Imprimir acórdão
Processo n.º 214/2011
1ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Por acórdão da 2.ª Secção da Vara Mista de Coimbra foi a ora recorrente, A., condenada, como autora material de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de cinco anos e seis meses de prisão. Inconformada, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, o qual negou provimento ao mesmo, mantendo, na íntegra, o acórdão recorrido. Ainda inconformada, interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual não foi, todavia, admitido, por aplicação da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal. Reclama então a recorrente para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, alegando, no que ora releva, que “a interpretação que a decisão reclamada fez do aludido normativo é inconstitucional por violação dos artigos 13.º e 32.º n.º 1.º da CRP”, já que “efectivamente permitiria a interpretação da norma para além da previsão do artigo 9.º do C.C. e cercearia o direito ao recurso.” Considerando que nunca poderia o STJ conhecer, no caso, de matéria de facto e que “houve «dupla conforme» (confirmação da qualificação e da pena aplicada ao crime)”, a reclamação foi indeferida.
2. É então interposto recurso para este Tribunal, através do seguinte requerimento:
“[…] 1. O recurso é interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei 28/82, de 15 de Setembro.
2. Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da interpretação feita nos autos do artigo 400º n.º 1, alínea f) CPP, no sentido em que o foi no DESPACHO que não admitiu o recurso e de que a decisão recorrida quis fugir, isto é, que tendo o Acórdão da Relação alterado a matéria de facto, existe dupla conforme, impeditiva de recurso por a pena aplicada na 1.ª instância e confirmada na Relação ser de 5 anos e 6 meses, que se aplica ao caso concreto tal norma impeditiva. […]
3. A dupla conforme exige que se mantenha uma tríade: a factualidade, os normativos para a punição e a pena.
4. O que não ocorreu no caso.
5. A interpretação efectuada viola, por isso, os invocados artigos 13.º e 32.º n.º 1 da CRP, considerando o artigo 9.º CC […].
3. Na sequência, foi proferida pelo relator, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, decisão sumária de não conhecimento do recurso. É o seguinte, na parte agora relevante, o respectivo teor:
“[...] Perante o conteúdo do requerimento de interposição do recurso, é patente que o recorrente não coloca ao Tribunal uma questão de constitucionalidade normativa de que este possa conhecer. A este propósito impõe-se recordar que, como o Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado, nada obsta a que seja questionada apenas uma certa interpretação ou dimensão normativa de um determinado preceito. Nesses casos, contudo, tem o recorrente o ónus de enunciar, de forma clara e perceptível, o exacto sentido normativo do preceito que considera inconstitucional. Ora, basta ler o enunciado da “norma” que o recorrente pretende ver apreciada – “a inconstitucionalidade da interpretação feita nos autos do artigo 400.º n.º 1, alínea f) CPP, no sentido em que o foi no DESPACHO que não admitiu o recurso e de que a decisão recorrida quis fugir, isto é, que tendo o Acórdão da Relação alterado a matéria de facto, existe dupla conforme, impeditiva de recurso por a pena aplicada na 1ª instância e confirmada na Relação ser de 5 anos e 6 meses, que se aplica ao caso concreto tal norma impeditiva” – para concluir não ser possível enunciar um juízo de inconstitucionalidade naqueles termos. Na verdade, ao remeter para a “interpretação feita nos autos do artigo 400.º n.º 1, alínea f) CPP, no sentido em que o foi no DESPACHO que não admitiu o recurso e de que a decisão recorrida quis fugir” e que “a dupla conforme exige que se mantenha uma tríade: a factualidade, os normativos para a punição e a pena”, o recorrente está a remeter exclusivamente para a decisão recorrida e para a interpretação do direito infraconstitucional. E, ao alegar que tal interpretação viola os “artigos 13º e 32º n.º 1 da CRP, considerando o artigo 9.º CC”, torna impossível a definição de uma dimensão normativa, que seja inteligível para qualquer operador judiciário. Mas, sendo assim, como inquestionavelmente o é, constitui jurisprudência pacífica e sucessivamente reiterada que, estando em causa a própria decisão em si mesma considerada, não há lugar ao recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade vigente em Portugal. Assim resulta do disposto no artigo 280º da Constituição e no artigo 70.º da Lei n.º 28/82 e assim tem sido afirmado por este Tribunal em inúmeras ocasiões. Tanto basta para que se não possa conhecer do objecto do recurso.
3.2. Acresce, que também não está presente outro pressuposto de admissibilidade do recurso, a saber que o recorrente tenha suscitado, de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, a exacta questão de constitucionalidade normativa que pretende ver apreciada. Na verdade, sendo questionada apenas uma certa interpretação ou dimensão normativa de um determinado preceito, tem o recorrente o ónus de suscitar a questão de constitucionalidade enunciando, de forma clara e perceptível, o exacto sentido normativo do preceito que considera inconstitucional, não bastando, para preencher tal exigência referir-se apenas, como foi feito no presente caso, à “interpretação que a decisão reclamada fez do aludido normativo”. Tanto basta, igualmente, para que se não possa conhecer do objecto do recurso.
3.3. Finalmente, importa sublinhar que só a impossibilidade de conhecimento do recurso impede que o Tribunal Constitucional renove a sua extensa, constante e sucessivamente reiterada jurisprudência no sentido da não inconstitucionalidade do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal.”
4. Inconformado, o recorrente reclama para a Conferência, afirmando:
“1. Invoca a decisão reclamada duas razões para não tomar conhecimento do objecto do recurso e adita que, se não fora isso, há reiterada jurisprudência no sentido da não inconstitucionalidade do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP. [...]
4. Salvo melhor juízo, nenhum dos vícios considerados se verifica e, outrossim, o caso concreto não é similar às anteriores tomadas de posição sobre a não inconstitucionalidade do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP.
5. Efectivamente está explícita a interpretação normativa feita no preceito indicado.
6. Da mesma forma, a questão da inconstitucionalidade for enunciada de forma clara e perceptível tendo sido indicado o exacto sentido normativo utilizado do preceito cuja inconstitucionalidade foi levantada.
7. Por fim, nunca foi colocada ao TC a ponderação de uma dupla conforme em que tenha ocorrido alteração da matéria de facto da 2.ª instância”.
5. Notificado, o Ministério Público reclamado sustentou que “o recorrente [se limita] a reafirmar que suscitou a questão, não adiantando qualquer argumento que possa abalar os fundamentos da decisão reclamada, quanto à evidente inverificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso”.
II – Fundamentação
6. A decisão reclamada sustentou a impossibilidade de conhecimento do recurso por o recorrente não ter colocado ao Tribunal qualquer questão de constitucionalidade normativa de que este possa conhecer, nem ter suscitado, perante o Tribunal a quo, qualquer questão desse tipo. Ora, a reclamante não aduz, na reclamação ora apresentada, qualquer argumento que permita abalar os fundamentos da decisão sumária de que reclama. Resultando das transcrições efectuadas, a evidente conclusão de que não estão preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso.
III – Decisão
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 14 de Abril de 2011.- Gil Galvão – José Borges Soeiro – Rui Manuel Moura Ramos.