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Processo n.º 192/2011
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em conferência, na 3ª secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. A. foi condenado, por acórdão do colectivo do Tribunal Judicial da Comarca de Paredes, na pena de cinco anos de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, e na pena de dez meses de prisão pela prática de um crime de detenção de arma proibida. Efectuado o cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de cinco anos e seis meses de prisão.
Desta decisão interpôs A. recurso para o Tribunal da Relação do Porto, recurso esse que, por despacho, não viria a ser admitido com fundamento em extemporaneidade.
Do despacho de não admissão do recurso reclamou o arguido para o Presidente do Tribunal da Relação do Porto. Na reclamação, alegou-se que seria inconstitucional, por violação do disposto no artigo 32.º, nº 1, da CRP, a norma contida no artigo 411.º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido segundo o qual o prazo para a interposição do recurso em que se impugne matéria de facto, com reapreciação da prova agravada, se conta sempre a partir da data de depósito da sentença na secretaria e não da data da disponibilização das cópias e suportes magnéticos e actas, tempestivamente requeridas pelo arguido recorrente.
Por despacho proferido pelo Vice-Presidente do Tribunal da Relação do Porto a 2 de Novembro de 2010 foi a reclamação desatendida.
2. Desta última decisão interpôs A. recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70.º da Lei nº 28/82 (Lei do Tribunal Constitucional: LTC), pedindo que o Tribunal apreciasse a constitucionalidade da norma contida no artigo 411.º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Penal na “dimensão interpretativa” referida no ponto anterior, por violação do disposto no artigo 32.º, nº 1, da CRP.
Sumariamente, decidiu-se não conhecer do objecto do recurso, nos termos que agora se transcrevem:
Solicita o recorrente ao Tribunal Constitucional que aprecie a conformidade com a Constituição da norma constante do artigo 411.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, quando interpretado no sentido de que o prazo para a interposição do recurso em que se impugne a decisão da matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, se conta sempre a partir da data de depósito da sentença na secretaria e não da data da disponibilização das cópias dos suportes magnéticos e actas, tempestivamente requeridas pelo arguido recorrente.
Simplesmente, compulsados os autos, verifica-se que a dimensão normativa do artigo 411.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal questionada não foi efectivamente aplicada pela decisão recorrida.
Com efeito, resulta da fundamentação da decisão recorrida, que aí se entendeu “[…] que o arguido/reclamante não requereu quaisquer actas ou gravações”.
Ora, em sede de fiscalização concreta, tratando-se de formular um juízo que tem por objecto uma norma tal como foi aplicada num caso concreto, é um pressuposto de conhecimento do recurso de constitucionalidade que a decisão que o Tribunal Constitucional venha a proferir sobre a questão de constitucionalidade suscitada seja susceptível de produzir algum efeito sobre a decisão de que se recorre (nesse sentido, entre muitos outros, v. Acórdãos do TC n.ºs 169/92, 463/94, 366/96 e 687/2004, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Assim, não se verifica, in casu, o pressuposto processual de efectiva aplicação na decisão recorrida da norma cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, pressuposto esse sem a verificação do qual o Tribunal Constitucional não pode conhecer de recurso interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
3. É desta decisão que agora reclama, para a conferência, A., ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 78.º-A da LTC.
Na reclamação, e para além de reafirmar vicissitudes processuais várias, sustenta basicamente o reclamante que o recurso deve ser admitido, quer por ter sido suscitada, de modo processualmente adequado, a questão de constitucionalidade, quer por ter sido efectivamente aplicada, pela instância recorrida, a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie.
Em relação a este último argumento, expende o reclamante:
Na verdade, e ao contrário do alegado pelo Tribunal Constitucional, se é certo que o arguido não requereu em seu nome as gravações e actas de audiência de julgamento, também é certo que as mesmas foram requeridas pelo seu mandatário, na altura em nome do co-arguido Eurico Fernando Fonseca Moreira que foi absolvido pelo que não tinha legitimidade de recorrer, só não o sendo em nome do ora reclamante, pelo exclusivo facto do mandatário, aqui signatário, ainda não ter recebido o original da procuração forense uma vez que a mesma foi expedida pelo correio a partir de França, o que só permitiu a junção aos autos a 16 de Novembro de 2009, sem prescindir telefonicamente o reclamante já ter solicitado os serviços do mandatário e a preparação e interposição de recurso.
