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Proc. n.º 454/00
1ª Secção Cons.º Vítor Nunes de Almeida
Acordam no Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
1. - A, E.P, notificada da decisão sumária que não tomou conhecimento do recurso de constitucionalidade, interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, por falta dos requisitos de admissibilidade, não se conformando com a mesma, veio inicialmente interpor 'recurso' dessa decisão. Fundamentou da seguinte forma o requerimento de interposição,: 'Tal recurso tem por fundamento formal a violação das seguintes disposições legais: a. Da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.) – os artigos 13º, 20º, n.º 4, e 202º, n.º 2; b. Do Cód. Proc. Civil – os artigos 467º, n.º 1, 490º, n.º 2, 193º, n.ºs 1 e 2, aplicáveis em processo laboral, fazendo o Tribunal delas uma interpretação e aplicação violadoras dos princípios constitucionais contidos naqueles preceitos da Lei Fundamental.' Finaliza tal requerimento, concluindo que 'o recurso subsiste interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional'.
2. - De acordo com o preceituado no n.º 3 do artigo
78º-A, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), as decisões sumárias, proferidas ao abrigo do preceituado no nº1 de referido artigo, não são recorríveis, mas apenas podem ser objecto de reclamação para a conferência. Assim, o relator do processo, face ao requerimento atrás transcrito, proferiu um despacho, invocando o disposto no artigo 688º, n.º 5, do Código de Processo Civil – uma vez que à tramitação do recurso de constitucionalidade em processo de fiscalização concreta são subsidiariamente aplicáveis as normas do Código de Processo Civil, com as devidas adaptações às especificidades do processo constitucional -, no qual determinou que o 'recurso' interposto passasse a seguir os termos próprios de reclamação para a Conferência, concedendo à parte o prazo de dez dias para fundamentar a reclamação.
3. - A A, SA, em cumprimento do referido despacho, veio fundamentar a presente reclamação nos seguintes termos:
1. 'Entende porém a reclamante, que a decisão sumária que decidiu pela falta de um dos requisitos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do T.C., e em consequência não tomou conhecimento do recurso, enferma de nulidade consistente na inobservância dos requisitos legais, estabelecidos nos artigos 13º, 20º, nº4, e 202º, nº2, da C.R.P. e nos artigos 476º, nº 1, 490º, nº 2, e 193º, 193º, nºs 1 e 2, da C.P.C., aplicáveis em processo laboral.
2. Com efeito, o princípio enunciado na douta Decisão Sumária sob reclamação, sintetiza-se, segundo os seus próprios termos, da forma seguinte
(fls. 5): 'os recursos de constitucionalidade, sendo embora interpostos de decisões de outros tribunais, não visam impugnar a inconstitucionalidade de tais decisões, mas antes o juízo que nelas se contenha sobre a inconstitucionalidade ou não inconstitucionalidade de normas com interesse para o julgamento da causa'. Julgando não desrespeitar as regras fundamentais que regulam a estruturação e competência do Tribunal Constitucional, a ora reclamante considera que o âmbito da competência e obrigatoriedade de intervenção do Tribunal Constitucional, tão restritivamente interpretados, atingiria, como no caso atinge, a flagrante violação dos direitos dos cidadãos enquanto titulares de direitos fundamentais, que inequivocamente foram ofendidos pela sentença recorrida.
É porque de outro modo a interpretação a dar ao preceito da alínea b) do nº1 do artigo 70º da Lei do T.C., seria de tal modo restritiva, que eliminava pura e simplesmente direitos fundamentais dos cidadãos.
1. Assim, e como se invocou no requerimento base do processamento a que se está a proceder, foram as seguintes as disposições legais ofendidas pela douta Decisão ora reclamada: a. Da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.), os artigos 13º, 20º, nº4, e 202º, nº2; b. Do Código de Processo Civil, os artigos 476º, nº 1, 490º, nº 2, e 193º, nºs 1 e 2. O assento fundamental do recurso, decorre da aplicação das citadas disposições do C.P.C. ao processo laboral, fazendo delas o Tribunal recorrido uma interpretação e aplicação violadoras dos princípios constitucionais contidos nos preceitos acima mencionados da Lei Fundamental.
1. A decisão ora reclamada, foi tomada por se verificar, na forma vista pelo Exmo. Conselheiro Relator, a falta de indicação da norma aplicada pelo Tribunal a quo, cuja inconstitucionalidade seria suscitada pertinentemente durante o presente processo. Ora, o que ao invés se verifica - no processo, com especial expressão demonstrada no requerimento de interposição de 'recurso', a que foi mandada seguir a forma de reclamação - é que os preceitos constitucionais supra mencionados e os dispositivos processuais civis utilizados, também de forma constitucional, foram expressa e abundantemente invocados pela arguente. Deste modo não pode deixar de dizer-se que a exigência estabelecida na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do T.C., foi totalmente preenchida.
2. Do exposto se segue que a recusa de conhecimento da reclamação
(erroneamente chamada recurso) por insuficiência dos elementos normativos exigidos pela alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do T.C., constitui uma nulidade de que à conferência, pela Secção, cumpre conhecer. Em tais termos, em fundamentação do que agora seria pertinente repetir, se invocam em especial os termos do requerimento de interposição do recurso para o T.C. que aqui se dão por reproduzidos.'
4. - JF, devidamente notificado da reclamação interposta, veio responder à mesma, alegando, em síntese, que 'aquilo que a recorrente pretende é apenas e tão-só litigar contra lei expressa e deduzir pretensão cuja completa falta de fundamento conhece perfeitamente (...) com o mais do que reprobabilíssimo intuito de dilatar a todo o transe (...) o trânsito em julgado da decisão', finalizando por requerer que a pretensão daquela seja julgada improcedente e que a mesma seja condenada como litigante de má-fé.
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
I. FUNDAMENTOS
5. - A reclamação apresentada contra a decisão sumária proferida nos autos tem como argumento essencial a interpretação excessivamente restritiva que tal decisão fez da alínea b) do nº1 do artigo 70º da LTC, de tal forma que
'eliminava pura e simplesmente direitos fundamentais dos cidadãos'.
Ora, a decisão sumária limitou-se a fazer aplicação da jurisprudência corrente do Tribunal relativamente aos requisitos de admissibilidade dos recursos de constitucionalidade.
Aliás, o reclamante não aduz qualquer argumento novo que seja susceptível de questionar o entendimento adoptado pelo relator na decisão de 10 de Outubro de 2000.
De facto, decantando a explicitação do juízo interpretativo que a reclamante elabora quanto aos requisitos do recurso de constitucionalidade dele não se extrai qualquer razão que possa abalar o entendimento explanado na referida decisão sumária.
Vejamos.
Escreveu-se na correspondente decisão sumária:
'De facto, a recorrente não só não suscitou a questão de constitucionalidade de forma adequada durante o processo nem tal questão de constitucionalidade se pode considerar dirigida a normas ou a uma interpretação normativa, mas antes à própria decisão, como se demonstrará.
O recurso de constitucionalidade, como se referiu, tem como objecto as normas ou uma sua interpretação normativa e, como se trata de um verdadeiro recurso, a questão tem de ser colocada em termos de o tribunal que profere a decisão em última instância, dela poder conhecer. Isto é, a questão de constitucionalidade para poder constituir objecto de decisão do STJ, tinha de ser suscitada nas alegações de recurso da Relação para este Tribunal, por forma a que o Tribunal «ad quem» soubesse que tinha de se pronunciar sobre tal questão.
No caso dos autos, é manifesto que a recorrente não suscitou, nas alegações de recurso para o STJ, a questão de constitucionalidade por forma adequada. De facto, compulsando as conclusões das alegações que a recorrente formulou ali se refere apenas que 'a decisão proferida na Primeira Instância e confirmada na Segunda Instância enferma dos vícios de violação e interpretação dos seguintes preceitos legais(...), seguindo-se a enumeração desses preceitos, entre os quais se encontram os artigos do CPC que agora considera terem sido inconstitucionalmente interpretados e também as normas constitucionais que diz terem sido violadas pela referida decisão. Ora, afirmar que uma decisão viola normas constitucionais não é uma forma adequada de suscitar uma questão de constitucionalidade normativa.
Aliás, uma tal forma de colocar a questão de constitucionalidade consiste em imputá-la à própria decisão e não a normas, o que também não é uma forma adequada de suscitar tal questão.
