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Processo n.º 520/09
1ª Secção
Relator: Conelheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A sociedade A., S.A., recorre para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º n.º 1 alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro, pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade das normas dos artigos 27.º e 28.º do Regulamento Municipal das Operações Urbanísticas e das Respectivas Taxas e Compensações em vigor no Município de Amarante publicado no apêndice n.º 55 do Diário da República, II Série, de 7 de Maio de 2002 «com a interpretação com que foram aplicados no douto acórdão recorrido de que o tributo em causa nos autos tem a natureza jurídica de taxa e não de imposto e, portanto, de tributo bilateral e sinalagmático e não de tributo unilateral».
A recorrente invoca que as referidas normas padecem de inconstitucionalidade formal por violação do artigo 112.º n.º 8 da Constituição, e de inconstitucionalidade orgânica. Requer desta forma:
A., S.A., NIPC 503 581 798, com os demais sinais dos autos, não podendo conformar-se com o douto acórdão proferido nos presentes autos e que lhe foi notificado, do mesmo vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, o que faz nos seguintes termos:
a) O recurso é interposto ao abrigo do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei n.º 85/89, de 7 de Setembro e pela Lei n.º 13 – A/98, de 26 de Fevereiro;
b) Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade das normas dos art.ºs 27º e 28º do Regulamento Municipal das Operações Urbanísticas e das Respectivas Taxas e Compensações publicado no apêndice n.º 55 do Diário da República, II Série, n.º 105, de 7 de Maio de 2002, em vigor no município de Amarante à data da liquidação impugnada, com a interpretação com que foram aplicados no douto acórdão recorrido de que o tributo em causa nos autos tem a natureza jurídica de taxa e não de imposto e, portanto, de tributo bilateral e sinalagmático e não de tributo unilateral;
c) Os art.ºs 27º e 28º do referido regulamento violam não só o disposto no n.º 8 do art.º 112º da CRP;
d) Como também o disposto no n.º 2 do art.º 103º [por evidente lapso, fez-se referência ao artigo 106º] e na al. i) do n.º 1 do art.º 165º da CRP;
e) Bem como o prescrito nos n.ºs 2 e 3 do art.º 4º da Lei Geral Tributária;
f) A questão da inconstitucionalidade dos art.ºs 27º e 28º do aludido regulamento foi expressa e claramente suscitada nestes autos, quer na petição de impugnação, quer nas alegações apresentadas na 1.ª instância, quer ainda nas alegações de recurso apresentadas perante o Venerando Tribunal Central Administrativo Norte;
g) O douto acórdão proferido pelo TCA Norte abordou e resolveu expressamente a questão da inconstitucionalidade e da ilegalidade suscitada, concluindo pela conformidade constitucional das referidas normas regulamentares;
h) O presente recurso sobe imediatamente nos próprios autos e tem efeito suspensivo.
Termos em que, requer a V. Ex.ª que se digne admitir o presente recurso e fazer subir o mesmo, com o efeito próprio, seguindo-se os demais termos legais.
Admitido o recurso, a recorrente alegou e concluiu:
1.ª– Em 10/11/2004 foi liquidada pela Câmara Municipal de Amarante e cobrada à recorrente, a título de TMI, a quantia de € 148 424,64, que esta pagou através da guia de receita n.º 14894.
2.ª– A referida quantia de € 148 424,64 foi liquidada e cobrada à recorrente ao abrigo do disposto nos art.ºs 27º e 28º do Regulamento Municipal das Operações Urbanísticas e das Respectivas Taxas e Compensações, publicado no apêndice n.º 55 do DR, II Série, n.º 105, de 07/05/2002, que se encontrava em vigor no município de Amarante ao tempo da liquidação e cobrança da aludida quantia.
3.ª– Porém, na operação urbanística que deu origem à liquidação e cobrança da aludida quantia de € 148 424,64 a título de TMI, a Câmara Municipal impôs à aqui recorrente, como condição da emissão do alvará, além do pagamento da sobredita quantia a título de TMI, mais as seguintes obrigações:
a) A cedência ao município, para se integrar no seu domínio público, das parcelas de terreno indicadas na al. h) dos factos provados no douto acórdão recorrido, cuja área total atinge a superfície de 10 102,28 m2, conforme consta do alvará de loteamento;
b) As obrigações constantes da alínea g) dos factos provados no douto acórdão recorrido e insertas no alvará;
c) As obrigações constantes da alínea i) dos factos provados no douto acórdão recorrido e insertas no alvará, que implicam o condicionamento urbanístico e a indisponibilidade de uma área de terreno com a superfície de global de 62 727,99 m2
d) A obrigação de a recorrente realizar directamente por si todas as obras de urbanização constantes do alvará, no valor de € 558 119,18 e de custear integralmente essas obras de urbanização.
4.ª– Na data da liquidação em causa inexistia, devidamente aprovado pela Assembleia Municipal de Amarante, qualquer programa plurianual de investimentos municipais na execução, manutenção e reforço das infra-estruturas municipais, previsto no n.º 5 do art.º 116º do Dec.-Lei n.º 555/99, na redacção então vigente.
5.ª– A Câmara Municipal de Amarante aprovou o loteamento e nas deliberações de aprovação não previu a necessidade de construção de novas infra-estruturas ou do reforço das existentes, porque as actualmente existentes, mesmo com a carga derivada da operação urbanística, ainda estavam operacionais pelo menos durante os próximos 20 anos, isto é, ainda dispunham de capacidade para suportar as cargas derivadas da ocupação urbanística aprovada, pelo menos durante o período de 20 anos.
6.ª– Todas as redes de infra-estruturas públicas existentes à porta do loteamento foram projectadas e estavam dimensionadas para suportarem o funcionamento das antigas indústrias B., que era uma indústria que debitava às redes públicas pesadas cargas de efluentes, sendo que a ocupação agora prevista na operação urbanística representa uma redução significativa das cargas de efluentes debitada nas infra-estruturas públicas, tomando como termo de comparação as antigas indústrias B..
7.ª– O município de Amarante nenhuma infra-estrutura urbanística realizou nem tem de realizar, pelo menos durante os próximos 20 anos, em consequência directa ou indirecta da nova operação urbanística que o pagamento daquela quantia de € 148 424,64 a título de TMI se destine a pagar ou compensar e, decorrido esse prazo de 20 anos, não previu o município o prazo em que poderá haver necessidade de realizar qualquer infra-estrutura urbanística, como consequência directa ou indirecta da aprovação do loteamento.
8.ª– À data da liquidação também não estava assumida, prevista e programada em plano plurianual previsto no n.º 5 do art. 116º do RJUE a realização de qualquer infra-estrutura urbanística, como consequência directa ou indirecta do loteamento, cabendo ao município o ónus de provar tal facto para poder cobrar a TMI.
9.ª– O n.º 1 do art.º 27º do regulamento em causa reza que o facto gerador da taxa ali prevista é a emissão de alvará de licença ou autorização de loteamento, ao estatuir que tal taxa “é devida pela emissão do alvará de …”
10.ª– Porém, o mesmo n.º 1 do art. 27º – ou qualquer outra norma do regulamento – não indica qual a finalidade visada pelo município ao estabelecer a TMI ali prevista, mormente não prevê que tal taxa vise servir de contrapartida à actividade do município pela criação de infra-estruturas em falta ou pelo reforço ou manutenção das existentes, em consequência ou por efeito da realização, directa ou indirectamente, da operação urbanística que justifica o seu pagamento.
11.ª– Perante a redacção dada ao n.º 1 do art. 27º do regulamento, temos de concluir que o tributo ali previsto sob a designação de TMI tem inequivocamente o recorte normativo de um tributo unilateral, e não de uma taxa, pois lhe falta o sinalagma ou a contraprestação que permita qualificá-lo como taxa.
12.ª– A conclusão anterior não é infirmada pela norma do n.º 3 do mesmo art. 27º, porque a aplicação desta norma é uma impossibilidade lógica, pois que o art. 28º prevê a forma de cálculo da TMI, mas nenhuma norma regulamentar prevê a forma de cálculo do investimento municipal implicado ou a implicar pela operação urbanística.
13.ª– Como, nos termos do referido n.º 3 do art. 27º o montante da TMI varia proporcionalmente ao montante do investimento municipal “que a operação urbanística implicou ou venha a implicar”, sem se conhecer o valor deste não pode obter-se o valor da TMI, nomeadamente no caso concreto em que o investimento municipal foi igual a zero, já que qualquer proporcionalidade em relação a zero será sempre igual a zero.
14.ª– Os próprios factores de cálculo da TMI enunciados nos art. 28º nenhuma relação têm com a concreta operação urbanística aqui em causa, nem com o local concelhio onde ela se situa e nem sequer com os custos do investimento implicado ou a implicar pela operação urbanística e que já estivessem previstos, assumidos e programados no plano plurianual aludido no n.º 5 do art. 116º do Dec.-Lei n.º 555/99.
15.ª– Da análise do recorte normativo dos art.ºs 27º e 28º, quando aplicados ao caso concreto resultou que foi liquidada e cobrada à aqui recorrente, a título de TMI, a quantia de € 148 424,64, sem que tenha existido qualquer contrapartida específica por banda do município. O regime da TMI consignado nos art.ºs 27º e 28º cria, assim, um verdadeiro imposto e não uma taxa.
16.ª– À mesma conclusão se chega se analisarmos as normas no seu momento de interpretação e aplicação no caso concreto, pois assim até melhor se vê que dos factos provados resulta que a contraprestação municipal devida pelo pagamento da quantia de € 148 424,64 a título de TMI simplesmente não existiu, porque o município não realizou quaisquer infra-estruturas, fosse de que tipo fosse, nem tem que as realizar no futuro, pelo menos durante os próximos 20 anos – e nem se sabe se num futuro ainda mais longínquo do que esse prazo de 20 anos terá de realizar alguma – como consequência directa ou indirecta da operação urbanística.
17.ª– Aliás, a nova ocupação urbanística resultante da operação de loteamento traduz-se num significativo decréscimo de carga de efluentes lançados na infra-estrutura pública em comparação com a situação precedente.
18.ª– Como a recorrente suportou integralmente o custo da realização das infra-estruturas consideradas necessárias pelo município para aprovação da operação de loteamento no montante de € 558 119,18, pagando, assim, a TMI em espécie, a sobredita quantia de € 148 424,64 só pode ser qualificada como um imposto, nunca como uma taxa, para além de se configurar como uma situação de dupla tributação da mesma realidade, porque agora paga em numerário.
19.ª– Porém, no que toca ao lançamento, liquidação e cobrança os (impostos ou as contribuições especiais estão sujeitos ao princípio da legalidade fiscal, plasmado no n.º 2 do art. 103º e na al. i) do n.º 1 do art. 165º da CRP, princípio esse que se comporta como uma reserva de lei formal, competindo apenas à A.R. ou ao Governo, devidamente autorizado, atribuições para definir os respectivos lançamento, liquidação e cobrança.
20.ª – Assim, os art.ºs 27º e 28º do regulamento municipal em vigor ao tempo da liquidação em causa nestes autos e que lhe serviram de suporte padecem de inconstitucionalidade orgânica, por violação do princípio da legalidade tributária, e nos termos das normas constitucionais referidas nas condições anteriores, pelo menos quando interpretado no sentido de que o tributo neles previsto pode ser cobrado ainda que não tenha como contrapartida a realização, ainda que futura e sempre no quadro do plano plurianual de despesas previsto no n.º 5 do art.º 116º do Dec.-Lei n.º 555/99, pela Câmara Municipal de Amarante de nenhuma obra de infra-estrutura urbanística que seja consequência directa ou indirecta da aprovação da operação de loteamento.
21.ª– Os referidos art. 27º e 28º do regulamento padecem também de inconstitucionalidade formal – como, de resto, o regulamento na sua globalidade – por errada invocação da lei habilitante para a emissão do dito regulamento, pois nele se invocou como lei habilitante da assembleia municipal para o aprovar a al. a) do n.º 2 do art. 53º da Lei n.º 169/99, quando a lei habilitante específica para a emissão dos regulamentos destinados a estabelecer, nos termos de lei, taxas municipais e fixar os respectivos quantitativos é a al. e) do n.º 2 do art. 53º da Lei n.º 169/99.
22.ª– Sem prejuízo do alegado, pois se provou que o investimento municipal implicado ou a implicar pela operação urbanística aprovada foi igual a zero e o montante exigido a título de TMI foi no montante de € 148 424,64, com a cobrança desta quantia verifica-se uma manifesta desproporcionalidade entre estes dois valores, pelo que os art.ºs 27º e 28º do regulamento que serviam de suporte à liquidação aqui em causa, interpretados e aplicados com o sentido e o alcance com que o foram, violam frontalmente o princípio da proibição do excesso consagrado no art. 266º, n.º 2, da CRP, pelo que devem ser declarados inconstitucionais, ainda a esta luz.
Nestes Termos, e sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso de constitucionalidade ser julgado procedente, por provado, com as legais consequências, assim se fazendo Justiça.
A recorrida Câmara Municipal de Amarante apresentou a sua contra-alegação, na qual conclui:
1. A cedência ao público municipal 10.128,28 m2 de terreno, o pagamento integral das infra-estruturas necessárias à aprovação do loteamento, no montante de 558.119,18 euros, e o facto de 62.727,99 m2 de terreno terem ficado condicionados aos fins urbanísticos constantes do alvará, tudo isto nada tem a ver com a TMI liquidada pela Câmara Municipal de Amarante;
2. A Câmara Municipal de Amarante, apenas se limitou a apreciar, de acordo com a lei (Art. 21º, 41º, 43º, 44º do Dec. Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 177/2001, de 4 de Junho), as soluções propostas pelo proponente.
3. A bilateralidade da TMI liquidada e cobrada pela Câmara Municipal de Amarante resulta, desde logo, do facto de a operação de loteamento “ligar” a todas as infraestruturas públicas existentes “à porta” do loteamento e para as quais o loteador em nada contribuiu nem irá contribuir, nomeadamente as redes viárias, de abastecimento de água, de drenagem de águas residuais, para além da ligação às infra-estruturas eléctricas existentes.
4. A ligação da operação urbanística em causa (loteamento) às diversas infra-estruturas públicas existentes “à porta” desta operação urbanística determina, a partir desse momento, que o respectivo proprietário/promotor beneficie da prestação daqueles serviços (infra-estruturas) públicos;
5. Que passarão a ser sobrecarregados, determinando a curto ou a médio prazos, despesas com a manutenção e reforço, ou mesmo a construção de novas infra- estruturas, a suportar, apenas, pelo cofre municipal;
6. Por outro lado, quando se refere que nos próximos 20 anos não terá a Câmara Municipal de Amarante de realizar qualquer investimento municipal na realização de quaisquer infra-estruturas urbanísticas, seja construindo novas, seja mantendo ou reforçando as existentes, não refere às infra-estruturas públicas já existentes, mas sim, para aquelas projectadas e construídas, de novo, pelo promotor do loteamento e que vão ser entregues à guarda e manutenção do município, logo que sejam definitivamente recebidas por este, nos termos do Art. 87º, do Dec. Lei nº 555/99, com as alterações do Dec. Lei nº 177/2001;
7. Existindo nas já existentes, a possibilidade efectiva de, a curto ou médio prazo o Município ter de realizar obras, sejam elas de reforço, manutenção ou criação de novas infra-estruturas;
8. Pelo que a TMI, a que se referem os artigos 27º e 28º do Regulamento Municipal, é uma verdadeira taxa que se fixa de acordo com os critérios específicos de cálculo e cobrança aí previstos.
9. Existe verdadeiramente uma contra-prestação por parte da Câmara Municipal de Amarante, pelo que, a TMI é uma taxa, pois trata-se de um tributo bilateral;
10. Não existe a desproporcionalidade alegada, pois que a TMI efectivamente cobrada à Recorrente é proporcional ao grau de infra-estruturação pública existente no local e ao grau de sobrecarga dessas infra-estruturas, calculada proporcionalmente à quantidade de edificação prevista na operação de loteamento, tudo nos termos do Art. 28º do Regulamento Municipal;
11. Inexiste a inconstitucionalidade orgânica das normas constantes dos artigos 27º e 28º do Regulamento Municipal
12. Tal como inexiste a alegada inconstitucionalidade formal das normas constantes dos artigos 27º e 28º do Regulamento Municipal, que indica expressamente as leis que visa regulamentar ou que definem a competência subjectiva e objectiva.
Termos em que, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso de constitucionalidade improceder, com as legais consequências.
2. No requerimento de interposição do recurso a recorrente invoca que as normas impugnadas «violam não só o disposto no n.º 8 do artigo 112º da CRP (...) como também o disposto no n.º 2 do art.º 103º [por evidente lapso, fez-se referência ao artigo 106º] e na al. i) do n.º 1 do art.º 165º da CRP, (...) bem como o prescrito nos n.ºs 2 e 3 do art.º 4º da Lei Geral Tributária». É patente, todavia, que no presente recurso, disciplinado pala alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, apenas cabe apurar a desconformidade constitucional da norma aplicada, e não a violação de normas de outra natureza, como a Lei Geral Tributária. A análise do Tribunal não pode, em consequência, tomar como parâmetro da verificação do vício de inconstitucionalidade normas da referida Lei.
Começa a recorrente por invocar a inconstitucionalidade da interpretação com que as normas foram aplicadas no acórdão recorrido, acabando, no entanto, por revelar esse sentido reconduzindo-o à questão da natureza jurídica que foi atribuída a essas normas e não a uma específica interpretação normativa modeladora do seu conteúdo. Por outro lado, na alegação trazida ao Tribunal, a recorrente sustenta que as referidas normas padecem de inconstitucionalidade quando interpretadas no sentido de que o tributo nelas previsto pode ser cobrado «ainda que não tenha como contrapartida a realização, ainda que futura e sempre no quadro do plano plurianual de despesas previsto no n.º 5 do art. 116.º do Dec-Lei 555/99, pela Câmara Municipal de Amarante nenhuma obra de infra-estrutura urbanística que seja consequência directa ou indirecta da aprovação da operação de loteamento» e «quando aplicados ao caso concreto (...) [em] que foi liquidada e cobrada a titulo de TMI a quantia de 148.424,64, sem que tenha existido qualquer contrapartida específica por banda do município». No entanto, o objecto do recurso fixa-se no requerimento de interposição, não sendo possível às partes ampliá-lo ou modificá-lo em termos que impliquem, nesta sede, a definição de um critério normativo distinto do que previamente foi colocado à apreciação do Tribunal para efeito do juízo sobre a verificação dos requisitos de admissibilidade do recurso, nomeadamente no que concerne à questão de saber se a norma questionada foi – ou não – aplicada pela decisão recorrida no exacto sentido em que surge controvertida perante o Tribunal Constitucional. Tais alegações correspondem, portanto, à exposição argumentativa própria da peça processual em que se inscrevem, mas não podem ser aceites como modeladoras do objecto do recurso.
Deve, assim, aceitar-se que o objecto do recurso é constituído pelas normas invocadas no requerimento inicial, ou seja, corresponde ao teor literal das normas dos artigos 27.º e 28.º do Regulamento Municipal das Operações Urbanísticas e das Respectivas Taxas e Compensações do Município de Amarante.
3. Afigurando-se prioritário tratar o problema da inconstitucionalidade formal, cumprirá recordar que o vício é suscitado, no recurso, com base numa errada identificação da lei habilitante para a emissão do regulamento, «pois nele se invocou como lei habilitante da Assembleia Municipal para o aprovar a alínea a) do n.º 2 do artigo 53º da Lei n.º 169/99, quando a lei habilitante específica para a emissão dos regulamentos destinados a estabelecer, nos termos de lei, taxas municipais e fixar os respectivos quantitativos é a alínea e) do n.º 2 do artigo 53.º da Lei n.º 169/99».
Está aqui em causa o parâmetro constante do artigo 112.º n.º 8 da Constituição, nos termos da qual “os regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão”. O regulamento em causa, dispõe:
« Em face do exposto e considerando que:
O artigo 241.° da Constituição da República Portuguesa estabelece que as autarquias locais dispõem de poder regulamentar próprio nos limites da Constituição, das leis e dos regulamentos emanados de autarquias de grau superior ou das autarquias locais com poder tutelar;
A Lei das Finanças Locais, aprovada pela Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto, e o Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de Junho, atribuem aos municípios competências para cobrar taxas, nos termos da lei, em matéria de operações urbanísticas;
O referido Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação define também, no n.º 4 do artigo 44.° e nos n.ºs 6 e 7 do artigo 57°, as circunstâncias em que a realização de operações urbanísticas obriga ao pagamento de uma compensação ao município, quando não há lugar à cedência gratuita de parcelas para implantação de espaços verdes públicos, equipamentos de utilização colectiva ou infra-estruturas.
No uso da competência conferida pela alínea a) do n.º 2 do artigo 53.° do Decreto-Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, e artigo 3.° do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, a Assembleia Municipal de Amarante, em sessão de 23 de Fevereiro de 2002, sob proposta da Câmara Municipal de Amarante, deliberou aprovar o seguinte Regulamento Municipal das Operações Urbanísticas e das Respectivas Taxas e Compensações.»
A primeira – por inevitável –, observação sobre o conteúdo do diploma é suscitada pela referência aí realizada ao «Decreto-Lei» n.º 169/99 de 18 de Setembro. Trata-se de erro respeitante à natureza do diploma: em lugar da correcta referência à «Lei» n.º 169/99 de 18 de Setembro, que estabeleceu o quadro de competências e o regime jurídico de funcionamento dos órgãos dos municípios, o regulamento refere o Decreto-Lei n.º 169/99 (publicado, aliás, em data não coincidente, em 19 de Maio de 1999), diploma que estabelece o regime jurídico das condecorações da Cruz Vermelha Portuguesa. É, portanto, um lapso manifesto que, aliás, não põe – nem pôs – em perigo o princípio da primariedade da lei, a informação da lei habilitante, nem a garantia dos valores de segurança e transparência aqui acautelados. Com efeito, a menção da data e do número do diploma permite não só constatar a evidência do lapso, mas também a identificação das normas legais habilitantes.
Os princípios constitucionais convocáveis ficarão salvaguardados através da menção da norma habilitante, mesmo perante lapsos que não comprometam o conhecimento dessa norma, afirmação que nos permite avançar directamente para o erro invocado pela recorrente.
