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Proc. nº 824/98
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório.
1. JL (ora recorrente), juiz de direito, interpôs no Supremo Tribunal de Justiça
'recurso contencioso dos actos eleitorais relativos aos vogais do Conselho Superior de magistratura, da votação a que se procedeu em 17 de Fevereiro de
1995, no âmbito das eleições a que se refere o aviso do Conselho Superior de Magistratura (ora recorrido), publicado no Diário da República, II Série, de 17 de Dezembro de 1994.
2. O recurso foi, porém, rejeitado, por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro de 1995, 'por o mesmo não ter cabimento, relativamente à votação que visava anular; e o requerente não possuir legitimidade para pedir tal anulação'.
3. Após ver desatendida a arguição de nulidade deste acórdão, bem como a pretensão de isenção de custas, o Recorrente recorreu para o Tribunal Constitucional que, por acórdão de 5 de Março de 1998, decidiu julgar inconstitucional a norma do art. 20º, nº 2, do Processo Eleitoral do Conselho Superior de Magistratura, por violação dos artigos 115º, nº 5, e 167º, alínea j), da Constituição (redacção de 1989), quando interpretada no sentido de não conceder legitimidade para recorrer aos magistrados judiciais dotados de capacidade eleitoral activa e passiva que não sejam candidatos ou mandatários das listas concorrentes. Em consequência, mandou o Tribunal Constitucional fosse reformado em conformidade com esse julgamento da questão de constitucionalidade.
4. Recebidos os autos no STJ, o Ministério Público emitiu parecer no sentido de que se julgasse findo o recurso, por inutilidade superveniente da lide, atendendo a que o Conselho eleito na sequência do acto impugnado já havia cessado a sua funções.
5. O recorrente, por sua vez, insistiu em que se declarasse nula ou anulada a votação ocorrida em 17 de Fevereiro de 1995. Aproveitou, ainda, para sustentar a isenção de custas, referindo o desempenho das funções de juiz da jurisdição administrativa em comissão permanente.
6. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 17 de Junho de 1998, decidiu não conhecer do objecto do recurso. Escudou-se para tanto, designadamente, na seguinte fundamentação:
'O recorrente pretende, afinal e tão só, que se declare nula ou anulada a votação de em 17 de Fevereiro de 1995, efectuada para eleição dos vogais do Conselho Superior de Magistratura. Nessa matéria, compete a uma Comissão de Eleições a fiscalização da regularidade dos actos eleitorais e o apuramento final da votação, assim como decidir as reclamações que surjam no decurso da operações eleitorais, havendo recurso contencioso para o Supremo Tribunal de Justiça. Todavia, no recurso em apreço, o Dr. JL não impugna qualquer decisão da referida Comissão de Eleições, demandando sim o Conselho Superior de Magistratura, que não foi parte na votação em causa, cuja nulidade reclama. E a verdade é que a tal votação não constitui, em si, acto administrativo definitivo e executório, susceptível de impugnação por esta via contenciosa. Entretanto, verifica-se que o ora recorrente também interpôs recurso «dos actos eleitorais relativos aos vogais do Conselho Superior de Magistratura...da deliberação de 17.2.95 da Comissão de Eleições, relativa ao apuramento de resultados finais e à proclamação dos eleitos', pedindo que se declarasse nula ou anulada essa deliberação e alegando, para tanto, que a votação, apuramento e proclamação dos resultados da dita eleição se apoiaram no Processo Eleitoral do Conselho Superior de Magistratura, ferido de inconstitucionalidade. Trata-se do recurso nº 87.230 – aliás referenciado pelo Dr. JL a fls. 80 – e que se enconstra já decidido por esta mesma secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça (acórdão de 26.6.97). Ora, tendo esse recurso visado o apuramento dos resultados eleitorais e a proclamação dos eleitos, com expressa invocação dos vícios da votação efectuada, fica o recurso ora em apreço (relativo apenas a tal votação), sem qualquer conteúdo útil distinto. Além de que este nosso recurso, como acima se disse, só poderia ter base legal e fazer sentido, quando se reportasse a alguma deliberação da Comissão de Eleições sobre a votação, sendo porém certo que nenhuma aqui vem invocada pelo recorrente. Donde se conclui que o presente recurso não tem cabimento, porque desprovido de objecto legalmente possível. E bastaria o que fica dito, para dele se não conhecer. III – Mas, suscitada e debatida que foi a ilegitimidade do recorrente, passamos a analisar esta questão.
(...). Quanto a custas: A invocada alínea g) do art. 17º, nº 1, da Lei nº 21/85 confere, efectivamente, isenção aos juízes, nas acções em que sejam parte, mas «por via do exercício das suas funções», querendo aludir aos litígios derivados ou relacionados com o desempenho da função judicial – o que não é o caso presente. Mesmo sendo o recorrente juiz da jurisdição administrativa, nada tem com esta o seu recurso, que é, sim, de um juiz eleitor. (....)'.
7. É desta decisão que vem interposto, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº
1, alíneas b) e g) da Lei do Tribunal Constitucional, o presente recurso de constitucionalidade. Pretende o recorrente ver apreciada, nos termos do respectivo requerimento de interposição, a constitucionalidade dos artigos 20º, nº 2, do Processo Eleitoral do Conselho Superior de Magistratura, publicado no Diário da República, II Série, de 13.8.85 e 17º, nº 1, al. g) da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, na interpretação acolhida na decisão recorrida.
