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Processo n.º 143/2011
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em conferência, na 3ª secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. A., reclamante nos presentes autos, intentou, no ano 2000, acção declarativa com processo ordinário contra “B.”.
Por transacção, homologada por sentença judicial transitada em julgado, puseram as partes termo à acção. Não obstante, quando notificado da conta de custas, veio dela reclamar A., reclamação essa que, por despacho, não foi atendida.
Recorreu então o mesmo A. para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por Acórdão datado de 4 de Fevereiro de 2010, negou provimento ao recurso e confirmou o despacho recorrido.
Ainda inconformado, interpôs o agora reclamante recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso esse que, por despacho, não foi admitido. Do despacho de não admissão reclamou A. para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Em 4 de Outubro de 2010 o Vice-Presidente do Supremo Tribunal indeferiu, também através de despacho, a reclamação.
2. Interpôs então o reclamante recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nas alíneas b) e g) do nº 1 do artigo 70.º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional, doravante LTC). No respectivo requerimento de interposição pedia-se que o Tribunal apreciasse a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 27.ºdo Código de Custas Judiciais “na redacção do Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de Dezembro” quando “não [aplicada] retroactivamente (…) a uma acção que não obstante ter sido intentada antes da entrada em vigor de tal normativo legal, teve o seu terminus na vigência do mesmo.” Dizia-se ainda que tal “dimensão interpretativa” violaria o disposto nos artigos 20.º, nº 1, 13.º da CRP, bem como o nº 3 do seu artigo 103.º. Além disso, sustentava-se, “adicionalmente”, ter o Tribunal recorrido aplicado normas do Código de Custas Judiciais “na redacção do Decreto-Lei nº 224-A/96, de 26 de Novembro, nomeadamente o seu artigo 13.º, as quais já haviam anteriormente sido julgadas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional”, indicando-se os Acórdãos onde, no entender do reclamante, tal juízo [de inconstitucionalidade] teria sido proferido.
3. Dizia-se no requerimento de interposição do recurso que se recorria para o Tribunal Constitucional do Acórdão da Relação de Lisboa, datado de 4 de Fevereiro de 2010 e acima referido. No entanto, acrescentava-se
Esclarece-se que o recurso é apresentado perante o Supremo Tribunal de Justiça, onde o processo se encontra neste momento, uma vez que, no nosso modesto entendimento, só com o despacho do Exmo. Senhor Conselheiro Relator de 4 de Outubro de 2010, que nos foi notificado a 25 de Outubro de 2010, é que o Acórdão da Relação de Lisboa de que se recorre, está em condições de transitar em julgado.
4. Através de despacho datado de 30 de Novembro de 2010 o Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional, pelo facto de o mesmo ter sido, nos termos do nº 1 do artigo 76.º da LTC, indevidamente endereçado.
É deste último despacho de não admissão de recurso que agora reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 77.º da LTC, A., pedindo que o deferimento da reclamação tenha como consequência “ser o despacho que indeferiu o recurso do Recorrente revogado e substituído por outro que ordene a remessa do mesmo para o Tribunal da Relação de Lisboa para apreciação”. Sustenta-se este pedido, basicamente, no facto de o endereçamento do recurso ao Tribunal “errado” (sic) se tratar de “mero lapso que não se reveste de qualquer gravidade”; em o nº 2 do artigo 76.º da LTC prever taxativamente os motivos de indeferimento dos recursos interpostos para o Tribunal Constitucional, e de nele se não incluir o fundamento invocado no caso presente; e ainda em ser inconstitucional, por violação do disposto no artigo 20.º da CRP, “a interpretação do nº 1 do artigo 76.º [da LTC], no sentido que o requerimento de recurso endereçado ao Tribunal “errado” [ser] fundamento de indeferimento do recurso.”
Por entender que não cabia ao Senhor Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça – mas sim ao Relator no Tribunal da Relação – admitir ou rejeitar o recurso de constitucionalidade, pugnou o Exmo. Representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional pelo deferimento da reclamação.
A relatora no Tribunal Constitucional proferiu o seguinte despacho:
1. De acordo com o disposto no nº 4 do artigo 77º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (LTC), a decisão que o Tribunal Constitucional profira quanto a despacho de indeferimento de recursos de constitucionalidade faz caso julgado relativamente à admissibilidade destes últimos.
Assim, e ainda que não proceda o fundamento oferecido pelo Tribunal a quo para o não recebimento do recurso, só pode o Tribunal Constitucional vir a deferir a reclamação que sobre esse não recebimento incida depois de ter averiguado se se encontram preenchidos, no caso, todos os restantes pressupostos exigidos pela Constituição e pela lei para a admissão do recurso.
2. Nestes termos, e perante a eventualidade de o Tribunal não vir a admitir o recurso interposto pelo reclamante por razões diversas das oferecidas no despacho reclamado, a saber: (i) quanto ao recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, por se não verificar o pressuposto de suscitação da questão de constitucionalidade normativa de modo processualmente adequado; (ii) quanto ao recurso interposto ao abrigo da alínea g) do nº 1 do mesmo artigo 70º: por não haver coincidência entre a norma aplicada pela decisão recorrida e as normas já julgadas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional, notifique o reclamante para que, querendo, se pronuncie sobre o assunto, no prazo de dez dias.
O reclamante não respondeu.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
5. Determina o nº 4 do artigo 77.º da Lei do Tribunal Constitucional que, nas reclamações de despachos de não admissão dos recursos de constitucionalidade, a decisão que o Tribunal profira – conquanto seja de revogação do despacho reclamado – faça caso julgado quanto à admissibilidade do recurso.
Assim, naqueles casos em que não procedam os fundamentos oferecidos pelo despacho reclamado para a não admissão do recurso, não pode o Tribunal deferir a reclamação sem o exame da perfeição dos demais pressupostos exigidos pela Constituição e pela lei para a admissão dos recursos de constitucionalidade.
No caso, pretende A. recorrer para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto nas alíneas b) e g) do nº 1 do artigo 70 da LTC.
Vejamos então se se encontram perfeitos os pressupostos de admissibilidade do recurso que, por cada uma destas vias, pode ser interposto para o Tribunal Constitucional.
Comece-se pelo recurso que se pretende interpor ao abrigo da alínea g).
6. Nos termos desta disposição legal, cabe recurso para o Tribunal de decisões dos tribunais que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional.
Sustenta o agora reclamante que a decisão do tribunal de que pretende recorrer – o Acórdão da Relação de Lisboa datado de 4 de Fevereiro de 2010 – aplicou “as normas do Código de Custas Judiciais, nomeadamente o seu artigo 13.º. que já haviam sido anteriormente julgadas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional”, isto nos Acórdãos nºs 227/2007, 141/2006 e 1182/96.
No Acórdão nº 227/2007 decidiu o Tribunal julgar inconstitucional, “por violação do direito de acesso aos tribunais (…) conjugado com o princípio da proporcionalidade (…) a norma que resulta dos artigos 13.º, nº1, e tabela anexa, 15.º, nº1, alínea m) , e 18.º, nº 2, todos do Código de Custas Judiciais, na versão de 1996, na interpretação segundo a qual o montante da taxa de justiça devida em procedimentos cautelares e recursos nele interpostos, cujo valor excede 49.879,79€, é definido em função do valor da acção sem qualquer limite máximo ao montante das custas, e na medida em que se não permite ao tribunal que limite o montante da taxa de justiça devido no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcionado do montante em questão.”
Sendo esta a “norma” ou “dimensão normativa” cuja inconstitucionalidade foi julgada, no aresto acabado de referir, pelo tribunal constitucional, é manifesto que não ocorre qualquer identidade entre ela e norma, ou normas, aplicada[s] pelo Tribunal de Relação de Lisboa na decisão de que se pretende interpor recurso. Por este motivo, portanto, se não perfaz o requisito de admissibilidade do mesmo recurso, previsto nos termos da alínea g) do nº 1 do artigo 70.º da LTC.
Como se não perfaz o mesmo requisito face aos outros dois julgamentos do Tribunal, invocados pelo reclamante e constantes dos Acórdãos nºs 141/2006 e 1182/96. No primeiro, o Tribunal julgou inconstitucional uma certa dimensão normativa do artigo 259.º do Código de Processo Civil que nada tem que ver com a questão dos autos. No segundo, e do mesmo modo alheia a essa questão, decidiu o Tribunal que era inconstitucional a “conjugação normativa do artigo 3.º do DL nº 199/90 com as tabelas anexas, na parte que interessa a uma acção [do] tipo e valor [como a constante dos autos]”.
Não havendo, portanto, identidade entre as normas já julgadas inconstitucionais pelo Tribunal e a norma ou normas aplicadas pela decisão de que se pretende interpor recurso, não há, também, lugar para que se aplique, ao caso, o disposto na alínea g) do nº 1 do artigo 70.º da LTC, pelo que, por esta via, não deve o recurso ser admitido.
7. Sustenta ainda o reclamante que interpõe o recurso de constitucionalidade ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. Segundo esta disposição, cabe recurso para o Tribunal de decisões dos tribunais que apliquem normas cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo.
Durante o processo, alegou a reclamante que “a não aplicação retroactiva do benefício fiscal configura uma violação do princípio de universalidade, prevista no artigo 12.º da CRP, na perspectiva em que a tributação deve visar em condições de igualdade a generalidade dos cidadãos” (fls. 48 dos autos)
É manifesto que semelhante alegação não cumpre os requisitos exigidos pela Constituição e pela lei quanto à admissibilidade deste tipo de recursos. Com efeito, nela se não identifica a norma cuja inconstitucionalidade se argui, pelo que não pode considerar-se que, no caso, tenha sido a questão de constitucionalidade “suscitada de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer.” (artigo 72.º, nº 2 da LTC).
Tanto basta para que se considere que também por esta via não é admissível o recurso de constitucionalidade.
III – Decisão
O Tribunal decide, nestes termos, indeferir a reclamação apresentada.
Custas pelo reclamante, fixadas em 25 ucs. da taxa de justiça.
Lisboa, 20 de Junho de 2011. – Maria Lúcia Amaral – Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão.