Imprimir acórdão
Processo n.º 631/2009
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
(Conselheira Ana Guerra Martins)
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. A., nascida a 19 de Fevereiro de 1954, intentou, junto do Tribunal Judicial de Cantanhede, acção ordinária de reconhecimento e investigação de paternidade contra B., alegando ser filha deste e pedindo o reconhecimento judicial de tal situação. A acção foi intentada a 19 de Fevereiro de 2006, ou seja, trinta e quatro anos depois de a demandante ter atingido a maioridade, fundamentando-se o pedido nas presunções de filiação biológica previstas nas alíneas a) e d) do nº 1 do artigo 1871.º do Código Civil. Além disso, requereu a demandante, em abono do seu pedido, que se procedesse de imediato à realização de testes de identificação biológica da filiação, quer através de amostras de sangue quer através de exames de ADN.
Entretanto, morre e é cremado B., tornando-se fisicamente impossível a realização dos referidos testes.
Perante o facto, requereu a demandante que os exames se efectuassem por recolha de elementos (amostras de sangue e exames de ADN) feita a C. e D., filhos de B. e agora réus, entretanto habilitados, na acção.
Por despacho datado de 1 de Julho de 2008, determinou o Tribunal Judicial de Cantanhede, ao abrigo do disposto no artigo 519.º do Código de Processo Civil, a realização dos ditos exames.
2. Deste despacho interpuseram recurso de agravo para o Tribunal da Relação de Coimbra C. e D., invocando, i.a., a publicação superveniente da Lei nº 14/2009, de 1 de Abril.
A lei, para além de alterar a redacção do artigo 1817.º do Código Civil (aplicável ao caso por força do disposto no artigo 1873.º do mesmo Código), estabelecendo que as acções de investigação da paternidade só poderiam ser propostas “nos dez anos posteriores à maioridade ou emancipação” do investigante, vinha ainda determinar, no artigo 3.º, a aplicação do regime por ela instituído aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor.
Assim sendo, e posto que caducara, face à nova redacção do artigo 1817.º do Código Civil e no entender dos agravantes, o direito de A. a ver reconhecida em tribunal, através de proposição da respectiva acção, a filiação biológica de B., sustentavam os agravantes que perdera utilidade o exame de ADN que havia sido ordenado pelo despacho proferido pela 1ª instância, pelo que pediam que fosse o mesmo revogado por decisão do Tribunal da Relação.
O pedido, no entanto, não viria a ser atendido.
3. Com efeito, por Acórdão datado de 23 de Junho de 2009 decidiu a Relação de Coimbra negar provimento ao agravo, mantendo portanto, e em confirmação da decisão recorrida, a sujeição de C. e de D. à realização dos testes de ADN.
O tribunal decidiu assim porque recusou a aplicação, por inconstitucionalidade material, do artigo 3.º da Lei nº 14/2009 de 1 de Abril, “enquanto norma de direito transitório que manda aplicar, no que respeita ao prazo de propositura de uma acção de investigação de paternidade, retroactivamente, a redacção introduzida por essa Lei no artigo 1817.º do Código Civil (aplicável por força do disposto no artigo 1873.º do CC) a uma acção que (como esta) foi proposta subsequentemente à publicação (em 08/02/2006) do Acórdão nº 23/2006 do Tribunal Constitucional, e que se encontrava pendente à data da entrada em vigor (em 02/04/2009) dessa Lei nº 14/2009.”
Fundou-se esta decisão de não aplicação de norma na violação do princípio da protecção da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, previsto no artigo 2º da CRP.
4. Deste Acórdão interpôs recurso para o Tribunal Constitucional o Ministério Público, nos termos do artigo 280.º da Constituição e da alínea a) do nº 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional.
Admitido o recurso no Tribunal, nele apresentou alegações o recorrente, pugnando pela confirmação do juízo de inconstitucionalidade feito no tribunal a quo.
A recorrida, A., não contra-alegou.
II – Fundamentação
5. Como decorre do relato que vem de fazer-se, incide o presente recurso sobre a norma de direito transitório constante do artigo 3.º da Lei nº 14/2009 de 1 de Abril, que dispõe:
A presente lei aplica-se aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor.
No caso, releva a aplicação, a processo pendente à data da entrada em vigor da lei, do regime por ela instituído quanto a prazos de caducidade das acções de investigação da paternidade.
Com efeito, o que a Lei nº 14/2009, de 1 de Abril, pretendeu, em geral, alterar, foi o regime dos prazos para a propositura das acções de investigação da maternidade (e, consequentemente, da paternidade) e das acções de impugnação da paternidade, conferindo nova redacção aos artigos 1817.º e 1842.º do Código Civil.
Deixando por agora de lado a análise da alteração deste último preceito, irrelevante para o caso sob juízo, e centrando-nos apenas na modificação, introduzida pela lei, à redacção do artigo 1871.ºdo CC, dela interessa salientar a regra geral contida no seu nº 1, segundo a qual
A acção de investigação da maternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação.
Nos termos do artigo 1873.º do Código Civil esta regra, que estabelece portanto um prazo peremptório de dez anos, contados após a data da maioridade ou emancipação do investigante, para a propositura da acção, é também aplicável à investigação da paternidade.
Assim sendo, vem o novo regime substituir a anterior solução legislativa, que, escolhida pelo legislador de 1966 aquando da redacção da versão originária do Código, se manteve inalterada após a entrada em vigor da CRP, não tendo sido questionada pela reforma operada pelo Decreto-lei nº 496/77, de 25 de Novembro. De acordo com esta anterior solução, o investigante só poderia propor acção de investigação da paternidade [ou maternidade] nos dois primeiros anos posteriores à sua maioridade ou emancipação.
6. Sucede, porém, e é este um dos pontos fundantes do juízo de inconstitucionalidade proferido pelo tribunal a quo, que em Janeiro de 2006 decidiu o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 23/2006, declarar com força obrigatória geral a inconstitucionalidade “da norma constante no nº 1 do artigo 1871.º do CC, aplicável por força do artigo 1873.º do mesmo Código, na medida em que prevê, para a caducidade do direito de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante, por violação das disposições conjugadas dos artigos 26.º, nº 1, 36.º, nº 1, e 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.”
Efeito da declaração de inconstitucionalidade de uma norma é, como prescreve o nº 1 do artigo 282.º da CRP, a repristinação da norma ou das normas que aquela outra declarada inconstitucional entretanto tenha revogado.
Assim, e como ao instituir o prazo de dois anos para a interposição da acção de investigação da paternidade (contados a partir da maioridade ou emancipação do investigante), o legislador do Código, em 1966, revogara as normas constantes do Decreto nº 2 de 1910 (que estabelecia, em comparação com o modelo do Código, um regime “liberalizante”, que não cabe agora descrever, quanto ao tempo de exercício do poder de investigar), seria em princípio esse o Direito vigente sobre a questão, a aplicar pelos tribunais comuns após a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma contida no nº 1 do artigo 1817.º do Código Civil.
No entanto, e perante dúvidas que se colocaram a esses mesmos tribunais quanto à própria conformidade desse Direito pretérito face à ordem constitucional vigente, estabeleceu-se orientação jurisprudencial no sentido de se não dar como repristinado o regime de 1910. Perante a inexistência de um prazo que fosse legalmente fixado de caducidade das acções de investigação da paternidade, entendeu-se igualmente (se bem que de forma não inteiramente unânime) que seria de aceitar o princípio da imprescritibilidade de tais acções, que assim se tornariam, portanto, cognoscíveis a qualquer tempo.
É a este entendimento jurisprudencial que vem pôr cobro a Lei nº 14/2009, de 1 de Abril, ao estabelecer, na nova redacção que confere ao nº 1 do artigo 1817.º do Código Civil, que as acções de investigação da paternidade só podem ser interpostas durante os dez anos subsequentes à maioridade ou emancipação do investigante.
7. Como já se sabe, não é a fixação legal deste novo prazo de caducidade [das acções de investigação da paternidade] que está em juízo no presente recurso. O que se pede que o Tribunal aprecie é outra questão, relativa à norma de direito transitório inscrita no artigo 3º da Lei de 2009, que manda aplicar o regime dela constante aos processos pendentes no momento da sua entrada em vigor.
