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Processo n.º 178/11
2.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Os presentes autos de reclamação tiveram início em processo criminal, que correu termos na 2.ª Vara de Competência Mista do Tribunal de Loures, tendo o reclamante A. sido condenado, por decisão transitada em julgado, numa pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de cinco anos, sob condição de pagar uma quantia monetária ao assistente e à demandante cível, no prazo de um ano, esgotado em Março de 2006.
Antes do terminus do prazo fixado para o cumprimento da condição, o reclamante requereu a prorrogação do mesmo. Tal pretensão foi indeferida, por decisão confirmada, em recurso, pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
Inconformado, o reclamante interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que não foi admitido, por despacho de 18 de Novembro de 2010, nos termos do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal (CPP).
Tal decisão foi objecto de reclamação, ao abrigo do artigo 405.º do CPP.
A reclamação foi indeferida, por decisão do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, datada de 17 de Janeiro de 2011.
Desta decisão, o reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações posteriores (Lei do Tribunal Constitucional, doravante, LTC).
Por decisão datada de 9 de Fevereiro de 2011, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça não admitiu o recurso.
O recorrente apresentou, então, reclamação, junto deste Tribunal Constitucional.
Por acórdão de 12 de Abril de 2011, tal reclamação foi julgada improcedente.
Inconformado, o reclamante interpôs recurso para o Plenário, invocando o disposto no n.º 1 do artigo 79.º-D da LTC e alegando a existência de divergência entre o acórdão recorrido e o acórdão n.º 269/94.
Por despacho de 24 de Maio de 2011, proferido pela relatora, tal recurso não foi admitido, com os seguintes fundamentos:
“Da mera leitura da peça processual apresentada pelo recorrente resulta claro que o mesmo pretende impugnar o sentido decisório do acórdão recorrido, que decidiu manter o indeferimento do recurso de constitucionalidade interposto, não sendo a alusão ao acórdão n.º 269/94 mais do que um pretexto para iludir a proibição consagrada no n.º 4 do artigo 77.º da LTC.
De facto, o referido normativo expressamente determina que a decisão - resultante do julgamento da reclamação de despacho que indefira o requerimento de recurso - proferida pela conferência, não pode ser impugnada, apresentando-se assim como uma decisão definitiva.
Não é, pois, neste âmbito que se situa o campo de aplicação do artigo 79.º D da LTC.
Na verdade, o recurso para o Plenário está reservado a julgamentos de mérito, pressupondo a existência de um conflito jurisprudencial, assente na existência de decisões de mérito contraditórias das secções, relativamente ao juízo de conformidade constitucional de uma mesma norma (cfr. Acórdão n.º 4/2010, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Ao invés, não é admissível quando a divergência das secções ocorra apenas quanto aos entendimentos relativos a um determinado pressuposto de admissibilidade de recurso.
Acresce dizer que, ainda que assim não se entendesse, certo é que não se vislumbra qualquer divergência de entendimentos entre o acórdão recorrido e o acórdão n.º 269/94, quanto aos pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade.”
De tal decisão, o recorrente apresentou reclamação, arguindo o vício de nulidade por omissão de pronúncia.
O Plenário do Tribunal Constitucional, por acórdão de 21 de Junho de 2011, indeferiu a reclamação, aduzindo a seguinte fundamentação:
“O reclamante não invoca quaisquer fundamentos susceptíveis de abalar o juízo formulado no despacho reclamado.
Na verdade, como se refere na decisão de 24 de Maio de 2011, o recurso para o Plenário está reservado a julgamentos de mérito, pressupondo a existência de um conflito jurisprudencial, assente na existência de decisões de mérito contraditórias das secções, relativamente ao juízo de conformidade constitucional de uma mesma norma.
Ora, no presente caso, tanto o Acórdão recorrido como o Acórdão n.º 269/94 correspondem a decisões de não conhecimento do recurso, por falta de pressupostos de admissibilidade, pelo que, necessariamente, não materializam uma divergência quanto a um qualquer juízo de conformidade constitucional, atinente a uma mesma norma.
Igualmente não se vislumbra qualquer omissão de pronúncia, sendo o despacho reclamado dotado de uma fundamentação clara e completa.
Nesta consonância, concluímos que o despacho reclamado reproduz a linha jurisprudencial pacífica deste Tribunal sobre os pressupostos do recurso para o Plenário, ao abrigo do artigo 79.º-D, n.º 1, da LTC.
O reclamante não aduz qualquer fundamento que abale a firmeza de tal jurisprudência consolidada, pelo que apenas resta aderir à argumentação utilizada na decisão reclamada e, em consequência, indeferir a presente reclamação.”
2. De tal acórdão do Plenário, vem agora o recorrente requerer a aclaração, nos seguintes termos:
“A., Reclamante melhor identificado com os sinais dos autos em referência tendo sido notificado do teor do douto Acórdão n.° 303/2011, vem mui respeitosamente e ao abrigo do disposto nos artigos 669.°, n.° 1, alínea a), e 716.°, n.° 1, ambos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 69.°, da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, requerer a sua
ACLARAÇÃO,
quanto a uma questão obscura que nele se perfila e que se tem por relevante, como se explícita de seguida:
O reclamante, ante a liminar rejeição do recurso para apreciação da arguida inconstitucionalidade interpretativa de normas aplicadas, expressa ou tacitamente, na decisão tirada sobre inadmissão de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de matéria penal relevante proferida em 1.ª instância e de modo inusitado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, apresentou recurso para o plenário deste Subido Tribunal dando como Acórdão fundamento um aresto que, ainda que rejeitando o respectivo recurso, consignava os elementos essenciais exigidos para enformar um tal recurso e que, na humilde opinião do reclamante estavam contraditados na decisão que o afecta.
Este recurso para o plenário foi rejeitado com o sucinto fundamento de que ali apenas se “pretende sindicar o sentido decisório do acórdão recorrido, que decidiu manter o indeferimento do recurso de constitucionalidade interposto, não sendo a alusão ao acórdão n.° 269/94 mais que um pretexto para iludir a proibição consagrada no n.º 4 do artigo 77.º da LTC.”, para concluir com um lapidar “Não é, pois, neste âmbito que se situa o campo de aplicação do artigo 79.°-D da LTC.”
Em sede de reclamação dessa rejeição vestibular, depois de se consignar que “O reclamante não invoca quaisquer fundamentos susceptíveis de abalar o juízo formulado no despacho reclamado.” vem-se a assentar decisão no sentido de que “(…) tanto o Acórdão recorrido como o Acórdão n.° 269/94 correspondem a decisões de não conhecimento do recurso, por falta de pressupostos de admissibilidade, pelo que, necessariamente, não materializam uma divergência quanto a um qualquer juízo de conformidade constitucional, atinente a uma mesma norma.”, reforçando o que deixara expresso no parágrafo anterior quanto a que “(...) o recurso para o Plenário está reservado a julgamentos de mérito (…).” — sublinhado nosso, data venia, destinado a delimitar a dúvida a aclarar.
Ora, porque o reclamante deixou claramente expresso no seu texto reclamatório decidido no Acórdão a aclarar que “(…) à luz, dos ditames processuais aplicáveis e invocados em tempo oportuno que foi diversificado e ampliado com aquele recurso o objecto jurídico da questão ora a dirimir que não é já apenas a matéria inicial de errada aplicação da norma legal baseada na sua incorrecta interpretação, mas agora a novel matéria de admissibilidade do recurso por, à luz desses normativos processuais e do acórdão fundamento, dever ser admitido visto o cumprimento de todos os formalismos da formulação processual adequada, nas formas possíveis. Tornou-se, com a rejeição do inicial recurso, uma indissolubilidade de questões jurídicas acrescidas e concomitantes que cerceiam o direito do recorrente a ver julgado o seu recurso segundo a melhor interpretação e aplicação da lei, (…)”. — sublinhados de nossa autoria pelas razões supra invocadas.
Desta diversificação de matérias apresentadas ao juízo constitucional — a inicial reportada à interpretação das normas ordinárias e sua aplicação alegadamente errada, e a posterior sobre o entendimento das normas processuais que sustentavam a rejeição recursiva em causa — parece alcançar-se julgamento no sentido de que a matéria adjectiva não tem dignidade constitucional, não carece de conhecimento quanto aos invocados erros de aplicação, baseados em interpretação normativa contraditória em, pelo menos, dois Acórdãos distintos.
Uma vez que o reclamante invocou a final da sua peça processual violação de imperativos emergentes de Convenções Internacionais, impõe-se que seja esclarecido devidamente e com a indispensável clareza se do texto do Acórdão n.° 303/2011 se pode retirar e entender que as normas que estribam e são invocadas expressamente no Acórdão recorrido, o n.° 185/2011, quais sejam, as dos artigos 70.°, n.° 1, alínea b) e n.° 2, e 72.°, n.° 2, ambos da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, podem ser alvo de saudável crítica e sindicância, se necessária, logo objecto de mérito substantivo para julgamento constitucional, esclarecimento que se deixa expressamente requerido.”
3. O Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento do pedido, referindo que o acórdão é absolutamente claro e se encontra devidamente fundamentado, “não identificando o reclamante qualquer obscuridade ou ambiguidade.”
II – Fundamentação
4. Não obstante o requerente referir pretender a aclaração do acórdão, não especifica qualquer excerto da decisão que, comportando alguma incompreensibilidade ou incongruência, torne inteligível o seu pedido.
A apresentação do requerimento em análise – pela sua manifesta falta de fundamento e pelo contexto em que surge, caracterizado pela sucessiva utilização de meios de reacção às decisões proferidas, apesar dos sucessivos indeferimentos, como se pode inferir da análise do relatório supra – revela que o requerente apenas pretende obstar ao trânsito em julgado do acórdão de 12 de Abril de 2011, que julgou improcedente a reclamação deduzida, e à consequente baixa do processo.
Nestes termos, justifica-se a utilização da faculdade prevista nos artigos 84.º, n.º 8, da LTC, e 720.º do Código de Processo Civil, determinando-se a imediata remessa do processo ao tribunal recorrido, precedido de extracção de traslado, onde será tramitado qualquer ulterior incidente que sobrevenha.
Mais se consigna que, para todos os efeitos, com a prolação do presente acórdão se considera transitado em julgado o acórdão de 12 de Abril de 2011, que julgou improcedente a reclamação.
Assim sendo, o processo deverá seguir os seus regulares termos no tribunal recorrido.
III – Decisão
5. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se determinar que, após extracção de traslado dos presentes autos, estes sejam de imediato remetidos ao tribunal recorrido, a fim de prosseguirem os seus termos.
Sem custas.
Lisboa, 13 de Julho de 2011. – Catarina Sarmento e Castro – Ana Maria Guerra Martins – José Borges Soeiro – Vítor Gomes – Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão – Maria Lúcia Amaral – João Cura Mariano – Maria João Antunes – Joaquim de Sousa Ribeiro – Carlos Pamplona de Oliveira – J. Cunha Barbosa – Rui Manuel Moura Ramos.