8. Já neste Tribunal foi o recorrente notificado para alegar, o que fez, tendo concluído pela inconstitucionalidade dos preceitos objecto de recurso.
9. Notificado para responder, querendo, às alegações do recorrente, o Conselho Superior de Magistratura veio oferecer o merecimento dos autos. Corridos os vistos legais, cumpre decidir. II – Fundamentação.
10. O art. 20º, nº 2 do Processo Eleitoral do Conselho Superior de Magistratura. Questão prévia. Extinção do recurso. Há que concluir, quanto a este ponto, como no acórdão nº 324/98, pela inutilidade superveniente da lide e consequente extinção do recurso. Com efeito, não há interesse no conhecimento da questão de constitucionalidade, uma vez que a decisão que viesse a proferir-se sobre ela nenhum efeito útil poderia ter no caso. De facto, o presente recurso respeita à eleição do Conselho Superior de Magistratura realizada em 1995. Ora, o Conselho então eleito já não se encontra em funções por ter entretanto havido novas eleições.
11. O art. 17º, nº 1, al. g), da Lei nº 21/85, de 30 de Julho. Pretende ainda o recorrente ver apreciada a constitucionalidade da
'interpretação restritiva' do art. 17º, nº 1, al. g), da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, na redacção da Lei nº 10/94, de 5 de Maio, no sentido de o não considerar isento de custas nos presentes autos. Ora, o Tribunal Constitucional teve já oportunidade de, por diversas vezes
(cfr., designadamente, os acórdãos nºs 697/96, 718/98, 424/99 - ainda inéditos - e 290/99, publicado no Diário da República, II série, de 15 de Novembro de
2000), se pronunciar sobre a questão de constitucionalidade que agora, mais uma vez, vem colocada à sua consideração. No acórdão nº 290/99 (acima citado) estava igualmente em causa, como aqui, um recurso interposto pelo ora recorrente JL de uma decisão do Conselho Superior de Magistratura, tendo o mesmo suscitado então, na base de fundamentação substancialmente idêntica à que agora utiliza, a inconstitucionalidade do art.
17º, nº 1, al. g), da Lei nº 21/85, de 30 de Julho. Na apreciação dessa questão ponderou, então, o Tribunal Constitucional: O recorrente sustenta que a interpretação restritiva do artigo 17º, nº 1, alínea g), da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, na redacção da Lei nº 10/94, de 5 de Maio, no sentido de o não considerar isento de custas nos presentes autos, é inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 18º, nº 3, e 20º, nº 1, da Constituição. A norma impugnada estabelece a isenção de preparos e custas nas acções em que o juiz seja parte principal ou acessória, por via do exercício das suas funções. A interpretação restritiva que o recorrente refere pressupõe que os efeitos do exercício da função de juiz, dada a sua natureza, pode acarretar uma litigiosidade acrescida. Segundo esse entendimento, contestado pelo recorrente, o legislador apenas pretendeu não sujeitar os juízes às regras gerais sobre custas nas acções em que intervenham, fundamentalmente em virtude da sua actividade profissional. É apenas essa a ratio essendi da norma na interpretação impugnada.
Segundo tal interpretação, não se trata, pois, de um privilégio pessoal. Assim, a isenção em causa não seria concedida em qualquer acção em que o juiz interviesse, apenas o seria nas acções em que o juiz interviesse 'por via do exercício das suas funções'.
Para além do mais, nos presentes autos, o recorrente decidiu tão-só impugnar as eleições para o Conselho Superior da Magistratura. Assim, se é verdade que tal pretensão é legítima por o recorrente ser magistrado, não se trata, contudo, de uma acção em que o juiz tenha intervindo por via do exercício das suas funções, segundo a interpretação referida. Com efeito, para tal interpretação não existe conexão directa entre a acção interposta e o exercício da profissão de magistrado, uma vez que aquela não surge como decorrência de uma actuação profissional do juiz. Trata-se, da mera efectivação judicial de um direito de participação na vida do Conselho Superior da Magistratura Judicial em função de uma decisão de consciência, enquanto profissional interessado no funcionamento daquela instituição.
Ora, não decorre da Constituição a exigência de qualquer privilégio nas condições de acesso à justiça em função do mero estatuto de Magistrado Judicial e da respectiva participação em actos eleitorais para o Conselho Superior da Magistratura. Consequentemente, não se verifica qualquer violação do disposto nos artigos 18º, nº 3, e 20º, nº 1, da Constituição. Na verdade, a interpretação acolhida pela decisão recorrida não limita o acesso aos tribunais nem qualquer direito, liberdade ou garantia (confronte., convergentemente, Acórdão do Tribunal Constitucional 697/96, de 22 de Maio)'.
É, pois, esta jurisprudência que, por manter inteira validade, mais uma vez há que reiterar. III - Decisão Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide: a) Julgar extinto o recurso, na parte em que se pretende ver apreciada a constitucionalidade do art. 20º, nº 2, do Processo Eleitoral do Conselho Superior de Magistratura; b) Não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 17º, nº 1, alínea g), da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, na redacção da Lei nº10/94, de 5 de Maio; c) Negar provimento ao recurso. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 unidades de conta.
13 de Março de 2001- José de Sousa e Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Messias Bento Luís Nunes de Almeida