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Processo n.º 635/09
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório
1. Por decisão do Tribunal de Trabalho de Setúbal, proferida em 8 de Junho de 2009 no âmbito da impugnação judicial de deliberação da Autoridade para as Condições do Trabalho, foi recusada a aplicação das seguintes normas: (i) Declaração de Rectificação n.º 21/2009 de 18 de Março, na parte em que rectificou a alínea m) do n.º 6 do artigo 12.º da Lei n.º 7/2009 de 12 de Fevereiro, com fundamento na violação dos artigos 112.º n.º 1, 161.º alínea c), 166.º n.º 3 e 168.º n.ºs 1 e 2 da Constituição; (ii) do artigo 12.º n.º 1 alínea b) da Lei n.º 7/2009 de 12 de Fevereiro, na parte em que revogou o artigo 484.º da Lei n.º 35/2004 de 29 de Julho, por violação do artigo 59.º n.º 1 alínea c) e n.º 2 da Constituição. Diz a decisão:
«(…)
Da falta de exames de saúde:
Neste aspecto, é indubitável a violação da regra contida no artigo 245.º n.ºs 1 e 2 alínea a) da Lei 35/2004, de 29 de Julho – Regulamento do CTrabalho – ao não terem sido promovidos os exames de saúde na admissão dos seis trabalhadores romenos.
Note-se que a lei exige a realização de tais exames de saúde na admissão do trabalhador, antes do início da prestação de trabalho – artigo 245.º n.º 2 alínea a) da Lei 3 5/2004. Apenas se ocorrer urgência na admissão - e no caso dos autos, nada foi alegado ou demonstrado – é que se tolera a realização de tais exames no prazo de 15 dias. Porém, na situação dos autos, tais exames não foram realizados antes do início da prestação de trabalho pelos referidos trabalhadores, nem nos 15 dias posteriores.
Considera-se, pois, que o arguido violou a regra contida no artigo 245.º n.ºs 1 e 2 alínea a) da Lei 35/2004, infracção essa punida como contra-ordenação grave – artigo 484.º n.º 2 do mesmo diploma.
Não existem nos autos elementos que nos permitam imputar a infracção a título doloso, apenas se detectando negligência. Face ao artigo 620.º n.º 3 alínea a) do CTrabalho de 2003, a moldura da coima, na situação de negligência em análise, será de 6UC a 12UC.
Escolhendo a coima, nos termos do artigo 18.º n.º 1 do R.G.C.O. (onde avulta a gravidade da contra-ordenação, a culpa, a situação económica do agente e o beneficio económico que este retirou da prática da infracção), não poderemos esquecer que os exames apenas foram realizados na sequência da acção inspectiva e mesmo assim, nem a todos os trabalhadores. Não se poderá também ignorar o benefício económico obtido com a prática da infracção — o exame representa um custo e um serviço de medicina do trabalho apto a responder às solicitações, evitando que este tipo de situações suceda, também não é barato.
Ponderando que o caso envolve seis trabalhadores romenos, e por isso menos informados dos seus direitos face à lei portuguesa, consideramos que a coima deverá situar-se na média da moldura legal, para cada um dos seis trabalhadores.
Logo, vai o arguido condenado em seis coimas de 9 UC, por seis violações ao artigo 245.º n.ºs 1 e 2 alínea a) da Lei 3 5/2004, de 29 de Julho.
(…)
Do artigo 12.º da Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro, que aprovou o Novo CTrabalho, da Declaração de Rectificação 21/2009, de 18 de Março, e das questões de constitucionalidade:
Está imputada a violação do artigo 245.º n.ºs 1 e 2 alínea a) da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, o que constitui contra-ordenação grave, nos termos do artigo 484.º n.º 2 do mesmo diploma.
O artigo 12.º da Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro, sob a epígrafe “norma revogatória”, prevê, no n.º 1 alínea b), a revogação da referida Lei 3 5/2004, mas no n.º 6 prevê diversas excepções, mas entre elas não se conta o citado artigo 484.º n.º 2.
Na Declaração de Rectificação 21/2009, de 18 de Março, declara-se que a citada Lei 7/2009 saiu com diversas inexactidões, que se declarou rectificar, entre elas a alínea m) do n.º 6 do artigo 12.º, de tal modo que, onde se lê “m) Artigos 212º a 280º, sobre segurança e saúde no trabalho;” deve ler-se “m) Artigos 212º a 280º, 484º e 485º, este na parte referente àqueles artigos, sobre segurança, higiene e saúde no trabalho; “.
Vem sendo afirmado que tal Declaração de Rectificação é nula, pelas seguintes razões:
- dispõe o artigo 5.º n.º 1 da Lei 74/9 8, de 11 de Novembro (sobre a publicação, a identificação e formulário de diplomas), na versão republicada no anexo à Lei 42/2007, de 24 de Agosto, que «As rectificações são admissíveis exclusivamente para correcção de lapsos gramaticais, ortográficos, de cálculo ou de natureza análoga ou para correcção de erros materiais provenientes de divergências entre o texto original e o texto de qualquer diploma publicado na 1º série do Diário da República e são feitas mediante declaração do mesmo órgão que aprovou o texto original, publicada na mesma série»;
- a indicação do artigo 212.º a 280.º e a omissão do artigo 484.º não decorre de lapso gramatical, ortográfico, de cálculo ou de natureza análoga;
- nem decorre de erro material proveniente de divergências entre o texto original e o texto publicado na 1.ª série do Diário da República. Com efeito, do confronto do texto original com o publicado no dia 12 de Fevereiro de 2009, não resulta qualquer divergência, no que concerne à citada alínea m) do n.º 6 do artigo 12.º da Lei 7/2009;
- para chegar a tal conclusão, basta consultar o Decreto da Assembleia da República n.º 262/X, publicado no Diário da Assembleia da República, II série A, n.º 61/X/4, de 26 de Janeiro de 2009;
- texto final que decorre, aliás, de um processo de alteração, após veto e reapreciação, da versão publicada por Decreto da Assembleia da República n.º 255/X, publicada no Diário da Assembleia da República, II série A, 11.0 34/X/4, de 28 de Novembro de 2008;
- não pode haver qualquer dúvida sobre o que se considera texto original (o do citado Decreto da Assembleia da República n.º 262/X);
- nos termos do artigo 1 56.º n.º 1 do Regimento da Assembleia da República, «A redacção final dos projectos e propostas de lei incumbe à comissão parlamentar competente», sendo certo que «concluída a elaboração do texto este é publicado no Diário [da Assembleia da República]»;
- até três dias úteis após a publicação no Diário da Assembleia da República, os deputados podem reclamar das inexactidões, tendo o Presidente de decidir em vinte e quatro horas, existindo ainda a possibilidade de recurso para o Plenário ou para a Comissão Permanente (artigo 157.º do Regimento), determinando o artigo 158.º do Regimento que «considera-se definitivo o texto sobre o qual tenham recaído reclamações ou aquele a que se chegou depois de decididas as reclamações apresentadas»;
- é esta versão final dos Decretos da Assembleia da República que é enviada ao Presidente da República para promulgação (artigo 159.º do Regimento);
- sendo certo que nem o Presidente da República, em sede de promulgação, nem o Governo, em sede de referenda, têm poderes para alterar o texto;
- o que significa que a única possibilidade de o texto original ser distinto do que surge no Diário da Assembleia da República de 26 de Janeiro de 2009 (II série A) é ter ocorrido alguma reclamação que levasse a alterar o texto remetido para o Presidente da República. Mas, o que resulta da cronologia do diploma que se encontra no “site” da Assembleia da República é que tal não sucedeu;
- logo, a Declaração de Rectificação 21/2009, de 18 de Março, não cumpre o disposto no artigo 5.º n.º 1 da Lei 74/98, de 11 de Novembro, sendo, por isso, ilegal;
- a tanto acresce que esta declaração de rectificação padece, também, de inconstitucionalidade, a saber: a coberto de uma rectificação está, efectivamente, a alterar-se a lei, violando, assim, o disposto no artigo 161.º alínea c) da Constituição; e porque qualquer rectificação que recupere uma censura contra-ordenacional que não figurava no texto publicado subverte a teleologia do artigo 29.º n.º 4, da Constituição da República;
- como escreve o Professor Figueiredo Dias, «esquecimentos, lacunas, deficiências de regulamentação ou de redacção funcionam por isso sempre contra o legislador e a favor da liberdade, por mais evidente que se revele ter sido intenção daquele (ou constituir finalidade da norma) abranger na punibilidade também certos (outros) comportamentos» (in Direito Penal Português, Tomo 1, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2007, p. 180).
Estamos de acordo com este raciocínio — tanto mais que é para nós evidente que a Declaração de Rectificação 21/2009 inova, passando a punir como contra-ordenação certo comportamento, que entretanto deixara de ser punido pelo artigo 12.º da Lei 7/2009, tal como esta veio publicada no DR de 12.02.2009 e tal como esta foi aprovada pela Assembleia da República. Está, pois, em causa um autêntico acto legislativo, que deveria assumir a forma de lei – artigos. 112.º n.º 1, 161.º alínea c) e 166.º n.º 3 da Constituição – após os competentes debates e votações – artigo 168.º n.ºs 1 e 2 da Constituição.
Mas, na nossa perspectiva, a discussão não pode – nem deve – terminar por aqui.
Se para nós é patente que a punição como contra-ordenação da conduta dos autos surge revogada no artigo 12.º n.º 1 alínea b) da Lei 7/2009, tal como esta foi publicada no dia 12.02.2009 e foi efectivamente aprovada após discussão e votação na Assembleia da República, pensamos que outra questão se deverá colocar: será constitucional a despenalização de tal conduta-
Note-se que o artigo 59.º n.º 1 alínea c) da Constituição afirma que todos os trabalhadores têm direito à prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde, enquanto que o n.º 2 exige ao Estado o dever de assegurar tais condições de trabalho a que os trabalhadores têm direito. Ou seja, o artigo 59.º n.º 2 exige um comportamento interventor do Estado nesta matéria, estabelecendo as medidas adequadas a assegurar tais condições de trabalho e sancionando os comportamentos que, por algum modo, violem tais direitos. Assim, quando o legislador pune comportamentos violadores das condições de trabalho, retribuição e repouso a que os trabalhadores têm direito, está a cumprir uma obrigação constitucional, dirigida aos próprios poderes públicos.
Ora, se no âmbito da Lei 35/2004, de 29 de Julho, existia uma estrutura sancionatória que efectivamente pretendia garantir o dever do Estado em assegurar essas condições de trabalho, no Novo C. Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, no que respeita à higiene, segurança e saúde no trabalho, temos apenas alguns princípios gerais – artigos. 281.º a 283.º – remetendo-se para regulamentação, ainda não aprovada. Assim, de uma estrutura sancionatória assegurando o efectivo cumprimento pelo Estado da obrigação imposta pelo artigo 59.º n.º 2 da Constituição, passou-se para o vazio legislativo.
Talvez de forma inadvertida, mas mesmo assim, violando aquela injunção constitucional.
A propósito, cita-se Gomes Canotilho e Vital Moreira que, na sua Constituição Anotada, Vol. I, 4.ª ed., 2007, pág. 771, sobre o referido artigo 59.º, afirmam o seguinte:
«O segundo problema conexiona-se com a extensão do regime dos direitos, liberdades e garantias dos direitos económicos, sociais e culturais, quando estes tenham obtido um determinado grau de concretização (direitos fundamentais derivados). Trata-se, por um lado, de impedir que a exequibilidade dada a uma norma constitucional lhe seja depois retirada. Desta forma, todos os direitos constantes deste artigo beneficiam de garantia nos aspectos materiais já legalmente concretizados (ex.: o estabelecimento do salário mínimo), os quais não podem ser anulados ou restringidos (...) De resto, isto não é mais do que a aplicação concreta do regime de protecção dos direitos de origem legal (...) às concretizações legislativas dos direitos constitucionais.»
Mais adiante, sobre o artigo 590 n.º 1 alínea e) da Constituição, a págs. 773, organizam o seguinte comentário:
«A prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde (n.º 1/c) é, simultaneamente, um direito dos trabalhadores e uma imposição constitucional dirigida aos poderes públicos (e aos empregadores), no sentido de estes fixarem os pressupostos e assegurarem o controlo das condições de higiene, segurança e saúde. Neste sentido, compete ao Estado editar regulamentos de segurança, higiene e saúde e tomar efectivas medidas de controlo da aplicação destes regulamentos. Muitos dos aspectos relacionados com a higiene e segurança estão regulamentados em convenções internacionais da OIT que vinculam o Estado Português. Note-se que a LC n.º 1/97 introduziu a indispensabilidade de a prestação de trabalho ocorrer com condições de saúde, para além das condições de higiene e segurança. Procura-se dar abertura constitucional a algumas directivas laborais europeias referentes à segurança e saúde, hoje transpostas em larga medida para o plano interno (cfr. L 35/2004, artigos. 2º, 41.º e ss).»
Finalmente, continuam os mesmos autores, na pág. 775, quanto ao n.º 2 do artigo 59.º da Constituição:
«Enquanto o n.º 1 deste artigo reconhece direitos imediatamente dirigidos contra as entidades empregadoras e o Estado, o n.º 2 estabelece um conjunto de tarefas (incumbências) dirigidas ao Estado (desde logo ao legislador), no sentido de realizar os primeiros (cfr. o caso do n.º 2). Trata-se, portanto, de direitos positivos dos trabalhadores, aos quais correspondem obrigações de concretização (através de leis e outras medidas) do Estado (e não dos empregadores), sob pena de inconstitucionalidade por omissão e, eventualmente, de responsabilidade civil do Estado pelos danos causados por essa omissão (cfr. artigo 22.º).»
Finalmente, há a recordar que a Lei 3 5/2004, ao estabelecer um sistema de controlo de saúde dos trabalhadores, com o objectivo de verificar a sua aptidão física e psíquica para o exercício da actividade laboral, limitou-se a cumprir as obrigações impostas pela Directiva 89/391/CEE, do Conselho, de 12 de Junho. A qual, note-se, no respectivo artigo 14.º n.º 1, impôs a necessidade de serem tomadas medidas destinadas a assegurar a vigilância adequada da saúde dos trabalhadores em função dos riscos para a sua segurança e saúde no local de trabalho, mais exigindo o artigo 40 n.º 2 que os Estados-Membros adoptassem um controlo e uma fiscalização adequadas ao cumprimento das disposições constantes dessa Directiva.
Logo, quando o Estado impôs a necessidade de serem realizados controlos eficazes da saúde dos trabalhadores e da sua aptidão para o exercício das suas tarefas profissionais, e estabeleceu um regime sancionatório, fê-lo não só porque havia que cumprir aquela Directiva 89/391/CEE, mas ainda porque o artigo 59.º n.º 1 alínea e) e n.º 2 da Constituição impunha urna obrigação de concretização pelo Estado daqueles direitos positivos dos trabalhadores, tanto mais que estamos em face de direitos fundamentais derivados, que já não podem ser anulados ou restringidos.
Repete-se, estando em causa a concretização de normas constitucionais, em que o poder público tem o dever de proteger, de forma activa e interventiva, os direitos dos trabalhadores à prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde, estabelecendo um sistema adequado de controlo e fiscalização do cumprimento desses direitos, a substituição do regime sancionatório constante da Lei 35/2004, por um vazio legal – mesmo que, eventualmente, inadvertido – não é constitucionalmente admissível.
Assim, respeitando opinião diversa, mas pensando que a questão merece ser discutida sob esta perspectiva, decide-se:
• recusar a aplicação da Declaração de Rectificação 21/2009, de 18 de Março, na parte em que rectificou a alínea m) do n.º 6 do artigo 12.º da Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro, na medida em que se trata de um autêntico acto legislativo, o qual deveria assumir a forma de lei, após os competentes debates e votações, assim tendo sido violados os artigos. 112.º n.º 1, 161.º alínea c), 166.º n.º 3 e 168.º n. ºs 1 e 2 da Constituição;
• mas recusar, também, a aplicação do artigo 12.º n.º 1 alínea b) da Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro, na parte em que revogou o artigo 484.º da Lei 3 5/2004, de 29 de Julho, por violação do artigo 59.º n.º 1 alínea c) e n.º 2 da Constituição.
(…)»
2. É desta decisão que o Ministério Público interpôs recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos artigos 70.º n.º 1 alínea a) e 72.º n.ºs 1 alínea a) e 3 da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro (LTC). Admitido o recurso, o Ministério Público recorrente apresentou a sua alegação e concluiu:
«(…) 1. A Lei nº 74/98, com as alterações introduzidas pelas Leis nº 2/2005, de 24 de Janeiro, nº 26/2006, de 30 de Junho e nº 42/2007, de 24 de Agosto, define e circunscreve rigorosamente o âmbito em que podem ser feitas rectificações a diplomas legais.
2. Subjacente, a um tal quadro jurídico, está a preocupação de assegurar que se não alterem diplomas fora do quadro definido pelos requisitos constitucionais e legais que legitimem uma tal alteração.
3. A Declaração de Rectificação nº 21/2009, ao proceder, nos termos em que o fez, a alterações substanciais no texto do diploma que, aparentemente, vinha rectificar (Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro, que aprovou o novo Código do Trabalho), designadamente “recuperando” matéria contra-ordenacional que deixara, entretanto, de vigorar no ordenamento jurídico, por força da versão inicial da referida Lei, viola, assim, os princípios da não retroactividade da lei penal (e contra-ordenacional), da segurança jurídica e da igualdade, decorrentes da Constituição da República Portuguesa (cfr. artigos 9, alínea b), 13º e 29º, nºs 1, 3 e 4).
4. Com efeito, relativamente ao presente recurso, havia certas contra-ordenações de natureza laboral, que se encontravam previstas na Lei 35/2004, de 29 de Julho (anterior Regulamento do Código do Trabalho). Posteriormente, porém, nos termos do artigo 12, nº 1, alínea b), da versão original da Lei 7/2009, a Lei 35/2004 foi integralmente revogada, pelo que, no elenco das excepções previstas no nº 6 deste artigo, não se encontrava o artigo 484 nº 2 do mesmo diploma, que considerava a violação do artigo 245 como contra-ordenação grave; a referência, ao artigo 484 da Lei 35/2004, apenas foi introduzida, na referida Lei 7/2009, pela Declaração de Rectificação nº 21/2009, não constando do texto inicial aprovado pela Assembleia da República.
5. Nestes termos, deve julgar-se inconstitucional a norma vertida na alínea m), do nº 6, do artigo 12º do Código do Trabalho, na versão constante da Declaração de Rectificação nº 21/2009, de 18 de Março de 2009, mantendo-se, assim, o juízo de inconstitucionalidade feito pelo Tribunal a quo, com as consequências legais.
6. Não se crê, todavia, de concordar com o digno magistrado a quo quanto à invocada inconstitucionalidade decorrente do facto de o artigo 12 da Lei 7/2009 ter vindo criar “um vazio legal”, despenalizando uma conduta - por contra-posição com a anterior legislação (Lei 35/2004, de 29 de Julho) -, o que, no entender do mesmo magistrado, violaria o artº. 59º. da Constituição.
7. Desde logo, não se crê estar perante uma verdadeira omissão legislativa, pelo menos voluntária. Com efeito, a Lei 7/2009 (cfr. o proémio do nº 6 do artigo 12) previa, na sua versão inicial, a necessidade de uma regulamentação ulterior para diversas das suas disposições, apenas não tendo incluído uma referência aos artigos. 484 e 485 da Lei 35/2004 (cfr. versão inicial do artigo 12 nº 6, alínea m), da Lei 7/2009) por aparente esquecimento do legislador, que procurou corrigir tal esquecimento – embora mal – através da Declaração de Rectificação 21/2009.
8. Ou seja, é pelo facto de o digno magistrado a quo ter previamente considerado – e bem, como se viu – que a Declaração de Rectificação 21/2009 era inconstitucional – solução essa, naturalmente, não pretendida pelo legislador – que a omissão legislativa ocorre, não se crendo de punir o legislador por um facto – omissão de uma conduta – que, em rigor, não quis cometer.
9. Termos em que, nesta parte, não deve o Tribunal Constitucional aceitar esta parte da argumentação do digno magistrado. (…)»
3. Não há contra-alegação.
II Fundamentação
4. Em primeiro lugar, impõe-se apreciar a questão prévia relativa à admissibilidade do presente recurso, uma vez que a decisão recorrida aparenta imputar simultaneamente à Declaração de Rectificação n.º 21/2009 de 18 de Março não só o vício decorrente da já referida desconformidade constitucional, mas também o decorrente da violação do artigo 5.º n.º 1 da Lei n.º 74/98, de 11 de Novembro, sendo, por isso, ilegal. Seria então desnecessária a pronúncia do Tribunal Constitucional quanto à questão de inconstitucionalidade, uma vez que sempre se manteria a decisão anulatória por vício de ilegalidade. Estaria, assim, em causa a utilidade do recurso.
Conforme este Tribunal tem repetidamente afirmado, o recurso de inconstitucionalidade tem uma função instrumental, pelo que o interesse em apreciar o seu objecto reside na virtualidade de o julgamento se projectar, ou repercutir, de forma útil e eficaz, na decisão recorrida, de modo a alterar, no todo ou em parte, a solução jurídica que se obteve no caso concreto.
Isso significa, como se afirmou no Acórdão n.º 498/96, “que o interesse no conhecimento de tal recurso há-de depender da repercussão da respectiva decisão na decisão final a proferir na causa. Não visando os recursos dirimir questões meramente teóricas ou académicas, a irrelevância ou inutilidade do recurso de constitucionalidade sobre a decisão de mérito torna-o uma mera questão académica sem qualquer interesse processual, pelo que a averiguação deste interesse representa uma condição da admissibilidade do próprio recurso”. Carece, por isso, de utilidade o julgamento do recurso quando a solução a dar pelo Tribunal Constitucional à questão de inconstitucionalidade é insusceptível de se projectar na solução dada ao caso concreto, que se manterá inalterada qualquer que venha a ser o julgamento da questão jurídico-constitucional.
Poder-se-ia, pois, questionar a utilidade do recurso caso a decisão recorrida tivesse julgado ilegal a mencionada Declaração de Rectificação.
Todavia, no caso em apreço, e apesar de a decisão recorrida fazer referência ao vício de ilegalidade de que padeceria a norma, afirmando até uma posição de concordância com esse julgamento, tal menção surge no âmbito da exposição feita globalmente sobre a jurisprudência, resumindo os entendimentos que, nesse âmbito, têm sido adoptados a propósito do tema. Mas o certo é que a decisão tomada pelo tribunal não se fundamenta no vício de ilegalidade, antes se apoia exclusivamente na inconstitucionalidade que afectaria a validade da norma.
Daqui decorre que a aludida questão de inconstitucionalidade deve ser conhecida.
5. Impõe-se agora precisar o objecto do presente recurso, visto que o recurso de constitucionalidade do artigo 70.º n.º 1 alínea a) da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro pressupõe que a decisão recorrida haja recusado efectivamente a aplicação de certa norma relevante para a solução do caso e que tal desaplicação se fundamente num juízo de inconstitucionalidade do regime jurídico nela estabelecido. Conforme jurisprudência consolidada neste Tribunal, apenas pode conhecer-se das normas que hajam sido efectivamente aplicadas ou desaplicadas – como é o caso – por parte do tribunal a quo.
A decisão recorrida afirma recusar a aplicação da Declaração de Rectificação n.º 21/2009, de 18 de Março de 2009, na parte em que rectificou a alínea m) do n.º 6 do artigo 12º. da Lei n.º 7/2009 de 12 de Fevereiro, na medida em que se trata de um autêntico acto legislativo, que deveria assumir a forma de lei, assim violando os artigos. 112.º n.º 1, 161.º alínea c), 166.º n.º 3 e 168.º n.ºs 1 e 2 da Constituição; e também afirmou recusar a aplicação do artigo 12.º n.º 1 alínea b) da Lei n.º 7/2009 de 12 de Fevereiro, na parte em que revogou o artigo 484.º da Lei n.º 35/2004 de 29 de Julho, por violação do artigo 59.º n.º 1 alínea c) e n.º 2 da Constituição.
Assim, da análise da fundamentação da decisão recorrida, resulta que as questões normativas apreciadas pelo tribunal a quo foram, na verdade, duas: uma, referente à Declaração de Rectificação n.º 21/2009, de 18 de Março de 2009, na parte em que rectificou a alínea m) do n.º 6 do artigo 12.º da Lei n.º 7/2009 de 12 de Fevereiro, por violação dos artigos 112.º, 166.º n.º 3, 168.º n.ºs 1 e 2 da Constituição; e outra, referente à alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 7/2009 de 12 de Fevereiro, na parte em que revogou o artigo 484.º da lei n.º 35/2004 de 29 de Julho, por violação do artigo 59.º da Constituição.
São, portanto, estas as normas que constituem objecto do recurso.
6. O Tribunal Constitucional teve já oportunidade de se pronunciar sobre a questão de inconstitucionalidade da norma constante da alínea m) do n.º 6 do artigo 12.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, na redacção conferida pela Declaração de Rectificação n.º 21/2009, de 18 de Março de 2009. Fê-lo no seu Acórdão n.º 197/10 e, ainda, nos Acórdãos n.ºs 490/2009 e 628/2009, embora nestes casos a propósito do artigo 12.º n.º 3, alínea a) da Lei n.º 7/2009 de 12 de Fevereiro, na redacção que lhe foi conferida pela Declaração de Rectificação n.º 21/2009 de 18 de Março, mas que em tudo são semelhantes ao caso dos autos.
No primeiro aresto citado decidiu o Tribunal julgar inconstitucional, por violação do princípio da segurança jurídica, inerente ao modelo do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição, a norma da alínea m) do n.º 6 do artigo 12.º da Lei n.º 7/2009 de 12 de Fevereiro, na redacção que lhe foi conferida pela Declaração de Rectificação n.º 21/2009 de 18 de Março. Entendeu-se, essencialmente, que a retroactividade da norma cuja redacção foi alterada pela Declaração de Rectificação n.º 21/2009 de 18 de Março, atentaria contra o princípio constitucional da segurança jurídica inerente ao Estado de direito democrático, já que a punição como contra-ordenação de comportamentos ocorridos anteriormente à sua tipificação legal, constituiria uma violação da confiança que os cidadãos devem depositar na ordem jurídica, compromisso que não podia ser quebrado apesar de o Estado verificar que se equivocou deixando de prever como contra-ordenação aquelas condutas.
7. Não obstante, a rectificação da redacção da alínea m) do n.º 6 do artigo 12.º da Lei n.º 7/2009 através da Declaração de Rectificação n.º 21/2009 coloca um outro problema de carácter prévio. Com efeito, independentemente do seu sentido útil, a Declaração de Rectificação em causa não veio suprir um lapso gramatical, ortográfico, de cálculos ou de natureza análoga, nem um erro de publicação. Na verdade, visou-se, através de tal declaração, colmatar um esquecimento do legislador e provocar uma verdadeira alteração à norma da alínea m) do n.º 6 do artigo 12.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro. Tratou-se, afinal, da alteração substancial de um acto legislativo. Com efeito:
No contexto do presente recurso, estava em causa a prática de uma infracção ao artigo 245.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) da Lei n.º 35/2004, de 29/07, que regulamentava o Código do Trabalho de 2003. Tal infracção estava prevista como contra-ordenação grave no artigo 484.º, n.º 2, também da Lei n.º 35/2004, de 29/07. Posteriormente, a Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, veio determinar, no artigo 12.º, n.º1, alínea b), a revogação desse Regulamento do Código do Trabalho. No entanto, no n.º 6, alínea m), deste mesmo artigo 12°, excepcionaram-se expressamente os artigos 212° a 280°, sobre segurança e saúde no trabalho, preceitos do Regulamento do Código do Trabalho cuja revogação apenas deveria produzir efeitos a partir da entrada em vigor do diploma que viesse regular a mesma matéria. Dispõe, com efeito, o artigo 12.º, n.º 6, alínea m) da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro:
Artigo 12.º
Norma revogatória
(…)
6 – A revogação dos preceitos a seguir referidos da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, na redacção dada pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março, e pelo Decreto-Lei n.º 164/2007, de 3 de Maio, produz efeitos a partir da entrada em vigor do diploma que regular a mesma matéria:
(…)
m) Artigos 212.º a 280.º, sobre segurança e saúde no trabalho;
Não se fez, contudo, qualquer ressalva quanto ao artigo 484° do referido Regulamento, que qualificava os factos previstos no artigo 245° como contra-ordenação grave, pelo que o preceito foi abrangido pela revogação genérica do Regulamento do Código de Trabalho determinada no artigo 12° nº 1 alínea b) da Lei 7/2009. Posteriormente, a Declaração de Rectificação n.º 21/2009, de 18 de Março veio dizer:
«Para os devidos efeitos se declara que a Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que aprova a revisão do Código do Trabalho, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 30, de 12 de Fevereiro de 2009, saiu com as seguintes inexactidões, que assim se rectificam:
(…)
Na alínea m) do n.º 6 do artigo 12.º, «Norma revogatória», onde se lê:
«m) Artigos 212.º a 280.º, sobre segurança e saúde no trabalho;»
deve ler -se:
«m) Artigos 212.º a 280.º, 484.º e 485.º, este na parte referente àqueles artigos, sobre segurança, higiene e saúde no trabalho;»»(sublinhado acrescentado)
Visou-se, assim, travar a imediata revogação dos artigos 484.º a 485.º do Regulamento do Código do Trabalho (que qualificavam a infracção ao artigo 245.º n.ºs 1 e 2 alínea a) da Lei n.º 35/2004 de 29/07 como contra-ordenação grave), que a Lei n.º 7/2009 impunha, adiando a revogação desses preceitos para uma data posterior, a da entrada em vigor do diploma que viesse regular a mesma matéria. O efeito jurídico inovador que a Declaração de Rectificação n.º 21/2009 quis introduzir na alínea m) nº 6 do artigo 12.º da Lei n.º7/2009 de 12 de Fevereiro foi o de provocar a vigência dos referidos ilícitos contra-ordenacionais.
7.1. O referido efeito inovador não pode, todavia, considerar-se uma mera correcção, nem de lapsos gramaticais, ortográficos, de cálculo ou de natureza análoga, nem resulta ter sido uma correcção de um erro material proveniente de uma divergência entre o texto original e o texto da publicação do diploma na 1ª série do Diário da República.
A Lei n.º 7/2009 teve origem na Proposta de Lei n.º 216/X. O artigo 11.º da referida Proposta, sob a epígrafe de “norma revogatória” corresponde à norma que veio depois a constituir o artigo 12.º da Lei n.º 7/2009. No texto proposto para esse artigo, sobre o qual incidiu a discussão e o subsequente procedimento legislativo, omitiram-se os elementos depois acrescentados na Declaração de Rectificação n.º 21/2009. De facto, a alínea m) do n.º 5 do artigo 11.º da referida proposta (que veio a corresponder à línea m) do n.º 6 do artigo 12.º da Lei n.º 7/2009), previa:
«5 - A revogação dos preceitos a seguir referidos da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, na redacção dada pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março, e pelo Decreto-Lei n.º 164/2007, de 2 de Maio, produz efeitos a partir da entrada em vigor do diploma que regular a mesma matéria:
(…)
Artigos 212.º a 280.º, sobre segurança e saúde no trabalho»
Não foram, assim, incluídos neste ponto os artigos 484.º e 485.º da Lei n.º 35/2004 – menção depois acrescentada pela Declaração de Rectificação n.º 21/2009. Sobre a manutenção em vigor das normas dos artigos 484.º e 485.º da Lei n.º 35/2004 até à entrada em vigor do diploma que viesse regular essa matéria nunca houve, por isso, discussão. O texto final decorrente desses trabalhos preparatórios (Decreto da AR n.º 262/X), publicado no Diário da Assembleia da República, (II série A, n.º 61, de 26/01/2009, p. 2 e ss.) corresponde, aliás, totalmente ao texto da Lei n.º 7/2009, tal como foi publicado no Diário da República, Iª Série, n.º 30, de 12 de Fevereiro de 2009. Assim, os elementos acrescentados à norma pela Declaração de Rectificação eram totalmente estranhos ao procedimento legislativo que deu origem à Lei n.º 7/2009.
A Declaração de Rectificação n.º 21/2009 não constituiu, por isso, uma rectificação, já que “a rectificação não se destina a alterar o original dos diplomas publicados, mas tão-só a corrigir os actos instrumentais de revelação desses mesmos diplomas, procurando repor a genuinidade dos textos originários, no exacto sentido em que foram remetidos para publicação” (Carlos Blanco de Morais, “Problemas relativos à Rectificação de actos legislativos dos órgãos de Soberania”, Legislação, n.º 11 (1994), p. 54). Neste caso, como se viu, o original do diploma coincidia com a versão publicada. O que ocorreu, sob o nome de “rectificação”, foi uma verdadeira alteração, aditamento ou suprimento de lacuna ao artigo 12.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro. Perante essa possibilidade, “quaisquer erros de direito, de facto, ou mesmo de cálculo ou de redacção, respeitantes aos momentos formativos ou constitutivos do acto (os quais a doutrina denomina de «vícios patológicos») traduzem disfunções reportadas a um momento anterior à extrinsecação de um texto original, momento no qual o acto se pretende como definitivamente perfeito, embora não eficaz. Como tal deverá entender-se que qualquer falta referente a esse estádio anterior, preso à elaboração e controlo do acto, apenas poderá, independentemente da natureza do lapso, ser sanada através de novo acto normativo de idêntica natureza, e aprovado pelo procedimento previsto na Constituição ou na lei” (A. e op. cit., p. 37).
7.2. A alteração de um acto legislativo por um acto que não assume também a natureza de acto legislativo é proibida constitucionalmente. De facto, a Constituição assume o papel de “norma primária sobre a produção jurídica”, o que implica três importantes funções: a identificação das fontes de direito do ordenamento jurídico português, o estabelecimento de critérios de validade e eficácia de cada uma das fontes, e a determinação de competência das entidades que revelam normas de direito positivo (J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, Coimbra, p. 605). Jorge Miranda fala, neste contexto, de uma autêntica “reserva de Constituição no domínio das competências legislativas, das formas e da força de lei” (Manual de Direito Constitucional, Tomo V, 3ª Edição, Coimbra Editora, 2004, p. 197). Como refere este último autor, se é certo que “a Constituição permite ao legislador escolher o tempo e as circunstâncias da sua intervenção e determinar ou densificar o seu conteúdo, desde que respeitados os fins, os valores e os critérios constitucionais (…) já no plano orgânico-formal é completa a vinculação, sob um tríplice aspecto: o dos órgãos, o das formas, e o da força jurídica”.
O artigo 112.º da Constituição concretiza alguns dos princípios que enformam essa “reserva de Constituição”, alguns deles verdadeiros princípios inerentes ao Estado de Direito democrático: o princípio da hierarquia das fontes, o princípio da competência e o princípio da tipicidade das leis. Trata-se, nas palavras de J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, de uma “norma concretizadora de vinculação constitucional do legislador quanto à produção normativa” (Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4ª Edição, 2010, p. 52).
