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Processo n.º 235/11
1ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal
Constitucional:
I. Relatório
1. Nos presentes autos, provindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorridos o Ministério Público e outros, o arguido recorrente foi, por decisão do Tribunal da Comarca de Valongo, absolvido dos crimes de que fora acusado. Tendo o Ministério Público interposto recurso para o Tribunal da Relação do Porto, o arguido respondeu sustentando a sua extemporaneidade. Por acórdão deste Tribunal foi decidido que o recurso tinha sido tempestivamente interposto, declarada a nulidade da decisão da 1ª instância e ordenada a baixa dos autos ao tribunal a quo.
2. Inconformado, o arguido recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça. Não tendo o recurso sido admitido, com fundamento no disposto nos artigos 400.º, n.º 1, alínea c) e 432.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal, apresentou o ora recorrente reclamação para o Presidente do STJ, concluindo do seguinte modo:
“1. O recurso interposto foi apenas sobre uma questão decidida pela primeira vez pelo Tribunal da Relação em matéria processual.
2. A inadmissão do recurso, por via do despacho reclamado, viola não só a Constituição no seu artigo 32.º, n.º 1, que garante o recurso porque garantido o duplo grau de jurisdição, bem como ainda garante o recurso mesmo só em matéria de direito processual.
3. O Despacho ora reclamado viola o direito ao recurso tal como previsto no artigo 400.º, n.º 1, alínea c), CPP, porque a decisão proferida pela Relação, pela primeira vez e relativa à intempestividade do recurso interposto em primeira instância pelo MP, ao não admitir o recurso, sobre ela transforma o acórdão em decisão final, relativamente à questão processual ali discutida, que dessa forma transitará em julgado, não mais podendo ser essa matéria alvo de recurso, para qualquer instância superior, e, nomeadamente, para o Tribunal Constitucional.
4. O Despacho ora reclamado ofende por isso a Constituição da República no seu artigo 32.º, n.º 1, bem como ofende o disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP, que não pode ser interpretado de outra forma que não a reclamada e que, porventura, ofenda a Constituição da República”.
3. Por decisão de 31 de Janeiro de 2011, a reclamação foi indeferida. Desta decisão foi interposto o presente recurso, através de requerimento em que se diz:
“O recurso interposto é efectuado ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LCT [...].
O recorrente tem legitimidade (conforme o artigo 72.º, n.º 1, alínea b), o recurso é tempestivo (artigo 75.º, n.º 1) e suscitou a questão da constitucionalidade perante o tribunal que proferiu o despacho recorrido (STJ) e o acórdão recorrido (TR Porto) (artigo 72.º, n.º 2, da LCT).
O recurso é assim interposto da interpretação que o despacho do Sr. Presidente do Supremo Tribunal fez do artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, que no entendimento do recorrente viola o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. [...]”.
4. Na sequência, foi proferida pelo relator, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, decisão sumária de não conhecimento do recurso. É o seguinte, na parte agora relevante, o respectivo teor:
“[...] Nos presentes autos está em causa, única e simplesmente, o recurso da decisão de 31 de Janeiro de 2011 do STJ, único que foi admitido naquele Tribunal e, em rigor, único que aí poderia ter sido admitido. Importa, por isso, antes de mais, decidir se se pode conhecer do objecto do recurso, uma vez que essa decisão de admissão não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional – LTC).
Nos termos do artigo 72.º, n.º 2, da LTC, o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º do mesmo diploma respeita à constitucionalidade de normas e só pode ser interposto “pela parte que haja suscitado a questão de inconstitucionalidade […] de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida […]”. Quer isto dizer que a admissibilidade desse recurso depende, nomeadamente, de o recorrente ter confrontado o tribunal a quo, antes de proferida a decisão recorrida, com a questão da inconstitucionalidade da norma – ou, se for o caso, da interpretação normativa – que, nos termos do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, pretende ver apreciada. Ora, é manifesto que tal não aconteceu.
De facto, basta ler os termos da reclamação para o Presidente do STJ, cujas conclusões ficaram supra transcritas em 2., para se verificar que nenhuma questão de constitucionalidade normativa está aí suscitada, como exige o n.º 2 do artigo 72.º da LTC, apenas se questionando a decisão que lhe fora desfavorável, o que, como é sabido, não lhe abre via de recurso para este Tribunal.
[...] Em face do exposto, e sem necessidade de maiores considerações, inteiramente descabidas no presente contexto, torna-se evidente que se não pode conhecer do recurso que o recorrente interpôs, por manifesta falta dos seus pressupostos legais de admissibilidade.”
5. Inconformado, o recorrente reclama para a Conferência, afirmando, para o que ora releva, o seguinte:
“[...]Parece ao Recorrente e ora Reclamante, que afastadas as questões de semântica de facto e de direito não assistirá razão, o que se afirma com todo o respeito pelo Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Relator, para tal fundamento da Decisão Sumária.
Comecemos exactamente pelas conclusões apresentadas na Reclamação para o Exmo. Sr. Conselheiro Presidente do STJ.
No n° 4 das Conclusões diz-se expressamente:
“O despacho ora reclamado ofende por isso a Constituição da República no seu Art.º32.º n.º 1, bem como ofende o disposto no Art. ° 400.º, n.º 1. al. c) do C.P.P., que não pode ser interpretado de outra forma que não a reclamada e que, porventura, ofenda a Constituição da República”.
Ora,
Não pode discutir-se a questão da interpretação da norma sem se falar do despacho já que é nesse que está encerrada a interpretação de que se recorre.
Mas se dúvidas existirem, e muito mais importante, é verificar-se a fundamentação da Reclamação apresentada ao Exmo. Sr. Presidente do STJ onde entre outras se diz a dado passo — e conforme as diversas alªs c), d), e) e f) — “Se dúvidas existissem na matéria recorrida e porque se trata de ‘matéria de direito na área processual, nada melhor do que escutar o Acórdão do Tribunal Constitucional 597/00 de que se reproduz apenas a decisão. “Julga-se inconstitucional, por violação do Art.º32.º, n.º 1 da Constituição, a interpretação do Art° 400.º, n.°1 al. c) do Código de Processo Penal, segundo a qual não são susceptíveis de Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça os Acórdão proferidos, em Recurso, pelos Relações que versem sabre questões de direito processual penal”.
Portanto e concluindo,
Na realidade foi sempre levantada a questão da Constitucionalidade da interpretação do Art° 400.º, n° 1 al. c) do C,P.P. nos termos efectuados pelo Tribunal da Relação do Porto e mantida no despacho do Presidente do STJ, e é exactamente essa questão de constitucionalidade que se pretende ver apreciada por esse Tribunal Constitucional.[...]”
6. Notificado, o Ministério Público reclamado sustentou que, no momento processual adequado – reclamação dirigida ao Presidente do STJ -, “nunca se enuncia uma questão de constitucionalidade normativa que pudesse constituir objecto idóneo do recurso de constitucionalidade”, pelo que deve indeferir-se a reclamação.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II. – Fundamentação
7. A decisão reclamada sustentou a impossibilidade de conhecimento do recurso por o recorrente não ter suscitado, perante o Tribunal a quo, qualquer questão de constitucionalidade normativa de que o Tribunal Constitucional possa conhecer. Ora, o reclamante não aduz, na reclamação ora apresentada, qualquer argumento que permita abalar os fundamentos da decisão sumária de que reclama. Resultando das transcrições efectuadas pelo reclamante a evidente conclusão de que não estão preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso. Na verdade, não só tais transcrições confirmam que a inconstitucionalidade é referida directamente à decisão recorrida e não a norma por esta aplicada, mas também revelam que não se mostra suscitada, de modo processualmente adequado, como exige o artigo 72.º, n.º 2, da LTC, qualquer questão de constitucionalidade normativa. De facto, como se afirmou no Acórdão n.º 232/06, “tal modo de proceder - mera citação de acórdãos do Tribunal Constitucional para corroborar teses sobre a alegada violação, [...] de normas de direito infraconstitucional e para sustentar a nulidade de determinadas diligências processuais -, não constitui, manifestamente, o cumprimento do ónus previsto no n.º 2 do artigo 72.º da Lei do Tribunal Constitucional, de suscitar a questão de inconstitucionalidade da norma que pretende ver apreciada, de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”.
III. – Decisão
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 3 de Maio de 2011.- Gil Galvão – José Borges Soeiro – Rui Manuel Moura Ramos.