A verdade é que o problema da correcta identificação da norma habilitante liga-se já com aspectos intrínsecos da legalidade da edição normativa. Não cabe, efectivamente, ao Tribunal Constitucional averiguar da estrita correcção da norma habilitante – problemática que se liga à legalidade do regulamento –, excepto quando o erro na menção dessa norma obnubila por completo a identificação da lei habilitante, tornando a situação comparável à falta total de indicação de lei habilitante, proibida pela Constituição. Com efeito, o alcance da «exigência da identificação expressa consiste não apenas em disciplinar o uso do poder regulamentar (obrigando o Governo e a Administração a controlarem, em cada caso, a habilitação legal de cada regulamento), mas também em garantir a segurança e a transparência jurídicas, sobretudo relevante à luz da principiologia do Estado de direito democrático» (JJ Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, II Vol, 4ª ed., pg 77). Essa dupla função constitucional – a de obrigar o órgão emitente a uma reflexão sobre os limites concretos do seu poder regulamentar, e a garantia dada aos cidadãos de, através dessa menção, poderem chegar ao conhecimento da fonte do poder regulamentar, ficando, assim, habilitados a sindicar jurisdicionalmente a correspondente normação – mostra-se cumprida sempre que as referências adoptadas pelo diploma regulamentar propiciem em concreto o conhecimento desses dados, ou seja, a lei administrativa que, no entender do órgão administrativo emissor, lhe confere a competência para agir. Ora, pode adiantar-se que as referências constantes do Regulamento em questão são idóneas para dar a conhecer as normas que, no entender da Administração, lhes atribuem competência objectiva e subjectiva da emissão do regulamento. Nada mais é necessário para dar por cumprida a exigência constitucional, nesta área.
O recurso improcede quanto à alegada inconstitucionalidade formal.
4. O outro vício invocado – violação do n.º 2 do artigo 103º e da alínea i) do n.º 1 do artigo 165º da Constituição – corresponde à arguição de um vício orgânico: sustenta-se que as normas impugnadas, criadoras de um verdadeiro imposto, não foram emitidas por lei formal da Assembleia da República, conforme o disposto nos aludidos preceitos constitucionais. Mas resta saber – o argumento invocado pela recorrente arranca de um dado suposto – se as normas prevêem inovadoramente esse tal «imposto».
A natureza da figura da taxa pela realização, reforço e manutenção de infra-estruturas, ou de instrumentos tributários de idêntica natureza já foi apreciada, em diversas ocasiões, pelo Tribunal que tem enfatizado o entendimento de que as taxas pela realização de infra-estruturas urbanísticas constituem a um tributo bilateral. O Tribunal tem, de resto, desenvolvido a esse propósito uma pertinente argumentação no sentido de concretizar o conteúdo das exigências de sinalagmaticidade, correspectividade, equivalência e proporcionalidade entre o tributo e a prestação que aquele visa retribuir, à qual genericamente agora se adere.
Por exemplo, no Acórdão n.º 357/99, onde foi sindicado o Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização de Amarante, então em vigor, sustentou-se o seguinte:
Na verdade, afastada a exigência de uma absoluta correspondência económica entre as prestações do ente público e do utente (cit. Acórdãos nºs. 205/87 e 76/88), o critério adoptado, fundamentalmente pela ponderação da área de construção – índice quer da utilidade retirada pelo obrigado, quer do grau de exigência na realização, reforço, manutenção ou funcionamento, de obras de infra-estruturas urbanísticas – não deixa de ser ditado por uma preocupação de proximidade entre o custo e a utilidade da prestação do serviço e o montante da taxa.
E também não contradiz a bilateralidade da taxa a eventualidade de a prestação do serviço não implicar vantagens ou benefícios para quem é obrigado ao pagamento (cfr. cit. Acórdão nº. 67/90), muito embora, seja considerável, no caso, a probabilidade dessas vantagens ou benefícios em qualquer das modalidades de obras de infra-estruturas urbanísticas (“realização, reparação, manutenção e funcionamento”) em geral exigíveis, ou convenientes, quando se efectuam as construções ou operações de loteamento referidas nos artigos 2º e 3º do Regulamento, o que do mesmo modo retira o carácter presuntivo, em abstracto, das maiores despesas ou encargos por parte da pessoa pública que é próprio das “contribuições especiais por maiores despesas” (neste sentido, Aníbal Almeida, ob. cit. pág. 72).
Por outro lado, a circunstância de aquelas obras poderem gerar utilidade para a generalidade da população não contende com o facto de elas serem efectuadas no interesse do onerado (cfr. cit. Parecer da PGR nº. 59/86) que delas retira, ou pode retirar, uma utilidade própria (o serviço prestado é, nesta dimensão, específico e divisível).
Em suma, pois, não se vê que a “taxa municipal de urbanização” em causa revista características diversas das que, na jurisprudência do Tribunal Constitucional (e cita-se aqui, em especial, o Acórdão nº. 354/98, de 12/5 in DR II Série de 15/7/98), têm fundamentado a qualificação de outros tributos como “taxa”.
E, sendo assim, não pode o “Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização”, aprovado pela Assembleia Municipal de Amarante em 30/6/86 estar ferido de inconstitucionalidade orgânica por violação do artigo 168º nº. 1 alínea i) da CRP (na versão revista em 82) que às “taxas” se não reporta.
No acórdão n.º 410/2000 (Plenário), o Tribunal sindicou a constitucionalidade dos três primeiros artigos do Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização da Póvoa do Varzim. Sustentou-se:
«(…)
Segundo consta da introdução ao Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização do concelho da Póvoa do Varzim, a criação desse tributo tornou possível que a construção individual concorresse, também, para os custos da urbanização. De outro modo a Câmara, sem recursos que lhe permitissem custear as obras de urbanização, não as poderia levar a termo, nomeadamente tendo em conta uma 'intensa pressão de construção, sobretudo em zonas situadas fora dos principais aglomerados'.
A melhoria da rede viária e dos transportes, do saneamento, dos equipamentos e arranjos dos espaços públicos exige 'que cada nova construção ou cada aumento de área construída em prédios existentes comparticipe de forma significativa nos encargos gerais de urbanização do concelho'.
Nesta linha, diz-nos o artigo 2º do Regulamento o que se deve entender, para os seus efeitos, por infraestruturas urbanísticas: a) a execução de trabalhos de construção, ampliação ou de reparação da rede viária, nela se compreendendo, em especial, a abertura, alargamento, pavimentação e reparação de vias municipais, caminhos vicinais e arruamentos urbanos; b) a execução de trabalhos de urbanização inerentes a equipamentos urbanos, tais como parques de estacionamento, passeios, parques, espaços livres e arborizados e jardins; c) a construção e reparação de redes de drenagem de esgotos domésticos e de colectores pluviais, bem como de elementos depuradores; d) a construção, ampliação e reparação de redes de abastecimento domiciliário de águas; e) a execução de trabalhos de construção e ampliação da rede eléctrica, quando os mesmos não sejam da responsabilidade da EDP, bem como respeitantes à iluminação pública; f) a recolha e tratamento de lixo; g) aquisição de terrenos para equipamentos.
Colhe-se deste enunciado que o serviço prestado pela autarquia está conexionado com o pagamento do tributo e encerra a ideia de contraprestação específica. Que assim é, corrobora o artigo 4º do diploma – 'regime especial dos loteamentos' – que não sujeita a essa taxa as obras de construção a realizar nos loteamentos urbanos com infraestruturas a cargo do loteador, quando a licença tenha sido titulada por alvará de loteamento passado há menos de cinco anos e tramitado de acordo com o § único do artigo 5º do mesmo texto (nº1 do preceito), ao passo que no caso de construção sita em lote onde tenha sido cobrada essa taxa e não se encontre esgotado aquele prazo, apenas haverá lugar a cobrança adicional se a construção exceder a área sobre a qual foi a taxa calculada (nº 2).
Encontram-se, assim, por um lado, especificadas as situações susceptíveis de originarem a cobrança da taxa, individualizando-se, inclusivamente, as operações em que são percebidas pelos particulares as utilidades inerentes às infraestruturas urbanísticas. São as mesmas expressão da iniciativa autárquica na realização daquelas infraestruturas e na execução dos equipamentos públicos necessários à utilização colectiva dos munícipes.
(…)
A realização de infra-estruturas urbanísticas ocorre, por via de regra, na fase das operações de loteamento, nomeadamente quando os municípios assumem uma função de estímulo à iniciativa de urbanização e de construção (proporcionando a abertura de arruamentos, construindo infra-estruturas de abastecimento de água e de saneamento, por exemplo). O que se compreende: o loteamento urbano constitui um instrumento típico de transformação urbanística do solo, fazendo-se acompanhar, como tal, e normalmente, das operações materiais necessárias e implícitas à iniciativa.