A simples leitura do seguinte excerto das alegações da recorrente para o STJ são claramente demonstrativas de que a recorrente imputa a questão de constitucionalidade à decisão - ou melhor, às omissões 'praticadas' na decisão - e não a qualquer interpretação normativa:
'Tratando-se de nulidade que enferma a manifestação de vontade do Autor, constante na P.I., independentemente do acolhimento da matéria nele contida pela Instância Recorrida, o tribunal de recurso tem o poder e o dever de previamente ao conhecimento do objecto de recurso se assegurar de que essa decisão se encontra conforme as regras de processo aplicáveis. No caso, tratando-se de apreciação de Nulidade que inquina decisivamente o processo e que se refere aos elementos essenciais da declaração negocial das partes, face ao disposto no Artº 467º nº 1 c) do C.P. Civil, a mesma é do conhecimento oficioso. Por tais circunstâncias, face ao disposto no AE, publicado no B.T.E. nº 40, de
29/10/90, Anexo V, Clªs. 2ª, 5ª, 19ª e 20ª, não foi alegado nem comprovado que o Autor tenha preenchido os requisitos de acesso à carreira informática como pretende. Tão pouco que a sua progressão se tenha consumado no tempo que pretende. Sequer se podia reconhecer uma categoria assente numa ausência total de factos conducentes à sua demonstração. Aliás, nem face a qualquer disposição substantiva o Autor alegou qualquer facto concreto conducente ao seu petitório. Também, prendendo-se a decisão, na errada pressuposição de uma classificação como existente na esfera do Autor, atribuindo-lhe uma categoria, perante os fundamentos em que faz assentar a anulação da sanção disciplinar aplicada, isto
é, nessa categoria de programador, sem que esta se encontre demonstrada, não pode a essa luz analisar da legitimidade de recusa no cumprimento de ordem dada pela entidade empregadora. Aliás, trata-se isso sim, de uma recusa ilegítima que os autos não contravertem minimamente, e que a sua permanência sempre deveria ser confirmada e não anulada. Acresce ainda que o pretendido direito de anulação sempre estaria caducado, face ao disposto no Artº 10º/11º da LCT.' A recorrente refere também que 'a falta de alegação concreta dos factos conducentes ao pedido constitui, face às normas de natureza substantiva que prevêem os termos e a forma por que deve ser manifestada, um vício por falta de conhecimento oficioso do Tribunal', ou seja, a recorrente rebela-se contra o facto de a decisão de 1ª instância não ter conhecido oficiosamente de uma falha que ela própria não suscitou no momento adequado e que a decisão do tribunal considerou inexistir qualquer deficiência. Como a questão de constitucionalidade que a recorrente suscita parte da existência dessa falha na alegação de factos que as instâncias não reconhecem, é manifesto que tal questão de constitucionalidade é directamente imputada à decisão de qualquer das instâncias, sendo certo que as decisões dos outros tribunais não podem constituir o objecto do recurso de constitucionalidade.
Assim, à recorrente e ora reclamante impunha-se demonstrar, que tinha suscitado correctamente uma questão de constitucionalidade, mas que, porventura, não a teria explicitado tão cabalmente quanto necessário.
Todavia, a reclamante não só não formula nem explicita qualquer juízo de inconstitucionalidade normativa que tivesse suscitado antes, como também nenhum argumento novo é por si carreado para fundamentar a sua pretensão.
A simples leitura dos invocados fundamentos na reclamação da recorrente é demonstrativa da ausência de motivos substantivos para a sua reclamação.
A reclamante continua sem conseguir ordenar uma forma de discurso coerente para fundamentar a impugnação da decisão sumária proferida. De facto, não faz qualquer sentido dizer – como o faz a reclamante A – que a decisão sumária 'enferma de nulidade consistente na inobservância dos requisitos legais, estabelecidos nos artigos 13º, 20, nº4, e 202º da C.R.P. e nos artigos
476º, nº1, 490º, nº2 e 193º, nºs 1 e 2, do C.P.C., aplicáveis em processo laboral'
Assim, não enfermando a decisão recorrida de qualquer nulidade, nem tendo sido aduzido qualquer fundamento válido para alteração do decidido, a presente reclamação tem de ser indeferida.
6. – Resta considera o pedido de condenação como litigante de má-fé formulado pelo recorrido JF.
Não decorre dos autos que a A, SA tenha litigado contra lei expressa ou tenha deduzido pretensão cuja falta de fundamento seja do seu conhecimento. Não se apura, na verdade, qualquer tipo de lide dolosa por parte da recorrente: limitou-se a procurar esgotar os meios processuais disponíveis, da forma que lhe pareceu mais correcta.
Assim, o Tribunal entende que o pedido de condenação da A, SA como litigante de má fé deve improceder.
7. - Nos termos de tudo quanto fica exposto, o Tribunal Constitucional decide: a. indeferir a reclamação da decisão sumária apresentada pela recorrente A,SA; b. julgar improcedente o pedido de condenação da reclamante como litigante de má fé. Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 unidades de conta.
Lisboa, 8 de Março de 2001 Vítor Nunes de Almeida Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida