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Processo n.º 472/10
1ª Secção
Relator: Conselheira Maria João Antunes
Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, em que é recorrente o Ministério Público e são recorridas A. e B., foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 16 de Março de 2010.
2. As recorridas deduziram oposição à execução, através de peça processual com assinatura electrónica de um dos mandatários. Posteriormente, o outro mandatário declarou a sua adesão ao conteúdo material de tal peça. Por despacho de 17 de Fevereiro de 2009 do Tribunal Judicial de Valença decidiu-se o seguinte:
«Uma vez que a adesão do Ilustre Mandatário de fls. 46 e 47 é intempestiva, nos termos do artigo 12º, n.º 1, alínea a) e 3, considero a petição inicial como não apresentada e consequentemente determino a anulação da respectiva distribuição».
3. Deste despacho foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, que acordou em recusar a aplicação de norma do n.º 3 do artigo 12.º da Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro, por violação do disposto nos artigos 20.º, n.º 1, e 112.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), com a seguinte fundamentação:
«Alegam as recorrentes que a oposição à execução não configura uma petição inicial, mas antes uma contestação ao requerimento executivo não lhe sendo pois aplicável o disposto na Portaria e ainda que não pode uma norma inserta numa portaria (art. 12º da Port nº118/2008) sobrepor-se a um dispositivo anterior que faz parte do CPC (art.40º), pois estar-se-ia a subverter o princípio da hierarquização das normas jurídicas plasmado no art. 112º da CRP.
É inegável que é na oposição à execução que o executado faz valer a sua pretensão que é precisamente a extinção desta. - art. 817º n.º4 CPC
Como já se disse nesta Relação (…)
O requerente de oposição não pode pois considerar-se como petição inicial.
Como se referiu supra não há que anular a distribuição porque a mesma não existe.
Mas deve-se considerar a oposição (peça) não apresentada atenta a segunda parte do n.º 3 do art.12º da Portaria-
A não apresentação) de uma petição não impede o A de apresentar outra em momento posterior, pelo que o seu direito fica salvaguardado.
A não apresentação da oposição à execução determina a impossibilidade de qualquer defesa por parte do executado, atento o disposto no n.º l al a) do art. 817ºdo CPC.
As recorrentes invocam a inconstitucionalidade do preceito por violação do arc. 112º da CRP.
O envio de peças processuais por via electrónica está previsto no art. 138º-A do CPC.
O artigo 138.º -A, do Código de Processo Civil, introduzido neste diploma pelo artigo 2.º da Lei n.º 14/2006, com a redacção resultante do Decreto -Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, passou a dispor no seu n.º 1, que «a tramitação dos processos é efectuada electronicamente em termos a definir por portaria do Ministro da Justiça».
Este novo dispositivo consagrou uma importante mudança na forma de registo dos actos praticados em processo civil, preterindo-se o suporte em papel, em favor de um sistema informático, denominado por CITIUS, no prosseguimento duma política visando uma progressiva desmaterialização dos processos judiciais.
(…)
No seguimento do disposto no artigo l38.º -A, do CPC, veio a ser aprovada a Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro - entretanto, já alterada pelas Portarias n.º 457/2008, de 20 de Junho, n.º l538/2008,de 30 de Dezembro e n.º 974/2009 de 01 de Setembro - a qual veio dispor sobre várias matérias atinentes à tramitação electrónica dos processos, nomeadamente: apresentação de peças processuais e documentos por transmissão electrónica de dados (artigos 3.º a 14.º -C; distribuição por meios electrónicos (artigos l5.º e l6.º); actos processuais de magistrados e funcionários em suporte informático (artigos l7.º a 2l.º); notificações (artigos 2l.º -A a 21.º -C), consulta electrónica de processos (artigo 22.º); organização do processo (artigo 23.º); e comunicações entre tribunais (artigos 24.º e 25.º).
Como resulta do disposto no art. l38º-A a portaria destina-se a regular a tramitação electrónica dos processos.
E, ao considerar a peça processual como não apresentada, a portaria regula matéria que não respeita à mera tramitação electrónica, pois sanciona o incumprimento com a preclusão do direito das recorrentes à defesa.
O art. 112º da CRP estipula quais os actos normativos existentes na ordem jurídica e dentro destes os regulamentos.
Como refere Carlos Blanco de Morais in Curso de Direito Constitucional, Tomo I, 108, na graduação hierárquica dos regulamentos a Portaria surge depois da Resolução do Conselho de Ministros e do Decreto Regulamentar.
O CPC sanciona em vários preceitos a falta de cumprimento de prazo (art. 145º), de pagamento de taxa de justiça ( art. 467º e 486º-A).
O disposto no art. 12º n.º 3 da Portaria exorbita a sua função pois não pode considerar-se como matéria secundária uma sanção (que é afinal do que se trata) que inviabiliza a defesa dos recorrentes.
Este preceito viola pois os art. 112º e 20º n.º1 da CRP motivo pelo qual se entende não ser de aplicar».
4. Desta decisão foi interposto o presente recurso para apreciação do:
«Art. 12, nº3 da Portaria nº 114/2008 de 06/02 – Apresentação de peças processuais por mais de um mandatário 1 – (...), 2 – a) ..., b) No prazo máximo de dois dias após a distribuição do processo, no caso de requerimento, petição inicial ou petição inicial conjunta, ou após a recepção da peça processual enviada, nos demais casos, os mandatários indicados no formulário enviam, através do CITIUS, uma declaração electrónica de adesão à peça, assinada digitalmente. (…); 3 - Nos casos de não adesão por parte dos mandatários indicados no formulário no prazo fixado na alínea b) do número anterior, considera-se que a peça processual não foi apresentada e anula-se a respectiva distribuição nos casos de requerimento, petição inicial ou petição inicial conjunta”.
- Na interpretação: “... ao considerar a peça processual como não apresentada, a Portaria regula matéria que não respeita à mera tramitação electrónica, pois sanciona o incumprimento com a preclusão do direito doas recorrentes à defesa. (...) O disposto no art. 12, nº3 da Portaria exorbita a sua função pois não pode considerar-se como matéria secundária uma sanção (que é afinal do que se trata) que inviabiliza a defesa dos recorrentes. Este preceito viola, pois, os artigos 112 e 20, nº1 da CRP motivo pelo qual se entende não ser de aplicar”».
5. Convidado a indicar, com precisão, a norma cuja aplicação foi recusada na decisão recorrida, o recorrente respondeu o seguinte:
«1º
O presente recurso, obrigatório, foi interposto, pelo Ministério Público, ao abrigo dos artigos 70º, nº 1, alínea a), 72º, nºs 1, alínea a) e 3, e 75º - A, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro” (cfr. fls. 100 dos autos), do Acórdão, de 16 de Março de 2010, do Tribunal da Relação de Guimarães (cfr. fls. 88-94 dos autos).
2º
Em causa, no presente recurso de constitucionalidade, o art. 12º, nº 3 da Portaria 114/2008, de 6 de Fevereiro, com a seguinte redacção (cfr. fls. 101 dos autos):
“3. Nos casos de não adesão por parte dos mandatários indicados no formulário no prazo fixado na alínea b) do número anterior, considera-se que a peça processual não foi apresentada e anula-se a respectiva distribuição nos casos de requerimento, petição inicial ou petição inicial conjunta.”
3º
No Acórdão recorrido, com efeito, refere-se, a propósito desta disposição (cfr. fls. 92-93 dos autos) (destaques do signatário):
“A não apresentação de uma petição não impede o A de apresentar outra em momento posterior, pelo que o seu direito fica salvaguardado.
A não apresentação da oposição à execução determina a impossibilidade de qualquer defesa por parte do executado, atento o disposto no nº 1 al a) do art. 817 do CPC.
As recorrentes invocam a inconstitucionalidade do preceito por violação do art. 112º da CRP.
O envio de peças processuais por via electrónica está previsto no art. 138º - A do CPC.
O artigo 138º - A, do Código de Processo Civil, introduzido neste diploma pelo artigo 2º da Lei nº 14/2006, com a redacção resultante do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, passou a dispor no seu nº 1, que «a tramitação dos processos é efectuada electronicamente em termos a definir por portaria do Ministro da Justiça».
Este novo dispositivo consagrou uma importante mudança na forma de registo dos actos praticados em processo civil, preterindo-se o suporte em papel, em favor de um sistema informático, denominado por CITIUS, no prosseguimento duma política visando uma progressiva desmaterialização dos processos judiciais.
Conforme se explicou no preâmbulo do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, «estabelece ainda o Programa do XVII Governo Constitucional enquanto objectivo fundamental a inovação tecnológica da justiça, para a qual é essencial a adopção decisiva dos novos meios tecnológicos. No âmbito da promoção desta “utilização intensiva das novas tecnologias nos serviços de justiça, como forma de assegurar serviços mais rápidos e eficazes”, define-se como objectivo “a progressiva desmaterialização dos processos judiciais” e o desenvolvimento do “portal da justiça na Internet, permitindo-se o acesso ao processo judicial digital”. Assim, as alterações acolhidas nesta matéria visam permitir a prática de actos processuais através de meios electrónicos, dispensando-se a sua reprodução em papel e promovendo a celeridade e eficácia dos processos».
4º
E, logo a seguir, acrescenta o mesmo Acórdão (cfr. fls. 93-94 dos autos):
“No seguimento do disposto no artigo 138º - A, do CPC, veio a ser aprovada a Portaria nº 114/2008, de 6 de Fevereiro – entretanto, já alterada pelas Portarias nº 457/2008, de 20 de Junho, nº 1538/2008, de 30 de Dezembro e nº 974/2009 de 01 de Setembro – a qual veio dispor sobre várias matérias atinentes à tramitação electrónica dos processos, nomeadamente: apresentação de peças processuais e documentos por tramitação electrónica de dados (artigos 3º a 14º - C); distribuição por meios electrónicos (artigos 15º e 16º); actos processuais de magistrados e funcionários em suporte informático (artigos 17º a 21º); notificações (artigos 21º - A a 21º - C), consulta electrónica de processos (artigo 22º); organização do processo (artigo 23º); e comunicações entre tribunais (artigos 24º e 25º).
Como resulta do disposto no art. 138º - A a portaria destina-se a regular a tramitação electrónica dos processos.
E, ao considerar a peça processual como não apresentada, a portaria regula matéria que não respeita à mera tramitação electrónica, pois sanciona o incumprimento com a preclusão do direito das recorrentes à defesa.
O art. 112º da CRP estipula quais os actos normativos existentes na ordem jurídica e dentro destes os regulamentos.
Como refere Carlos Blanco de Morais in Curso de Direito Constitucional, Tomo 1, 108, na graduação hierárquica dos regulamentos a Portaria surge depois da Resolução do Conselho de Ministros e do Decreto Regulamentar.
O CPC sanciona em vários preceitos a falta de cumprimento de prazo (art. 145º), de pagamento de taxa de justiça (art. 467º e 486º - A).
O disposto no art. 12º nº 3 da Portaria exorbita a sua função pois não pode considerar-se como matéria secundária uma sanção (que é afinal do que se trata) que inviabiliza a defesa dos recorrentes.
Este preceito viola pois os art. 112º e 20º nº 1 da CRP motivo pelo qual se entende não ser de aplicar.
As conclusões das recorrentes procedem pois ainda que por fundamento diferente do invocado.”
5º
E o Acórdão recorrido acaba, assim, por concluir (cfr. fls. 94 dos autos):
“Considerando o que se acaba de expor:
Declara-se inconstitucional o nº 3 do art. 12º da Portaria nº 114/2008, de 6 de Fevereiro – entretanto, já alterada pelas Portarias nº 457/2008, de 20 de Junho, nº 1538/2008, de 30 de Dezembro e nº 974/2009 de 01 de Setembro – por violação do disposto nos art. 20º nº 1 e 112º da CRP”.
6º
Não oferece, pois, dúvidas, o facto de ser o art. 12º, nº 3 da Portaria 114/2008, de 6 de Fevereiro, a disposição legal que determinou a interposição do presente recurso de constitucionalidade.
Da mesma forma, também não oferece dúvidas o facto de serem os arts. 20º, nº 1 e 112º da CRP, as disposições constitucionais postas em crise pela aplicação de tal disposição.
7º
Quanto ao raciocínio subjacente à desaplicação desta disposição, por inconstitucionalidade material, julga-se que se poderá formular nos seguintes termos:
a) a Portaria 114/2008, de 6 de Fevereiro destinava-se, nos termos do art. 138º - A do Código de Processo Civil (introduzido, neste diploma, pela Lei 14/2006), a regular – apenas e tão só - a tramitação electrónica dos processos;
b) pretendeu-se, para o efeito, privilegiar a realização de actos, em processo civil, por via electrónica - por exemplo, a apresentação de peças processuais e documentos por tramitação electrónica de dados -, através de um sistema informático denominado CITIUS, em detrimento da sua prática em suporte de papel, visando uma progressiva desmaterialização dos processos judiciais;
c) ora, ao considerar a peça processual como não apresentada, a portaria regula matéria que não respeita à mera tramitação electrónica, pois sanciona o incumprimento com a preclusão do direito das recorrentes à defesa;
d) o Código de Processo Civil, por outro lado, sanciona, em vários dos seus preceitos, a falta de cumprimento de prazo;
e) o disposto no art. 12º, nº 3 da Portaria em apreciação exorbita, assim, a sua função, uma vez que, para além de estabelecer a tramitação electrónica de processos, estabelece uma sanção para o não cumprimento de um prazo, inviabilizando, assim, a defesa das recorrentes;
f) o art. 12º, nº 3, da mesma Portaria acaba, nessa medida, por integrar uma disposição que deveria, antes, constar do Código de Processo Civil, diploma de valor superior, para além de não respeitar o art. 138º - A do mesmo diploma, ofendendo, pois, a hierarquia das normas, constante do art. 112º da Constituição;
g) com tal disposição, fica irremediavelmente coarctado o direito de acesso das recorrentes à justiça e aos tribunais – tutela jurisdicional efectiva - , previsto no art. 20º, nº 1 da Constituição, uma vez que a não apresentação da oposição à execução, por parte das recorrentes, determina a impossibilidade de qualquer defesa por sua parte, enquanto executadas, atento o disposto no nº 1 al a) do art. 817 do CPC.
Esta, em suma, a norma desaplicada, bem como o sentido normativo que dela se poderá extrair, em face do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães recorrido».
6. Já depois de o Ministério Público ter produzido alegações, o recorrente e as recorridas foram notificados da possibilidade de vir a ser proferida decisão de não conhecimento do objecto do recurso interposto, com o seguinte fundamento:
«Notificado para indicar, com precisão, a norma cuja aplicação foi recusada pela decisão recorrida, o Ministério Público não especificou, por referência ao artigo 12.º, n.º 3, da Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro, a “interpretação normativa” cuja apreciação requer. O recorrente não cumpriu o ónus que a lei lhe impõe de definir o objecto do recurso de constitucionalidade (artigo 75.º-A, n.º 1, parte final, da LTC)».
7. O recorrente respondeu, através de peça processual com o seguinte teor:
«3. (…) este Ministério Público não pode deixar de manifestar a sua profunda surpresa perante um tal despacho.
Está-se, com efeito, nos presentes autos, perante um recurso obrigatório interposto, pelo Ministério Público, ao abrigo do art. 70º, nº 1, alínea a) da LTC, uma vez que houve lugar à recusa de aplicação, pelo tribunal a quo (o Tribunal da Relação de Guimarães), de uma norma – o art. 12º, nº 3 da Portaria nº 114/08, de 6 de Fevereiro – com fundamento na sua inconstitucionalidade, por violação dos arts. 20º, nº 1 e 112º da Constituição (cfr. Acórdão do referido tribunal superior, de 16 de Março de 2003, a fls. 88 a 94 dos autos, maxime esta última página).
Recurso obrigatório, esse, que implica, para o Ministério Público, a necessidade de interpretar o sentido de uma decisão que não é, por definição, originalmente sua.
4. O presente recurso – obrigatório, repete-se – foi, de qualquer modo, interposto, pelo Ministério Público, em 19 de Março de 2010 (cfr. fls. 100-101 dos autos), tendo os autos dado entrada, neste Tribunal Constitucional, em 22 de Junho de 2010 (cfr. fls. 114 dos autos).
5. Em 29 de Setembro de 2010, entendeu V. Exa. determinar, por despacho, o seguinte (cfr. fls. 115 dos autos):
“Atento o teor do requerimento de interposição de recurso, notifique o recorrente para indicar, com precisão, a norma cuja aplicação foi recusada.”
Ora, como facilmente se constata da exacta expressão literal do referido despacho, foi o Ministério Público convidado para “indicar, com precisão, a norma cuja aplicação foi recusada”.
Não se referiu, porém, expressamente, como parece poder concluir-se do último despacho de V. Exa., que se pretendia, sobretudo, a indicação da «interpretação normativa» cuja apreciação o tribunal a quo suscitou e que, nessa medida, o Ministério Público deveria ter apresentado, como objecto do seu recurso.
6. De qualquer modo, este Ministério Público, através do signatário, deu seguimento ao pedido de V. Exa., através da resposta constante de fls. 116 a 122 dos autos, apresentada em 7 de Outubro de 2010.
E em tal resposta houve, designadamente, oportunidade de se escrever (cfr. fls. 120 a 122 dos autos):
“6º
Não oferece, pois, dúvidas, o facto de ser o art. 12º, nº 3 da Portaria 114/2008, de 6 de Fevereiro, a disposição legal que determinou a interposição do presente recurso de constitucionalidade.[1]
Da mesma forma, também não oferece dúvidas o facto de serem os arts. 20º, nº 1 e 112º da CRP, as disposições constitucionais postas em crise pela aplicação de tal disposição.
7º
Quanto ao raciocínio subjacente à desaplicação desta disposição, por inconstitucionalidade material, julga-se que se poderá formular nos seguintes termos:
a) a Portaria 114/2008, de 6 de Fevereiro destinava-se, nos termos do art. 138º - A do Código de Processo Civil (introduzido, neste diploma, pela Lei 14/2006), a regular – apenas e tão só - a tramitação electrónica dos processos;
b) pretendeu-se, para o efeito, privilegiar a realização de actos, em processo civil, por via electrónica - por exemplo, a apresentação de peças processuais e documentos por tramitação electrónica de dados -, através de um sistema informático denominado CITIUS, em detrimento da sua prática em suporte de papel, visando uma progressiva desmaterialização dos processos judiciais;
c) ora, ao considerar a peça processual como não apresentada, a portaria regula matéria que não respeita à mera tramitação electrónica, pois sanciona o incumprimento com a preclusão do direito das recorrentes à defesa;
d) o Código de Processo Civil, por outro lado, sanciona, em vários dos seus preceitos, a falta de cumprimento de prazo;
e) o disposto no art. 12º, nº 3 da Portaria em apreciação exorbita, assim, a sua função, uma vez que, para além de estabelecer a tramitação electrónica de processos, estabelece uma sanção para o não cumprimento de um prazo, inviabilizando, assim, a defesa das recorrentes;
f) o art. 12º, nº 3, da mesma Portaria acaba, nessa medida, por integrar uma disposição que deveria, antes, constar do Código de Processo Civil, diploma de valor superior, para além de não respeitar o art. 138º - A do mesmo diploma, ofendendo, pois, a hierarquia das normas, constante do art. 112º da Constituição;
g) com tal disposição, fica irremediavelmente coarctado o direito de acesso das recorrentes à justiça e aos tribunais – tutela jurisdicional efectiva - , previsto no art. 20º, nº 1 da Constituição, uma vez que a não apresentação da oposição à execução, por parte das recorrentes, determina a impossibilidade de qualquer defesa por sua parte, enquanto executadas, atento o disposto no nº 1 al a) do art. 817 do CPC.
Esta, em suma, a norma desaplicada, bem como o sentido normativo que dela se poderá extrair, em face do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães recorrido.”
7. Ora, embora seja, naturalmente, difícil ser-se juiz em causa própria, julga-se que constavam, da referida resposta, todos os elementos necessários para uma apreciação de mérito da questão de constitucionalidade suscitada pelo tribunal a quo.
Aliás, talvez por esse motivo, considerou este Ministério Público normal que V. Exa. tivesse determinado a apresentação de alegações, em 19 de Outubro de 2010 (cfr. fls. 123 dos autos).
8. Alegações, essas, que o Ministério Público naturalmente apresentou, em 22 de Novembro de 2010 (cfr. fls. 124 a 135 dos autos).
Ora, ainda que a resposta inicial do Ministério Público pudesse ter-se por menos completa, ou por menos precisa, o que é facto é que as alegações, posteriormente apresentadas, vieram complementar tal resposta e esclarecer, se necessário fosse, quaisquer dúvidas que pudessem subsistir quanto ao objecto preciso do presente recurso.
Escreveu-se, com efeito, nas referidas alegações:
(…)
9. Destas alegações consta, pois, tal como pretendido pela Ilustre Conselheira Relatora, a definição da “interpretação normativa”, cuja apreciação o tribunal a quo suscitou.
E procedeu-se, como era requerido e não poderia deixar de ser, a uma detalhada análise das implicações constitucionais do objecto do recurso, tal como tinha sido definido.
10. Houve, assim, oportunidade de se concluir, no âmbito das referidas alegações, o seguinte:
(…)
(…)
12. No entender deste Ministério Público, todos os elementos necessários para uma apreciação, de mérito, da questão de constitucionalidade, suscitada pelo tribunal a quo, se encontram devidamente sumariadas, quer na referida resposta, de 7 de Outubro de 2010, quer no âmbito das alegações posteriormente apresentadas, em 22 de Novembro de 2010.
13. Está, pois, em causa, nos presentes autos, a norma constante do nº 3 do art. 12º da Portaria 114/08, de 6 de Fevereiro, relativa à tramitação electrónica de processos, na medida em que estabelece uma sanção, para o não cumprimento de um prazo, que determina a irremediável preclusão do direito de defesa dos recorrentes, enquanto executados.
A previsão de tal preclusão deveria constar de um diploma de valor superior – o Código de Processo Civil – e não de uma mera portaria, tendo tal disposição preterido, assim, a reserva relativa de lei parlamentar (inconstitucionalidade orgânica).
Viola, da mesma forma, tal disposição, o princípio da proporcionalidade – no seu aspecto de “necessidade” – da ingerência no âmbito de protecção do “direito ao processo equitativo” (inconstitucionalidade material)».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. O Tribunal da Relação de Guimarães recusou a aplicação de norma do n.º 3 do artigo 12.º da Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro, com fundamento em inconstitucionalidade, por violação dos artigos 20.º, n.º 1, e 112.º da CRP.
O artigo 12.º da Portaria tem a seguinte redacção:
«Artigo 12.º
Apresentação de peças processuais por mais de um mandatário
1 – Nos casos em que a peça processual deva ser assinada por mais do que um mandatário, deve seguir-se o seguinte procedimento:
a) Um dos mandatários procede à entrega da peça processual, assinando-a digitalmente através do CITIUS (http://citius.tribunaisnet.mj.pt) e indicando, no formulário, os mandatários que igualmente a devem assinar;
b) No prazo máximo de dois dias após a distribuição do processo, no caso de requerimento, petição inicial ou petição inicial conjunta, ou após a recepção da peça processual enviada, nos demais casos, os mandatários indicados no formulário enviam, através do CITIUS, uma declaração electrónica de adesão à peça, assinada digitalmente.
2 – A apresentação de peça processual por mais de um mandatário através do CITIUS está dependente do registo prévio de todos os mandatários que apresentam a peça, nos termos do n.º 2 do artigo 4.º
3 – Nos casos de não adesão por parte dos mandatários indicados no formulário no prazo fixado na alínea b) do número anterior, considera-se que a peça processual não foi apresentada e anula-se a respectiva distribuição nos casos de requerimento, petição inicial ou petição inicial conjunta».
2. Segundo o disposto no artigo 75.º-A, n.º 1, da LTC, o recurso para o Tribunal Constitucional interpõe-se por meio de requerimento, no qual se indique a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie. É entendimento reiterado deste Tribunal que o recorrente pode requerer a apreciação de uma norma, considerada esta na sua totalidade, em determinado segmento ou segundo certa interpretação (entre muitos, Acórdão n.º 232/2002, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Não procede, por isso, a argumentação do recorrente de que não foi convidado a precisar a interpretação normativa cuja apreciação pretendia, ao ser convidado a indicar, com precisão, a norma cuja aplicação foi recusada pelo Tribunal da Relação de Guimarães. Acresce que tinha sido requerida pelo Ministério Público a apreciação do artigo 12.º, n.º 3, da Portaria n.º 114/2008 segundo certa interpretação (cf. ponto 4. do Relatório).
3. Quando é indicada uma norma segundo certa interpretação, o recorrente tem “o ónus de enunciar, de forma clara e perceptível, o exacto sentido normativo do preceito” cuja apreciação requer (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 21/2006, disponível em www.tribconstitucional.pt). Dependendo desta definição a verificação de um dos requisitos do recurso interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – a recusa de aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja apreciação é requerida pelo recorrente.
Foi precisamente porque se entendeu que não tinha sido enunciado de forma clara e perceptível o exacto sentido normativo do n.º 3 do artigo 12.º da Portaria n.º 114/2008, cuja aplicação foi recusada com fundamento em inconstitucionalidade, que o recorrente foi convidado a aperfeiçoar o requerimento de interposição do recurso. Tanto mais que resulta do acórdão recorrido que o Tribunal da Relação de Guimarães não recusou a aplicação daquela disposição legal considerada na sua totalidade. Designadamente quando a peça processual em causa seja uma petição inicial.
Ora, na resposta ao convite, como o próprio reconhece (cf. ponto 7. do Relatório, especificamente o ponto 6. da peça processual reproduzida e nota de pé de página respectiva), não foi precisada qualquer dimensão interpretativa daquela norma da Portaria. Pelo contrário, dela se extrai que o recorrente pretende a apreciação do artigo 12.º, n.º 3, da Portaria 114/2008, uma vez que “este preceito viola (…) os art. 112.º e 20.º n.º 1 da CRP motivo pelo qual se entende não ser de aplicar”. Isto é, por ser esta “a disposição legal que determinou a interposição do presente recurso de constitucionalidade”.
4. O recorrente sustenta também que “ainda que a resposta inicial do Ministério Público pudesse ter-se por menos completa, ou por menos precisa, o que é facto é que as alegações, posteriormente apresentadas, vieram complementar tal resposta e esclarecer, se necessário fosse, quaisquer dúvidas que pudessem subsistir quanto ao objecto preciso do presente recurso”.
Sucede, porém, que o objecto é definido no requerimento de interposição do recurso (entre outros, Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 286/2000, 58/2005, 293/2007 e 3/2009, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), constituindo um ónus do recorrente a indicação da norma cuja inconstitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie (artigo 75.º-A, n.º 1, parte final). E o Tribunal tem vindo a entender que o cumprimento deste ónus (e, em geral os decorrentes dos n.ºs 1, 2, 3 e 4 do artigo 75.º-A da LTC) “não representa simples observância do dever de colaboração das partes com o Tribunal; constitui, antes, o preenchimento de requisitos formais essenciais ao conhecimento do objecto do recurso” (Acórdão n.º 200/97, disponível naquele sítio, e, entre outros, Acórdãos n.º 462/94, 243/97, 137/99, 207/2000 e 382/2000, disponíveis no mesmo sítio).
5. O recorrente não cumpriu, pois, o ónus que a lei lhe impõe de definir o objecto do recurso de constitucionalidade, o que obsta ao conhecimento do mesmo.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do presente recurso.
Sem custas.
Lisboa, 3 de Maio de 2011.- Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira – José Borges Soeiro – Gil Galvão (vencido conforme declaração) – Rui Manuel Moura Ramos. Vencido, nos termos da declaração de voto junta.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido quanto à decisão de não conhecimento do objecto do recurso fundada no não cumprimento, pelo recorrente, do “ónus que a lei lhe impõe de definir o objecto do recurso de constitucionalidade”, no essencial, por considerar que, no caso sub judice, resultava claro dos autos o objecto do recurso, nada justificando o convite ao recorrente para “indicar, com precisão, a norma cuja aplicação foi recusada”. Norma que, aliás, em rigor, resulta da decisão recorrida e não da vontade do recorrente.
De facto, a decisão que fez vencimento não invoca nem que estejamos perante uma falsa recusa de aplicação, nem perante uma norma desaplicada diversa da questionada, mas sim a não definição do objecto do recurso. Ora,
1. no presente processo, entendendo que o artigo 12º, n.º 3, da Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro, viola os artigos 112º e 20º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, o Tribunal da Relação de Guimarães proferiu a seguinte decisão: “Declara-se (sic) inconstitucional o n.º 3 do art. 12º da Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro [...] por violação do disposto nos art.20º n.º 1 e 112º da CRP; [...]”;
2. o Ministério Público, invocando, entre outros, o preceito que lhe impõe, no caso, recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional, interpôs esse recurso, “para apreciação do «Art. 12, nº3 da Portaria nº 114/2008 de 06/02»”, transcrevendo o teor do preceito e parte da fundamentação da decisão recorrida;
3. notificado para “indicar, com precisão, a norma cuja aplicação foi recusada”, o Ministério Público afirmou, entre muitas outras coisas é certo, que “não oferece, pois, dúvidas, o facto de ser o art. 12º, n.º 3 da Portaria 114/2008, de 6 de Fevereiro, a disposição legal que determinou a interposição do presente recurso de constitucionalidade” e que “também não oferece dúvidas o facto de serem os arts. 20º, nº 1 e 112º da CRP, as disposições constitucionais postas em crise pela aplicação de tal disposição” (negritos no original);
4. sendo para mim absolutamente claro e lapidar que qualquer recorrente, quer ao abrigo da alínea a) quer ao abrigo da alínea b) do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, tem o direito de colocar a este Tribunal uma questão respeitante à constitucionalidade de um determinado preceito legal na sua literalidade, sem ter de utilizar a sua faculdade de questionar apenas uma “determinada interpretação normativa”, e que o Tribunal tem o dever de responder a essa questão, pareceu-me evidente que, no caso, estava claramente definido o objecto do recurso interposto.
E se o Tribunal entendia que o âmbito da recusa de aplicação era, porventura, mais restrito do que o teor da decisão recorrida inculcava e do que o objecto do recurso interposto revelava, então, em vez de pura e simplesmente não conhecer do objecto do recurso, o que deveria fazer, como sempre fez, era delimitar esse objecto, reduzindo-o à dimensão efectivamente desaplicada e julgar a questão. Tal como nos recursos da alínea b) o faz, pronunciando-se, apenas, sobre a dimensão efectivamente aplicada, desde que incluída na dimensão questionada. Gil Galvão.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Nos presentes autos, o Tribunal da Relação de Guimarães considerou (ver sentença de fls 88-94) que do artigo 12º, n.º 3, segunda parte, da Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro, decorria a consequência de, devendo um requerimento de oposição à execução ser assinado por mais de um mandatário judicial, a não adesão por parte de um deles, nos dois dias após a recepção de tal peça entregue por meios electrónicos pelo outro, determinar que esta devia ser tida por não apresentada.
Face a este juízo, que para o Tribunal Constitucional constitui um dado que se lhe impõe, aquele tribunal recusou a aplicação daquele preceito, que considerou violador dos artigos 112º e 20º n.º 1 da CRP por “exorbita[r] a sua função pois não pode considerar-se como matéria secundária uma sanção (que é afinal do que se trata) que inviabiliza a defesa dos recorrentes”.
Interposto pelo Ministério Público recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional e indicada como “norma cuja constitucionalidade se aprecia” o referido “artigo 12º n.º 3 da Portaria n.º 114/2008 de 06/02”, a presente decisão decide não tomar conhecimento do recurso por alegadamente o recorrente não ter definido o seu objecto no respectivo requerimento de interposição. Funda-se para tanto na circunstância de, tendo sido convidado a indicar com precisão a norma cuja aplicação foi recusada na decisão recorrida, o recorrente não ter cumprido tal ónus, ao não enunciar, de forma clara e perceptível, o exacto sentido normativo do preceito cuja apreciação havia requerido, por não precisar na resposta ao convite “qualquer dimensão interpretativa daquela norma”.
Resulta para nós completamente incompreensível tal raciocínio. O requerente indicou, no seu requerimento de interposição do recurso, como norma a apreciar pelo Tribunal Constitucional, o artigo 12º n.º 3 da Portaria n.º 114/2008. Na resposta ao convite repetiu (ponto 6) ser esta a disposição legal que determinara a interposição do recurso de constitucionalidade. Nesta circunstância, não vemos como considerar não cumprido o requisito de indicação da norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie.
É certo que o requerimento de interposição contem a expressão “na interpretação” a anteceder a explicitação do fundamento da inconstitucionalidade. E parece ter sido esta expressão que terá estado na base da ideia de que o requerente pretenderia a apreciação de uma qualquer específica interpretação normativa distinta do literal conteúdo do preceito. Mas o certo é que o requerente repeliu esta interpretação ao responder (no já referido ponto 6 da resposta ao convite) que a interposição do recurso de constitucionalidade havia sido determinada pelo preceito do artigo 12º, n.º 3 da Portaria n.º 114/2008. (Diversamente, na espécie tratada pelo acórdão citado em abono da formulação da presente exigência (n.º 21/2006), o recorrente, convidado a cumprir os requisitos do artigo 75º, n.º 1, face a um requerimento que se limitava a dizer que “vem interpor recurso da douta decisão de V. Exa. de fls. completada com a decisão de fls.” respondeu que havia “arguido a inconstitucionalidade dos artigos 734º, 2 e 740º, 3 no entendimento que V. Exa. lhe manteve”; o que claramente legitimava in casu a formulação da aludida exigência). Ora, a circunstância de o Tribunal Constitucional (numa interpretação funcional do conceito de norma para efeitos de fiscalização da constitucionalidade) conhecer também de interpretações normativas não pode retirar aos recorrentes o direito de requerer a apreciação da constitucionalidade de preceitos (como o pretendeu o requerente no requerimento de interposição e o repetiu na resposta ao convite).
Sucede que todos os demais dados do caso apontam neste sentido. O tribunal recorrido recusou efectivamente a apreciação do preceito legal citado, rectius, de um segmento deste, ou seja, o que se reporta à peça requerimento (de oposição) e liga à não adesão de um dos mandatários que a deve assinar no prazo legal a consequência de sua não apresentação. Tratando-se de um recurso interposto ao abrigo da alínea a), em que o Ministério Público tem a obrigação de provocar a intervenção do Tribunal Constitucional face à recusa de aplicação de uma norma ou de um segmento normativo, o Tribunal deveria naturalmente delimitar o objecto do recurso (tal como de resto o fez no acórdão n.º 42/2008, onde tal delimitação conduziu inclusivamente à restrição do pedido aos preceitos objecto de desaplicação na sentença recorrida), restringindo-o à parte da disposição legal objecto de desaplicação (o que estava tanto ao seu alcance como ao do recorrente Ministério Público), sem que tal envolva a explicitação de qualquer específica interpretação normativa (e portanto a transferência para o Tribunal Constitucional de um ónus que impenderia sobre o recorrente, como acontecia na espécie sobre que recaiu o acórdão nº 21/2006).
Não o tendo feito e optando por, nas descritas circunstâncias, exigir ao recorrente que precisasse uma interpretação normativa outra, que necessariamente teria de coincidir com o (literal) entendimento do preceito recusado pela decisão recorrida, o acórdão assume uma exigência a que não conseguimos ligar qualquer racionalidade, acrescentando aos requisitos legalmente formulados um outro, para além disso desprovido de toda a justificação. E que conduz ainda, no caso, a frustrar a clara intenção legislativa que pretendeu submeter à apreciação do Tribunal Constitucional a recusa de aplicação de preceitos e outras normas legais.
Não poderíamos, por tudo isto, subscrever a presente decisão. Rui Manuel Moura Ramos.
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[1] Foi esta, pois, “a norma cuja aplicação foi recusada”, com o que se deu seguimento ao pedido formulado pela (…) Conselheira Relatora, através do seu despacho de 29 de Setembro de 2010.