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Proc. nº 589/00
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório
1. FS (ora recorrido) apresentou queixa contra MR (ora recorrente), imputando-lhe a prática de um crime de difamação, previsto e punido pelos artigos 181º e 184º do Código Penal. O queixoso, que se constituiu assistente, formulou ainda um pedido de indemnização civil, no montante de 800 000$00. Nos termos da Lei nº 15/94, de 11 de Maio, foi declarado extinto por amnistia o procedimento criminal, prosseguindo o processo para apreciação do pedido de indemnização cível deduzido pelo assistente.
2. O Tribunal Judicial da Comarca de Santiago do Cacém, por sentença de 25 de Fevereiro de 2000, julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização cível, e condenou a demandada a pagar ao demandante a quantia de 250.000$00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, que se vencerem após o trânsito em julgado da decisão e até integral pagamento.
3. Inconformada com o assim decidido a demandada veio aos autos para, através de recurso, nos termos dos artigos 379º, nº 1, al. c) e 410º, nº 3 do CPP, arguir nulidades da sentença. O recurso não foi, contudo, admitido por se entender que, nos termos do artigo 400º, nº 2 do Código de Processo Penal, o recurso da decisão final proferida no processo de adesão só seria admissível se tal decisão fosse desfavorável para o recorrente em valor superior ao da alçada do tribunal recorrido, o que, manifestamente, não acontecia nos autos.
4. Confrontada com esta decisão a recorrente reclamou para o Presidente do Tribunal da Relação de Évora que, por decisão de 10 de Julho de 2000, indeferiu a reclamação apresentada. Escudou-se, para tanto, designadamente, na seguinte fundamentação:
'O art. 379º, nºs 1, al. C) do CPP não estabelece nenhuma regra de admissão de recursos, limitando-se a esclarecer que as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo licito ao tribunal supri-las, aplicando-se com as necessárias adaptações o disposto no art. 414º, nº 4 do CPP. Porém, é nosso entendimento que as nulidades da sentença só podem ser conhecidas em recurso, quando este seja admissível, o que não é o caso dos autos, como se referiu. Se houver nulidades da sentença a invocar, estas têm de ser arguidas nos termos do art. 120º, nº 3, do CPP, e perante o juiz da causa, caso não possa haver recurso da sentença, sendo que o recorrente não utilizou esse meio, que era o próprio, para que as nulidades alegadas na motivação do recurso, pudessem ser apreciadas e decididas no tribunal recorrido. As nulidades da sentença podem ser atacadas, não só pela via do art. 120º, nº 3, do CPP, em todos os casos, mas também pela via e no prazo do recurso, nos casos em que ele seja admissível. A doutrina do assento nº 6/2000, a nosso ver, não tem qualquer aplicação em casos como o dos autos, sendo que não ocorreu qualquer inconstitucionalidade por não se admitir como fundamento do recurso a invocação de nulidades de sentença, uma vez que a lei processual penal permite a sua invocação perante o juiz da primeira instância, como aliás também acontece em processo civil quando a sentença não admita recurso ordinário (art. 668º, nº 3, CPC). Por outro lado, o disposto no art. 410º, nº 3 do CPP, estabelece um fundamento de recurso, mas não disciplina e regula quando a decisão é recorrível com esse fundamento, nem altera o disposto no art. 400º, nº 2 do CPP, que tem de ser aplicado ao caso concreto em apreciação'.
5. É desta decisão que vem interposto, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art.
70º da LTC, o presente recurso de constitucionalidade. Pretende a recorrente, nos termos do respectivo requerimento de interposição, ver apreciada a constitucionalidade da norma constante do artigo 400º, nº 2 do Código de Processo Penal, na parte em que impede a arguição de nulidades da sentença, por via de recurso, quando o valor do pedido não seja superior ao valor da alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada não seja desfavorável para o recorrente em valor inferior a metade dessa alçada. Entende a recorrente que esta norma, assim interpretada, viola o disposto no artigo 32º, nº 1, da Constituição.
