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Processo n.º 570/10
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I Relatório
1. A. interpôs no Supremo Tribunal Administrativo (STA) recurso contencioso de anulação dos despachos proferidos em 2 de Fevereiro de 1999 e de 1 de Março de 1999, este último complementado pelos despachos de 25 de Março de 1999 e de 13 de Abril de 1999, pelo Presidente do STA nesta sua qualidade e na de Presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF). Ao recurso foi negado provimento por acórdão proferido em 13 de Novembro de 2002. Por acórdão de 19 de Março de 2003 foi indeferido o pedido de aclaração e de reforma quanto a custas do aludido aresto e, em 7 de Abril de 2005, foi indeferido por acórdão um outro pedido relacionado com o pagamento de custas. Inconformado, o recorrente interpôs recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA. Por acórdão de 17 de Outubro de 2006, o Pleno negou provimento aos recursos; por acórdãos de 23 de Janeiro de 2007, de 29 de Maio de 2007, de 18 de Setembro de 2007, de 27 de Fevereiro de 2008 e de 2 de Julho de 2008, foi indeferido um pedido de aclaração e afastadas as arguições de nulidade sucessivamente suscitadas, tendo o último aresto condenado o recorrente como litigante de má fé na multa de 15UC. O recorrente recorreu, então, do acórdão de 17 de Outubro de 2006 para o Plenário do STA, invocando oposição de julgados entre esse e um outro aresto do mesmo Pleno.
Por acórdão de 4 de Novembro de 2009 o Plenário do STA julgou, no entanto, não verificada a invocada oposição de julgados e, consequentemente, declarou findo o recurso. Por acórdão de 26 de Maio de 2010, respondendo à arguição de nulidade suscitada pelo recorrente, o Plenário decidiu:
«(...) 2.1. Começaremos por apreciar da arguida nulidade do acórdão reclamado, que decorreria, segundo o requerente, da irregularidade da composição do Tribunal.
O acórdão reclamado julgou findo, por falta dos respectivos pressupostos legais, o referido recurso por oposição de julgados, que o ora requerente alegou ocorrer entre dois acórdãos da 1.ª secção deste STA: o do Pleno dessa 1.ª secção, de 17.10.06, proferido a fls. 829, ss., dos presentes autos, e o de 26.9.06, proferido no recurso 1273/05, da mesma 1.ª secção (2.ª subsecção).
Assim, o ora impugnado acórdão do plenário foi proferido no exercício da competência prevista na alínea b) do art. 22 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pelo DL 129/84, de 27.4 (DL 229/96, de 29.11), aqui aplicável, na qual se estabelece ser da competência do plenário do STA o conhecimento «Do seguimento dos recursos referidos nas alíneas anteriores...» sendo que o referido recurso por oposição de julgados se enquadra na previsão da alínea a) do mesmo art. 22, na qual se alude aos «recursos de acórdãos do pleno proferidos ao abrigo das alíneas a) dos artigos 24º e 30º que, na hipótese prevista na alínea anterior, perfilhem solução oposta à de acórdão do mesmo pleno ou da respectiva secção».
O art. 23 do mesmo ETAF84, estabelece que «1. O plenário do Supremo Tribunal Administrativo é constituído pelo presidente do Tribunal, pelos vice-presidentes e, nos termos dos números seguintes, por outros juízes de ambas as secções», dispondo, no respectivo nº 3, que «No exercício das competências previstas nas alíneas b) e c) do artigo anterior, intervêm os 2 juízes mais antigos de cada secção».
E o art. 20, do mesmo ETAF84, dispõe que «2. O Tribunal só pode funcionar, em plenário ou no pleno das secções, em presença de pelo menos quatro quintos dos juízes que devam intervir na conferência, procedendo-se o arredondamento por defeito».
Ora, no caso agora em apreço e como consta da acta de fls. 829, dos autos, o plenário do STA — e não o pleno da Secção de Contencioso Administrativo como, de certo por lapso, também refere o requerente — foi constituído por 7 juízes, sendo um deles o vice-presidente mais antigo, que substituiu o impedido presidente, em conformidade com o estabelecido no art. 18, nº 3, do citado ETAF84.
Assim, e ao contrário do que pretende o requerente, não ocorreu qualquer irregularidade da composição e funcionamento do tribunal, sendo improcedente a arguição de nulidade do acórdão reclamado que, com esse fundamento, foi deduzida pelo requerente, a fls. 859, e v., dos autos.
2.2. Vejamos, agora, da invocada violação dos princípios da imparcialidade e do direito a um processo equitativo, que resultaria — segundo o requerente de ter sido o plenário constituído por alguns dos juízes intervenientes no julgamento realizado no pleno da Secção e ter tido, um deles, intervenção como presidente e como adjunto.
Em conformidade com o preceito constitucional (art. 20/4) «Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão mediante... processo equitativo». O significado básico desta exigência de um processo equitativo é o da conformação do processo de forma materialmente adequada a uma tutela judicial efectiva (J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4º cd. rev., 415).
Já a Declaração Universal dos Direitos do Homem, igualmente invocada pelo requerente, consagra tal direito a um processo equitativo, estabelecendo que «1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável e por um tribunal independente e imparcial...».
O princípio da imparcialidade dos juízes, que é pressuposto da independência dos tribunais, exige também que aqueles não sejam parte nas questões submetidas à sua apreciação. E «esta exigência de imparcialidade ou terciaridade justifica a obrigação de o juiz se considerar impedido no caso de existir uma qualquer ligação a uma das partes» (J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª ed., 665).
Assim, e de acordo com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, deve ser recusado todo o juiz de quem se possa temer a falta de imparcialidade, para preservar a confiança que, numa sociedade democrática, os tribunais devem oferecer aos cidadãos. Nesta perspectiva, e conforme a denominada ‘teoria das aparências’, é decisivo apurar se as apreensões do interessado podem passar por objectivamente justificadas
No caso sujeito, nenhum dos quatro referenciados juízes se declarou impedido ou pediu escusa, nem o próprio requerente indica qualquer razão que, objectivamente, pudesse justificar suspeita sobre a imparcialidade da actuação de qualquer deles, antes se limita a invocar o facto de esses quatro juízes terem integrado o tribunal pleno e subscrito o acórdão recorrido. Só que esta circunstância não os torna partes na questão decidida no plenário nem limita a imparcialidade que se lhes exige na respectiva apreciação e julgamento. Sendo que a intervenção desses mesmos juízes, como a dos restantes intervenientes, se fez em conformidade com o já citado art. 23 do ETAF84, cuja previsão normativa afasta a possibilidade de aplicação, no caso e apreço, do art. 122 do CPCivil, invocado pelo recorrente.
Para além disso, e ao contrário do que defende o requerente, também a substituição do presidente do Tribunal pelo vice-presidente Conselheiro Rosendo José, que também interveio como adjunto, não constitui irregularidade que pudesse implicar a invalidade do acórdão reclamado.
Com efeito, o Conselheiro Rosendo José, no impedimento do presidente, assumiu a substituição deste, por ser o mais antigo dos vice-presidentes (art. 17/3 ETAF84). Pelo que, sendo adjunto, também presidiu à sessão, em conformidade com a previsão do art. 19, n.º 1, al. e), do ETAF84.
Como já se ponderou, face a idêntica arguição do reclamante, no acórdão de fls. 785, e segts., destes autos, citando-se o acórdão de 23.5.06 (Rº 4843/p), «se, em regra, os poderes de presidente e de adjunto são diferenciados, nem todos são insusceptíveis de aglutinação na mesma pessoa, por recíproca incompatibilidade. No caso concreto, os que foram efectivamente desempenhados em acumulação, não são inconciliáveis e essa circunstância não tem qualquer influência no exame ou decisão da causa».
Também no presente caso, em actividades que não são incompatíveis, o Conselheiro Rosendo José limitou-se a dirigir a discussão (art. 709/5 CPCivil) e a dar o seu voto, na qualidade de juiz-adjunto. E, porque a decisão se firmou por unanimidade, não foi chamado, na qualidade de presidente, a votar o acórdão, para formar maioria, competência essa que, como nos citados arestos bem se considerou, seria já incompatível com a de juiz-adjunto.
Assim, e tal como naqueles acórdãos se decidiu, também no caso ora em apreço o desvio à regra não constitui irregularidade processual nem contende com qualquer dos invocados princípios da imparcialidade e do processo equitativo.
De tudo o que se conclui que não ocorreu violação de qualquer das normas constitucionais e legais bem como da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem invocadas pelo requerente, sendo totalmente improcedente a arguição que deduziu, no requerimento de fls. 853 a 855, dos autos.
“2.3. (…) de forma clara e coerente, o acórdão reclamado explicita o entendimento de que foi a diversidade dos pressupostos factuais em que assentaram os acórdãos em confronto, e não qualquer divergência na interpretação de normas legais, que determinou que fosse diferente o sentido das decisões, nesses acórdãos afirmada, sobre a questão da existência ou não de violação do direito de audiência. E esclarece em que se traduziu essa diversidade de pressupostos factuais, sem a confundir com a diferença de decisões de um e de outro de tais acórdãos.
(…)
Para além disso, não consta do mesmo acórdão reclamado qualquer interpretação, designadamente dos apontados arts. 22 e 24 do ETAF e 763 CPCivil, «no sentido de que uma decisão proferida acerca da violação do direito de audiência configura questão de facto. Daí que não se vislumbre qualquer fundamento para a arguição de inconstitucionalidade de uma tal interpretação, que o requerente veio deduzir e que, por isso, também é de indeferir.
Por fim, o requerente pretende que o acórdão reclamado padeceria da omissão de pronúncia, prevista no art. 668, n.º1, al. d) do CPCivil, por não ter apreciado a questão, que diz ter suscitado no recurso interposto, da «inconstitucionalidade da interpretação sustentada no Acórdão recorrido por violação do art. 267.º da Constituição da república Portuguesa». Ora, como se referiu, o acórdão reclamado julgou findo o recurso por oposição de julgados, por falta de um dos pressupostos legais para a sua ulterior prossecução. Ou seja, não entrou no conhecimento do mérito desse recurso. Pelo que aquela invocada inconstitucionalidade de interpretação seguida no acórdão recorrido não configurava questão de que se devesse conhecer, por respeitar à apreciação do mérito do recurso, em que não entrou o mesmo acórdão reclamado».
2. Notificado deste último acórdão, o recorrente interpôs o presente recurso para o Tribunal Constitucional, subordinado à alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro, em requerimento do seguinte teor:
“(...)
Normas a apreciar:
1 – DA COMPOSIÇÃO DO TRIBUNAL – ponto 2.1. do Acórdão recorrido
- Pretende ver apreciada a inconstitucionalidade dos art. 23.º, n.º1 e n.º4 do anterior ETAF, art. 25.º n.º1 e n.º3 do anterior ETAF, quando interpretados no sentido de que o Plenário do STA que julgou o Acórdão proferido em 04/07/2009 se encontra regularmente constituído, se composto por sete juízes-Conselheiros, por violação dos arts. 2º, 16º. n.º2, 18.º, n.º2 e 20.º n.ºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa e artigo 6.º da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.
O Acórdão recorrido entendeu inexistir tal nulidade e inconstitucionalidade no seu ponto 2.1).
A inconstitucionalidade foi suscitada nos autos pelo Requerimento de fls. 859 dos autos, conforme patenteia o Acórdão recorrido.
II) DOS JUÍZES INTERVENIENTES – ponto 2.2 do Acórdão recorrido
- Pretende ver apreciada a inconstitucionalidade dos art. 23º n.º 1 e n.º 4 do anterior ETAF, art. 25º n.º 1 e n.º 3 do anterior ETAF, art. 122.º do CPC e arts. 44º e 46.º do Código do Procedimento Administrativo, quando interpretados no sentido de que, na formação dos colectivos que julgam o Recursos por Oposição de Julgados (art. 22º al. a,) do anterior ETAF), possa haver intervenção coincidente de Juízes nesse acórdão face ao acórdão-recorrido e ao acórdão-fundamento, bem como inconstitucional a circunstância de o Juiz-Presidente poder intervir simultaneamente como Adjunto, por violação dos arts. 2.º, 16.º n.º 2, 18.º n.º 2 e 20.º nºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa e artigo 6º da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.
O Acórdão recorrido entendeu inexistirem tais nulidades e inconstitucionalidades no seu ponto 2.2).
- A inconstitucionalidade foi suscitada nos autos pelo nosso Requerimento de 17/12/2009, a fls. 853 a 855 dos autos, conforme o patenteia o Acórdão recorrido.
III) DA AUDIÊNCIA PRÉVIA - ponto 2.3 do Acórdão recorrido
- Pretende ver apreciada a inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 22º e 24º do ETAF e do artigo 763º do Código Processo Civil por violação do n.º 5 do artigo 210º da CRP e ainda do art. 267º n.º 1 e n.º 5 da CRP, no sentido de que uma decisão proferida acerca da violação do direito de audiência prévia configura questão de facto, pois, na verdade, trata-se de questão jurídica porquanto se prende com a “qualificação do ocorrido”.
O Tribunal recorrido, por Acórdão datado de 04/11/2009, decidiu não conhecer do objecto do recurso interposto por oposição de julgados porquanto entendeu inexistir oposição de julgados entre o acórdão-recorrido e o acórdão-fundamento.
Consequentemente, o Tribunal recorrido não reconheceu o reclamado vício de oposição entre os fundamentos do Acórdão então reclamado e a decisão no mesmo prolatada, o que configura a nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 668º CPC, a qual não foi reconhecida.
Na verdade, existiram soluções opostas quanto à mesma questão de Direito pois o acórdão-recorrido sustenta que uma audição do administrado posterior ao acto administrativo desfavorável e à sentença, efectuada em sede de aclaração/reclamação deduzida ao abrigo do art. 699.º CPC, em que o poder jurisdicional já se esgotara (art. 666º n.º 1 CPC), sanou o vício procedimental que existiria, ao passo que o acórdão fundamento sustenta que “a subsequente intervenção da interessada na fase impugnatória (reclamação e recurso hierárquico) não sana a irregularidade cometida nem faz as vezes da sua participação no processo de tomada de decisão de 1º grau”.
Assim, deveria o Tribunal recorrido conhecer do objecto do recurso interposto por oposição de julgados por efectivamente esta existir, sendo certo que a situação de facto idêntica ou essencialmente semelhante é que, tanto no acórdão-recorrido como no acórdão-fundamento, houve uma audição do administrado posterior (e não anterior) ao acto administrativo desfavorável.
- A inconstitucionalidade foi suscitada nos autos nas Alegações de recurso com carimbo de entrada de 13/11/2009 e, porquanto o respectivo Acórdão de 04/11/2009 não se pronunciou quanto à inconstitucionalidade invocada, padecendo da nulidade prevista na 1 parte da alínea d) do n.º 1 do art. 668º CPC, tal arguição de inconstitucionalidade foi reiterada, em sede de reclamação, no nosso Requerimento de 15/12/2009, a fls. 845 a 848 dos autos, conforme o patenteia o Acórdão recorrido”.
Recebido o recurso, o recorrente alegou, tendo concluído:
“I. No Acórdão recorrido houve violação do princípio da imparcialidade e do direito a um processo equitativo devido à composição do tribunal - ponto 2.1 do Acórdão recorrido.
II. O Plenário julgou a causa de oposição de acórdãos ao abrigo da alínea b) do art. 22º do anterior ETAF. Afigura-se-nos que o deveria ter feito ao abrigo da alínea a), mas, mesmo ao abrigo da aliena b), o vício de insuficiência do número de Juízes existe.
III. No STA existem 3 vice-presidentes, na medida em que a secção do contencioso administrativo tem duas subsecções, sendo o terceiro o vice-presidente da secção do contencioso tributário, o que, a somar ao presidente do Tribunal e somando-se ainda os 7 juízes mais antigos de cada secção, significa que o Plenário deveria ter sido composto por onze Juízes Conselheiros, se enquadrarmos a questão na alínea a) do art. 22º do anterior ETAF, conforme propugnamos, mas, ainda que somemos os 2 juízes mais antigos de cada secção, se enquadrarmos a questão na alínea b) do art. 22º do anterior ETAF, significa que o Plenário deveria ter sido composto por oito Juízes Conselheiros.
IV. Estiveram presentes na secção do plenário o Dr. Rosendo Dias José (intervindo no mesmo acto com duas qualidades diferentes: como Vice-Presidente e como Juiz Conselheiro), o Dr. Santos Botelho, a Dra. Angelina Domingues, o Dr. Pais Borges, o Dr. Pimenta do Vale, o Dr. Jorge Lino e o relator, Dr. Adérito Santos, encontrando-se por conseguinte irregularmente constituído o Tribunal, uma vez que em vez dos onze (11) ou oito (8) Juízes (respectivamente, alíneas a) e b) do art. 22º do ETAF84) a que a lei expressamente obriga, apenas decidiram sete (7) Juízes Conselheiros.
V. Termos em que, a interpretação do Tribunal recorrido respeitante ao art. 23º nº 1 a nº 4 do anterior ETAF está eivada de inconstitucionalidade, quando interpretado no sentido em que o Plenário do STA que julgou o acórdão de 04/11/2009 e seu complemento, se encontra regularmente constituído, se composto por sete Juízes Conselheiros, quando, na verdade, o deveria ter sido por onze ou, pelo menos, oito, Juízes Conselheiros, por violação dos arts. 2º, 16º nº 2, 18º nº 2 e 20º nºs 1 e 4, assim como o art. 210º da Constituição da República Portuguesa e artigo 6º da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, e os Artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, Artigo 9.º n.º 2 da Declaração sobre o Direito e a Responsabilidade dos Indivíduos, Grupos ou Órgãos da Sociedade de promover e proteger os Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais Universalmente Reconhecidos (Defensores de Direitos Humanos) - Resolução n.º 53/144 da Assembleia Geral das Nações Unidas de 9 de Dezembro de 1998, Artigo 14.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (Lei n.º 29/78, de 12 de Junho), e Artigo 10.0 da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
VI. O Acórdão recorrido procedeu ainda à violação do princípio da imparcialidade e do direito a um processo equitativo quanto aos juízes intervenientes - ponto 2.2 do Acórdão recorrido.
VII. Estiveram presentes na sessão do plenário o Dr. Rosendo Dias José (intervindo no mesmo acto com duas qualidades diferentes: como Vice-Presidente e como Juiz Conselheiro), o Dr. Santos Botelho, a Dra. Angelina Domingues, o Dr. Pais Borges, o Dr. Pimenta do Vale, o Dr. Jorge Lino e o relator, Dr. Adérito Santos.
VIII. Constata-se que, na formação dos colectivos que julgaram o acórdão-recorrido (e seus complementos) para efeitos de oposição de julgados, e do Acórdão aqui recorrido (e seu complemento), existe a coincidência dos seguintes Srs. Juízes Conselheiros intervenientes: - Dr. Rosendo José; - Dra. Angelina Domingues; - Dr. Pais Borges; - Dr. Adérito Santos. Mais acresce que, no Acórdão ora em recurso, o Dr. Rosendo Dias José intervém como Presidente e simultaneamente como Adjunto.
IX. O Código de Processo Civil (CPC) é a legislação de aplicação subsidiária face ao ETAF84 “no que não estiver especialmente previsto” — art. 13º do ETAF84. O ETAF não consagra qualquer regime semelhante ao do CPC quanto às garantias de imparcialidade dos Juízes dos Tribunais Administrativos e Fiscais, designadamente quanto a impedimentos e suspeições.
X. Portanto, cumpria ao Tribunal a quo interpretar o art. 23º nº 1 do anterior ETAF à luz do art. 122º e ss do CPC quanto às garantias de imparcialidade dos Juízes intervenientes, e não afastando a sua aplicação (conforme propugna o Acórdão em recurso), porquanto esse normativo do ETAF é lacunar nessa matéria! E tanto é lacunar e era de aplicar o regime dos impedimentos e suspeições previsto no CPC que o mesmo foi efectivamente aplicado, na medida em que, ao abrigo do art. 126º n.º 1 do CPC, o Conselheiro Lúcio Alberto de Assunção Barbosa pediu dispensa de julgar o Acórdão recorrido por requerimento de 06 de Maio de 2009, o qual foi deferido em 08 de Maio de 2009 pelo Conselheiro Dr. Rosendo Dias José, e o Conselheiro Domingos Brandão de Pinho pediu dispensa de julgar o Acórdão recorrido por requerimento de 04 de Junho de 2009, o qual foi deferido em 09 de Junho de 2009 pelo Conselheiro Dr. Rosendo Dias José (cfr. autos).
XI. Igualmente o Código do Procedimento Administrativo (CPA) prevê um regime de impedimentos e suspeições nos arts. 44º e 46º. A cominação que o C.P.A. prevê para estes casos é a anulabilidade dos actos em que tiverem intervindo titulares de órgão ou agentes impedidos (art. 51º, n.º 1).
XII. Consequentemente, por força do art. 122º do CPC, não eram só os Juízes-Relatores que estavam impedidos, mas igualmente os Juízes Conselheiros Dr. Rosendo José, Dra. Angelina Domingues, Dr. Pais Borges e Dr. Adérito Santos.
XIII. Inexoravelmente, por motivo de iniquidade do Tribunal a quo, o recurso por oposição de julgados estava ab initio votado ao insucesso porquanto apreciado por mais de metade (4 em 7) dos Juízes Conselheiros que haviam decidido o aresto aí em recurso de oposição de julgados!
XIV. Por outro lado, a intervenção do Juiz-Presidente também como Adjunto acarreta a inconstitucionalidade do art. 23º do anterior ETAF quando em confronto com os arts. 18º e 19º do mesmo diploma, na interpretação de que o Presidente possa na sessão ter, além do estabelecido no art. 19º do ETAF84, competência para simultaneamente intervir como julgador.
XV. Se intervém como julgador, já não tem uma posição neutral e permitirá que a sessão e o julgamento se desenrolem com parcialidade no sentido do seu voto, daí o mens legis de o Presidente só poder votar em circunstâncias muito restritas, em caso de empate, o que não foi o caso — alínea e) do n.º 1 do art. 19º do ETAF84. Por isso, o Tribunal assim constituído não foi imparcial nem equitativo na medida em que o Presidente não ficou limitado às competências previstas no art. 19º do ETAF84, cuja epígrafe é justamente “Competência do presidente”.
XVI. Assim, ocorre a inconstitucionalidade do art. 23º n.º 1 a n.º 4 do anterior ETAF, quando interpretado no sentido de que, na formação dos colectivos que julgam os Recursos por Oposição de Julgados (art. 22º als. a) e b) do anterior ETAF), possa haver intervenção coincidente de Juízes nesse acórdão face ao acórdão-recorrido e ao acórdão- fundamento, estes dois em sede de oposição de julgados para fixação de Jurisprudência, bem como inconstitucional a circunstância de o Juiz-Presidente poder intervir simultaneamente como Adjunto, votando o acórdão, pois, para além de tal interpretação violar a lei ordinária do art. 122.º do CPC, dos arts. 18º e 19º do anterior ETAF e ainda dos arts. 44º e 46º do Código do Procedimento Administrativo, viola os arts. 2º, 16º n.º 2, 18º n.º 2 e 20º n.ºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa e artigo 6º da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, Artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, Artigo 9.º n.º 2 da Declaração sobre o Direito e a Responsabilidade dos Indivíduos, Grupos ou Órgãos da Sociedade de promover e proteger os Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais Universalmente Reconhecidos (Defensores de Direitos Humanos) – Resolução n.º 53/144 da Assembleia Geral das Nações Unidas de 9 de Dezembro de 1998, Artigo 14.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (Lei n.º 29/78, de 12 de Junho), e Artigo 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
XVII. Por tudo o que se deixou ora escrito, transversalmente emerge, pelos mesmos fundamentos, a incompetência absoluta do próprio Supremo Tribunal Administrativo para julgar o Acórdão recorrido à luz do princípio da imparcialidade e do direito a um processo equitativo.
XVIII. O facto de a pessoa do Recorrido ser Presidente do Supremo Tribunal Administrativo e, por inerência, Presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e, portanto, superior hierárquico dos Venerandos Juízes-Conselheiros que julgaram o Acórdão recorrido bem como decisões que lhe antecederam, constitui um elemento decisivo na formulação do juízo sobre a imparcialidade do Tribunal, e, quando analisadas, de um ponto de vista objectivo, face às circunstâncias concretas do caso, as sobreditas suspeitas são mais do que justificadas.
XIX. In casu, o facto de o STA ser competente para julgar a causa manifestamente acarreta que o princípio da imparcialidade e do direito a um processo equitativo foi preterido atendendo à composição dos membros do Tribunal recorrido e sua subordinação hierárquica e/ou de facto à pessoa do Juiz Conselheiro Recorrido, existindo manifesta violação dos arts. 2º, 16º n.º 2, 18º n.º 2 e 200 n.ºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa, artigo 6º da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, Artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, Artigo 9.º n.º 2 da Declaração sobre o Direito e a Responsabilidade dos Indivíduos, Grupos ou Órgãos da Sociedade de promover e proteger os Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais Universalmente Reconhecidos (Defensores de Direitos Humanos) – Resolução n.º 53/144 da Assembleia Geral das Nações Unidas de 9 de Dezembro de 1998, Artigo 14.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (Lei n.º 29/78, de 12 de Junho), e Artigo 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
XX. O Acórdão recorrido é inconstitucional por violação do direito dos administrados à AUDIÊNCIA PRÉVIA - ponto 2.3 do Acórdão recorrido
XXI. O Recorrente foi notificado do Acórdão que julgou improcedente o recurso ordinário interposto por oposição de julgados porque, alegadamente, o Acórdão em oposição (proferido em 17/10/2006, tendo sido complementado pelos Acórdãos de 23/01/2007 e 29/05/2007) e o Acórdão-Fundamento “assentaram em diversos pressupostos factuais” – cfr. Pág. 15 do Acórdão-recorrido em sede de oposição de julgados.
XXII. Acerca da distinção, diz-nos Karl Larenz que a “questão de facto” se reporta ao que efectivamente aconteceu, enquanto a “questão de direito” se identifica com a qualificação do ocorrido em conformidade com os critérios da ordem jurídica.
XXIII. O Acórdão ora em recurso qualifica como questão de facto que o Acórdão-recorrido “tenha decidido no sentido de que não foi violado o direito de audiência”, distinguindo-o factualmente do acórdão- fundamento pela circunstância de que este “decidiu pela existência de violação do questionado direito de audiência.” – cfr. Acórdão recorrido.
XXIV. É evidente que tais decisões acerca da violação do direito de audiência não configuram questões de facto, pois prendem-se com a “qualificação do ocorrido” (nas palavras de Larenz): por isso o próprio Acórdão recorrido as apelida de decisões!
XXV. É errado afirmar-se – como o faz o Acórdão em recurso – que só haveria semelhança da questão fáctica se ambos os acórdão-recorrido e o acórdão-fundamento tivessem decidido que, nos respectivos casos, teria havido violação do direito de audiência prévia, já que tal decisão é uma questão jurídica, um juízo conclusivo, e não uma questão fáctica!
XXVI. A matéria de facto provada no acórdão-recorrido é que os Despachos de 2/2/99 e de 1/3/99 indeferiram a pretensão do aqui Recorrente; portanto, esse é o acto administrativo de indeferimento – cfr. Pontos 10 e 11 da matéria de facto provada no acórdão-recorrido;
XXVII. é ainda matéria de facto provada que sobre o teor de tal acto administrativo de 2/2/99 de indeferimento o aqui Recorrente se pronunciou apenas em 16/2/99, i.e., sem qualquer audiência prévia, que resulta provada desta cronologia, o mesmo se passando quanto ao Despacho de 1-3-99, que foi objecto de reclamação – cfr. Pontos 12 e 13 da matéria de facto provada no acórdão-recorrido.
XXVIII. As situações de facto idênticas ou essencialmente semelhantes são que, tanto no acórdão-recorrido como no acórdão-fundamento, somente houve uma intervenção do administrado posteriormente à prática do acto administrativo desfavorável.
XXIX. A matéria de facto referida no Acórdão de 04/11/2009, trazida daquele que foi o Acórdão-recorrido em sede de oposição de julgados, em parte nenhuma aponta que o Recorrente tenha sido convidado a pronunciar-se sobre o projecto das decisões primárias de 2-2-99 e 1-3-99 10 antes de estas terem sido proferidas. E também se vê da matéria de facto que todas as intervenções do Recorrente foram posteriores a cada um desses actos administrativos primários.
XXX. Por isso, a conclusão é óbvia: nunca o Recorrente foi convidado previamente, nos termos do art. 100.º do C.P.A., a pronunciar-se sobre cada um dos projectos de decisão administrativa, e igualmente nunca o fez espontaneamente; foi sempre alvo de decisões-surpresa!
XXXI. A questão de Direito é definir se as reclamações do administrado posteriores à prática do acto administrativo definitivo e executório configuram o exercício de audiência prévia (já que “anteriores” não houve). Entendeu que sim o acórdão-recorrido; entendeu que não o acórdão-fundamento.
XXXII. As soluções opostas quanto à mesma questão de Direito foram que o acórdão-recorrido sustenta que uma audição do administrado posterior ao acto administrativo desfavorável, efectuada em sede de reclamação, sanou o vício procedimental que existiria, ao passo que o acórdão-fundamento sustenta que “a subsequente intervenção da interessada na fase impugnatória (reclamação e recurso hierárquico) não sana a irregularidade cometida nem faz as vezes da sua participação no processo de tomada de decisão de 1º grau”.
XXXIII. É, portanto, evidente, que há oposição de acórdãos (entre o “acórdão recorrido” e o anterior “acórdão fundamento”) pois expressamente perfilharam soluções opostas, relativamente à mesma questão fundamental de direito, face a situações de facto idênticas ou “essencialmente semelhantes”, no domínio (temporal) da mesma legislação, substantiva ou processual e na ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica.
XXXIV. A admissibilidade do recurso aqui interposto é de tal forma patente que se enquadra nos ensinamentos do prof. Alberto dos Reis quando propugna que “Há oposição susceptível de servir de fundamento a recurso para o Tribunal Pleno mesmo quando a questão final decidida nos acórdãos seja diversa se, para a decidirem, os acórdãos tiverem de se pronunciar primeiro sobre a mesma questão de direito e se pronunciarem sobre ela em sentidos opostos.” – prof. Alberto dos Reis in CPC Anotado, 6º, 250.
XXXV. Aliás, pense-se no lugar paralelo de se saber se as reclamações deduzidas ao abrigo do art. 699º CPC e outras reacções posteriores a o poder jurisdicional já se ter esgotado (art. 666º n.º 1 CPC) configuram o exercício de audiência prévia. Obviamente que não; será uma audiência póstuma, não prévia!
XXXVI. Deveria o Tribunal a quo ter conhecido do objecto do recurso interposto por existir oposição de julgados, o que não cuidou de fazer, conduzindo à inconstitucionalidade da interpretação do artigo 22º do ETAF e do artigo 763º ss do CPC por violação do n.º 3 do artigo 212º da CRP e dos n.ºs 1 e 5 do art. 267º da CRP, no sentido de que uma decisão proferida acerca da violação do direito de audiência configura questão de facto, pois, na verdade, trata-se de questão jurídica porquanto se prende com a “qualificação do ocorrido”, sendo certo que a situação de facto idêntica ou essencialmente semelhante é que, tanto no acórdão recorrido como no acórdão fundamento, somente houve uma intervenção do administrado posteriormente (e não anteriormente) à prática do acto administrativo desfavorável (decisão-surpresa).
XXXVII. Finalmente, quanto a custas neste TC, estatui a alínea c) do n.º 1 do art. 40 do Regulamento das Custas Processuais que estão isentos de custas “Os magistrados e os vogais do Conselho Superior da Magistratura que não sejam juízes, em quaisquer acções em que sejam parte por via do exercício das suas funções, incluindo as de membro do Conselho Superior da Magistratura e de inspector judicial”, sendo evidente que inexiste norma de incidência tributária aplicável ao aqui Recorrente, cujo interesse em agir decorre das funções que desempenhou como inspector judicial.
Termos em que deverão as inconstitucionalidades acima arguidas ser declaradas, com as necessárias consequências no acórdão em recurso (e seu complemento) e acórdão-recorrido em sede de oposição de julgados (e seu complemento) porquanto este integra o primeiro, fazendo-se assim a acostumada justiça”
A entidade recorrida limitou-se dizer o seguinte:
“O teor dos Acórdãos de 4.11.2009 e de 26.05.2010, do Plenário do Supremo Tribunal Administrativo, bem como o normativo jurídico em que estes assentam, de tal forma claros no que concerne insustentabilidade dos argumentos invocados pelo Recorrente que a entidade recorrida entende que nada mais deve dizer sobre o assunto, a não ser pugnar pela improcedência do recurso ora apresentado”.
II Fundamentação
3.1. O recorrente pretende ver apreciada a inconstitucionalidade dos artigos 23.º, n.º 1 a n.º 4, 25.º n.º 1 e n.º 3, todos do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF/84) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84 de 27 de Abril, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 229/96, de 29 de Novembro, quando interpretados no sentido de que «o Plenário do STA se encontra regularmente constituído, se composto por sete juízes-Conselheiros».
Em segundo lugar, invoca a inconstitucionalidade do artigo 23º n.º 1 e n.º 4 e artigo 25º n.º 1 e n.º 3, ambos do ETAF/84, artigo 122.º do Código de Processo Civil (CPC) e artigos 44º e 46.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), quando interpretados no sentido de que na formação do tribunal que julga o recurso por oposição de julgados possa haver intervenção de juízes que intervieram no acórdão recorrido, sendo ainda inconstitucional a circunstância de o juiz-presidente poder intervir simultaneamente como adjunto.
Por fim, o recorrente invoca a inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 22º e 24º do ETAF/84 e do artigo 763º do CPC, no sentido de que uma decisão proferida acerca da violação do direito de audiência prévia configura uma questão de facto por violação do n.º 5 do artigo 210º da CRP e ainda do artigo 267º n.º 1 e n.º 5 da CRP.
3.2. Acontece que o Tribunal Constitucional não pode tomar conhecimento da primeira e da última destas questões, por não apresentarem natureza normativa.
Na primeira questão pretende o recorrente saber se «o Plenário do STA se encontra regularmente constituído, se composto por 7 juízes-Conselheiros». Mas é manifesto que a resposta a tal pergunta representa verdadeiramente a solução da 'causa'. Colocada a questão ao julgamento do Plenário do STA, a resposta foi positiva; o recorrente pretende, por isso, recolocá-la ao Tribunal Constitucional, no intuito de obter julgamento inverso. Ora, ao Tribunal Constitucional incumbe apurar se as normas mobilizadas pelos tribunais na sua tarefa jurisdicional ofendem ou não a Constituição, mas não lhe é permitido praticar actos que constituem materialmente a função jurisdicional, substituindo-se aos outros tribunais no exercício de tal tarefa. Isto é: ao Tribunal Constitucional não cabe decidir se o plenário do STA deve, ou pode, funcionar com um determinado número de juízes, no caso, 7 juízes, pois apenas lhe caberia dar resposta – por exemplo – à questão de saber se é ou não desconforme com a Constituição a norma que permite o funcionamento do plenário do STA com 7 juízes. Mas a resposta a essa questão nunca dependeria da 'melhor' interpretação do direito ordinário, como propõe o recorrente, mas do cotejo da norma com parâmetro retirado directamente da Constituição; a norma só seria inconstitucional se se pudesse concluir que a Constituição proíbe que o plenário do STA funcione com 7 juízes.
Confrontado com a possibilidade de o Tribunal não conhecer desta matéria, respondeu o recorrente ser «por demais evidente» tratar-se de interpretação normativa que se prende com «a própria composição do Tribunal a quo, no sentido de se saber, a montante, se estava regularmente constituído para, a jusante, proferir a Decisão recorrida, ou se o não estava, o que acarreta a própria inexistência desta». Mas esta resposta indicia, salvo o devido respeito, que o recorrente não tem presente a linha distintiva que marca, por um lado, a escolha do direito e a sua aplicação aos factos concretos e, por outro, a averiguação da conformidade constitucional da norma aplicada. Com efeito, é absolutamente seguro que a tarefa de apurar se a aludida formação do STA fica regularmente constituída se composta por 7 juízes, corresponde a uma actividade jurisdicional, insindicável perante o Tribunal Constitucional por via do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC. Ora, é justamente esta a actividade que o recorrente propõe ao Tribunal Constitucional, mas que, pelas razões expostas, não pode ser acolhida.
Iguais considerações impedem o Tribunal de conhecer da questão de saber se uma decisão proferida acerca da violação do direito de audiência prévia configura uma questão de facto ou uma questão de direito. O que o recorrente verdadeiramente pretende sindicar neste ponto é o juízo do tribunal recorrido, a solução alcançada, e não a conformidade constitucional da norma aplicada. Ora, conforme jurisprudência consolidada do Tribunal Constitucional, o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LCT, como é o presente, tem carácter exclusivamente normativo e o seu objecto consiste na norma que haja sido efectivamente aplicada pelo tribunal a quo, isto é, o “critério normativo da decisão, a regra abstractamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica”. O recorrente pretende discutir “o puro acto de julgamento, enquanto ponderação casuística” (Lopes do Rego, “O Objecto Idóneo dos Recursos de Fiscalização concreta da Constitucionalidade – as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional”, in Jurisprudência Constitucional, n.º 3, Julho-Setembro de 2004., p. 7)”.
Aliás, o acórdão recorrido fundamenta-se no entendimento de que foi a diversidade dos pressupostos de facto em que assentaram os acórdãos em confronto que determinou que fosse diferente o sentido das decisões firmadas nesses acórdãos sobre a existência ou não de violação do direito de audiência. O que o recorrente verdadeiramente pretende sindicar é o juízo do tribunal a quo em não ter considerado verificados os pressupostos de que dependia o prosseguimento desse recurso, não tendo conhecido a questão relativa à suposta oposição de julgados.
Assim, a invocação dos artigos 22º e 24º do ETAF e do artigo 763º do CPC é artificial neste contexto, pois o objecto do recurso é, verdadeiramente, a decisão de o tribunal a quo ao não ter considerado estarem verificados os pressupostos que, nos termos dessas normas, permitiriam conhecer do recurso de oposição de julgados. É, enfim, novamente o juízo subsuntivo que o recorrente questiona, juízo esse que não cabe ao Tribunal Constitucional sindicar.
4.1. O recorrente invoca a inconstitucionalidade do artigo 23º n.º 1 e n.º 4 do anterior ETAF, artigo 25º n.º 1 e n.º 3 também do anterior ETAF, artigo 122.º do CPC e artigos 44º e 46.º do CPA, quando interpretados no sentido de que, na formação dos colectivos que julgam recursos por oposição de julgados (artigo 22º alínea a) do anterior ETAF), possa haver intervenção coincidente de juízes face ao acórdão-recorrido, bem como a circunstância de o juiz-presidente poder intervir simultaneamente como adjunto.
Haverá que começar por fazer uma delimitação das normas objecto do recurso. De facto, a inconstitucionalidade dos artigos 122.º do CPC e 44.º e 46.º do Código do Procedimento Administrativo, quando interpretados no sentido referido, não pode ser apreciada, uma vez que estas normas não constituíram a ratio decidendi do acórdão aqui recorrido. Tanto assim é que, nas alegações de recurso perante este Tribunal, o recorrente invoca essas normas já não como tendo sido aplicadas, mas sim como tendo sido violadas pela decisão do tribunal a quo. A ratio decidendi reduziu-se apenas ao artigo 23.º do antigo ETAF, que diz respeito à composição do plenário. O próprio artigo 25.º desse diploma, que diz respeito à composição da secção em pleno, não constituiu a ratio decidendi. Afirma o acórdão recorrido:
“ a intervenção desses mesmos juízes, como a dos restantes intervenientes, se fez em conformidade com o já citado art. 23 do ETAF84, cuja previsão normativa afasta a possibilidade de aplicação, no caso e apreço, do art. 122 do CPCivil, invocado pelo recorrente”.
Por outro lado, não cabe analisar uma outra questão levantada pelo recorrente, traduzida em saber se o princípio da imparcialidade e do direito a um processo equitativo acarretam a incompetência absoluta do próprio Supremo Tribunal Administrativo para julgar o acórdão recorrido, uma vez que essa questão – apenas levantada em sede de alegações perante o Tribunal – não foi suscitada perante o tribunal a quo nem é referida no requerimento de interposição do recurso, momento a partir do qual o objecto do recurso pode ser reduzido, mas não ampliado ou modificado.
4.2. É a seguinte a redacção do artigo 23.º do anterior ETAF, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27/04, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 229/96, de 29 de Novembro:
23.º
(Composição do Plenário)
1. – O plenário do Supremo Tribunal Administrativo é constituído pelo presidente do Tribunal, pelos vice-presidentes e, nos termos dos números seguintes, por outros juízes de ambas as secções.
2. – No exercício da competência prevista nas alíneas a), a’) e a’’) do artigo anterior, intervêm os sete juízes mais antigos em cada secção.
3. – No exercício das competências previstas nas alíneas b) e c) do artigo anterior intervêm os 2 juízes mais antigos de cada secção.
4. – A distribuição é feita entre os juízes intervenientes, com exclusão dos relatores dos acórdãos em oposição ou de que resulte o conflito.
Invoca o recorrente que, quando interpretado no sentido de que na formação do tribunal que julga os recursos por oposição de julgados possa haver intervenção dos juízes que intervieram no acórdão-recorrido ou no acórdão-fundamento, o normativo é inconstitucional por violação dos artigos 2.º, 16.º n.º 2, 18.º n.º 2 e 20.º nºs 1 e 4 da Constituição e artigo 6º da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.
Em causa, assim, está a violação do princípio da imparcialidade e do direito a um processo equitativo, o que resultaria de o plenário, ao julgar o recurso de oposição de julgados, ser constituído por juízes intervenientes no julgamento que decidiu o acórdão recorrido, além de outros. De facto, entre a formação do tribunal que julgou o acórdão-recorrido e a formação do tribunal que julgou não verificados os pressupostos de admissibilidade do recurso de oposição de julgados, existe a coincidência de quatro juízes. O acórdão recorrido considerou que a coincidência desses quatro juízes não os tornava partes na questão decidida no plenário nem limitava a imparcialidade que se lhes exige na respectiva apreciação e julgamento.
4.3. Cumpre caracterizar, em primeiro lugar, os preceitos constitucionais que o recorrente considera violados.
Invoca o recorrente a violação dos artigos. 2.º, 16.º n.º 2, 18.º n.º 2 e 20.º nºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e artigo 6º da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.
Todavia, no recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o parâmetro de análise não é outro que não a Constituição, cujo texto, de resto, tem uma abrangência não inferior ao âmbito de protecção que é conferida aos direitos fundamentais pela Convenção. Mas a própria Constituição determina que «os preceitos constitucionais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem», o que abre a porta à análise das decisões proferidas em aplicação da referida Convenção.
O artigo 2.º da CRP consagra o princípio do Estado de Direito democrático, do qual decorre o princípio da protecção jurídica. Assim, J.J. Gomes Canotilho: “do princípio do Estado de Direito deduz-se, sem dúvida a exigência de um procedimento justo e adequado de acesso ao direito e de realização do direito” (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, Coimbra, p. 266). No presente caso estão em causa, em particular, as consagradas no artigo 20.º, n.º 1 e n.º 4 da CRP:
Artigo 20º
(Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva)
1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
2. (…)
3. (…)
4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
O direito a um processo equitativo implica que “todo o processo – desde o momento de impulso da acção até ao momento da execução – deve estar informado pelo princípio da equitatividade através da exigência do processo equitativo (…) o due process positivado na Constituição portuguesa deve entender-se num sentido amplo, não só como um processo justo na sua conformação legislativa (…) mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais” (J.J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, op. cit, p. 415). A garantia da imparcialidade do juiz constitui um corolário do direito a um processo equitativo. Assim o afirmou o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 20/2007 (publicado in Diário da República, IIª Série n.º 56, de 20/03/2007):
«É incontestável que a imparcialidade dos juízes é um princípio constitucional, quer se conceba como uma dimensão da independência dos tribunais (artigo 203.º da CRP), quer como elemento da garantia do “processo equitativo” (n.º 4 do artigo 20.º da CRP). Importa que o juiz que julga o faça com isenção e imparcialidade e, bem assim, que o seu julgamento, ou o julgamento para que contribui, surja aos olhos do público como um julgamento objectivo e imparcial.»
O direito a um processo equitativo comporta o direito a que a causa seja julgada por um tribunal imparcial, pelo que a garantia de imparcialidade do juiz constitui um verdadeiro direito pessoal: todas as pessoas têm o direito a que os órgãos judiciais sejam compostos por juízes independentes e imparciais, o que exige a neutralidade do juiz em relação às partes, a outros participantes no julgamento, bem como com o objecto do processo, evitando que este possa decidir tendo já uma opinião pré-concebida sobre o caso (Peter van Dijk, “Article 6 of the Convention and the Concept of «objective impartiality»”, in Protéction des Droits de l’Homme: la Perspective Européenne, 2000, p. 1495).
É, por outro lado, a garantia de imparcialidade dos juízes que leva à previsão do regime dos impedimentos. De facto, «esta exigência de imparcialidade ou terciaridade justifica a obrigação de o juiz se considerar impedido no caso de existir uma qualquer ligação a uma das partes» (J. J. Gomes Canotilho, op. cit. p., 665). Assim se pronunciou o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 324/2006 (publicado in Diário da República, IIª Série, n.º 167, de 30/08/2006):
“Os impedimentos, tal como as suspeições, têm como justificação garantir a independência do tribunal que vai julgar uma causa. Porque não envolvem qualquer juízo de desconfiança concreta sobre um juiz, relacionado com a causa que lhe foi atribuída ou com as respectivas partes, têm uma função preventiva, razão pela qual têm de ser opostos antes de o juiz se ver confrontado com a necessidade de decidir. Visam, pois, obstar a que o juiz seja colocado numa situação em que se possa questionar a sua imparcialidade, real ou aparente”.
4.4. Para clarificar o sentido dos direitos fundamentais previstos na Constituição, nos termos do artigo 16.º da CRP, interessa analisar o que dispõe a Convenção Europeia dos Direitos do Homem no que toca ao direito a um processo equitativo na sua vertente de direito a um processo julgado por um juiz imparcial. A referida Convenção (CEDH) consagra, no artigo 6.º, n.º 1, esse direito:
Artigo 6
Direito a um processo equitativo
1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.
A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), tem confirmado e sublinhado que a garantia de um processo equitativo supõe e exige a garantia de um tribunal imparcial.
Assim, na sentença de 22 de Abril de 1994 (caso Saraiva de Carvalho contra Portugal, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 4, 1994, p. 405 ss, trad. e anot. por A. Henriques Gaspar), diz-se que: “Para os fins do artigo 6º, § 1º, o Tribunal recorda que a imparcialidade deve ser apreciada segundo uma perspectiva subjectiva, tentando determinar a convicção pessoal de um certo juiz numa dada ocasião, e também segundo uma perspectiva objectiva, que assegure que o juiz oferecia garantias suficientes para excluir a este respeito qualquer dúvida legítima”. E, especificamente quanto à perspectiva objectiva, lê-se que: “Nesta matéria, mesmo as aparências podem revestir importância. Daí resulta que, para se pronunciar sobre a existência, num dado caso concreto, de uma razão legítima para recear a falta de imparcialidade de um juiz, a óptica do acusado entra em linha de conta mas não tem uma importância decisiva. O elemento determinante consiste em saber se as apreensões do interessado podem ter-se por objectivamente justificadas”.
A dimensão subjectiva do princípio da imparcialidade tem em conta a convicção pessoal de um certo juiz numa dada ocasião. A dimensão objectiva visa assegurar que o juiz oferece garantias suficientes para excluir qualquer dúvida legítima acerca da sua imparcialidade e apurar se o juiz está em condições de proceder a um julgamento livre, para afastar qualquer receio de parcialidade. Esta dimensão justifica-se, enfim, pela confiança que os tribunais devem inspirar num Estado de Direito democrático (Piersack, cit). Na avaliação desses receios, a teoria das aparências assume um papel importante, no sentido de que qualquer juiz em relação ao qual exista uma razão legítima para se duvidar da falta de imparcialidade deve ser afastado. A ênfase no que deve parecer às partes é justificada pelo TEDH com a ideia de que “Justice must not only be done, it must also be seen to be done” (Ireneu Cabral Barreto, “Notas para um Processo Equitativo – Análise do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem à luz da Jurisprudência da Comissão e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem”, Documentação e Direito Comparado, 1992, n.ºs 49/50, p. 114).
Ora, decisivo neste ponto é saber se existe ou não um receio de não imparcialidade objectivamente justificado. Esta perspectiva é independente do comportamento pessoal do juiz, e reporta-se às funções anteriormente exercidas no mesmo processo: é em razão das funções exercidas pelo magistrado, e não da sua atitude ou das suas convicções, que se avalia da sua imparcialidade objectiva (C. Goyet, Remarques sur l’impartialité du Tribunal, Dalloz, 2001, p. 329).
De facto, as dúvidas que o recorrente levanta em relação à imparcialidade de quatro dos sete juízes que julgaram o recurso de oposição de julgado dizem respeito à sua intervenção anterior no processo, nomeadamente por terem participado na anterior decisão.
4.5. Mas a verdade é que nem toda a intervenção anterior de juízes no mesmo processo constitui uma razão suficiente para se considerar existirem receios fundados de não imparcialidade desses juízes.
O TEDH tem, nesse seguimento, vindo a distinguir claramente duas hipóteses: por um lado, os casos em que o juiz exerce sucessivamente, no mesmo processo, funções jurisdicionais diferentes; por outro, as situações em que um juiz exerce sucessivamente, através de recurso, as mesmas funções jurisdicionais. A primeira situação remete para a cumulação das funções de acusação, de instrução e de julgamento, ou de funções consultivas e funções jurisdicionais. O TEDH condena o exercício sucessivo de funções consultivas e jurisdicionais (assim, o caso Procola c. Luxemburgo, de 28 de Setembro de 1995). No que toca ao segundo aspecto, o TEDH considera que o simples cúmulo de funções não é suficiente para comportar automaticamente a violação do artigo 6.º da CEDH. Após o caso Hauschildt c. Dinamarca, de 24 de Maio de 1989, o TEDH passou a decidir que o simples facto de um juiz já ter tomado decisões anteriormente no processo não podia, só por si, justificar dúvidas em relação à sua imparcialidade. Determinante é avaliar o papel efectivo do juiz nas suas diversas intervenções, a fim de averiguar se “as apreensões do interessado são objectivamente justificadas”. Nesse seguimento, o TEDH distingue as intervenções do juiz que à partida o não impedirão de intervir ulteriormente com independência, das que, implicando uma tomada de posição por parte do juiz, criam uma dúvida legítima quanto à sua aptidão para julgar ulteriormente de forma imparcial (Jacques Van Compernolle, op. cit., p. 1493).
Em suma: o TEDH não considera suficiente a intervenção em sede de recurso do juiz que interveio em primeira instância para poder qualificar-se a intervenção posterior como objectivamente não imparcial (por exemplo, Morel c. França de 06 de Junho de 2000, Warsicka c. Polónia, de 16 de Janeiro de 2007).
4.6. Também o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre vários casos em que se questionava a coincidência de juiz em diferentes fases decisórias de um processo. Acompanhamdo a jurisprudência do TEDH, tem também afirmado que importa que “o juiz que julga o faça com independência e imparcialidade. E importa, bem assim, que o seu julgamento surja aos olhos do público como um julgamento objectivo e imparcial” (Acórdão n.º 124/90, publicado in Diário da República, IIª Série, n.º 33, de 08/02/1991).
A jurisprudência do Tribunal vai no sentido de permitir que um juiz, que participou em julgamento ou decisão posteriormente declarada nula ou anulada, possa intervir no novo julgamento a realizar na sequência dessa invalidação. Nos acórdãos n.º 399/2003, 393/2004, 324/2006 e 167/2007, o Tribunal Constitucional considerou não violar, por si só, a Constituição a intervenção de juízes em novo julgamento, na sequência da invalidação de julgamento anterior por razões distintas da apreciação do mérito da causa. Há assim que conferir relevo ao conteúdo das decisões proferidas pelo juiz (cfr. afirmou o já citado Acórdão n.º 399/2003). Distinção que o Acórdão n.º 393/2004 (publicado in Diário da República, IIª Série, n.º 159, de 08/07/2004) veio retomar, afirmando:
“Nestes dois casos (…) não foi posto em causa – nem chegou a ser apreciado – o conteúdo da decisão condenatória, quer em sede de matéria de facto, quer em sede de matéria de direito, nem sequer a coerência lógica da sentença, mas aspectos exteriores à mesma (embora com possibilidade de nela se repercutirem), como a documentação da prova ou a atendibilidade da contestação e a produção de prova requerida pelo arguido, o que terá estado na base do entendimento do legislador de que, nestas hipóteses, nada obsta a que a repetição do julgamento seja feita pelo mesmo tribunal. E, na mesma linha, há que concluir não ser de considerar como desrespeitadora do princípio da imparcialidade do julgador a possibilidade de intervenção dos mesmos juízes (ou de parte deles) que participaram no primeiro julgamento”.
Por seu turno, o Acórdão n.º 324/2006 teve por objecto a norma do artigo 122.º, n.º1, c) do CPC, quando interpretada no sentido de que “não está impedido de efectuar a repetição de um julgamento o juiz que antes se pronunciou sobre a mesma questão, em sentença entretanto anulada por obscuridade e contradição”. No caso, o que tinha sido anulado por obscuridade e contradição havia sido a decisão de matéria de facto. Nesse caso, o Tribunal Constitucional sublinhou que, apesar de uma intervenção decisória anterior poder consubstanciar uma situação em que o juiz fosse colocado numa situação em que se pudesse questionar a sua imparcialidade, real ou aparente, não seria qualquer intervenção decisória anterior que teria potencialidade para pôr em crise a confiança numa decisão imparcial:
“Em diversos casos a lei de processo civil prevê que se peça essa nova ponderação ao juiz que decidiu.
Assim sucede, por exemplo, quando se admitem reclamações, em geral; ou, em particular, quando se argúem nulidades perante o tribunal que julgou, quando se requer a reforma da decisão, ou quando se interpõe recurso de agravo. Em todos estes casos a lei quer essa reponderação, considerada vantajosa por comparação com a hipótese de ser um juiz alheio ao processo a tomar a nova decisão.
Por um lado, pretende-se que seja o mesmo juiz porque é ele que conhece globalmente o processo, o que beneficia, quer a adequação da decisão sobre a questão parcelar, quer a celeridade processual; por outro lado, não se considera que o juiz possa ser determinado na sua nova decisão por pré-juízos formados quando proferiu a primeira, já que não há mudança de qualidade na intervenção que possa fazer duvidar da independência na segunda intervenção.
Não há manifestamente razão para lançar sobre os juízes a dúvida sobre a sua imparcialidade quando são chamados a reponderar uma decisão.
8. São particularmente visíveis, aliás, as vantagens de serem os mesmos os juízes a julgar a matéria de facto quando há que proceder à repetição do julgamento, em caso de a anulação ter sido meramente parcial. Com efeito, é a solução mais adequada a garantir a unidade e a inexistência de contradições no julgamento da matéria de facto na sua globalidade.
Em bom rigor, a admissibilidade de anulações e repetições parciais do julgamento de facto – previstas no n.º 4 do artigo 712º do Código de Processo Civil, preceito em que a anulação, no caso de que nos ocupamos, se baseou – exige que seja o mesmo o juiz a realizar o mesmo julgamento. É o que resulta do princípio da plenitude da assistência dos juízes, consagrado no artigo 654º do Código de Processo Civil, única forma de garantir a imediação na apreciação das provas produzidas na audiência”.
Desta jurisprudência decorre assim, em linha com o que afirma o TEDH, que na avaliação da garantia de imparcialidade, há que atender ao tipo de intervenção do juiz e às questões analisadas numa primeira fase do processo. Assim o afirmou no Acórdão n.º 324/2006, já citado:
“Trata-se, em qualquer caso, de situação substancialmente diferente daquela que a alínea e) do n.º 1 do artigo 122º do Código de Processo Civil inclui na lista dos impedimentos.
Segundo este preceito, não pode intervir no julgamento de um recurso o juiz que 'tenha tido intervenção como juiz de outro tribunal, quer proferindo a decisão recorrida, quer tomando de outro modo posição sobre questões suscitadas no recurso', no processo no qual o mesmo foi interposto.
Solução diversa contrariaria, manifestamente, a razão de ser da admissibilidade do recurso”.
No Acórdão n.º 20/2007 estava em causa o regime constante dos n.º1, 3 e 4 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional, que permite que no julgamento da reclamação para a conferência intervenha o juiz que proferiu a decisão reclamada. Não obstante, também essa circunstância não foi considerada suficiente para o Tribunal Constitucional considerar violado o princípio da imparcialidade. Afirmou-se, então:
“Está, assim, assegurada, seja pela unanimidade em conferência, seja pela maioria de vencimento se tiverem de intervir todos os juízes da secção, a possibilidade de o interessado obter a mesma expressão concordante de votos no sentido da decisão que seria necessária para julgar o recurso se não existisse este expediente de decisão singular pelo relator. Neste aspecto, as expectativas das partes, designadamente quanto a ver o recurso colegialmente examinado pelo verdadeiro titular do poder jurisdicional estão perfeitamente tuteladas.
Com efeito, a reclamação para a conferência é o meio normal de reacção contra os despachos do relator, sendo corolário da ideia de que o verdadeiro titular do poder jurisdicional nos tribunais superiores é o órgão colegial (cfr. ARMINDO RIBEIRO MENDES, Recursos em Processo Civil, pág. 135). E, entre nós, o juiz designado como relator é sempre membro da formação de julgamento e intervém no acórdão em que a conferência aprecia a reclamação de decisões por si proferidas, quer a decisão singular que é objecto desse pedido de reapreciação resulte dos tradicionais poderes de preparar o processo para julgamento, quer consista no exercício dos mais alargados poderes que, após a reforma de 1995-1996 do Código de Processo Civil, se lhe reconhecem de decidir quaisquer questões prévias ou incidentais, bem como o próprio julgamento do recurso quando este seja manifestamente infundado ou verse sobre questões simples ou repetitivas. Neste aspecto, a norma do n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC nada tem de anómalo ou de novo no panorama do direito processual, designadamente, de configuração dos meios de impugnação e de organização e funcionamento dos órgãos judiciais de natureza colegial”.
No que toca especificamente ao artigo 20.º da CRP, considerou que:
“É incontestável que a imparcialidade dos juízes é um princípio constitucional, quer se conceba como uma dimensão da independência dos tribunais (artigo 203.º da CRP), quer como elemento da garantia do “processo equitativo” (n.º 4 do artigo 20.º da CRP). Importa que o juiz que julga o faça com isenção e imparcialidade e, bem assim, que o seu julgamento, ou o julgamento para que contribui, surja aos olhos do público como um julgamento objectivo e imparcial. E também é certo que a intervenção decisória sucessiva do mesmo juiz integra o universo das hipóteses abstractamente susceptíveis de lesar esse princípio e, por isso, de configurar um impedimento objectivo”.
O Tribunal não julgou inconstitucional a norma atendendo à natureza do meio processual em que o juiz interviera de forma sucessiva:
“Não é porém qualquer intervenção decisória anterior que pode objectivamente pôr em crise a confiança numa decisão imparcial.
(…)
A argumentação do recorrente parece assentar no equívoco de identificar a reclamação dos despachos do relator para a conferência com um recurso, hipótese que a alínea e) do n.º 1 do artigo 122.º do Código de Processo Civil inclui na lista dos impedimentos porque, aí sim, a solução diversa contrariaria, manifestamente, a razão de ser da admissibilidade do recurso.
Esta razão não está presente relativamente ao meio processual que agora está em causa. A reclamação das decisões do relator para a conferência, ainda que numa classificação que use como critério a identidade orgânica do decisor se apresente como meio impugnatório (estruturalmente) híbrido, é funcionalmente bem diferente do recurso, sendo um verdadeiro pedido de reponderação, a que se procede na mesma instância e com a mesma latitude de apreciação da decisão reclamada. Como começou por referir-se, a reclamação para a conferência destina-se a obter que a decisão final sobre a questão provenha do verdadeiro titular do poder jurisdicional nos tribunais superiores. Que essa decisão se atinja pela via de reapreciação de uma decisão anterior, em vez de ser produto de uma deliberação primária do colégio judicante na base de um projecto de acórdão (ou memorando) apresentado pelo relator, em nada se apresenta como susceptível de colidir com a exigência de que a decisão da questão submetida a apreciação resulte da consideração de todos os aspectos processualmente relevantes e apenas desses. Não há objectivamente razão para considerar que o relator não procede, na preparação dessa decisão e na subsequente deliberação, com a mesma disposição de aplicar o direito ao caso concreto que teria se estivesse a exercer a sua competência de apresentar um projecto para decisão primária pelo órgão colegial. Nem que os demais juízes que intervêm deixem de possuir a disposição ou capacidade necessárias para proceder a um exame autónomo das razões aduzidas pelo reclamante. Como todos os pedidos de reponderação, aí onde as disposições processuais a admitam (e note-se a tendência para o alargamento dessa via de realização da justiça – n.º 2, do artigo 669.º do CPC), a reclamação para a conferência repousa no pressuposto, indispensável ao funcionamento dos tribunais num Estado de Direito em que o estatuto dos juízes está dotado das necessárias garantias de independência e organização, de que o juiz possui em permanência a humildade e fortaleza de ânimo necessárias para examinar novos argumentos ou argumentos apresentados de modo mais convincente. Pode até dizer-se que, por esta via, o interessado sai beneficiado porque dispõe de uma oportunidade mais de convencer a formação de julgamento das suas razões. Aliás, no caso é suficiente que as razões do reclamante convençam um dos juízes que integram a conferência para intervir o pleno da secção.
Tanto basta, por não se considerar infringida nenhuma das normas constitucionais indicadas pelo reclamante, para julgar improcedente a questão de constitucionalidade suscitada, não recusando aplicação às normas dos n.ºs 1, 3 e 4 do artigo 78.º-A da LTC (cfr., no mesmo sentido, acórdãos n.º 486/2006 e n.º 616/2006)”.
Em suma, determinante para o juízo de não inconstitucionalidade proferido pelo Tribunal Constitucional foi a específica natureza da decisão em que o mesmo juiz teve intervenção.
4.7. Importa, assim, analisar o tipo de intervenção dos quatro juízes nos dois momentos processuais em causa – num primeiro aresto, sobre o fundo da causa, datado de 17/10/2006, e, no âmbito de um recurso de oposição de julgados, num aresto datado de 4 de Novembro de 2009.
Certo é que a intervenção sucessiva dos quatro juízes se processou no âmbito de um recurso extraordinário que versa sobre objecto diferente da decisão anterior.
Na verdade, no caso de intervenção num recurso de um juiz que decidiu em primeira instância o que está em causa é, para além do princípio da imparcialidade, a própria razão de ser de existência do meio impugnatório, pois se a decisão da 1ª instância e a sua impugnação forem decididas pelo mesmo juiz, estaria desvirtuada a própria existência de recurso, e, com ela, o próprio direito ao recurso (Juan Aroca, “La Imparcialidad Judicial en el Convénio Europeo de Derechos Humanos, in La Ciência del Derecho Procesual Constitucional, tomo IX, Marcial Pons, 2008, p. 805 e ss. e Nathalie Gerardin-Sellier, “La Composition des Jurisdictions, à l’épreuve de l’Article 6, 1º de la Convention Européenne des Droits de l’Homme, in Revue Trimestrielle des Droits de l’Homme, nº.48, 2001, p. 963).
Mas, no caso, a situação é diversa. O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre o respeito pelo princípio da imparcialidade em recursos de oposição de julgados ou similares. No Acórdão n.º 403/2008, já referido, discutiu-se a constitucionalidade do n.º 5 do artigo 284.º do CPPT por prever a competência do tribunal a quo para verificar a oposição de julgados. Alegava-se que tal regime desvirtuava o recurso por oposição de julgados, na medida em que conferia ao próprio tribunal o poder de decidir sobre o prosseguimento do recurso. O Tribunal Constitucional decidiu da seguinte forma:
“Ainda que tenham perdido o carácter vinculativo e obrigatório que o artigo 2º do Código de Processo Civil conferia aos assentos (julgado inconstitucional pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 810/93 e depois revogado pelo Decreto-Lei n.º 329-O/95, de 12 de Dezembro), os acórdãos de uniformização de jurisprudência mantêm a sua essencial função orientadora para os demais tribunais quanto à interpretação a adoptar relativamente à questão jurídica sobre que exista uma divergência jurisprudencial.
E assim se compreende que a recente reforma de processo civil tenha reintroduzido o recurso para uniformização de jurisprudência, com a natureza de recurso extraordinário, como tal, incidente sobre uma decisão já transitada em julgado – e que fora já instituído na ordem jurisdicional administrativa através do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (artigo 152º) –, e que esse recurso, tal como já sucedia no domínio do direito processual penal, possa ser interposto no exclusivo interesse da unidade do direito, sem possuir qualquer efectiva influência na decisão da causa
(…)
não se afigura que a opção legislativa de atribuir ao próprio tribunal recorrido a actividade judiciária de verificação dos pressupostos de admissão de recurso constitua uma solução que afecte de modo desproporcionado ou excessivo o direito de acesso aos tribunais, tal como consagrado no artigo 20º da Constituição.”
E acrescentou que a atribuição ao tribunal recorrido da competência para decidir sobre a admissão do recurso por oposição de julgados não afectava o princípio do processo equitativo, enquanto modalidade do direito de acesso aos tribunais, por não ser susceptível de violar as garantias de imparcialidade e objectividade que devem pautar a actuação judicial:
“não procede aqui o argumento de que o tribunal recorrido está a pronunciar-se em «causa própria», ao tomar posição sobre o seguimento do recurso interposto contra uma sua anterior decisão. Na verdade, o que está em apreciação, nessa fase procedimental, é a mera averiguação dos requisitos de admissibilidade de recurso, que não envolve a aplicação de quaisquer conceitos indeterminados, mas corresponde antes a um exercício vinculado de avaliação de elementos objectivos: a legitimidade do recorrente; a tempestividade do recurso; e, como requisito específico do recurso por oposição de julgados, a identidade da questão fundamental de direito sobre que existe divergência jurisprudencial, que pressupõe a identidade dos respectivos pressupostos de facto”.
4.8. O recurso de oposição de julgados é um meio processual dotado de grande especificidade. Na fase aqui relevante, o recurso não visa sequer analisar o fundo da causa, mas apenas determinar se ocorre oposição, ou seja, se relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica, o Tribunal perfilhou solução oposta à de acórdão anteriormente emanado pela mesma jurisdição.
Trata-se de um meio processual que visa solucionar situações de conflito resultantes de contradições sobre a mesma questão fundamental de Direito entre acórdãos de tribunais superiores, de modo a assegurar o tratamento uniforme de situações substancialmente idênticas (Vieira de Andrade, op. cit., p. 395). Visando a resolução de conflitos de jurisprudência nos tribunais superiores, é essencial, para esse efeito, que um número alargado de juízes intervenha no julgamento por forma a que o julgamento represente verdadeiramente o entendimento da maioria dos juízes que compõem o tribunal.
E a verdade é que a intervenção dos juízes no primeiro e no segundo momento versou sobre questões distintas, pelo que nada permite razoavelmente fazer crer que a sua segunda intervenção estaria inquinada por um pré-juízo formado na primeira. Decorre do tipo de intervenção que os juízes são chamados a desempenhar num primeiro e num segundo momento que não é incompatível o exercício sucessivo, no decurso do mesmo processo, das funções no julgamento de fundo da causa e no recurso por oposição de julgados.
5. Por fim, o recorrente invoca que a intervenção do juiz-presidente também como juiz-adjunto acarreta a inconstitucionalidade do artigo 23º do anterior ETAF quando em confronto com os artigos 18º e 19º do mesmo diploma, na interpretação de que o presidente possa na sessão ter, além do estabelecido no artigo 19º do ETAF, competência para simultaneamente intervir como julgador. O recorrente parte de uma circunstância para a norma, referindo ser aquela circunstância que acarreta a inconstitucionalidade da norma. Ora, mais uma vez cabe sublinhar que o recurso previsto na alínea b) do n.º1 do artigo 70.º da LCT, como é o presente, tem carácter exclusivamente normativo, incidindo sobre um “critério normativo da decisão, sobre uma regra abstractamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica”. Não obstante, o recorrente acaba por suscitar a inconstitucionalidade da norma decorrente dos artigos 18º, 19º e 23.º do anterior ETAF, na interpretação de que o Presidente tem competência para simultaneamente intervir como julgador. Em causa está também, no entender do recorrente, o direito a um processo equitativo através de um tribunal imparcial.
Também aqui não assiste razão ao recorrente. De facto, os poderes de juiz presidente e adjunto não são incompatíveis sendo, aliás, essa a regra adoptada nas formações colectivas de julgamento, em que um dos juízes assume poderes de presidente, mantendo, obviamente, as suas funções de juiz da causa. As funções que em concreto a lei conjuga no mesmo juiz, no caso de substituição do presidente pelo adjunto são funções de direcção da discussão, por um lado, e de voto, por outro. No caso, a decisão foi firmada por unanimidade, não tendo o voto do adjunto sido chamado, na qualidade de presidente, a votar o acórdão para formar maioria.
Também neste ponto, em suma, se não julgam violadas as normas constitucionais invocadas pelo recorrente (artigos 2.º, 16.º n.º 2, 18.º n.º 2 e 20.º nºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa).
6. Cumpre finalmente esclarecer – face ao invocado pelo recorrente na sua alegação – que a isenção de custas prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 4º do Regulamento das Custas Processuais não abrange o caso presente, no qual o recorrente não é parte «por via do exercício das suas funções». A sua situação é comum à de qualquer outro funcionário ou agente do Estado, que pugna pelo reconhecimento de direito alegadamente conferido pelo seu estatuto profissional (cfr. Acórdão n.º 697/96).
III – Decisão
7. Face ao exposto, o Tribunal decide julgar improcedente o recurso, na parte em que dele toma conhecimento.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de conta.
Lisboa, 7 de Junho de 2011. – Carlos Pamplona de Oliveira – José Borges Soeiro – Gil Galvão – Maria João Antunes – Rui Manuel Moura Ramos.