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Processo n.º 101/2011
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. A. interpôs para o Tribunal da Relação de Lisboa recurso de despacho que, com fundamento em extemporaneidade, rejeitara requerimento de abertura de instrução por si apresentado.
No Tribunal da Relação foi o recurso rejeitado por Decisão Sumária do Relator, que confirmou a decisão recorrida.
Inconformado, reclamou A. para a conferência.
Por Acórdão datado de 4 de Dezembro de 2010 decidiu o Tribunal da Relação indeferir a reclamação apresentada.
2. Deste Acórdão interpôs A. recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70.º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (doravante, LTC), pedindo que o Tribunal apreciasse a “inconstitucionalidade interpretativa das normas constantes nos artºs 97.º, nºs 3 e 5 , 380.º, nº 3, do Código de Processo Penal e art.º 670.º, nº 3, do Código de Processo Civil, na sua concomitância e complementaridade, com a interpretação que lhes é dada nas instâncias ordinárias de que o prazo para abertura de instrução conta-se da notificação do despacho de arquivamento e não acompanhamento da acusação particular deduzida, mesmo se, entretanto, foi requerida a correcção de erros materiais se esta por estar expressa na parte desse despacho e referente à acusação particular não é sindicável judicialmente, ainda mais se tal pedido não foi ratificado por técnico forense mas apenas pelo próprio assistente”. Invocava-se, em abono de tal “inconstitucionalidade interpretativa”, a violação dos artigos 3.º, nº 2; 9.º, alínea b); 13.º, 20.º, nºs 4 e 5; 22.º, 32.º, nº 7; 202.º, nº 2 e 203.º da CRP.
Através da Decisão Sumária nº 101/2001 não se conheceu do objecto do recurso, por não ter sido suscitada durante o processo, de acordo com as exigências constitucionais e legais, a questão de constitucionalidade que fora colocada.
3. É desta decisão que reclama agora para a conferência A., ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 78.º-A da LTC.
Alega essencialmente o reclamante, em oposição ao que foi decidido, que o recurso deveria ter sido admitido, dado que “foram [nos termos do recurso apresentado ante a Relação] perfeitamente identificadas as normas legais violadas, quais sejam as dos arts. 97.º, nºs 3 e 5 (conclusão i), 380.º, nº 3 (id.ii), 670.º (id.iv)”.
Acrescenta ainda que, na conclusão vi, “foi sumariada a interpretação genérica dada pelo tribunal de 1ª instância a essas normas pela instância recorrida” e que “outrossim ficou perfeitamente expressa a interpretação tida por correcta”, pelo que, tendo todas estas questões sido apresentadas “a juízo da Veneranda Relação que bem compreendeu as questões a julgar mas que subscreveu tese diversa (…) em violação flagrante do direito aplicável.” [pontos a), b) c) e d) da reclamação]. E conclui o reclamante nos termos seguintes:
Destarte afigura-se ao recorrente, data venia, carecer o presente recurso constitucional de admissão e formulação de juízo apropriado que defenda direitos, liberdades e garantias tuteladas não só pela Lei Fundamental como pelas Convenções Internacionais ratificadas pelo Estado Português, verificando o erro de interpretação das normas legais assim sujeito a juízo e conformando-as à Constituição, sob pena de grave violação desses direitos deste concreto cidadão, mormente o de ter acesso a decisão fundamentada com clareza e sem erros em tempo útil de exercer todos os demais direitos processuais subsequentes.
4. Notificado da reclamação, veio o Exmo. Representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional pugnar pelo seu indeferimento.
Cumpre apreciar e decidir
II – Fundamentação
5. Como decorre do relato anteriormente feito, vem o reclamante sustentar, na sua reclamação, e como fundamento para a admissão do recurso de constitucionalidade que procurou interpor perante o Tribunal Constitucional, o terem sido perfeitamente identificadas, nas alegações de recurso apresentado perante a Relação, as normas legais violadas; a interpretação delas feita pela instância recorrida; a interpretação que, no seu entender, seria correcta.
No entanto, e como se disse na decisão sumária de que agora se reclama, não cabe ao Tribunal Constitucional “corrigir” as interpretações do direito ordinário que tenham sido adoptadas pelas instâncias. Nessa medida, o facto de o reclamante ter articulado o seu recurso para o Tribunal da Relação com fundamento em razões (que, insiste agora, ficaram no seu entender “claras”) de ordem infraconstitucional, não constitui motivo suficiente para que o Tribunal Constitucional conheça de questões que lhe sejam colocadas, e que não podem deixar de ser relativas à eventual inconstitucionalidade de normas.
Nos termos do disposto no artigo 280.º. nº 1, alínea b) da CRP, é necessário – para que o Tribunal delas conheça em via de recurso – que tais questões tenham sido suscitadas durante o processo e que sobre elas recaia, não obstante a sua suscitação, uma decisão de aplicação de norma, proferida pelo tribunal a quo. Por outro lado, nos termos do nº 2 do artigo 72.º da LTC, necessário é que a colocação do problema da constitucionalidade se faça “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer.”
A decisão sumária reclamada fundou a não admissão do recurso de constitucionalidade no facto de não terem sido cumpridas, no caso, estas exigências, constitucionais e legais, relativas à admissibilidade dos recursos perante o Tribunal Constitucional. A reclamação apresentada, ao insistir na “clareza” da articulação do problema infraconstitucional, em nada permite a alteração do juízo anteriormente feito.
III – Decisão
Nestes termos, o Tribunal decide inferir a reclamação, confirmando-se a decisão sumária reclamada.
Custas pelo reclamante, fixadas em 20 ucs. da taxa de justiça.
Lisboa, 27 de Abril de 2011.- Maria Lúcia Amaral – Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão.