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Processo n.º 289/10
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Em 23 de Março de 2011 foi proferido, nos presentes autos em que é recorrente A., o Acórdão n.º 152/2011, que decidiu:
– não julgar organicamente inconstitucional a norma impugnada, retirada do artigo 348.º n.º 1 alínea a) do Código Penal, por referência ao artigo 152.º n.º 1 alínea a) e n.º 3 do Código da Estrada;
– negar provimento ao recurso;
– condenar em custas o recorrente, fixando a taxa de justiça em 25 UC.
2. Notificado, o recorrente formulou a seguinte pretensão:
A., Recorrente nos presentes autos, vem Requerer o seguinte, ao abrigo do art. 669º do C.P.C.:
A) O esclarecimento de uma ambiguidade do Douto Acórdão
Na sua pág. 11, conclui-se que “não há que julgar organicamente inconstitucional a norma ora impugnada, retirada do art. 348º n.º 1 alínea a) do Código Penal, por referência ao artigo 152º, n.º 1 alínea a) e n.º 3 do Código da Estrada”.
Ora, nas suas Alegações o Recorrente refere que “as normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie são o art. 152º, n.º 3 e o art. 153º, n.º 8, ambas do Código da Estrada, de acordo com a redacção fixada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro”.
E a decisão do Tribunal Constitucional invocada ao abrigo da alínea g) do art. 70º da L.T.C., o Acórdão 275/2009, centra-se precisamente no art. 153º, n.º 8 do Código da Estrada: “Quando antes qualquer condutor podia recusar a sujeição a exame mediante colheita de sangue, sem necessidade de fundamentação em razões médicas – frise-se bem –, passa agora a exigir-se que a não realização da colheita de sangue apenas possa ser justificada pela impossibilidade técnica de tal operação médica. (...) a nova redacção vem, de modo manifesto, agravar a responsabilidade criminal dos condutores que pretendam – muitas vezes, admite-se, por razões plenamente justificadas e até protegidas pela Lei Fundamental (direito à integridade física e moral, direito à intimidade privada, direito à objecção de consciência) –, na medida em que passa a punir como crime de desobediência a recusa de sujeição a colheita de sangue nos casos em que seja tecnicamente possível fazê-lo”.
O Recorrente termina as suas conclusões das Alegações requerendo que sejam julgadas inconstitucionais as normas constantes nos artigos 152.º, n.º 3 e 153º, n.º 8, o Douto Acórdão estabelece no ponto 3 que vai tratar da “alegada inconstitucionalidade orgânica da norma em apreço, decorrente da conjugação do tipo genérico do crime de desobediência (alínea a) do n.º 1 do art. 348º do Código Penal com o n.º 3 do art. 152º e n.º 8 do art. 153º do Código da Estrada” e depois nada refere na Decisão quanto a este último normativo.
Sucede que a conduta concreta do então Arguido no momento da suposta prática do crime enquadra-se perfeitamente na Fundamentação acima descrita do Acórdão 275/2009, pelo que se reputa importante o esclarecimento sobre se no Acórdão sub judice também se julgou organicamente constitucional o n.º 8 do art. 153º do Código da Estrada.
B) A reforma do Douto Acórdão quanto a custas
Nos termos dos n.º 1 e no 2 do art. 84º da L.T.C. e do art. 4.º do Regime de Custas no Tribunal Constitucional, os recursos interpostos ao abrigo da alínea g) do art. 70º da L.T.C., como o presente, estão isentos de custas.
Portanto, a condenação do Recorrente em custas e consequente fixação da taxa de justiça em 25 UC carece de suporte legal e deve ser reformada.
3. O representante do Ministério Público neste Tribunal respondeu à reclamação nos seguintes termos:
1º – O recurso foi interposto pelo recorrente ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
2.º – O requisito de admissibilidade do recurso, consiste em o tribunal a quo aplicar norma, já anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional.
3.º – O Acórdão conheceu do mérito do recurso porque, analisando a dimensão normativa efectivamente aplicada, concluiu que ela coincidia com a anteriormente julgada inconstitucional pelo Acórdão n.º 225/2009.
4.º – No Acórdão n.º 152/2011, consta, na decisão, “a norma retirada do artigo n.º 348.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, por referência ao artigo 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 do Código da Estrada”, porque essa tinha sido também a fórmula decisória que constava da sentença proferida em 1.ª instância, a decisão recorrida
5.º – As referências ao artigo 153.º, n.º 8, do Código da Estrada foram importantes para se concluir pela coincidência entre as duas dimensões normativas, apenas não figurando aquela norma na parte decisória do Acórdão, pela razão anteriormente mencionada.
6.º – No que respeita à condenação em custas, tendo em atenção que o recurso foi interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC e se conheceu do respectivo objecto, parece-nos que, efectivamente, tal como afirma o recorrente, este recurso está isento de custas (artigo 84.º, n.ºs 1, 2 e 3 da LTC).
4. A questão que subjaz ao esclarecimento pedido pelo recorrente ficou assim exposta no seguinte trecho do Acórdão n.º 152/2011:
[...] 2. A primeira questão a abordar prende-se com a admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da g) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, nos termos da qual “cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional.” O recorrente invoca, para este efeito, o Acórdão n.º 275/2009. Todavia, não existe absoluta identidade entre as normas referidas no Acórdão n.º 275/2009 e as aplicadas na decisão recorrida, com base nas quais o arguido foi condenado. De facto, o Acórdão n.º 275/2009 julgou inconstitucional a norma decorrente da conjugação do tipo genérico do crime de desobediência (alínea a) do n.º 1 do artigo 348.º do Código Penal) com o n.º 3 do artigo 152.º e n.º 8 do artigo 153.º do Código da Estrada. Já a norma aplicada pela decisão recorrida é a do artigo 348.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, por referência ao artigo 152º n.ºs 1 alínea a), 3, do Código da Estrada.
2.1. De acordo com jurisprudência sedimentada do Tribunal, é necessário cumprir dois requisitos para se poder recorrer ao abrigo da alínea g) do artigo 70.º da LTC. Diz-se no Acórdão n.º 568/08: [...]
2.2. Salienta, porém, o Ministério Público nas suas contra-alegações que, apesar de não existir uma integral coincidência entre as normas referidas no Acórdão n.º 275/2009 e as constantes da decisão recorrida, com base nas quais o arguido foi condenado, o núcleo essencial mantém-se: o artigo 348.º, n.º1, alínea a) do Código Penal e o artigo 152º, n.º 3, do Código da Estrada. Considera, assim, que a dimensão normativa apreciada e julgada inconstitucional pelo Acórdão n.º 275/2009 coincide com a aplicada pela sentença do tribunal a quo, pelo que se verificam os pressupostos de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea g) do n.º1 do artigo 70.º da LCT. De facto, a ratio decidendi de tal decisão assentou na norma julgada inconstitucional pelo Ac. n.º 275/2009; foi determinante para a condenação levada a cabo pelo Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia o facto de o arguido se ter recusado a realizar teste de sangue como prevê o artigo 153.º, n.º 8 do Código da Estrada, cuja norma foi relevante para formulação do juízo de condenação do tribunal a quo. Trata-se de uma situação “em que o tribunal a quo acaba, em termos substanciais (…) por fazer inelutavelmente apelo ao regime jurídico da norma já inconstitucionalizada – não respeitando ou não tendo em conta o sentido e alcance do anterior juízo de inconstitucionalidade emitido pelo Tribunal Constitucional” (Carlos Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, 2010, p. 149). Conforme tem decidido o Tribunal, (Acórdãos n.º 357/2006 e n.º 502/2007):[...]
A norma efectivamente aplicada pelo Tribunal a quo corresponde à norma julgada inconstitucional pelo Acórdão n.º 275/2009, pelo que se dão por verificados os requisitos de identidade exigidos pelo recurso interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.[...]
Está, assim, bem esclarecida no próprio aresto – tal como sustenta o Ministério Público – a razão pela qual o Tribunal apenas fez pronúncia quanto à norma retirada das disposições legais que a decisão recorrida efectivamente aplicou, embora tenha feito equivaler essa norma à que foi aplicada no acórdão fundamento para efeito de poder conhecer do mérito do recurso.
5. O recorrente tem razão quanto à reclamação que formula contra a sua condenação em custas, como igualmente sustenta o Ministério Público.
6. Pelos fundamentos, expostos, decide-se:
a) Indeferir o pedido de aclaração;
b) Deferir a reclamação de custas.
Não são devidas custas.
Lisboa, 3 de Maio de 2011.- Carlos Pamplona de Oliveira – José Borges Soeiro – Gil Galvão – Maria João Antunes – Rui Manuel Moura Ramos.