Entende a decisão recorrida que tal norma lesa o princípio da protecção da confiança, decorrente do artigo 2º da CRP, por “projectar retroactivamente, nos processos pendentes à data da (…) entrada em vigor [da lei] (02/04/2009) as alterações (fixação) dos prazos de caducidade das acções de investigação da paternidade, quando essas acções tenham sido intentadas anteriormente à Lei nº 14/2009 e posteriormente à publicação do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 23/2006 (08/02/2006) e conduzam, em sede de aplicação do referido diploma, à constatação do esgotamento (no “passado”) desse prazo e à consequente inviabilização do prosseguimento dessas acções pendentes à data da entrada em vigor desse mesmo Diploma.” É que, acrescenta-se, tal projecção retroactiva “frustra intoleravelmente a confiança depositada pelo proponente da acção – confiança precisamente o levou a propor essa acção – num entendimento perfeitamente consolidado e indiscutível, segundo o qual a propositura dessa acção não estaria sujeita a qualquer prazo.”
Vejamos, pois.
8. Em geral, tem o Tribunal entendido que as normas de direito ordinário que estabelecem prazos para a interposição de acções em tribunal não infringem qualquer norma ou princípio constitucional, na medida em que apenas revelam escolhas legítimas do legislador quanto aos vários modos pelos quais podem ser prosseguidos os diferentes valores constitucionais inscritos, em última análise, no artigo 20.º da CRP.
Foi o que sucedeu, por exemplo, no caso do Acórdão nº 247/2002, em que estava em juízo a norma do Código de Processo Penal que estabelecia, peremptoriamente, o prazo de um ano [contado a partir do momento em que o detido ou preso fora libertado ou a partir do momento em que fora definitivamente decidido o processo penal respectivo] para a apresentação de pedidos de indemnização contra o Estado, por privação da liberdade ilegal ou injustificada. Entendeu o Tribunal que não era inconstitucional a norma em juízo, por se inscrever no âmbito da livre conformação do legislador ordinário quanto aos termos por que se deve ordenar o processo devido em Direito.
O mesmo sucedeu (ainda por exemplo) no caso do Acórdão nº310/2005, em que estava em juízo norma do Código de Processo Civil que impunha um prazo de cinco anos, contados desde o trânsito em julgado da decisão, para interposição de recurso de revisão. Também neste caso se emitiu juízo de não inconstitucionalidade, por se entender que a conformação legislativa de prazos [ aqui, para a interposição de recurso], não afectando por si mesma, e de forma negativa, qualquer posição jurídica subjectiva constitucionalmente tutelada, e sendo antes concretização do princípio de segurança que justifica a protecção constitucional do caso julgado, se inscrevia ainda na liberdade que o legislador detém para ordenar de forma côngrua o decurso de processos perante os tribunais.
Em matéria de fixação legal de prazos para a interposição de acções de investigação da paternidade tem sido porém diversa a posição do Tribunal.
Na verdade, desde o Acórdão nº 99/88 se diz que a subordinação da acção de investigação da paternidade a prazos de propositura apresenta contornos tais que nela não podem deixar de estar coenvolvidos vários outros princípios constitucionais, para além dos geralmente constantes do artigo 20.º da CRP ou da tutela da segurança jurídica. É o que decorre do seguinte passo da fundamentação, sempre recordado pela jurisprudência ulterior sobre o tema: “ Não se afigura questionável que, seja do direito à integridade pessoal, e em particular à integridade «moral» (artigo 25.º, nº 1), seja do direito à «identidade pessoal», pode e deve extrair-se um verdadeiro direito fundamental ao conhecimento e ao reconhecimento da paternidade. De facto, a «paternidade» representa uma «referência» essencial da pessoa (de cada pessoa), enquanto suporte extrínseco da sua mesma «individualidade» (quer ao nível biológico, e aí absolutamente infungível, quer ao nível social) e elemento ou condição determinante da própria capacidade de auto-identificação de cada um como «indivíduo» (da própria consciência que cada um tem de si); e, sendo assim, não se vê como possa deixar de pensar-se o direito a conhecer e a ver reconhecido o pai (…) como uma das dimensões dos direitos constitucionais referidos, em especial do direito à identidade pessoal, ou uma das faculdades que nele vai implicada.”
