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Proc. n.º 421/00
1ª Secção Relator: Cons. Vítor Nunes de Almeida
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
I - Relatório
1. - O SINDICATO T, em representação dos Técnicos de Diagnóstico e Terapêutica da Área de Análises Clínicas do Hospital H, interpôs no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, recurso contencioso de anulação do despacho do CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO HOSPITAL H, de 19 de Setembro de 1997, que recusou aos representados do Sindicato requerente o gozo do direito ao descanso compensatório de trabalho prestado aos domingos, feriados e dias de descanso semanal. Como fundamento do seu pedido, o Sindicato requerente refere que tal despacho viola o disposto nos artigos 13º e 266º, n.º2 da Constituição da República Portuguesa, em leitura conjugada com os artigos 17º e 18º, também da Lei Fundamental. No essencial, alega o recorrente o seguinte:
'A partir e por força do ‘Despacho do Conselho de Administração’ datado de 19 de Setembro de 1997 começou a efectivar-se a recusa, por parte da Administração, da concessão das referidas ‘folgas’ a esses funcionários. O que se traduziu na prática, até à data do presente recurso, (...) na retirada do descanso compensatório a vários funcionários integrados nas referidas escalas. (...) Só aos Técnicos de Análises Clínicas da carreira profissional de Técnicos de Diagnóstico e Terapêutica tal direito deixou de ser reconhecido pela Administração (...) no que se evidencia um inaceitável e ilegal tratamento discriminatório por parte da Administração, em violação directa do preceituado nos artigos 13º e 266º/2, em leitura conjugada com os artigos 17º e 18º, todos da C.R.P. Para além do mais, nos termos conjugados dos artigos 1º/1 e 13º/1 do DL 62/79, de 30-3, (...) tal despacho desrespeita directamente a referida norma legal, o que o inquina com o vício de violação da lei'. Termina dizendo que
'sendo o referido despacho um acto geral, que foi directamente executado e sendo ele violador de lei, deve o mesmo ser anulado'. O Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa (TACL) pronunciou-se pela falta de legitimidade do recorrente e decidiu rejeitar o recurso interposto, fundamentando do seguinte modo a decisão proferida:
'Nos termos do artº 46º da RSTA, os recursos podem ser interpostos:
1º Pelos que tiverem interesse directo, pessoal e legítimo na anulação de acto administrativo (...) e
2º (...) Por sua vez o artº 821º do C.P.A. determina que os recursos podem ser interpostos pelo Ministério Público e pelos titulares de interesse directo, pessoal e legítimo no provimento do recurso. Continua, afirmando: 'Temos sérias dúvidas de que o sindicato, ora recorrente, tenha interesse directo, pessoal e legítimo na anulação do acto recorrido. (...) Parece-nos que o sindicato só tem interesse na anulação do acto recorrido na medida do interesse dos seus associados. Com efeito, as consequências da anulação do acto não se projectam directamente na sua esfera jurídica. (...) Entretanto, parece-nos que, caso o ora recorrente tivesse legitimidade para o presente recurso, sempre teria que o fazer em representação daqueles trabalhadores. No caso sub judice verifica-se, o seguinte:
1. o recorrente alega realmente que interpõe o presente recurso ‘em representação’ daqueles trabalhadores. A verdade é que não consta dos autos que os mesmos trabalhadores lhes tenham concedido poderes de representação.
2. Desconhece-se se algum ou alguns desses trabalhadores estão efectivamente filiados no sindicato recorrente.
3. O recorrente faz referência ‘ao acto geral que recusou aos recorrentes o gozo do direito ao descanso compensatório.(...)
'O acto respeita a um conjunto de trabalhadores. Porém, produz efeitos jurídicos em relação a cada um desses trabalhadores individualmente. Caso contrário, não se trataria de um acto administrativo e, portanto, não seria sindicável contenciosamente pelos tribunais administrativos. Conclui-se, assim, pela falta de legitimidade do recorrente'.
2. – Inconformado, o Sindicato recorreu da decisão do TACL para o Tribunal Central Administrativo, alegando, em síntese, que os sindicatos têm legitimidade para iniciar o procedimento administrativo e para nele intervir, seja em defesa dos interesses colectivos, seja em defesa colectiva de interesses individuais. Para tal, socorre-se na sua explanação da argumentação do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 118/97 (publicado no
'Diário da República', I Série A, de 24 de Abril de 1997), onde se resolveu a questão da legitimidade das associações sindicais para iniciarem e intervirem no procedimento administrativo. Efectivamente, no referido Aresto, o Tribunal Constitucional, apreciando a norma constante do artigo 53º do Código de Procedimento Administrativo, 'na parte em que negava às associações sindicais legitimidade para iniciar o procedimento administrativo e nele intervir, seja em defesa dos interesses colectivos, seja em defesa colectiva dos interesses individuais dos trabalhadores que representam
(...) declarou a inconstitucionalidade da referida norma com força obrigatória geral'. E, assim, defende o recorrente, sendo inequívoca, após o pronunciamento do Tribunal Constitucional, a legitimidade dos sindicatos para intervirem no iter procedimental que conduz à formação da decisão da Administração Pública, não parece admissível que os sindicatos não disponham, depois da tomada de decisão, do direito à tutela jurisdicional do direito que exercitaram no procedimento administrativo. Todavia, o Tribunal Central Administrativo, por Acórdão de 18 de Maio de 2000, negou provimento ao recurso, baseando a sua decisão na posição decorrente dos votos de vencido apostos ao Acórdão nº 160/99 (in 'Diário da República, IIª Série, de 16 de Fevereiro de 2000), argumentando que 'aceitar a tese do recorrente seria, pois, admitir no contencioso administrativo o que se não logra no foro laboral: atribuir às associações sindicais poderes de representação à revelia dos próprios representados'. Assim, entende-se no aresto em apreço que
'não é inconstitucional, por não ofender o art. 56º, n.º1, da C.R.P., a norma que na aludida interpretação se extrai dos arts. 46º, n.º1, do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo (RSTA) e 821º, nº2 do Código Administrativo
(CA), segundo a qual os sindicatos carecem de legitimidade activa para fazer valer, contenciosamente, independentemente de expressos poderes de representação e de prova de filiação dos trabalhadores directamente lesados, o direito à tutela jurisdicional da defesa colectiva de interesses individuais dos trabalhadores que representam'
3. - O Sindicato recorrente, ainda inconformado com a decisão proferida, que negou provimento ao seu recurso e manteve a decisão recorrida, veio interpor recurso de tal acórdão, ao abrigo da alínea b) do nº1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para este Tribunal, pretendendo que se aprecie a conformidade constitucional das normas dos arts. 46º, n.º 1 do RSTA e 821º, n.º
2 do CA, quando interpretadas no sentido de que os sindicatos carecem de legitimidade activa para fazer valer, independentemente de expressos poderes de representação e de prova de filiação dos trabalhadores directamente lesados, o direito à tutela jurisdicional da defesa colectiva de interesses individuais dos trabalhadores que representam.
Também o representante do Ministério Público junto do Tribunal Central Administrativo veio interpor recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional, invocando o disposto na alínea g) do nº1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), uma vez que o tribunal recorrido aplicou as normas questionadas em sentido divergente do decidido no Acórdão nº
160/99, do TC.
Nas alegações para este Tribunal, o Sindicato recorrente pugnou pela defesa da tese de que 'ao abrigo do artigo 56º, n.º1 da C.R.P., os Sindicatos dispõem de legitimidade activa para fazer valer, independentemente de expressos poderes de representação dos trabalhadores directamente lesados, o direito à tutela jurisdicional, em sede de contencioso administrativo, na defesa colectiva de interesses individuais dos trabalhadores que representem. Podem, assim, estar em juízo para fazer valer tal tutela, em nome próprio, embora subjazendo, e estando implícito sempre, que o fazem no interesse e em representação dos trabalhadores que representem'. (...) Conclui que 'as normas dos arts. 46º, n.º1 do RSTA e 821º, n.º 2 do C.A. podem, admitem e devem ter interpretação conforme à Constituição. Mas, se interpretadas no sentido de negarem a referida legitimidade activa dos sindicatos, como foi feito na douta Decisão recorrida, são materialmente inconstitucionais por ofensa à norma do artigo 56º, n.º1 da CRP'.
Formulou o recorrente as seguintes conclusões:
1. Ao abrigo do artigo 56º, nº1 da CRP, os Sindicatos dispõem de legitimidade activa para fazer valer, independentemente de expressos poderes de representação dos trabalhadores directamente lesados, o direito à tutela jurisdicional, em sede de contencioso administrativo, na defesa colectiva de interesses individuais dos trabalhadores que representem.
2. Podendo, assim, estar em juízo, para fazer valer tal tutela, em nome próprio, embora subjazendo, e estando implícito sempre, que o fazem no interesse e em representação dos trabalhadores que representem.
3. Tratando-se, portanto, de uma representação colectiva por natureza e não de representação conferida caso a caso ou 'ad hoc'.
4. Acresce que, já depois de interposição do recurso contencioso de anulação que está na base dos presentes autos, o legislador ordinário reconheceu e concretizou na lei a referida legitimidade activa, directamente emanada da Constituição, no DL 84/99, de 19-3 (diploma que assegura a liberdade sindical dos trabalhadores da Administração Pública e regula o seu exercício), artigo 4º, nº3.
5. As normas dos artigos 46º, nº1 do RSTA e 821º, nº2 do C.A. podem, admitem e devem Ter interpretação conforme à Constituição.
6. Mas,
7. Se interpretadas no sentido de negarem a referida legitimidade activa aos sindicatos, como foi feito na douta Decisão recorrida, .são materialmente inconstitucionais por ofensa à norma do artigo 56º, nº1 da CRP. Termos em que, e nos mais de direito com o douto suprimento de V. Exas. - que se peticiona - deve ser declarada inconstitucional, por ofensa ao disposto no artigo 56º, nº1 da CRP, a norma extraída dos artigos 46º/1 do RSTA e 821º, nº2, do C.A., aplicada pelo Acórdão recorrido, nos termos em que foi formulada, e, consequentemente, mandada reformar a Decisão recorrida aplicando as normas em causa com a interpretação que lhes for fixada.'
Também o Ministério Público alegou, tendo concluído pela forma seguinte:
1. Face à orientação definida pelo Plenário deste Tribunal no acórdão nº
118/97, o artigo 56º, nº1, da Constituição, assegura, não apenas a defesa pelas associações sindicais dos interesses colectivos dos trabalhadores, mas também garante a possibilidade de as mesmas intervirem na defesa colectiva de interesses homogéneos dos trabalhadores representados pelo sindicato, sem necessidade de alegação e prova de filiação sindical ou da outorga de especiais poderes de representação.
2. Em consequência de tal orientação, é inconstitucional, por violação de tal preceito da Constituição da República Portuguesa, a norma que se extrai dos artigos 46º, nº 1, do RSTA e 821º, nº2 do Código Administrativo, que se traduz em condicionar a legitimidade activa dos sindicatos em tal defesa colectiva à outorga de expressos poderes de representação e à prova de filiação sindical dos trabalhadores potencialmente afectados pelo 'acto geral' impugnado.
3. Termos em que deverá proceder o presente recurso, em consonância com o juízo de inconstitucionalidade formulado no acórdão nº 160/99.' Também o Conselho de Administração do Hospital H apresentou contra-alegações em que formulou as seguintes conclusões:
'A) O Sindicato ora recorrente tem legitimidade para recorrer contenciosamente dos actos que lesem directamente os direitos ou legítimos interesses colectivos dos trabalhadores que representam.
B) No caso vertente, o acto recorrido pretensamente lesava interesses individuais dos técnicos de diagnóstico e terapêutica da área de análises clinicas do Hospital, diversos dos que, por natureza e estatutariamente, o Sindicato prossegue e por direito próprio lhe incumbe assegurar a sua defesa.
C) Os técnicos de diagnóstico e terapêutica, titulares dos interesses individuais e detentores do interesse directo, pessoal e legítimo na anulação do acto recorrido, não foram impedidos de o impugnar contenciosamente, nem mesmo o Sindicato desde que estivesse munido dos necessários poderes de representação legal ou declaração dos trabalhadores que o autorizassem a intervir, pelo que não foi violado o disposto no artigo 20º da CRP.
D) De outro modo, admitir-se que o Sindicato de qualquer maneira, pelo menos sem o consentimento ou autorização de terceiros, se arrogue no direito de defesa dos interesses individuais destes, traduzir-se-ia numa compressão da autonomia individual dos trabalhadores que, em nossa opinião, ocorre no caso em apreço e que a lei procura salvaguardar, no nº4 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 84/99, de 19 de Março.
E) O Acórdão recorrido também não violou o disposto no artigo 56º, nº1, e no artigo 268º, nº4, ambos da CRP, porquanto, por um lado, não estavam em causa interesses colectivos dos trabalhadores que o Sindicato representa e que legalmente por direito próprio lhe incumbe prosseguir e defender, mas antes direitos individuais daqueles, os quais, por outro lado, como titulares dos interesses individuais, não foram impedidos de impugnar contenciosamente o acto que pretensamente os lesou.'
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTOS
4. - Vem questionada no presente processo a interpretação que é feita pelo tribunal recorrido das normas constantes dos artigos 46º Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo (RSTA) e 821º do Código Administrativo (CA) quando interpretadas no sentido de condicionar a legitimidade activa dos sindicatos na defesa colectiva dos direitos dos trabalhadores, à outorga de poderes de representação e à prova da filiação sindical desses mesmos trabalhadores. No entender do sindicato recorrente essa interpretação inconstitucionaliza os referidos preceitos, por ofensa conjugada
às normas dos arts. 20º, nº1, 56º e 268º, nº4, todos da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Segundo o Ministério Público, a questão suscitada nos autos já tinha sido enfrentada pelo Tribunal, embora a respeito de outra norma, e a solução foi depois renovada relativamente às normas aqui em causa, no acórdão que serviu de fundamento para a interposição do recurso da alínea g).
5. - Importa, antes de mais, fixar o teor das normas questionadas.
O artigo 46º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo (RSTA) estabelece que:
'Os recursos podem ser interpostos:
1º Pelos que tiverem interesse directo, pessoal e legítimo na anulação do acto administrativo susceptível de recurso directo para a Secção;
2º Pelo Ministério Público.'
Pelo seu lado, o artigo 821º do Código Administrativo
(CA) estabelece quanto à legitimidade dos recorrentes:
'Os recursos a que se refere o artigo anterior podem ser interpostos:
1º Pelo Ministério Público;
2º Pelos titulares de interesse directo, pessoal e legítimo no provimento do recurso.'
Ora, a norma que os recorrentes pretendem confrontada com a Constituição é a que se extrai do artigo 46º, nº1 do RSTA, conjugado com o artigo 821º, nº2 do CA, segundo a qual os sindicatos não gozam de legitimidade activa para contenciosamente exercerem a tutela jurisdicional da defesa colectiva dos interesses individuais dos trabalhadores que representam, sem outorga de poderes de representação e sem prova da filiação dos trabalhadores lesados. Questão idêntica a esta, foi já apreciada pelo plenário do Tribunal (Acórdão nº
118/97, in 'Diário da República', I Série A, de 24 de Abril de 1997), embora a propósito de outra norma vigente no procedimento administrativo, tendo-se aí concluído que o nº1 do artigo 56º da Constituição da República confere às associações sindicais legitimidade, não apenas para defender os interesses colectivos dos trabalhadores, mas ainda para a defesa colectiva dos interesses individuais - nesta parte com votos dissonantes, entre os quais o do relator - sem necessidade de conferir poderes de representação e de prova de filiação sindical.
O entendimento atrás referido, foi reiterado no Acórdão nº 160/99 (in 'Diário da República', IIª Série, de 16 de Fevereiro de 2000), sendo neste caso, em tudo idêntico ao presente, objecto da pronúncia do Tribunal, precisamente as mesmas normas que estão aqui em causa e a sua aplicação no recurso contencioso.
É esta jurisprudência que aqui se reitera, agora aplicada ao recurso contencioso, limitando-nos a fazer uma síntese da argumentação então acolhida pelo Tribunal, para melhor compreensão.
6. – Decorre da jurisprudência definida, ainda que com votos de vencido, nos citados acórdãos que 'os sindicatos são associações permanentes de trabalhadores para a defesa e promoção dos seus interesses sócio-profissionais. Trata-se, pois, de associações voluntárias e permanentes, essencialmente caracterizadas pela condição de trabalhadores dos respectivos associados e, como decorre do artigo 56º n.º1 da Constituição, pelo objectivo da defesa e promoção dos direitos e interesses dos trabalhadores que representam. (...) Ora, o n.º 1 deste artigo 56º, ao afirmar que compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem, não só assegura aos trabalhadores a defesa colectiva dos respectivos interesses colectivos, através das suas associações sindicais, como lhes garante – ao não excluí-la – a possibilidade de intervenção das mesmas associações sindicais na defesa colectiva dos seus interesses individuais'. Efectivamente, excluir a possibilidade das associações sindicais promoverem o início do procedimento administrativo ou de nele intervirem e, depois, de poderem iniciar o recurso contencioso administrativo para defesa colectiva dos interesses individuais dos seus associados significaria uma amputação dos poderes que necessariamente decorrem das finalidades que a Constituição lhes reconhece e lhes são garantidas pelo n.º 1 do artigo 56º. Com efeito, este preceito, ao estabelecer que 'compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representam', não só assegura aos trabalhadores a defesa colectiva dos interesses colectivos, através das associações sindicais, como lhes garante - ao não excluí-la - a possibilidade de intervenção das mesmas associações sindicais na defesa colectiva dos seus interesses individuais. Acresce que, o artigo 268º da Constituição estabelece o princípio da participação dos interessados na Administração. E, como é referido no Acórdão que acompanhamos, 'este é inequivocamente um imperativo constitucional que há-de encontrar no Código de Procedimento Administrativo a sua forma de concretização por excelência e impede, portanto, qualquer interpretação restritiva como aquela a que acima se referiu'.
Por outro lado, o entendimento de que às associações sindicais é vedada, em virtude do seu carácter sindical, a defesa colectiva de interesses individuais no âmbito do procedimento administrativo, afigura-se como uma restrição clara e injustificada dos direitos dos sindicatos, tendo em consideração os fins que lhes são constitucionalmente cometidos. Na verdade, 'a defesa dos interesses individuais dos trabalhadores que representem é uma competência própria dos sindicatos, mal se entendendo que seja retirada no âmbito do desencadeamento e intervenção no procedimento administrativo'(...). 'Quando a Constituição, no n.º1 do seu artigo 57º (actual artigo 56º) reconhece a estas associações competência para defenderem os direitos e interesses dos trabalhadores que representem, não restringe tal competência à defesa dos interesses colectivos desses trabalhadores: antes supõe que ela se exerça igualmente para defesa dos seus interesses individuais.'
Assim, face à jurisprudência do Tribunal Constitucional, maioritariamente fixada, no sentido de que do artigo 56º da Constituição resulta o facto das associações sindicais disporem de competência para defender os direitos e interesses dos trabalhadores que representam e que o âmbito dessa defesa comporta tanto os interesses colectivos como a defesa colectiva dos interesses individuais, independentemente de expressos poderes de representação e de prova de filiação dos trabalhadores directamente lesados, não ficando mesmo assim prejudicada a possibilidade de os cidadãos poderem fazer valer em juízo os seus direitos ou interesses legalmente protegidos; uma norma que estabeleça que os sindicatos carecem de legitimidade activa para fazer valer, contenciosamente, o direito à tutela jurisdicional da defesa colectiva dos interesses individuais dos trabalhadores que representam, não pode deixar de violar aquela norma constitucional.
7. - De acordo com tudo quanto fica exposto, representando o caso dos autos a reacção contra um despacho de natureza genérica, cujo conteúdo é susceptível de afectar uma generalidade de trabalhadores de forma homogénea, o reconhecimento da legitimidade do sindicato em intervir na defesa desses interesses que, não sendo colectivos, são de natureza individual múltipla e similar, o que permite o seu tratamento de uma forma colectiva, não só não afecta o conceito constitucional de liberdade sindical como se insere claramente no âmbito da jurisprudência já definida pelo Tribunal Constitucional.
III – Decisão Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide: a. julgar inconstitucional, por violação do artigo 56º, n.º1 da Constituição da República Portuguesa, a norma que se extrai do n.º 1 do artigo
46º do Regulamento do Supremo b. Tribunal Administrativo conjugado com a do n.º 2 do artigo 821º do Código Administrativo, segundo a qual os sindicatos não gozam de legitimidade activa para contenciosamente exercerem a tutela jurisdicional da defesa colectiva dos interesses individuais dos trabalhadores que representam, sem outorga de poderes de representação e sem prova da filiação dos trabalhadores lesados; c. e, em consequência, conceder provimento aos recursos, determinando-se que se proceda à reformulação da decisão recorrida em conformidade com o presente julgamento da questão de constitucionalidade. Lisboa,14 de Março de 2001 Vítor Nunes de Almeida Artur Maurício Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida