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Processo n.º 360/2011
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A. reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 76.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho daquele Tribunal que não admitiu o recurso, por si interposto, para o Tribunal Constitucional.
O despacho reclamado tem o seguinte teor:
Independentemente da verificação, ou não, dos restantes pressupostos de admissão, não admito o recurso para o Tribunal Constitucional por, manifestamente, intempestivo.
2. Na reclamação apresentada junto deste Tribunal, o reclamante veio dizer o seguinte:
O agravante interpôs recurso de constitucionalidade da decisão do Supremo Tribunal de Justiça que decidira não tomar conhecimento do agravo.
O recurso, o sr. conselheiro relator não o admitiu, com a seguinte nota prodrómica: “independentemente da verificação, ou não, dos restantes pressupostos de admissão, não admito o recurso para o tribunal constitucional por, manifestamente, intempestivo “(vd. desp. proferido com data de 29 de Março de 2011).
É justamente desta última decisão que se reclama para este Colendo Tribunal.
Vejamos.
Conforme se referiu no requerimento de interposição do recurso, a notificação contendo a decisão final do Supremo só foi entregue no dia 11 de Março (vd. pág. 4 do respectivo requerimento).
Mas a verdade é que tal aconteceu sem culpa sua, uma vez que o mandatário comunicou aos CTT a sua nova direcção, acordando com a mesma Entidade que a correspondência que lhe fosse remetida para a direcção anterior, ser-lhe-ia automaticamente entregue no novo endereço (vd. doc. apresentado com o último requerimento dirigido ao STJ).
O facto de o expediente lhe ter sido entregue mais tarde, isso é da responsabilidade dos CTT.
De facto, não tendo sido devolvido o expediente, afigura-se que o facto de o mesmo ter sido entregue pelos CTT em data posterior, isso não é da responsabilidade do requerente, nem do seu mandatário, uma vez que ele avisou a referida Entidade da mudança, como acordou com ela a entrega da correspondência nas novas instalações.
E só por isso é que a correspondência lhe tem sido entregue com toda a normalidade.
E se desse modo não foi possível detetar até à presente data qualquer problema com a entrega da correspondência, maxime a oriunda dos Tribunais, julga-se que o facto de ter acontecido o que aconteceu in casu, só pode ser da responsabilidade da Entidade distribuidora.
Cumpre ainda salientar que a notificação do despacho emitido pelo Exmo. Sr. Conselheiro relator nos termos do artigo 704°, n° 1, do CPC, foi, essa sim, devolvida, com a nota de “mudou-se” e “nova morada” (cf. fls. 259 e 259/v).
Diga-se ainda a talhe de foice que a notificação do despacho de não admissão do recurso, remetida com data de 31 de Março – para as antigas instalações (-!) – foi entregue no novo escritório, no dia de hoje, 4 de Abril de 2011.
Isso só foi possível, repete-se, porquanto o mesmo mandatário tomou as devidas precauções de modo a receber as notificações que houvessem de lhe ser dirigidas.
Podemos assim concluir que o recurso foi interposto bem dentro do prazo.
3. O requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade tem o seguinte teor.
A., nos epigrafados autos de recurso de agravo em que é agravado o BANCO B., S.A., vem interpor recurso de constitucionalidade, nos termos do artigo 70º, n° 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n° 28/82, de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei n° 85/89, de 7 de Setembro, e pela Lei n° 13-A198, de 26 de Fevereiro), o que faz pela forma seguinte:
O ora recorrente impetrou na instância originária o suprimento da nulidade resultante da falta de citação, da sua citação, para os termos da execução ordinária que lhe movera o B..
O Tribunal indeferiu, por douto despacho de fls. 505-508.
Desse douto despacho, o requerente apresentou um pedido de aclaração onde grafara o seguinte: “O conhecimento efectivo da propositura de uma acção ou de uma execução contra determinada pessoa consubstancia a primeira das garantias mais relevantes para o cumprimento dos princípios de estalão constitucional do contraditório, da igualdade e do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva”.
Secundado pelo exequente, o Tribunal retrucou que nada havia que clarificar.
O requerente levou recurso dessa decisão, não sem que antes houvesse reclamado com êxito para o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa para que o dito lhe fosse admitido.
Na sequente alegação recursória, o agravante discorreu: “Tal direito, refere ainda, corresponde a uma garantia fundamental, no âmbito de um processo equitativo, com consagração expressa nos artigos 20°, n° 4 da Constituição da República Portuguesa, e 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ratificada por Portugal através da Lei n° 65/78, de 13 de Outubro”.
Como igualmente objetara na conclusão VI da sobredita peça: “Ao ora agravante não foi dado o menor conhecimento da execução que havia sido contra ele intentada pelo Banco B., o que significa que não se deu cumprimento à primeira das garantias mais relevantes para o cumprimento dos princípios do contraditório, da igualdade e de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva”.
No Tribunal de 2ª instância, o Exmo. Senhor Juiz Desembargador Relator interpretou desta arte a norma ínsita no artigo 241° do Código de Processo Civil: “ (...) como é jurisprudência pacífica, esta carta não tem de ser efectivamente recebida, produzindo efeitos mesmo que venha devolvida (cfr. por todos Ac. STJ, de 07.11.95, BMJ 451:325)” – vd. douto Ac. do TRL de 22 de Outubro de 2009, pp. 12.
E de seguida: “A citação deve, pois, considerar-se efectuada na data em que foi recebida a 1ª carta (artigo 238°, n° 1, CPC) não sendo relevante que a segunda carta venha devolvida por recusa de recebimento ou ausência do local pelo destinatário” – ibidem.
O executado reclamou para a Conferência, nos termos do artigo 700°, n° 3 (2ª parte), tendo referido na página 14 do requerimento: “O reclamante não se resigna. E não se resigna com ter sido rejeitado, repudiado, lançado às malvas o direito de cariz fundamental e de estalão constitucional que lhe pertence e que é o de ser convenientemente informado de um processo que lhe foi instaurado, a fim de se poder defender, a fim de poder exercer o contraditório que entender. Isso é inadmissível, até por comprometer o direito central previsto no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa (vd. muito a propósito, o douto Ac. n° 632/2006, proferido pelo Tribunal Constitucional, em 16.11.2006)”.
Mas tal não foi aí analisado (ut douto Ac. de 28.01.2010).
O recorrente interpôs recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça, um recurso que este Supremo Tribunal decidiu não tomar conhecimento, nos termos do douto Ac. proferido com data de 22 de Fevereiro do corrente ano de 2011.
A questão de constitucionalidade que o recorrente invoca é justamente a interpretação do comando previsto no artigo 241° do Código Civil, com a redacção que à data possuía, e que disto isto: “Sempre que a citação se mostre efectuada em pessoa diversa do citando, em consequência do preceituado nos artigos 236°, n° 2, e 240°, n° 2, ou haja consistido na afixação da nota de citação nos termos do artigo 240°, n° 3, será ainda enviada carta registada ao citado, comunicando-lhe a data e o modo por que o acto se considera realizado, o prazo para o oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis à falta desta, o destino dado ao duplicado e a identidade da pessoa em quem a citação foi realizada”.
Uma disposição que o Tribunal da Relação de Lisboa assim interpretou: esta carta não tem que ser efectivamente, realmente, recebida, pois produz efeitos (os efeitos que a Lei pretende que ela produza) mesmo que isso não suceda, mesmo que não seja entregue a quem devia ser entregue, e mesmo que venha devolvida, ou que venha devolvida por recusa de recebimento ou ausência do local pelo destinatário.
Cumpre afirmar com toda a convicção e veemência que a carta só foi devolvida pelo facto de ter sido erradamente remetida para uma direcção errada!
O mesmo é que dizer que a carta não foi devolvida pelo facto de o citado não a ter querido receber, como não foi devolvida pelo facto de o citado se ter ausentado. FOI DEVOLVIDA PELO FACTO DE O CITANDO NÃO RESIDIR NA MORADA INDICADA!
A carta – repete-se – foi devolvida porque na morada constante do subscrito, não residia o citando. Foi por isso que ele não a recebeu; foi por isso que ninguém a recebeu; foi por isso que a missiva veio para trás.
Claro que também a carta-citação não foi recebida pelo citando, como não lhe foi presumidamente entregue por terceiro.
CONCLUSÃO: o citando não fora citado; o citando não se encontra citado!
E não tendo sido citado, ele também não fora ADVERTIDO nos termos e para os efeitos previstos no artigo 241° do diploma que se vem citando.
Qual-! – como é jurisprudência pacífica (de resto inexistente!), “ESTA CARTA NÃO TEM DE SER EFECTIVAMENTE RECEBIDA, PRODUZINDO EFEITOS MESMO QUE VENHA DEVOLVIDA (...)”
Ou seja, o recorrente vem submeter à apreciação do Tribunal Constitucional esta extraordinária dimensão normativa do artigo 241°, segunda a qual, no caso de citação em pessoa diversa do citando, que inclusivamente se não efectivou, não importa que a carta-advertência venha devolvida, pois que ela produz efeitos MESMO QUE NÃO SEJA RECEBIDA.
Tal dimensão normativa do preceito indicado tem-se por violadora da Constituição.
Não tendo recebido a carta-citação, como disse, e não residindo na morada para onde foram endereçadas as cartas, é decerto importantíssima, relevantíssima, a carta do artigo 241° do Código de Processo Civil, pois como sustenta LOPES DO REGO, embora não se trate de uma dupla citação, trata-se de prever uma espécie de confirmação da citação oportuna e validamente realizada, em casos de presumível menor segurança e certeza na consumação do efectivo conhecimento pelo réu dos elementos essenciais do acto (Comentário ao Código de Processo Civil, 2ª ed., 2004, Vol. I, pág. 231).
Ora isso não aconteceria ou não poderia acontecer, se se postulasse que aquela carta produziria os efeitos previstos na lei mesmo que não fosse recebida, ou entregue, ou mesmo que, no limite, não fosse enviada ao citado, o que constituiria um enorme paradoxo e um invulgar quanto inadmissível contrassenso.
O agravante ainda admitiu que o Tribunal se tivesse respaldado no Acórdão citado na transcrição, ou seja, o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Novembro de 1995, isto é, que no mesmo se postulasse que pouco importaria, ou que não importaria mesmo nada que tal carta fosse devolvida, por isto ou por aquilo. Ao citado pouco se lhe daria que a carta lhe não chegasse às mãos! Mas não! O douto Acórdão não diz nada disso, nem tão-pouco se refere à carta-advertência prevista no 241°. Só isso!
Julga-se que interpretando dessa forma o citado normativo (artigo 241° do CPC), a Relação violou o preceituado no artigo 20°, n° 1, da Lei Fundamental, visto atentar contra o direito de acesso aos tribunais, e contra o direito de que a todos é assegurado o direito a um processo justo e equitativo, subordinado a princípios e garantias fundamentais, como sejam os princípios do contraditório e da igualdade, além de violar o princípio do Estado de Direito Democrático da República Portuguesa consagrado no artigo 2° da mesma Lei, o qual, na opinião de VITAL MOREIRA e GOMES CANOTILHO, mais do que constitutivo de preceitos jurídicos, é sobretudo conglobador de um amplo conjunto de regras e princípios dispersos pelo texto constitucional que densificam a ideia de sujeição do poder a princípios e regras jurídicos, garantindo aos cidadãos liberdade, igualdade e segurança (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., pp. 63).
Cumpre finalmente referir que o subscrito contendo a decisão do Supremo Tribunal de Justiça foi entregue ao mandatário do recorrente, no passado dia 11 do corrente mês de Março, pelas 14:25 (vd. doc. n° 1).
4. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal veio dizer o seguinte.
1. O Recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Fevereiro de 2011.
2. Como se pode ver pela informação prestada a fls. 326, o recurso foi interposto para além do prazo legalmente fixado, que é de 10 dias (artigo 75.°, n.° 1, da LTC).
3. Efectivamente, de acordo com o disposto no n.° 3 do artigo 254.° do Código de Processo Civil, a notificação presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo e se o expediente tiver sido remetido para o escritório do mandatário, como foi o caso, a notificação produz efeito, mesmo que o expediente seja devolvido (n.° 4 do artigo 254.°, do Código de Processo Civil).
4. Esta presunção de notificação apenas pode ser ilidida se o notificado invocar razões que não lhe sejam imputáveis (n.° 6 do artigo 254.°).
5. Não é essa, manifestamente, a situação dos autos em que o atraso no recebimento da notificação se deve exclusivamente ao facto de o mandatário não ter avisado o Tribunal da mudança de instalações, como ele próprio reconhece.
6. Tanto bastaria para a reclamação ser indeferida.
7. Poderíamos ainda acrescentar que, como a questão de inconstitucionalidade que o reclamante pretende ver apreciada está relacionada com validade da citação como executado, em processo de execução – em que é exequente Banco B., S.A. –, ou seja, relacionada com os artigos 235.° a 238.° do Código de Processo Civil, como o Supremo Tribunal de Justiça não tomou conhecimento do recurso interposto do Acórdão da Relação, não aplicou, nem podia ter aplicado, as normas em causa.
8. Por outro lado, no momento processual adequado para suscitar a questão – as alegações no agravo para a Relação e a reclamação da decisão proferida nesse Tribunal pelo Senhor Desembargador Relator, nos termos do artigo 705.° do Código de Processo Civil –, o reclamante, apesar de referir o artigo 20.° da Constituição, nunca enuncia uma questão de inconstitucionalidade de natureza normativa.
9. Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.
Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
5. O despacho reclamado indeferiu o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade com fundamento em intempestividade.
Na sua reclamação, o reclamante sustenta, em síntese, que, uma vez que a notificação contendo a decisão recorrida só lhe foi entregue no dia 11.03.2011,
o recurso de constitucionalidade interposto, através de requerimento que deu entrada no Tribunal a quo em 18.03.2011, foi apresentado dentro do prazo legal de 10 dias previsto no n.º 1 do artigo 75.º da LTC, pelo que, em seu entender, falece o fundamento oferecido no despacho reclamado para a não admissão do recurso de constitucionalidade.
Diz ainda o reclamante que o facto de apenas ter sido notificado da decisão no dia 11.03.2011 não lhe é imputável, sendo antes da responsabilidade dos CTT a quem comunicou que a correspondência expedida para o seu anterior escritório lhe fosse entregue no actual.
Não tem razão o reclamante.
Nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 254.º do Código de Processo Civil, a notificação presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo e se o expediente tiver sido remetido para o escritório do mandatário, como foi o caso, a notificação produz efeito, mesmo que o expediente seja devolvido, devendo, por isso, a notificação ter-se como feita a 28 de Fevereiro de 2011 (n.º 4 do artigo 254.º do Código de Processo Civil).
Tal presunção de notificação apenas pode ser ilidida se o notificado invocar razões que lhe não sejam imputáveis (n.º 6 do artigo 254.º do Código de Processo Civil).
Sucede que, ao contrário do que sustenta o reclamante, o atraso no recebimento da notificação é-lhe imputável, na medida em que se ficou a dever ao facto de o seu mandatário não ter comunicado ao próprio Tribunal a mudança de instalações, como se lhe impunha.
Tanto basta para que se não possa conhecer do recurso de constitucionalidade.
III – Decisão
6. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando o despacho reclamado que não admitiu o recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 27 de Maio de 2011.- Maria Lúcia Amaral – Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão.