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Processo nº 725/2000
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A fls. 174, foi proferida a seguinte decisão sumária:
'1. Por sentença do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, de fls. 92, foi julgada improcedente a acção de condenação no pagamento de parte do preço correspondente a um contrato de compra e venda entre ambas celebrado, proposta por H, LDA contra MS, e parcialmente procedente o pedido reconvencional, tendo a autora sido condenada a pagar à ré a quantia de 277.500$00, acrescida dos juros legais. Interposto pela autora recurso de apelação, a sentença da primeira instância foi confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto de fls. 114, do qual de novo recorreu H, LDA, agora para o Supremo Tribunal de Justiça. Julgando o recurso, o Supremo Tribunal de Justiça, pelo seu acórdão de fls. 148, negou a revista e confirmou a decisão recorrida no que toca à improcedência do pedido da autora. Quanto à reconvenção, o Supremo Tribunal de Justiça não se pronunciou sobre a condenação correspondente, dizendo 'Acontece, porém, que a A não pediu a improcedência da reconvenção, mas só a procedência da acção'. Pelo acórdão de fls. 157 foi desatendido o pedido de aclaração formulado a fls.
154. No que agora interessa, o Supremo Tribunal de Justiça afirmou 'que, como é entendimento jurisprudencial corrente, o âmbito do recurso é determinado em face das conclusões das alegações do recorrente, abrangendo, pois, tão só, as questões aí colocadas, como resulta claramente dos arts. 684 nº 3 e 690 nº 1, do CPC. Estas foram decididas. Fez-se notar, porém, que a recorrente só se referiu à procedência da acção – itens II e VII e frase tabelar final (...). Em parte nenhuma se manifesta intenção de recorrer da parte respeitante à reconvenção'. H, LDA reclamou então por nulidade, no que também não teve êxito. No requerimento correspondente, veio sustentar, nomeadamente, que
'6 – Sendo no entanto exacto que a limitação do objecto do recurso pode resultar, tacitamente, das conclusões formuladas, não o será menos que essa limitação tem de resultar de factos que com toda a probabilidade a revelem (artº
217º, nº 1, in fine, do C. Civil), e não o revela a circunstância de se suscitarem questões, nas conclusões, susceptíveis de determinar a improcedência da reconvenção, como se afirmou no douto acórdão recorrido.
7 – A interpretação contrária do preceito em apreço – o disposto no artº 684º nº
3, do C. P. Civil – redunda numa iníqua e inconstitucional limitação do direito de recurso pelas partes, e, até de actividade jurisdicional dos Tribunais Superiores, contrária a uma tutela jurisdicional efectiva dos direitos dos cidadãos, mediante processo equitativo, nos termos do disposto do artº 20º, nº4, in fine, da Constituição, inconstitucionalidade essa que se requer seja conhecida e decretada, na hipótese de não proceder a arguida nulidade'.
2. H, LDA recorreu, por fim, para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, indicando que 'a norma e princípio constitucional violados, constam do disposto no artº 20º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, mormente no direito dos cidadãos a um processo equitatitvo, violação essa imputada ao disposto no artº 684º nº 3, do C.P.Civil (...)'. Conforme explica, o acórdão recorrido afirma que ela, recorrente, 'teria limitado o recurso de revista à procedência da acção, não obstante as questões constantes das conclusões da alegação, já que nesta, sua parte final, teria sido escrito o seguinte:
‘Nestes termos e nos melhores de Direito (...), deverá ser provimento ao recurso, devendo julgar-se parcialmente [procedente] a acção, com o que se fará Justiça’.
(...) No entender da recorrente, não é lícito interpretar-se em conformidade com o artº 20º, nº 4, Constituição, como o expendeu o douto acórdão recorrido, o disposto no artº 684º, nº 3, do Código de Processo Civil, no sentido de que este excerto das alegações da revista traduzam uma limitação do recurso, na espécie destes autos, à procedência da reconvenção' [deve querer-se dizer da acção]. Justifica ainda apenas ter suscitado a inconstitucionalidade no requerimento em que arguiu a nulidade do acórdão recorrido porque este constituiu uma
'decisão-surpresa'. O recurso foi admitido, em decisão que não vincula este Tribunal (nº 3 do artigo
76º da Lei nº 28/82).
3. Não pode, porém, o Tribunal Constitucional conhecer do objecto deste recurso.
Com efeito, o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas destina-se a que este Tribunal aprecie a conformidade constitucional de normas, ou de interpretações normativas, que foram efectivamente aplicadas na decisão recorrida, não obstante ter sido suscitada a sua inconstitucionalidade 'durante o processo' (al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82), e não das próprias decisões que as apliquem. Assim resulta da Constituição e da lei, e assim tem sido repetidamente afirmado pelo Tribunal (cfr. a título de exemplo, os acórdãos nºs 612/94, 634/94 e 20/96, publicados no Diário da República, II Série, respectivamente, de 11 de Janeiro de 1995, 31 de Janeiro de 1995 e 16 de Maio de
1996). E, na verdade, o que a recorrente pretende é que o Tribunal Constitucional aprecie a interpretação que o Supremo Tribunal de Justiça fez, não do nº 3 do artigo 684º do Código de Processo Civil, mas do 'excerto das alegações do recurso' acima referido, considerando que não é admissível que dele se retire
'uma limitação do recurso'. Estão, assim, reunidas as condições para que se proceda à emissão da decisão sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Nestes termos, decide-se não conhecer do objecto do recurso. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 ucs.'
2. Inconformada, H, LDA reclamou para a conferência sustentando, em síntese, que tinha colocado uma questão de constitucionalidade normativa susceptível de ser julgada pelo Tribunal Constitucional, revelando a decisão reclamada 'uma posição de reserva mental, que nenhum cabimento tem no pedido de interposição do presente pedido de fiscalização concreta de constitucionalidade'. Conclui da seguinte forma:
'A) A aqui reclamante, com a presente fiscalização concreta de constitucionalidade, não pede apenas que este Venerando Tribunal substitua por outra a apreciação empreendida pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça de um excerto das alegações de recurso ordinário; B) Pede-se seja empreendida fiscalização concreta da constitucionalidade do disposto no artº 684º, nº 3, do C. P. Civil, a única disposição da lei processual civil de onde decorre a limitação dos recursos ordinários em matéria cível, sendo certo, que, face a essa disposição, apenas perante o teor de um recurso é possível a sua aplicação, e, de igual modo, apenas face a determinada interpretação desse artigo será também possível considerar que uma limitação ao
âmbito dos recursos resulta das alegações; C)A inconstitucionalidade daquele artigo 684º, nº 3, do C. P. Civil, foi efectivamente suscitada pela aqui reclamante e no único momento possível, tendo essa questão sido efectivamente apreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça e aquela disposição da lei ordinária efectivamente aplicada também por esse mesmo Venerando Tribunal – de acordo, naturalmente, com a interpretação que dele colheu na sua aplicação ao caso concreto; D) Viola a douta decisão reclamada o disposto no artº 70º, nº 1, al. b), da Lei do Tribunal Constitucional'. Notificada para o efeito, a recorrida não respondeu.
3. Não procede, porém, a presente reclamação, pela razão apontada na decisão reclamada como fundamento para a impossibilidade de conhecimento do objecto do recurso.
É manifesto que, como a reclamante afirma na reclamação, as normas (ou as interpretações normativas) que podem ser objecto de um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade 'têm de ter sido aplicadas ao caso concreto, o que apenas pode verificar-se caso haja decisão que as aplique, como, de resto, dispõe o proémio do nº 1 do artigo 70º, da Lei do Tribunal Constitucional'. Essa evidência não significa, porém, que o recurso de constitucionalidade tenha por objecto a decisão impugnada. Para que o Tribunal Constitucional o possa julgar, há-de o recorrente definir uma norma (ou uma interpretação normativa) que tenha sido aplicada naquela decisão. É esta norma – e não o acto de julgamento, que envolve a ponderação decisiva da singularidade do caso concreto, nem a decisão, como resultado da conjugação indissociável do facto e do critério normativo utilizado – que ao Tribunal Constitucional compete julgar, aferindo a constitucionalidade desse critério normativo. Não é, pois, sindicável perante este Tribunal a aplicação a uma dada situação concreta de um critério normativo – isto é, a subsunção, operada pelo aplicador do direito, do caso concreto à norma. Ora é exactamente esta aplicação concreta que a reclamante submete à apreciação do Tribunal Constitucional, ao transcrever, no requerimento de interposição de recurso, o excerto das suas alegações de onde o Supremo Tribunal de Justiça retirou que 'teria limitado o recurso de revista à procedência da acção, não obstante as questões constantes das conclusões da alegação' e ao sustentar que
'não é lícito interpretar-se em conformidade com o artº 20º, nº 4, Constituição, como o expendeu o douto acórdão recorrido, o disposto no artº 684º, nº 3, do C. P. Civil, no sentido de que este excerto das alegações de revista traduzam uma limitação do recurso, na espécie destes autos, à procedência da reconvenção'. Basta atentar em que o conhecimento do recurso exigiria que o Tribunal Constitucional interpretasse aquele excerto das alegações, o que lhe está vedado. Nestes termos, indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão reclamada. Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs. Lisboa, 1 de Março de 2001- Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida