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Processo n.º 392/11
1ª Secção
Relator: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é reclamante A. e são reclamados o Ministério Público e B., o primeiro reclamou do despacho de 15 de Fevereiro de 2011, pelo qual não foi admitido recurso para o Tribunal Constitucional.
2. Do despacho reclamado resulta o seguinte (fl. 26):
«1. Em CONFERÊNCIA de 14 de Julho de 2010 foi proferido acórdão de rejeição do recurso interposto pelos arguidos A., C. e D., sob a consideração de que este tinha sido interposto fora de tempo.
2. Sob notificação por via postal registada, de 1 de Setembro de 2010, foi a Ex.ma Mandatária dos Recorrentes notificada de todo o conteúdo do acórdão proferido, com remessa de cópia do acórdão.
3. Por requerimento de 17 de Setembro de 2010, o arguido A., alegando que tinha sido proferida “decisão sumária de indeferimento liminar do recurso apresentado” apresentou requerimento de “RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA”
4. Por despacho do Relator, de 27.10.2010, foi o Requerente convidado a esclarecer “qual a decisão sumária de que pretendia reclamar para a Conferência”
5. Respondeu o Requerente, em 18 de Novembro de 2010 : “pretende reclamar para a Conferência do despacho que indefere liminarmente o seu recurso para esse Venerando Tribunal da Relação, uma vez que entende que o aludido recurso deveria ter sido admitido, nos termos explanados na sua motivação e conclusões”.
6. Foi então, proferido pelo Relator – em 12.01.2011 - o seguinte despacho: “É manifesto o erro em que incorre o arguido-requerente. A decisão inserta de fls. 2435 a 2443v não consubstancia uma decisão sumária mas sim um acórdão julgado em Conferência (Artigo 419º CPP). Destarte, carece, em absoluto, de razão de ser a pretensão de reclamação para a Conferência. Sem custas, atenta a simplicidade da questão e não obstante o carácter anómalo”
7. Despacho de que a Exma Mandatária do Arguido-requerente foi notificada por via postal registada, em 14.01.2011
8. Por requerimento de 28 de Janeiro de 2011, o Arguido A. “não se conformando com o douto acórdão prolatado e convenientemente aclarado e que julgou parcialmente procedente o recurso apresentado” (Sic) interpõe recurso para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL com o propósito último de ver declarado que “A interpretação do artigo 113º n.º 9 do CPP no sentido de não considerar que o despacho que defere ou indefere a reabertura da audiência nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 271ºA do CPP é obrigatoriamente notificado ao arguido, viola, entre outros, o disposto no artigo 18º nº2 da CRP”».
3. Pelo despacho que é objecto da presente reclamação, o recurso de constitucionalidade não foi admitido, com a seguinte fundamentação:
«Nos termos do artigo 76º/2 da referida Lei o requerimento de interposição de recurso deve ser indeferido, nomeadamente, “quando a decisão o não admita”, “quando o recurso haja sido interposto fora do prazo”.
In casu, verificam-se uma e outra situação.
Dispõe o artigo 70º nº1 al. b) do Diploma sob referência que “cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais b) que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo”
Ora a questão constitucional suscitada a respeito da interpretação do artigo 113º nº9 do Código de Processo Penal apenas agora, no recurso interposto, o Recorrente a levantou. Não a suscitou durante o processo.
Aqui, pois, o primeiro fundamento para a inadmissibilidade do recurso.
Outro acresce, porém: o da extemporaneidade.
O prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional é de 10 dias [Artigo 75º/1 Lei 28/82]
Ora o recurso do acórdão proferido em 14 de Julho de 2010 e notificado a 1 de Setembro de 2010 apenas foi interposto em 28 de Janeiro de 2011.
Dizer, interposto quando há muito havia decorrido o prazo para a respectiva interposição.
Prazo que, obviamente, não foi nunca interrompido, pela prática de actos de diversão, processualmente não admissíveis, como seja a reclamação para a conferência de acórdão proferido em Conferência!!».
4. Notificado deste despacho, o recorrente deduziu a presente reclamação com os seguintes fundamentos:
«1.º
Foi proferida decisão sumária de indeferimento liminar do recurso apresentado pelo recorrente, considerando que o mesmo é extemporâneo e ainda que a decisão não o admite.
2.º
Numa primeira ordem de razão é referido que a decisão recorrida não admite recurso porquanto refere o disposto no art º 70º n.º 1 al. b) da lei 28/82 de 15 de Novembro que apenas se admite recurso quando o Tribunal aplique normas cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, o que não seria o caso dos presentes autos.
3.º
Ora, quanto a nós, cremos que o Venerando Desembargador Relator lavra num manifesto lapso, uma vez que, se é obvio que a norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada no presente recurso não foi levantada no âmbito do processo principal, nem o poderia ser, uma vez que se trata de uma situação nova a que é levantada neste recurso.
Note-se que o recurso tem como ponto de partida não o “processo mãe”, mas tão só o despacho de indeferimento da reabertura de audiência para aplicação da lei mais favorável.
4.º
Relativamente ao qual foi interposto recurso, recurso este que não veio a ser admitido, por ser julgado extemporâneo;
5.º
Sendo precisamente neste ponto que surgiu a aplicação da norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada, ou seja, a interpretação da norma do art. 113º n.º 9 do CPP «o sentido em que no impõe a notificação do despacho de indeferimento da abertura da audiência para aplicação da lei mais favorável, ao arguido.
6.º
E que portanto, o prazo para recorrer de tal despacho apenas tem como base a notificação ao defensor;
7.º
Como evidente, só com o surgimento desta concreta interpretação e aplicação da lei é que a questão da inconstitucionalidade pode ser suscitada.
8.º
É, portanto, admissível recurso para esse Colendo Tribunal Constitucional nos termos do citado preceito.
9.º
Quanto à questão da extemporaneidade, cremos que, de igual forma não assiste razão, com todo o respeito que, aliás é muito, ao Venerando Desembargador Relator.
l0.º
Na verdade, a cada situação de indeferimento, tem procurado o arguido, numa busca desesperada pela realização da justiça no seu caso concreto, reagir, dentro dos expedientes processualmente consagrados e com o objectivo especifico de fazer valer a sua “razão” e nunca com objectivos meramente dilatórios, que não deseja.
11.º
Entende, portanto, que ao acórdão que indefere a sua reclamação, se segue, em termos processualmente admissíveis, o recurso para o Tribunal Constitucional, pelo qual pretende ver analisada a questão fulcral que irá determinar que o seu recurso sobre o despacho que não admitiu a reabertura da audiência para aplicação da lei mais favorável seja objecto de acórdão, e que se decida do mérito do seu pedido, fundado nas suas alegações e conclusões.
12.º
Pelo que deve ser admitida nos termos do disposto no art.º 405º,n.º 1 do CPP a presente Reclamação, dando-se ainda por reproduzida toda a motivação e conclusões constante das alegações de recurso apresentadas».
5. Neste Tribunal, os autos foram com vista ao Ministério Público que se pronunciou pela forma seguinte:
«2.º - A não admissão do recurso assenta numa dupla fundamentação:
- não ter sido suscitada durante o processo a questão da inconstitucionalidade;
- o recurso ter sido interposto para além do prazo.
3.º - Quanto ao primeiro dos fundamentos, pela análise dos elementos constantes do acórdão recorrido (uma vez que da certidão não consta cópia da peça apresentada pelo recorrente) e que não são postos em causa na presente reclamação, constata-se que, efectivamente, o recorrente enfatizou que “ por conter matéria decisiva relativa a direitos liberdades e garantias” o despacho que indeferia a reabertura da audiência, devia ser notificado aos arguidos e não exclusivamente aos mandatários, devendo aplicar-se o disposto no n.º 9 do artigo 113.º do CPP.
4.º - Contudo, como se vê, nunca enunciou uma questão de inconstitucionalidade normativa, que pudesse constituir objecto idóneo do recurso de constitucionalidade.
5.º - Quanto à tempestividade do recurso, aceitando-se a tramitação do processo que é referida no despacho reclamado e que o reclamante não coloca minimamente em causa na presente reclamação, só pode concordar-se com o sentido daquele despacho.
6.º - Na verdade, tendo o reclamante reclamado para a conferência de um acórdão proferido em conferência, este constitui meio anómalo e inexistente no nosso ordenamento processual.
7.º - Assim sendo, tal comportamento processual não pode ter a virtualidade de interromper ou suspender o prazo de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional (vd. v.g. o Acórdão n.º 195/2009).
8.º - Desta forma, quando foi interposto recurso para este Tribunal Constitucional do Acórdão da Relação que rejeitou o recurso, o prazo legal de dez dias (artigo 75.º da LTC) encontrava-se ultrapassado.
9.º - Por tudo o exposto, deve indeferir-se a reclamação».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
O despacho reclamado conclui pela não admissão do recurso de constitucionalidade interposto, por não se poder dar como verificado um dos seus requisitos e por o mesmo ter sido interposto além do prazo legal.
Ainda que se pudessem dar como verificados todos os requisitos do recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14 de Julho de 2010, seria sempre de concluir pela intempestividade do mesmo, face ao que estatui o artigo 75.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional: «o prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional é de 10 dias».
Resultando dos presentes autos que aquele acórdão foi notificado em 1 de Setembro de 2010 e que o recurso de constitucionalidade foi requerido em 28 de Janeiro de 2011, é manifesta a intempestividade do mesmo. É certo que entre as duas datas foram praticados vários actos, mas sem qualquer virtualidade para interromper ou suspender aquele prazo de 10 dias. Estes actos assentaram num incidente pós-decisório anómalo, processualmente inadmissível – reclamação para a conferência de acórdão proferido em conferência – sendo, por isso, irrelevantes.
“Como é entendimento jurisprudencial corrente, designadamente deste Tribunal Constitucional (cf., entre outros, os Acórdãos n.ºs 511/93, 641/97, 459/98, 1/2004, 278/2005, 64/2007, 173/2007, 279/2007, 463/2007, 80/2008, 210/2008 e 178/2009), a dedução de incidentes processuais anómalos, designadamente pós-decisórios, não previstos no ordenamento jurídico, não tem a virtualidade de suspender ou interromper o prazo de impugnação de decisões judiciais” (Acórdão n.º 195/2009, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Justifica-se, por conseguinte, confirmar a decisão de não admissão do recurso de constitucionalidade interposto.
III. Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 20 de Junho de 2011. – Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira – Gil Galvão.