6. Já neste Tribunal foi a recorrente notificada para alegar, o que fez, tendo concluído da seguinte forma:
'I. É inconstitucional a interpretação do art. 400º, nº 2, em conjugação com o art. 120º, nº 3, al. a), que afasta a aplicação do art. 379º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Penal, por implicar violação da proibição de indefesa, implicitamente contida nos direitos de defesa assegurados no art. 32º, nº 1 da CRP. II. Não é, na prática, possível arguir a nulidade da sentença, nos termos do art. 379º, nº 1, al. C) do CPP, no próprio acto de leitura da sentença, uma vez que é impossível apreender, imediatamente no momento da leitura, todo o seu conteúdo e alcance, pelo que tal exigência corresponde, de facto, a uma absoluta inviabilização do direito previsto no art. . 379º, nºs 1 e 2, do CPP. III. A impossibilidade de arguir nulidades da sentença viola o princípio de proibição de indefesa, implicitamente consagrado no art. 32º, nº 1 da CRP, que estabelece, conforme jurisprudência deste tribunal (acórdão 13/98 e acórdão
406/98 do T.C., entre outros) que o processo penal «deve assegurar de modo efectivo a organização de uma defesa rigorosa e eficaz nos termos constitucionalmente garantidos». IV. O período de duração da audiência de discussão e julgamento em que se procede à leitura da sentença não pode considerar-se como «prazo razoável» para arguição de nulidades da sentença, nos termos do art. 379º, nº 1, al. C) do CPP, pelo que a aplicação do art. 120º, nº 3, al. A) do CPP viola o art. 32º, nº 1 da CRP'.
7. Notificado para responder, querendo, às alegações da recorrente, disse o Ministério Público, a concluir:
'1. Estando inquestionavelmente assegurada, no caso de ser proferida sentença irrecorrível, a possibilidade de a parte reclamar perante o tribunal «a quo» as nulidades da sentença que considere verificarem-se, não viola manifestamente o direito de acesso à justiça a circunstância de valerem integralmente, nesta situação processual, os limites genéricos existentes no ordenamento jurídico quanto à recorribilidade das decisões judiciais.
2. Termos em que deverá improceder o presente recurso'. Dispensados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II – Fundamentação
8. A questão de constitucionalidade que agora vem colocada à consideração deste Tribunal pode enunciar-se da seguinte forma: é inconstitucional, designadamente por violação do disposto no artigo 32º, nº 1 da Constituição, a norma constante do artigo 400º, nº 2 do Código de Processo Penal, quando interpretada em termos de não admitir o recurso da decisão na parte relativa ao pedido de indemnização civil, exclusivamente para efeitos de arguição de nulidades da sentença, quando o valor do pedido não seja superior ao valor da alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada não seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade dessa alçada ? A resposta a esta questão não pode, na perspectiva do Tribunal, deixar de ser negativa. Desde logo porque a norma constitucional que o recorrente invoca como sendo a alegadamente violada por aquela interpretação normativa - o artigo 32º, nº 1 da Constituição - não tem aqui aplicação, na medida em que este preceito constitucional apenas trata das garantias de defesa do arguido em processo criminal - ou contra-ordenacional, ex vi do nº 10 do mesmo preceito -, não sendo consequentemente invocável para efeitos de determinar as garantias de defesa do réu em processo civil ou, como é aqui o caso, em relação à parte da decisão que julgou acerca do pedido de indemnização civil que, por força do princípio da adesão, foi deduzido no processo penal respectivo. A isto acresce – como, bem, refere o Ministério Público – que a tese da recorrente assenta no falso pressuposto de que só é possível invocar nulidades da sentença no âmbito do recurso que dela seja interposto. Na realidade, como acentua aquele Magistrado 'não é efectivamente assim – nem em processo civil nem em processo penal – sempre se tendo admitido, de forma pacífica, que – não havendo recurso da própria decisão – as nulidades da sentença podem ser reclamadas perante o próprio juiz que a proferiu'. Dispunha, pois, a recorrente de um outro meio processual – a reclamação perante o juiz a quo – através do qual poderia suscitar as alegadas nulidades da decisão, não procedendo por isso a alegação de que a inadmissibilidade do recurso lhe retira a possibilidade de defesa. Refira-se, a concluir, que o Tribunal não pode agora pronunciar-se sobre uma outra questão também aflorada pela recorrente: a da eventual inconstitucionalidade da interpretação normativa do disposto no artigo 120º, nº
3 do CPP que conduzisse a que, nestes casos, a reclamação tivesse que ser apresentada e as nulidades arguidas no próprio acto da leitura da sentença. É que, como este Tribunal tem afirmado repetidamente, o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC tem por objecto exclusivo a apreciação da constitucionalidade de normas efectivamente aplicadas pela decisão recorrida como ratio decidendi, o que, manifestamente, não é o caso daquela. III Decisão Por tudo o exposto, decide-se negar provimento ao recurso. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta.
13 de Março de 2001- José de Sousa e Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Messias Bento Luís Nunes de Almeida