recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que não foi admitido.
5. Vem então o arguido recorrer para o Tribunal Constitucional “da decisão do Tribunal Judicial de Coruche”, ou seja, do acórdão condenatório proferido na 1.ª instância.
6. Como o recurso vem interposto daquela decisão, tudo o que o recorrente posteriormente pudesse ter dito – designadamente na motivação do recurso para a Relação - sobre a questão de inconstitucionalidade que agora pretende ver apreciada, é irrelevante.
7. Mesmo que se considerasse que o recurso foi atempadamente interposto e que o recorrente estava dispensado do ónus da suscitação prévia - não constando do processo os elementos suficientes para, com segurança, nos pronunciarmos sobre a verificação, ou não, desses requisitos de admissibilidade – sempre a reclamação seria de indeferir.
8. Na verdade, no requerimento de interposição do recurso o recorrente “vem requerer ao Tribunal Constitucional que aprecie a constitucionalidade da aplicação dos artigos 171.º, n.º 2, do Código Penal após a alteração introduzida pela Lei n.º 59/2077, de 4 de Setembro, no sentido em que a sua aplicação aos factos em causa nos presentes autos violou o disposto no artigo 1.º, 2.º, n.ºs 1 e 4 do Código Penal e do artigo 29.º do CRP”.
9. Ora, como nos parece evidente, não vem enunciada qualquer questão de natureza normativa que possa constituir objecto idóneo do recurso de constitucionalidade.
10. Efectivamente, o que o recorrente questiona é a própria decisão enquanto aplicou, no que respeita ao crime de abuso sexual de criança, o regime actualmente em vigor (saído das alterações introduzidas pela Lei n.º 59/2007) e não o vigente à data da prática dos factos, que até seria, tendo em atenção a factualidade dada como provada, mais favorável.
11. Faltando, pois, um requisito de admissibilidade do recurso, deve a reclamação ser indeferida, embora com fundamento diferente do que consta da decisão reclamada.»
4. Notificado o reclamante para se pronunciar sobre as questões suscitadas na resposta do Ministério Público, aquele veio dizer o seguinte:
«A., reclamante/recorrente nos autos do processo à margem indicado, e aí melhor identificado, tendo sido notificado do douto parecer do Ministério Público, datado de 22 de Junho de 2011, vem responder apresentando os seguintes esclarecimentos:
1- Por correio datado de 14 de Fevereiro de 2011, recebido no Tribunal da Relação de Évora a 15 de Fevereiro de 2011, o Recorrente ora reclamante veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional requerendo a apreciação da inconstitucionalidade da aplicação dos artigos 171°, n.° 2, do Código Penal, após alteração introduzida pela Lei 59/2007 de 4 de Setembro, no sentido em que a sua aplicação aos factos em causa nos presentes autos, violou o disposto no artigo 1.º e no artigo 2.°, n.° 1 e 4 do Código Penal e do artigo 29.° da CRP, no douto acórdão, datado de 27 de Janeiro de 2010, proferido pelo Tribunal Judicial de Coruche que condenou o arguido ora recorrente em pena de prisão.
2- A inconstitucionalidade mencionada foi suscitada pelo Recorrente, tanto na motivação como nas conclusões do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Évora datado de 26/02/2010.
3- A Procuradora Geral Adjunta do Tribunal da Relação de Évora veio-se pronunciar a fls. 921 e segts., no sentido de o recorrente ter razão na questão da inconstitucionalidade suscitada, porém, o Tribunal da Relação de Évora, por decisão sumária, não conheceu do Recurso por o considerar extemporâneo, estando em causa o facto de o recurso ter sido interposto no 30.° dia após depósito do acórdão, tendo ultrapassado o período de 20 dias, considerou que o recorrente não impugnou validamente a matéria de facto, e não cumpriu o ónus a que estava obrigado, não podendo o Tribunal conhecer amplamente da matéria de facto. Considerou ainda não haver lugar ao convite ao aperfeiçoamento das conclusões, assim sendo, e tendo o Tribunal da Relação de Évora considerado o recurso extemporâneo, ficou também prejudicada a apreciação da matéria de direito impugnada.