4. Notificado da reclamação, veio o Exmo. Representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional pugnar pelo indeferimento da mesma.
Cumpre apreciar e decidir
II – Fundamentação
5. No caso, a decisão de que se pretende recorrer é a contida no despacho do Vice-Presidente do Tribunal da Relação do Porto, datado de 2 de Novembro de 2010.
Lê-se em tal despacho:
Importa realçar que o arguido/reclamante não requereu quaisquer actas ou gravações. Foi outro arguido, representado pelo mesmo mandatário, quem, em 30 de Outubro, requere cópia das actas e das gravações. Descontado esse pormenor, não é verdade que o tribunal teve relativamente aos vários arguidos comportamento diverso, nomeadamente aos co-arguidos Joaquim e Olga. Estes arguidos tiveram acesso às gravações porque as requereram e foram buscar ao tribunal, já que se trata de “acto de secretaria”, cf. termo de entrega de fls. 3776. Que a entrega das gravações é acto de secretaria que não depende de despacho resulta claramente do art. 101º n° 3 do Código de Processo Penal que dispõe que o funcionário entrega no prazo de quarenta e oito horas uma cópia a qualquer sujeito processual que a requeira e forneça ao tribunal o suporte técnico. Incumbe ao
requerente a recolha da gravação na secretaria, não compete à secretaria proceder ao seu envio ao requerente, como resulta do art. 101º n° 3. Caso a gravação esteja disponível para entrega no prazo de quarenta e oito horas não há qualquer repercussão no prazo de recurso que continua a correr.
Apesar de o arguido/reclamante não ter requerido as gravações e as actas, não estava inibido de alegar justo impedimento, se o seu mandatário é o mesmo de outro co-arguido que requereu as gravações. Percebe-se que o mandatário de vários arguidos apenas requeira uma cópia das gravações e actas. É um acto de economia amigo da celeridade, um valor constitucional a que se deve obediência no processo penal. Agora o que não se percebe, nem tem cobertura legal, é que o reclamante entregue o recurso e só depois do despacho de não admissão é que se lembre de alegar justo impedimento. Como resulta claro do art.° 107° n° 2 do Código de Processo Penal a entrega de alegação de recurso fora do prazo estabelecido na lei [30 dias + 3 dias] só pode ocorrer desde que se prove justo impedimento. O justo impedimento deve ser alegado pelo interessado no prazo de três dias contado do termo do prazo legalmente fixado ou da cessação do impedimento, art.° 107° n° 2 e 3 do Código de Processo Penal. Tal não aconteceu no caso.
Conclui-se, assim, que o “justo impedimento” tardiamente esgrimido pelo reclamante é a sua omissão de recolher as gravações. Mas isso não é propriamente “justo impedimento”. E ficamos por aqui. Tanto basta para manter o despacho reclamado e indeferir a reclamação.
Deste trecho resulta claro que a “norma” que o Tribunal a quo aplicou não é aquela que o reclamante recorta no seu requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, pois que tal “norma” – retranscreva-se – é assim delimitada: [o artigo 411.º, nº1, alínea b) do Código de Processo Penal], “quando interpretado no sentido de que o prazo para a interposição do recurso em que se impugna a decisão da matéria de facto, com a reapreciação da prova gravada, se conta a partir da data de depósito da sentença na secretaria e não da data da disponibilização das cópias dos suportes magnéticos e actas, tempestivamente requeridas pelo arguido recorrente” (itálico nosso).
Tanto basta para que, pelas razões invocados pela decisão sumária reclamada e cuja repetição agora se dispensa, se entenda que não estão perfeitos os requisitos necessários para que seja admitido pelo Tribunal recurso que, nos termos constitucionais e legais, cabe de decisão de aplicação de norma (cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo).
III – Decisão
Nestes termos, indefere-se a reclamação apresentada e confirma-se a decisão sumária reclamada.
Custas pelo reclamante, fixadas em 20 ucs. da taxa de justiça.
Lisboa, 27 de Abril de 2011.- Maria Lúcia Amaral – Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão.