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Processo n.º 187/11
2.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A. interpôs recurso, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações posteriores (Lei do Tribunal Constitucional, doravante, LTC).
O objecto do recurso, delimitado por força do despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, cinge-se à questão de constitucionalidade reportada à alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal.
2. No Tribunal Constitucional, foi proferida Decisão sumária de não conhecimento do recurso.
Na fundamentação de tal decisão, refere-se, nomeadamente, o seguinte:
“No requerimento de interposição do recurso, a recorrente não identifica a concreta norma ou interpretação normativa, cuja sindicância de constitucionalidade pretende, apenas mencionando o preceito que suportará tal - omisso – critério normativo.
Esquece a recorrente que os conceitos de “norma” e “preceito legal” não são sobreponíveis e que lhe incumbia enunciar, de forma clara e explícita, o objecto normativo do recurso interposto.
Correspondendo tal identificação a um requisito formal do requerimento de interposição de recurso, nos termos do n.º 1 do artigo 75.º A da LTC, poderia justificar-se a prolação de um convite ao aperfeiçoamento, nos termos do n.º 6 do mesmo preceito.
Porém, o convite ao aperfeiçoamento só tem sentido útil quando faltam apenas requisitos formais do requerimento de interposição do recurso, carecendo, ao invés, de utilidade quando faltam verdadeiros pressupostos de admissibilidade do recurso, insupríveis por essa via. Nesta última hipótese, em vez de proferir um convite ao aperfeiçoamento – que determinaria a produção de processado inútil, em prejuízo dos princípios de economia e celeridade processuais – deve o relator proferir logo decisão sumária, no sentido do não conhecimento do recurso (cfr., neste sentido, acórdãos deste Tribunal Constitucional nºs 99/00, 397/00, 264/06, 33/09 e 116/09, disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt.)
Ora, na presente situação, a prolação de convite ao aperfeiçoamento careceria de sentido útil, porquanto, como veremos, a admissibilidade do presente recurso encontra-se prejudicada, por falta de um pressuposto geral, comum a todos os recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade: a utilidade, em função do princípio da instrumentalidade.
De facto, a presente espécie de recursos tem uma natureza instrumental - traduzida na possibilidade de o julgamento da questão de constitucionalidade se repercutir, de forma útil e eficaz, na solução jurídica do caso concreto. Face a tal natureza, a utilidade de apreciação do recurso apenas subsiste, quando o juízo de constitucionalidade pretendido é susceptível de se projectar nessa solução.
Nesta consonância, o Tribunal Constitucional vem afirmando a inutilidade de apreciação dos recursos de constitucionalidade, nos casos em que a decisão recorrida contenha uma fundamentação alternativa, efectiva e suficiente, que conduza, de forma autónoma, à mesma solução a que se chega através da via argumentativa a que subjaz o critério normativo, cuja constitucionalidade é posta em causa.
Transpondo tais considerações para o caso concreto, teremos de concluir que a decisão recorrida estruturou uma fundamentação alternativa, efectiva e suficiente, que encontra apoio, não na alínea c) do n.º1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal – cuja sindicância foi definida como objecto do presente recurso - mas antes na alínea e) do n.º 1 do mesmo artigo.
Tal circunstância significa que uma eventual apreciação do Tribunal Constitucional, incidente sobre a norma que suporta a primeira linha de argumentação, – reportada à referida alínea c) – conducente ao indeferimento do recurso, não teria utilidade prática ou repercussão efectiva na solução do caso concreto, porquanto o sentido da mesma se manteria intocado, face à coexistência de uma segunda linha de argumentação – reportada à alínea e) - conducente ao mesmo resultado de indeferimento.
Na verdade, a fundamentação alternativa subsistiria, impondo-se como ratio decidendi autónoma, incólume a eventual juízo de inconstitucionalidade que tivesse incidido sobre diferente critério normativo.
Nestes termos, face à existência de uma efectiva fundamentação alternativa autónoma e definitiva, que não assenta em norma subjacente ao único preceito, cuja apreciação de constitucionalidade foi admitida pelo tribunal a quo – por decisão que não mereceu reclamação para o Tribunal Constitucional – conclui-se pela inadmissibilidade do presente recurso.
Em consonância, decide-se não conhecer do recurso, por inutilidade de apreciação, à luz do princípio da instrumentalidade, atenta a insusceptibilidade de repercussão na solução do caso concreto.”
É esta a Decisão sumária que é alvo da presente reclamação.
3. Fundamentando a sua discordância relativamente à decisão reclamada, refere a reclamante que deveria ter sido proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento, para permitir a indicação, clara e explícita, do objecto normativo do recurso interposto, em vez de ter sido decidido “sumariamente não conhecer do objecto do recurso”.