4- Inconformado com tal decisão o Recorrente apresentou reclamação para a Conferência, vindo o Tribunal da Relação de Évora a proferir acórdão no qual confirma a rejeição do recurso e dele não conhece.
5- Uma vez mais inconformado, o recorrente interpõe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o Tribunal da Relação de Évora profere despacho de não admissibilidade do mesmo, cujo trânsito ocorreu em 07/02/2011.
6- O Tribunal da Relação de Évora não conheceu do objecto do recurso, e todas as hipóteses de recurso se encontram esgotadas, no entanto, tendo em conta que foi suscitada uma ilegalidade que configura também uma inconstitucionalidade, no recurso interposto do douto acórdão proferido pelo Colectivo de Juízes do Tribunal Judicial de Coruche, deverá o Tribunal Constitucional conhecer das questões suscitadas, sob pena de negação das garantias de defesa do arguido, nos termos do n.° 1 do art.° 32.° da CRP.
7- Por Acórdão proferido pelo Tribunal Judicial de Coruche, em 27 de Janeiro de 2010, foi o recorrente condenado, entre outros, (mas sem interesse para a questão em apreço), na pena de 6 anos de prisão, pela prática de um crime de abuso sexual de crianças (no caso, a neta B.), p. e p. pelos artigos 171°, n.° 2 e 177.°, n.° 1, alínea a), do Código Penal.
8- O Tribunal Judicial de Coruche dá como provado com interesse para a questão em apreço, os seguintes factos, constantes da fundamentação da matéria de facto:
1.º O arguido A. é avó paterno de B., nascida em ../../2001 e a que coube o assento n.º .., de 2001, da Conservatória do Registo Civil de Coruche.
3.° Desde data não concretamente apurada até 29/08/2007, os progenitores de B., C. e D., entregavam-na, com uma periodicidade irregular, aos cuidados dos avôs paternos, o arguido A. e mulher, E., na residência destes, sita na Rua …, .., Coruche, durante o período em que se encontravam a trabalhar.
4.º Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 3.º, e por diversas vezes, em datas não apuradas, o arguido A., encontrando-se a sós com a neta, no interior da casa de banho, introduziu um clister, com 10 cm de comprimento, 2 cm de largura e um creme hidratante espalhado. no ânus da menor B., introduzindo-lhe, ainda, um dos dedos de uma das suas mãos no ónus.
9- Tal como podemos constatar o Tribunal “à quo” dá como provado que os factos ocorreram até 29/08/2007, no entanto, no período em apreço, o crime em causa (abuso sexual de crianças era p. e p. pelo art.° 172.° do Código Penal vigente à data dos factos e cujo conteúdo e transcreve:
1. Quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo consigo ou com outra pessoa, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.
2. Se o agente tiver cópula, coito anal ou coito oral com menor de 14 anos é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos.
10- Porém, posteriormente o Código Penal foi alterado pela Lei 59/2007 de 4 de Setembro, que entrou em vigor em 15 de Setembro de 2007, sendo que, relativamente ao crime de abuso sexual de crianças, o Código Penal passou a prevê- lo no art.° 171.°, com a seguinte redacção:
1. Quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo com outra pessoa, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.