7.3. Relevo especial assume o princípio da tipicidade das formas de lei, ou, na terminologia de Jorge Miranda, um “princípio da fixação constitucional de competências legislativas” (op. cit., p. 206). Desse princípio decorre desde logo que apenas são actos legislativos os definidos pela Constituição nas formas por elas prescritas – e que são taxativamente identificados no artigo 112.º, n.º 1: as leis, os decretos-leis e os decretos legislativos regionais. Também o n.º 5 do artigo 112.º reforça o princípio da tipicidade dos actos legislativos e consequente proibição de actos legislativos apócrifos ou concorrenciais, com a mesma força e valor de lei, ao estipular: “Nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos”.
A declaração de rectificação não reveste a natureza de acto legislativo, mas a de simples acto de correcção de um erro na execução material da publicação de uma norma, cujo procedimento se não aproxima, sequer, do relativo à produção legislativa.
Deve, por isso, concluir-se que a Lei n.º 7/2009 foi alterada por um acto que não tem a natureza de acto legislativo.
7.4. Cabe, ainda, sublinhar que os actos legislativos possuem, como atributo, a característica da “força de lei”, categoria que faz apelo à ideia de resistência à revogação ou derrogação por outras normas hierarquicamente inferiores ou que não possuam força de lei (J.J. Gomes Canotilho, op. cit, p. 609). De facto, salvo os casos expressamente previstos na Constituição, uma lei só pode ser afectada na sua existência ou alcance por efeito de uma outra lei. Os actos legislativos só podem ser afectados por lei subsequente ou por decisão do Tribunal Constitucional; trata-se da realidade que Jorge Miranda designa por “força de lei formal negativa”, que consiste “na capacidade de resistir ou reagir a actos doutra natureza (…) ou, em certos casos, a outras leis, não se deixando modificar, suspender, revogar ou destruir por eles”.
Ao ter-se modificado ou realizado aditamentos à Lei n.º 7/2009 sem ter sido através de um novo acto legislativo, concedeu-se a esse acto não legislativo o atributo de “força de lei”, violando-se o princípio da tipicidade dos actos legislativos.
Também nesse sentido se tem desenvolvido a jurisprudência constitucional, desde a Comissão Constitucional, que referiu, no Parecer n.º 39/79, de 13 de Dezembro (in Pareceres da Comissão Constitucional, vol. XI, p. 8):
«actos legislativos apenas podem ser os definidos como tais pela Constituição. Nem poderia deixar de ser de outro modo, sob pena de se frustrar a interdependência dos órgãos de soberania e evitar a sujeição das leis ao processo legislativo e fiscalização preventiva da constitucionalidade (…) é, pois, um princípio geral de Direito Constitucional que está em causa: o princípio da tipicidade dos actos legislativos».
Deve, concluir-se, em suma, que a norma da alínea m) do n.º 6 do artigo 12.º da Lei n.º 7/2009 de 12 de Fevereiro, na redacção que lhe foi conferida pela Declaração de Rectificação n.º 21/2009 de 18 de Março, enferma de inconstitucionalidade formal, por violação do princípio da tipicidade dos actos legislativos, consagrado no artigo 112.º n.º 1 da Constituição.
8. O Tribunal Constitucional também já se pronunciou sobre questão relativa à alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 7/2009 de 12 de Fevereiro, na parte em que revogou o artigo 484.º da lei n.º 35/2004 de 29 de Julho, por eventual violação do artigo 59.º da Constituição. Todavia, o Tribunal entendeu (Acórdão n.º 187/10), não julgar inconstitucional a norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º da Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro, na parte em que revogou o artigo 484.º da Lei 35/2004 de 29 de Julho, enquanto qualificava como contra-ordenação a violação do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 245.º desta mesma Lei.
Escreveu-se nesse Acórdão n.º 187/10, em termos que são aqui de subscrever:
«(…)
A sentença recorrida foi proferida num processo de impugnação de decisão proferida em processo de contra-ordenação em que a Administração aplicara uma coima à recorrida (…) por violação do artigo 245.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, ao não ter realizado, no prazo legalmente estipulado, exame de saúde a uma trabalhadora admitida ao seu serviço. O tribunal a quo entendeu que a punição da conduta como contra-ordenação foi revogada pela alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 7/2009, que aprovou o Código do Trabalho. Mas que tal “despenalização” é inconstitucional por violação do dever de protecção do direito dos trabalhadores à prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde, que incumbe ao Estado, nos termos das disposições conjugadas da alíneas c) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 59.º da Constituição.
Entendeu a sentença recorrida que, ao impor aos empregadores o dever de realização de controlos eficazes quanto à saúde dos trabalhadores e à sua aptidão para o exercício das respectivas tarefas profissionais e ao estabelecer um regime sancionatório para a inobservância desses deveres, o legislador cumpriu, não só obrigações comunitárias (maxime a Directiva n.º 89/391/CEE, do Conselho, de 12 de Junho; no artigo 2.º da Lei n.º 35/2004 indicam-se os actos comunitários de que o diploma efectua a transposição, total ou parcial), mas também a imposição constitucional de protecção da segurança e saúde dos trabalhadores. Trata-se de direitos fundamentais dos trabalhadores que implicam deveres para a entidade empregadora e um sistema adequado de controlo e fiscalização por parte dos poderes públicos. Ao revogar a sanção para o incumprimento desses deveres da entidade patronal o legislador criou, diz a sentença, um “vazio legal” quanto ao nível de protecção anteriormente atingido e que já não podia ser anulado ou restringido.
5. Os “direitos dos trabalhadores” consagrados no artigo 59.º da Constituição não têm natureza homogénea. Alguns apresentam a estrutura de “direitos, liberdades e garantias” (p. ex. o direito à retribuição do trabalho; o direito ao repouso, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas). Outros, pela necessidade de prestações públicas ou da intervenção mediadora de poderes públicos e pela inexequibilidade directa pertencem à categoria dos “direitos económicos, sociais e culturais”. O direito à 'prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde', que é o que agora releva, é destes últimos (Cfr. VITAL MOREIRA e GOMES CANOTILHO, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed., pág. 771).
Trata-se de um direito cuja realização prática implica estabelecer deveres de organização do local de trabalho e das condições de prestação deste e de observação ou vigilância de certos aspectos da aptidão psico-físico do trabalhador (medicina do trabalho, em benefício deste e não, directamente, da organização), deveres esses que hão-de principalmente incidir sobre o outro sujeito da relação laboral (embora, também neste campo, sejam concebíveis deveres secundários que incidam sobre o próprio trabalhador e colegas de trabalho). A cargo do Estado – não considerando aqui as relações de emprego público em que o Estado aparece na veste de sujeito da relação de trabalho e em que a sua vinculação emerge dessa qualidade e do bloco normativo derivado (Cfr., n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 35/2004) – a norma constitucional comporta, sobretudo, imposições legisferantes e de organização de serviços para estabelecer e tornar efectivo o regime instituído com tal objectivo constitucional.
Os deveres de realização normativa do direito ou garantia, consistem, em primeira linha, em editar um quadro jurídico adequado que não só imponha a organização do lugar e tempo de trabalho em condições socialmente dignificantes, como previna, evite, ou minore os efeitos da actividade profissional e das condições em que é prestada sobre a saúde física e psíquica do trabalhador.
Mas facilmente se concluirá que, neste domínio, não basta estabelecer um quadro normativo que imponha deveres a cargo da entidade patronal, deixando a sua realização prática ao jogo da autonomia privada nas relações entre empregadores e trabalhadores, apenas com eventual recurso à via judiciária por parte destes, em caso de incumprimento. Em primeiro lugar, a desigualdade fáctica na relação laboral, a verificação de que as condições económicas e sociais das partes na relação de trabalho fazem com que esta não seja, na realidade, uma relação paritária e que uma das partes, o trabalhador, surja como uma “parte mais fraca” a carecer de medidas de protecção pública, assume aqui uma particular evidência. Dificilmente cada trabalhador está em condições, no curso de uma relação laboral subsistente, de pugnar pela defesa individual da sua posição perante o incumprimento por parte da entidade patronal dos deveres destinados a assegurar a saúde no trabalho. Depois, e não menos importante, na generalidade dos casos, trata-se de assegurar a afectação da saúde dos trabalhadores perante factores de risco cujos efeitos não se produzem imediatamente ou não são imediatamente visíveis, pelo que tem de funcionar um princípio de prevenção ou pro-actividade que só uma defesa colectiva (sindical ou por organizações de trabalhadores no seio da empresa) ou comunitária (pública) pode eficazmente assegurar.
Deste modo, bem se compreende que o cumprimento dos deveres postos por lei a cargo das entidades patronais em ordem à promoção da segurança, higiene e saúde no trabalho seja tradicionalmente sujeito a fiscalização por parte de entidades públicas (v.gr. organismos de inspecção do trabalho) e que o incumprimento de tais deveres dos empregadores (ou de representantes seus e, porventura, dos próprios trabalhadores) seja objecto de sanção repressiva. Isto é, que o incumprimento de tais deveres não acarrete ou não acarrete somente ilicitude contratual, mas constitua ilícito de mera ordenação social e, em situações de maior gravidade, até ilícito penal.
6. A norma constitucional (artigo 59.º, n.º 1, alínea c) da CRP) protege o trabalhador em três aspectos: segurança, higiene e saúde no trabalho. No que se refere à saúde no trabalho, que é o domínio da norma infringida e deixada sem sanção contra-ordenacional, o artigo 245.º da Lei n.º 35/2004 dispunha o seguinte:
“Artigo 245.º
Exames de saúde
1 – O empregador deve promover a realização de exames de saúde, tendo em vista verificar a aptidão física e psíquica do trabalhador para o exercício da actividade, bem como a repercussão desta e das condições em que é prestada na saúde do mesmo.
2 – Sem prejuízo do disposto em legislação especial, devem ser realizados os seguintes exames de saúde:
a) Exames de admissão, antes do início da prestação de trabalho ou, se a urgência da admissão o justificar, nos 15 dias seguintes;
b) Exames periódicos, anuais para os menores e para os trabalhadores com idade superior a 50 anos, e de dois em dois anos para os restantes trabalhadores;
c) Exames ocasionais, sempre que haja alterações substanciais nos componentes materiais de trabalho que possam ter repercussão nociva na saúde do trabalhador, bem como no caso de regresso ao trabalho depois de uma ausência superior a 30 dias por motivo de doença ou acidente.
3 – Para completar a observação e formular uma opinião precisa sobre o estado de saúde do trabalhador, o médico do trabalho pode solicitar exames complementares ou pareceres médicos especializados.
4 – O médico do trabalho, face ao estado de saúde do trabalhador e aos resultados da prevenção dos riscos profissionais na empresa, pode reduzir ou aumentar a periodicidade dos exames, devendo, contudo, realizá-los dentro do período em que está estabelecida a obrigatoriedade de novo exame.
5 – O médico do trabalho deve ter em consideração o resultado de exames a que o trabalhador tenha sido submetido e que mantenham actualidade, devendo instituir-se a cooperação necessária com o médico assistente.»
A violação destes deveres constituía contra-ordenação grave (artigo 484.º, n.º 2 da mesma Lei). Esta qualificação foi “acidentalmente” revogada, deixando a infracção sem sanção repressiva. Considera a sentença recorrida que, nesta medida, o legislador, porventura contra o seu próprio plano, mas de modo que é insuperável por via interpretativa ou integrativa, criou uma situação de deficit de protecção constitucionalmente intolerável, porque o sistema regrediu relativamente ao grau de consagração anteriormente vigente.
Colocam-se, por esta via, dois problemas que, nos limites do 'caso' submetido, importa considerar. O de saber se (e em que medida) a Constituição consagra em matéria de direitos sociais o chamado princípio da proibição do retrocesso social e se, neste domínio, existem deveres constitucionais de configuração de determinadas condutas como ilícito de mera ordenação social.
7. Deve começar por notar-se que a norma em causa não tem por efeito diminuir o âmbito dos deveres do empregador no que se refere à protecção da saúde do trabalhador. A protecção prescrita, os deveres da entidade patronal, não sofreu modificações. O que da norma em causa resulta é o enfraquecimento do nível prático de efectividade mediante a supressão da tutela sancionatória ou repressiva. Isto compromete a viabilidade ou, pelo menos, o interesse de consideração do problema à luz do princípio da proibição do retrocesso social de modo autónomo relativamente ao segundo aspecto da questão, que é o de saber se existe dever de tutela pela via sancionatória do ilícito de mera ordenação social, pelo que os dois aspectos serão objecto de apreciação conjunta. Ou seja, a questão que o tribunal tem para responder consiste em saber se o legislador pode, relativamente à violação de direitos fundamentais dos trabalhadores a que, em momento anterior, a ordem jurídica conferira o reforço de tutela da sanção contra-ordenacional, descaracterizar a respectiva violação como ilícito de mera ordenação social.
Acerca do referido princípio afirmou-se no acórdão n.º 509/2002, Diário da República, I Série-A, de 12 de Fevereiro de 2003 (substituição do rendimento mínimo garantido pelo rendimento social de inserção), o seguinte:
“9 Embora com importantes e significativos matizes, pode-se afirmar que a generalidade da doutrina converge na necessidade de harmonizar a estabilidade da concretização legislativa já alcançada no domínio dos direitos sociais com a liberdade de conformação do legislador. E essa harmonização implica que se distingam as situações.
Aí, por exemplo, onde a Constituição contenha uma ordem de legislar, suficientemente precisa e concreta, de tal sorte que seja possível «determinar, com segurança, quais as medidas jurídicas necessárias para lhe conferir exequibilidade» (cfr. Acórdão nº 474/02, ainda inédito), a margem de liberdade do legislador para retroceder no grau de protecção já atingido é necessariamente mínima, já que só o poderá fazer na estrita medida em que a alteração legislativa pretendida não venha a consequenciar uma inconstitucionalidade por omissão – e terá sido essa a situação que se entendeu verdadeiramente ocorrer no caso tratado no já referido Acórdão nº 39/84.
Noutras circunstâncias, porém, a proibição do retrocesso social apenas pode funcionar em casos-limite, uma vez que, desde logo, o princípio da alternância democrática, sob pena de se lhe reconhecer uma subsistência meramente formal, inculca a revisibilidade das opções político-legislativas, ainda quando estas assumam o carácter de opções legislativas fundamentais.
Este Tribunal já teve, aliás, ocasião de se mostrar particularmente restritivo nesta matéria, pois que no Acórdão nº 101/92 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 21º vol., págs. 389-390), parece ter considerado que só ocorreria retrocesso social constitucionalmente proibido quando fossem diminuídos ou afectados «direitos adquiridos», e isto «em termos de se gerar violação do princípio da protecção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito económico, social e cultural», tendo em conta uma prévia subjectivação desses mesmos direitos. Ora, no caso vertente, é inteiramente de excluir que se possa lobrigar uma alteração redutora do direito violadora do princípio da protecção da confiança, no sentido apontado por aquele aresto, porquanto o artigo 39º do diploma em apreço procede a uma expressa ressalva dos direitos adquiridos.
Todavia, ainda que se não adopte posição tão restritiva, a proibição do retrocesso social operará tão-só quando, como refere J.J.Gomes Canotilho, se pretenda atingir «o núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana», ou seja, quando «sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios», se pretenda proceder a uma «anulação, revogação ou aniquilação pura e simples desse núcleo essencial». Ou, ainda, tal como sustenta José Carlos Vieira de Andrade, quando a alteração redutora do conteúdo do direito social se faça com violação do princípio da igualdade ou do princípio da protecção da confiança; ou, então, quando se atinja o conteúdo de um direito social cujos contornos se hajam iniludivelmente enraizado ou sedimentado no seio da sociedade. ”
Este entendimento foi reafirmado pelo Tribunal em várias ocasiões, designadamente nos acórdãos n.ºs 590/2004 e 188/09, Diário da República, II Série, de 3 de Dezembro de 2004, e 18 de Maio de 2009, respectivamente.
Recorde-se que no presente processo está em causa a violação do dever de submeter o trabalhador a exame de saúde antes do início da prestação de trabalho ou nos 15 dias posteriores, nos termos do artigo 245.º, n.ºs 1 e 2 alínea a) da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho. Ora, por um lado, de modo algum pode considerar-se que da Constituição resulte uma ordem de legislar, concreta e precisa, de forma a identificar a verificação da aptidão física e psíquica dos trabalhadores, mediante um exame da responsabilidade do empregador, como incluído no standard mínimo da prestação do trabalho em condições de saúde. Trata-se de uma medida preventiva ou de “despiste” de situações susceptíveis de comprometimento ou agravamento perante as exigências ou as condições da prestação do trabalho. Mas não pode afirmar-se que na falta de imposição desse dever à entidade patronal fique afectado o direito fundamental dos trabalhadores a prestar trabalho “em condições de higiene, segurança e saúde”. É uma obrigação indiscutivelmente acessória relativamente à exigência de que a prestação de trabalho decorra em condições de menor lesividade possível para a saúde dos trabalhadores. Pelo que, abstracção feita de vinculações internacionais ou de direito da União que não vem ao caso considerar, a sua consagração é opção que cabe na discricionariedade legislativa. Incumbe ao Estado concretizar “com grande latitude” o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição (RUI MEDEIROS in JORGE MIRANDA – RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, pág. 605). Deste modo, não podendo integrar-se a medida protectora no núcleo essencial da concretização do direito à prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde, também não poderia qualificar-se a revogação da tutela sancionatória para a violação desse dever, quando imposto pelo legislador, como aniquilando o conteúdo desse direito fundamental.
8. É certo que o direito consagrado nesta norma constitucional postula uma actuação do Estado, não só no sentido de editar normas relativas à higiene, segurança e protecção da saúde dos trabalhadores, mas também de tomar efectivas medidas de controlo da sua aplicação e repressão da respectiva violação. Incumbe ao Estado não só disciplinar a organização da prestação de trabalho em condições de higiene, segurança e saúde, como dotar-se de serviços e adoptar procedimentos capazes de tornar aquelas medidas de protecção efectivas.
E também pode assentir-se que o direito de mera ordenação social é, no nosso ordenamento, o instrumento de eleição para assegurar a tutela repressiva da generalidade das infracções a comandos deste tipo. Mas só pode falar-se em deficit de protecção constitucionalmente censurável perante conteúdos de protecção constitucionalmente prescritos. Concluiu-se, portanto, que a revogação da tutela sancionatória contra-ordenacional para a infracção do dever em causa não poderia considerar-se violação do direito dos trabalhadores estabelecido na alínea c) do n.º 2 do artigo 59.º da Constituição, mesmo que a norma que estabelece o dever de submeter o trabalhador a exame ficasse destituída de efectividade prática, porque não se trata de um conteúdo de protecção cuja omissão ou supressão comprometa o núcleo essencial desse direito. Aliás, não pode afirmar-se em absoluto que a falta de sanção contra-ordenacional para a infracção esvazie o dever de conteúdo prático porque sempre assistem aos interessados os meios comuns de defesa, embora sem esquecer que estes funcionam mais em situações de crise da relação laboral do que no seu normal decurso. (Deve notar-se que, independentemente dos meios sancionatórios contra-ordenacionais ou criminais, em matéria de protecção da segurança, higiene e saúde do trabalho, o Código de Processo de Trabalho regula um procedimento cautelar específico nos artigos 44.º e segs., que pode ser utilizado pelos trabalhadores individual ou colectivamente).
Por tudo o exposto, não pode considerar-se violado o direito dos trabalhadores à prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde, consagrado na alínea c) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição, resultante da alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro pela revogação do n.º 2 do artigo 484.º da Lei n.º 35/2004, na parte em que qualificava como contra-ordenação a violação do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 245.º desta mesma Lei.
(…)
A alteração redutora do conteúdo do direito social será ofensiva da Constituição se for concretizada com violação do princípio da igualdade, ou do da protecção da confiança, ou quando for atingido o conteúdo de um direito previsto na Constituição. Todavia, não existe exigência constitucional de configuração de determinadas condutas como ilícito de mera ordenação social a este propósito, não podendo afirmar-se que a falta da previsão legal da contra-ordenação esvazia de conteúdo o correspondente dever da entidade patronal, ou que aos interessados não assistem os meios comuns de defesa do seu direito, nesta área.
É, assim, de reafirmar a jurisprudência do Tribunal, constante no referido Acórdão.
III Decisão
Decide-se, em consequência:
a) Julgar inconstitucional, por violação do princípio da tipicidade dos actos legislativos consagrado no artigo 112.º n.º 1 da Constituição, a norma da alínea m) do n.º 6 do artigo 12.º da Lei n.º 7/2009 de 12 de Fevereiro (que aprovou a revisão do Código do Trabalho), na redacção que lhe foi conferida pela Declaração de Rectificação n.º 21/2009 de 18 de Março;
b) Não julgar inconstitucional a norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º da Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro, na parte em que revogou o artigo 484.º da Lei 35/2004 de 29 de Julho, enquanto qualificava como contra-ordenação a violação do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 245.º desta mesma Lei.
c) Julgar parcialmente procedente o recurso, devendo a decisão recorrida ser reformada em conformidade com o decidido em b).
Sem custas.
Lisboa, 3 de Maio de 2011.- Carlos Pamplona de Oliveira – José Borges Soeiro – Gil Galvão – Maria João Antunes – Rui Manuel Moura Ramos.