Por outro lado, defende ainda a reclamante que “ a fundamentação alternativa reportada à al. e) do nº 1 do art. 400º C.P.Penal, a que se faz referência na decisão sumária jamais poderia subsistir caso este Tribunal, à imagem do que doutamente decidiu no Acórdão nº 597/00, de 20/12/00, declarasse in casu a inconstitucionalidade do art. 400º nº 1 al. c) C.P.Penal, por violação do disposto no art. 32º nº 1 C.R.P., quando interpretado (no sentido) de não ser admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, de um acórdão proferido, em recurso, pelo Tribunal da Relação de Coimbra, sobre uma questão que lhe é colocada ex novo sobre a validade de um depoimento testemunhal de um Advogado relativo a factos aos quais se encontrava obrigado a guardar segredo profissional (…).
In casu o exame da inconstitucionalidade do art. 400º nº 1 al. c) C.P.Penal é susceptível de se repercutir, de forma útil e eficaz, na solução jurídica do caso concreto, havendo pois lugar à reforma da decisão, por parte do Tribunal recorrido, em conformidade com o julgamento da inconstitucionalidade que venha a ser feito.”
4. O Magistrado do Ministério Público respondeu à reclamação, defendendo o indeferimento da mesma, face à circunstância de o julgamento da questão de constitucionalidade suscitada não ser susceptível de se repercutir, de forma útil e eficaz, na solução jurídica do caso concreto, atenta a existência de um fundamento alternativo da decisão recorrida.
Na verdade, refere o Ministério Público, que “contrariamente ao afirmado pelo reclamante, mesmo que seja julgado procedente o recurso e haja lugar à reforma do julgado em conformidade com o juízo de inconstitucionalidade que venha a ser formulado, subsiste outro motivo para que se mantenha o sentido da decisão recorrida, que não tendo sido objecto de recurso de constitucionalidade, o Tribunal Constitucional não pode, consequentemente, conhecer.”
Realça que foi com base na existência de uma fundamentação alternativa, efectiva e suficiente, determinante da inutilidade de apreciação do recurso, que igualmente se considerou, na decisão reclamada, ser inútil a prolação de um convite ao aperfeiçoamento, para suprir a falta de um requisito formal do requerimento de interposição de recurso.
Conclui, desta forma, que os argumentos da reclamante não abalam os fundamentos em que assenta a decisão sumária reclamada.
Cumpre decidir.
II - Fundamentos
5. Como resulta do teor da reclamação apresentada e do seu confronto com os fundamentos exarados na decisão sumária reclamada, a reclamante não aduziu argumentos que infirmassem a correcção do juízo efectuado.
Na verdade, a reclamante vem defender que deveria ter sido convidada a corrigir o seu requerimento de interposição de recurso, apesar de a decisão reclamada explicar, de forma clara e inequívoca, a inutilidade de tal convite, justificativa da sua não formulação.
Face à completude da argumentação utilizada na decisão reclamada, quanto a este ponto, apenas cumpre reiterar os fundamentos aí aduzidos.
Quanto à alegada ausência de consequências da existência de uma fundamentação alternativa, na decisão recorrida – que não é abrangida pelo objecto do presente recurso de constitucionalidade – é manifesto que não assiste razão à reclamante.
Na verdade, uma eventual apreciação do Tribunal Constitucional, incidente sobre uma norma extraível da alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, não teria utilidade prática ou repercussão efectiva na solução do caso concreto, porquanto o sentido da mesma se manteria intocado, face à coexistência de uma fundamentação alternativa, assente em diferente norma – resultante da alínea e) do mesmo preceito legal – conducente ao mesmo resultado de indeferimento.
Assim, apenas cumpre reiterar a argumentação da decisão reclamada, concluindo que, face à existência, na decisão recorrida, de uma efectiva fundamentação alternativa autónoma e definitiva, que não assenta em norma subjacente ao único preceito, cuja apreciação de constitucionalidade foi admitida pelo tribunal a quo – por decisão que não mereceu reclamação para o Tribunal Constitucional – o presente recurso é inadmissível, por ser insusceptível de se repercutir na solução do caso concreto.
Por tudo quanto ficou exposto, reafirma-se a fundamentação constante da decisão reclamada e, em consequência, decide-se indeferir a reclamação apresentada.
III – Decisão
6. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a reclamação apresentada e, em consequência, confirmar a decisão sumária reclamada proferida no dia 4 de Abril de 2011.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 6 de Junho de 2011.- Catarina Sarmento e Castro – João Cura Mariano – Rui Manuel Moura Ramos.