2. Se o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito anal ou coito oral, ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos, o agente é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos. (O realce é nosso)
11- O Tribunal “a quo” condenou o arguido ao abrigo da actual versão do Código Penal relativo ao crime de abuso sexual de crianças, não teve em conta a lei vigente na data da prática dos factos, sendo que a regra geral que vigora em matéria de aplicação das leis penais no tempo é a da aplicação da lei vigente no momento em que o acto é praticado, só se aplicará uma lei que entrou em vigor posteriormente se a mesma for concretamente mais favorável ao arguido. Pelo que a decisão recorrida violou o princípio da legalidade previsto no art.° l.º do Código Penal “1.Só pode ser punido criminalmente o facto descrito e declarado passível de pena por lei anterior ao momento da sua prática.” De acordo com o art.° 2.° do Código Penal, mais propriamente no n.° 1, podemos constatar que as penas são determinadas pela Lei vigente no momento da prática dos factos..., e no n.° 4. “Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente;...”
12- A nova versão, e actual do C.P. alargou a incriminação prevista no n.° 2 do art.° l72.° da versão anterior à Lei 59/2007, passando a equiparar à cópula, ao coito anal e ao coito oral, a introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos, que passou a ser punido também de modo mais gravoso. À luz da redacção do art.° 172.° do C.P. vigente na data da prática dos factos, os factos relativos ao crime de abuso sexual de crianças estando em causa penetração de partes do corpo ou objectos, era subsumível ao n.° 1 do artigo 172.° do C.P., “Quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo consigo ou com outra pessoa, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos “, e não ao n.° 2, cuja moldura penal era abstractamente mais gravosa (de 3 a 10 anos) ou seja os factos em questão seriam subsumíveis ao n.° 1 e não ao n.° 2, sendo que, a moldura penal aplicável ao número 1 do referido artigo é de 1 a 8 anos, logo, abstractamente mais favorável ao arguido. Ainda assim cabia ao Tribunal fazer o exercício de aplicação de ambas e concluir qual seria a lei concretamente mais favorável ao caso concreto, o que não fez.
13- Uma vez que os factos ocorreram até 29/08/2007, na vigência da versão do C.P. anterior à Lei 59/2007, têm forçosamente os factos de ser punidos nos termos do disposto no seu art.° 172.° n.° l.
14- O Tribunal “a quo” ao não aplicar a Lei vigente no momento da pratica dos factos, e ao aplicar ao recorrente uma pena mais gravosa, pois considerou factos praticados até 29/28/2007, e no momento do julgamento veio aplicar uma pena agravada em relação aos factos dados como provados, ao momento da sua prática e à lei punitiva vigente nesse momento. Está em causa a proibição da retroactividade da aplicação da Lei Penal, o que é também verdade para agravações ulteriores da situação jurídica do arguido. O Tribunal “a quo” violou o disposto no art.° 1.º, e no art.° 2.° n.° 1 e 4 do Código Penal, no que respeita à determinação da Lei aplicável ao caso concreto, o Principio da legalidade.
15- Além da violação do princípio da legalidade constante do Código Penal, a decisão em causa viola ainda o artigo 29.° da Constituição da República Portuguesa, nos termos do n.° 1 “Ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou omissão, nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior” o que representa uma concretização do princípio da legalidade na garantia de direitos individuais, a exigência de lei prévia, o mesmo se deve entender quando se trata de modificar ou agravar a lei existente, que é o que se verifica na alteração conferida pela Lei 59/2007 de 4 de Setembro, ao art.° 171.º do Código Penal. Impõe-se também por via do n.° 4 do art.° 29.º da CRP o princípio de que a lei a aplicar seja a lei que vigora no momento da prática do facto, ou excepcionalmente aplicam-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido.
16- Ainda quanto ao enquadramento jurídico relativo ao crime de abuso sexual de crianças, (referente à menor B.) factos dados como provados n.° 7 a 11 dos factos provados da fundamentação do douto acórdão. O Tribunal “a quo”, no douto acórdão, dá como assente que os factos em causa ocorreram até 29/08/2007, e condenou o arguido pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art.° 171.°, n.° 2 e 177.°, n.° 1, alínea a) do C.P. na pena de dois anos e seis meses de prisão, (no caso, a neta B.). Tal como supra se expôs, relativamente, à determinação da lei aplicável ao caso concreto, o Tribunal “a quo” condenou o arguido ao abrigo da actual versão do Código Penal relativo ao crime de abuso sexual de crianças. O Tribunal “a quo” não teve em conta a lei vigente na data da prática dos factos, sendo que a regra geral que vigora em matéria de aplicação das leis no tempo é a da aplicação da lei vigente no momento em que o acto processual é praticado, só se aplicará uma lei que entrou em vigor posteriormente se a mesma for concretamente mais favorável ao arguido. Sendo certo que o texto do artigo em questão relativo ao número 1 não sofreu alteração, mas ainda assim, o douto acórdão tinha que o referir, verificando-se assim, uma vez mais, violação do princípio da legalidade.
17- Atento o supra exposto, considera o Reclamante que o Reclamação deverá ser aceite por tempestiva e fundamentada, e consequentemente, deverá o Tribunal Constitucional pronunciar-se pela violação do princípio da legalidade constante do Código Penal e pela violação do art.° 29.º da CRP, constante da decisão que condenou o reclamante pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art.° 171.°, n.° 2, e consequentemente ordenar que se sigam os ulteriores trâmites até final, nomeadamente ordenar ao Tribunal Judicial de Coruche a reformulação da decisão com respeito pelo princípio da legalidade.
O Arguido/Recorrente/Reclamante beneficia de apoio judiciário.»
5. O reclamante pretende interpor recurso para este Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações posteriores, adiante designada LTC) para apreciação da «inconstitucionalidade da aplicação dos artigos 171.º, n.º 2, do Código Penal, após alteração introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, no sentido em que a sua aplicação aos factos em causa nos presentes autos violou o disposto no artigo 1.º e no artigo 2.º, n.ºs 1 e 4, do Código Penal e no artigo 29.º da CRP, no douto acórdão, datado de 27 de Janeiro de 2010, proferido pelo Tribunal Judicial de Coruche que condenou o arguido ora recorrente em pena de prisão» (cfr. fls. 104/107 dos presentes autos).
O recurso não foi admitido por despacho do Relator no Tribunal da Relação de Évora, com fundamento na respectiva intempestividade (cfr. fls. 108 dos autos).
O representante do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional pronunciou-se pelo indeferimento da presente reclamação, com fundamento, em síntese, na inadmissibilidade do recurso por não ter sido suscitada uma questão de constitucionalidade normativa que possa constituir objecto idóneo do recurso de constitucionalidade.
Notificado o reclamante da resposta do Ministério Público, aquele pronunciou-se nos termos acima transcritos, insistindo que o recurso apresentado é tempestivo e fundamentado.
Independentemente da bondade do fundamento invocado no despacho reclamado, o certo é que o recurso de constitucionalidade que o reclamante pretende interpor não reúne os pressupostos necessários ao seu conhecimento pelas razões já indicadas pelo Ministério Público.
Na verdade, resulta evidente do próprio requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade – na parte acima transcrita – que o reclamante não suscitou uma questão de constitucionalidade com natureza normativa, antes se detendo no resultado da aplicação da norma (artigo 171.º, n.º 2, do Código Penal) ao caso concreto.
Como refere o Ministério Público, o que o reclamante questiona é a própria decisão recorrida, na parte em que aplicou, no que respeita ao crime de abuso sexual de criança, o regime actualmente em vigor (emergente da Lei n.º 59/2007) e não o vigente à data da prática dos factos.
Como é sabido, o recurso de constitucionalidade tem natureza estritamente normativa, não podendo o Tribunal Constitucional apreciar a constitucionalidade da decisão em si mesma considerada.
6. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação do despacho que não admitiu o recurso de constitucionalidade acima identificado.
Custas pelo reclamante, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 12 de Julho de 2011. – Joaquim de Sousa Ribeiro – J. Cunha Barbosa – Rui Manuel Moura Ramos.