No entanto, o apontado nexo de conexão justificativo da taxa não tem de funcionar sincronicamente – designadamente quando, como é o concreto caso, se está perante uma operação de reconstrução ou ampliação de edifícios, e, como parece suceder no concelho em causa, a ajuizar pelo pequeno exórdio do Regulamento, quando a pressão da iniciativa privada da construção se depara com as dificuldades financeiras municipais para custear as respectivas obras de urbanização.
Digamos que ainda aqui funciona a lógica de interacção em que a taxa se insere (e a que o acórdão nº 1108/96 alude), bastando-se com a sinalagmaticidade construída juridicamente, já anteriormente mencionada.
Não se surpreende, assim, vício de inconstitucionalidade orgânica no Regulamento em apreço.(…)”
Por fim, referente a problema análogo, o Acórdão n.º 344/09, que fiscalizou a constitucionalidade das normas dos artigos 28.º a 32.º do Regulamento Municipal para a Liquidação e Cobrança de Taxas do Município de Amarante de 1999, tendo concluído pela sua conformidade constitucional. Aí se explica:
«(...) A questão que se coloca é a de saber se nesse caso ainda se pode dizer que estamos perante uma “taxa” ou se já estaremos perante um “imposto”.
Ora, a “pedra de toque” da jurisprudência do Tribunal Constitucional, com vista à distinção entre “taxa” e “imposto” (entre muitos outros, citem-se os Acórdãos n.º 457/87, n.º 412/89, n.º 53/91, n.º 148/94, n.º 357/99, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt) é a correspectividade sinalagmática do tributo.
No caso em apreço, a verdade é que, estejam ou não projectados no terreno a licenciar, os “equipamentos públicos”, eles, mais cedo ou mais tarde, vão ser necessários ou então já existem. Não poderá ser de outro modo.
Como nem a jurisprudência deste Tribunal nem a doutrina exigem que a correspectividade equivalha a plena equivalência económica, admitindo-se uma ponderada divergência entre a vantagem auferida e o montante a suportar, no caso em apreço ainda se está perante uma “taxa” (...)
Além disso, para o Tribunal Constitucional, a correspectividade jurídica entre taxa e prestação não exige uma absoluta contemporaneidade entre a cobrança do tributo e a fruição do benefício decorrente da actividade prestadora desenvolvida pela entidade pública. Veja-se, por exemplo, o Acórdão n.º 274/04:
“No entanto, o apontado nexo de conexão justificativo da taxa não tem de funcionar sincronicamente – designadamente quando, como é o concreto caso, se está perante uma operação de reconstrução ou ampliação de edifícios, e, como parece suceder no concelho em causa, a ajuizar pelo pequeno exórdio do regulamento, quando a pressão da iniciativa privada da construção se depara com dificuldades financeiras municipais para custear as respectivas obras de urbanização.”»
O tribunal recorrido perfilhou um entendimento semelhante, o de que a referida taxa corresponde à contrapartida da manutenção das infra-estruturas urbanísticas em termos de permitirem financiar os encargos já suportados e a suportar pelo município nos equipamentos que directa ou indirectamente coloca à disposição da área urbanizada em causa, ainda que estes se localizem em zona contígua ao loteamento e não no seu interior. As normas em causa não padecem de inconstitucionalidade uma vez que a previsão regulamentar pressupõe a contra-prestação municipal relativa a encargos suportados pelo município no que diz respeito às infra-estruturas destinadas à disposição do loteamento (artigo 27.º, n.º 3 e 28.º do Regulamento).
Quanto ao preenchimento do conceito de contrapartida específica, neste contexto, afigura-se pertinente ter em consideração o Acórdão n.º 357/99, ao ponderar que a circunstância de aquelas obras poderem gerar utilidade para a generalidade da população não contende com o facto de elas serem efectuadas no interesse do onerado que delas retira, ou pode retirar, uma utilidade própria. Tal critério permite justificar a validade da cobrança da taxa referida a encargos, pressupostos na decisão recorrida, com infra-estruturas contíguas ao loteamento. Desta linha jurisprudencial decorre, em suma, não ser desconforme à Constituição que o pagamento de determinada taxa não dê lugar à efectivação imediata e sincrónica da prestação.
Em conclusão, tratando-se de uma taxa, não se verifica a sujeição a reserva de lei parlamentar exigida pelos artigos 103 n.º 2 e 165º n.º 1 alínea i) da Constituição, pelo que sempre poderia ser aprovada por regulamento municipal. Não ocorre, portanto, o referido vício.
5. Pelos fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de conta.
Lisboa, 3 de Maio de 2011.- Carlos Pamplona de Oliveira – José Borges Soeiro – Gil Galvão – Maria João Antunes – Rui Manuel Moura Ramos.