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Processo n.º 209/2011
1ª Secção
Relator: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido o Instituto Nacional de Estatística, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 2 de Fevereiro de 2011.
2. Pela Decisão Sumária n.º 200/2011, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto. A decisão tem a seguinte fundamentação:
«De acordo com o disposto no artigo 150.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redacção em vigor à data da apresentação do recurso de constitucionalidade (20 de Janeiro de 2011), aplicável ao caso por força do que dispõem os artigos 69.º da LTC, 30.º, n.º 1, da Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro, e 11.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo preferencialmente por transmissão electrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 138.º-A (Portaria n.º 114/2008). Acrescentando o n.º 2 do mesmo preceito que os actos processuais também podem ser praticados por entrega na secretaria judicial, remessa pelo correio, sob registo, ou envio através de telecópia.
Nos presentes autos, o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional foi enviado através de correio electrónico, ou seja, foi apresentado por forma não prevista no artigo 150.º do Código de Processo Civil.
Há, por isso, que concluir pelo não conhecimento do objecto do recurso interposto, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC).»
3. Da decisão sumária vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, invocando o seguinte:
«A decisão sumária entendeu não conhecer do objecto do recurso porque o requerimento de recurso foi enviado por email, considerado meio impróprio para as peças processuais, por não previsto no artº 150º do CPC.
Salvo o devido respeito, a decisão sumária errou.
Remetemo-nos para o ac. STJ de 18.1.2011, pº 4520/07.8TBRG.G1.S1, in www.dgsi.pt, que acaba de se pronunciar sobre a questão da admissibilidade do uso dos meios electrónicos, face ao artº 150º, nº 1, do CPC:
- O artº 150º, nº 1, do CPC, na redacção introduzida pelo DL nº 303/2007, de 24 de Agosto, consagra a possibilidade dos actos processuais serem apresentados em juízo através de transmissão electrónica, sendo até esta forma a preferida para a correspondente apresentação e comunicação, devendo essa transmissão obedecer a portaria do Ministério da Justiça – i.e., à Portaria nº 114/2008, com as alterações introduzidas pela Portaria nº 1538/2008, de 30 de Dezembro (que procedeu à sua republicação).
- A razão da forma da notificação, através de correio electrónico, ter sido subtraída do dispositivo do artº 150º do CPC, resulta de se considerar essa referência escusada, por tal se mencionar no sistema informático CITIUS, para onde remete a disposição do CPC. Eliminar do sistema a notificação por correio electrónico seria incompreensível e contraditório, sabendo-se que o intuito do legislador é caminhar no sentido da desmaterialização e de uma tramitação cada vez mais electrónica dos processos judiciais.
Esta jurisprudência é a mais correcta e actualista, única possível, não podendo vingar a posição desfasada e chocante da decisão recorrida.
É também a única consentânea com a lei processual civil, quanto às formas de notificação das partes através dos seus mandatários, que só prevê a notificação por carta registada e a notificação por correio electrónico com aposição de assinatura electrónica avançada (artº 254º, nº 2, do CPC), não consagrando a possibilidade de valer como notificação o envio de telecópia (fax), sendo que estas duas últimas formas não podem ser equiparadas – ac. RL de 12.5.10, pº 379-C/1997.Ll-1.
O recurso foi recebido no Supremo e integrado no processo, pois que se aceitou a prática do acto por essa via. Não sendo aceite, o princípio da colaboração exigiria um convite ao reenvio pela forma própria. Nessa medida, o requerimento faz parte dos autos. O Tribunal Constitucional não pode deixar de conhecer dele, pois que existe no processo.
Denegar o direito ao recurso, desta forma, é, além de uma surpresa e de um erro jurídico, uma posição violenta, fora de um processo equitativo e justo, tanto mais que o Estado incentiva e aceita o uso de meios electrónicos para as comunicações com os operadores judiciários. E de tal forma que a prática de envio de peças processuais por email é corrente e de longe o meio mais utilizado, seja no tribunal comum, seja no tribunal administrativo».
4. Notificado desta reclamação, o recorrido não respondeu.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Nos presentes autos foi proferida decisão sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso de constitucionalidade interposto, com fundamento na apresentação do requerimento de interposição do recurso por forma não prevista no artigo 150.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável à tramitação dos recursos para o Tribunal Constitucional em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade (artigo 69.º da LTC). Concretamente por este requerimento ter sido apresentado a juízo por correio electrónico.
1. Para contrariar esta decisão, o reclamante começa por se socorrer de um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.
Sucede, porém, que a decisão em causa (Processo 4520/07.8TBRG.G1S1) incide sobre a forma de notificação entre mandatários através do sistema CITIUS, concluindo que “da própria aplicação do sistema CITIUS, resulta que a notificação entre mandatários se pode realizar através de correio electrónico”. O que não é, manifestamente, transponível para os presentes autos.
2. O reclamante argumenta também por recurso ao artigo 254.º do Código de Processo Civil, onde estaria previsto que a notificação das partes, na pessoa dos respectivos mandatários judiciais, fosse efectuada somente por carta registada (n.º 1) ou por correio electrónico com aposição de assinatura electrónica avançada (n.º 2).
Sucede, porém, que o enunciado legal do n.º 2 do artigo 254.º do Código de Processo Civil a que o reclamante alude é o anterior à redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto. Com a entrada em vigor deste diploma, a redacção do n.º 2 do artigo 254.º do Código de Processo Civil passou a ser a seguinte: «Os mandatários das partes que pratiquem actos processuais pelo meio previsto no n.º 1 do artigo 150.º, ou que se manifestem nesse sentido, são notificados nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 138.º-A».
3. O reclamante defende, ainda, que o princípio da colaboração imporia um convite ao reenvio pela forma própria.
Sucede, porém, que está em causa um acto relativamente ao qual a lei fixa um prazo para a prática do mesmo (artigo 75.º, n.º 1, da LTC), estatuindo-se, de forma taxativa, a forma de apresentação do mesmo a juízo (artigo 150.º do Código de Processo Civil). Por outro lado, a circunstância de o Supremo Tribunal de Justiça ter admitido o recurso de constitucionalidade não vincula este Tribunal, como resulta expressamente do artigo 76.º, n.º 3, da LTC.
O artigo 150.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, estatui que os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo preferencialmente por transmissão electrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 138.º-A, ou seja, através do sistema informático CITIUS (artigo 4.º da Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro). Acrescentando o n.º 2 do mesmo preceito que os actos processuais também podem ser apresentados por entrega na secretaria judicial, remessa pelo correio, sob registo, ou envio através de telecópia.
A redacção anterior do artigo 150.º previa, efectivamente, no n.º 1, alínea d), o envio por correio electrónico, com aposição de assinatura electrónica avançada, como uma outra forma de apresentação a juízo de acto processual, a par da entrega na secretaria judicial. Ora, foi esta forma de apresentação, o envio por correio electrónico, que a lei deixou de prever a partir do dia 7 de Fevereiro de 2008, aplicando-se imediatamente aos processos pendentes, por força do estatuído nos artigos 30.º, n.º 1, da Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro e 11.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto. Foi até expressamente revogada a Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, que regulava a forma de apresentação a juízo dos actos processuais enviados através de correio electrónico (artigo 27.º, alínea a), da Portaria n.º 114/2008), com efeitos a partir de 30 de Junho de 2008 (artigo 30.º, n.º 2, da Portaria n.º 114/2008).
Face ao que vem de ser dito, não se vislumbra razão bastante para inverter o juízo firmado na decisão sumária ora reclamada, que assim deve ser confirmada.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 1 de Junho de 2011.- Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira – Gil Galvão.