Assim, e por se entender que a circunstância de a lei prever um prazo de caducidade para a acção de investigação poderia ter, em si mesma, consequências negativas quanto ao exercício deste direito “de conhecer e pertencer ao pai cujo é” (Acórdão nº 99/88), toda a jurisprudência ulterior do tribunal que sobre o tema incidiu adoptou uma estrutura argumentativa baseada no método da ponderação. Colocado, nomeadamente, perante a redacção dada pelo legislador de 1966 ao nº 1 do artigo 1817.º do Código Civil, o Tribunal procedeu a juízos de ponderação: por um lado, pesaram-se os efeitos que os prazos de caducidade das acções de investigação da paternidade produziriam em posições jurídicas subjectivas, constitucionalmente tuteladas (como as decorrentes dos artigos 25º, 26.º e 36.º da CRP); por outro lado, pesaram-se as razões objectivas, nomeadamente as de segurança, que justificariam a previsão de tais prazos, bem como outros direitos (como, por exemplo, os da reserva de intimidade do pretenso pai), que também forneceriam justificações no mesmo sentido.
O resultado da ponderação nem sempre foi o mesmo. Com efeito – e como bem lembra a decisão recorrida – enquanto nos Acórdãos nºs 99/88 e 413/89, por exemplo, o Tribunal entendeu que havia razões justificativas da proprositura dos concretos prazos que aí estavam em juízo, já noutras decisões (v.g. 486/2004 e 11/2005) se decidiu que o prazo de dois anos [a contar da data de maioridade ou emancipação do investigante] se afigurava desproporcionadamente estreito, face aos “outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” que, na matéria, deveriam ser salvaguardados pelo legislador.
É, pois, neste contexto que veio a ser proferido o Acórdão nº 23/2006, atrás referido, em que o Tribunal decide declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do nº 1 do artigo 1817.º do Código Civil, na medida em que previa, para a caducidade do direito a investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante.
A decisão fundou-se na violação das disposições conjugadas dos artigos 26.º, nº 1, 36.º, nº 1, e 18, nº 2, da Constituição.
9. Como já se sabe, não está em juízo, no presente caso, o específico prazo de dez anos [após a maioridade ou emancipação do investigante] que o legislador, através da nova redacção dada pela Lei nº 14/2009, de 1 de Abril, ao nº 1 do artigo 1817.º do Código Civil, veio peremptoriamente instituir para a propositura de acções de investigação da maternidade – e, assim, por força do artigo 1873.º do mesmo Código, também para as acções de investigação da paternidade –, em “resposta” à declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral proferida pelo Tribunal no Acórdão nº 23/2006, quanto ao anterior prazo de dois anos.
Agora, a questão que se coloca é outra.
Posto que é objecto do recurso o disposto na norma transitória constante do artigo 3.º da lei de 2009 (que, recorde-se, manda aplicar o regime nela fixado aos processos pendentes no momento da sua entrada em vigor), cabe ao Tribunal decidir se é ou não constitucionalmente proibida a atribuição de efeitos retroactivos ao novo regime, legalmente fixado, de caducidade das acções de investigação da paternidade.
10. A Constituição não impõe que o legislador ordinário fixe apenas para o futuro os efeitos das suas decisões. Situações há, aliás, em que a atribuição, por lei, da eficácia retroactiva aos novos regimes que nela se prevejam corresponderá à melhor forma de prosseguir interesses públicos e de tutelar posições jurídicas subjectivas.
No entanto, e como bem se sabe, este princípio conhece limites. Um deles é o que decorre da ideia de Estado de direito, constante do artigo 2.º da CRP, e da protecção, aí ínsita, da legítima confiança que os cidadãos depositam na continuidade da ordem jurídica. Outro é o que decorre das proibições expressas, e pontuais, de retroactividade das leis, que a CRP não deixa de prever nos artigos 29.º, nº 1, 103.º, nº 3 e 18.º, nº 3.
É certo que um e outro (o limite, não escrito, decorrente da protecção da confiança, e o limite, escrito, decorrente da expressa proibição de retroactividade) se não relacionam entre si através de uma lógica de oposições. Se a CRP proibiu expressamente, em certas circunstâncias, a existência de leis retroactivas, fê-lo porque considerou que, nelas, os valores de segurança inscritos no princípio do Estado de direito (e que induzem à protecção da confiança das pessoas quanto à razoável previsibilidade das mudanças operadas pelo legislador) devem sempre prevalecer sobre quaisquer outros direitos ou interesses que sejam constitucionalmente protegidos. Assim, perante uma proibição constitucional expressa da retroactividade das leis, torna-se inútil a averiguação do preenchimento do “teste” da protecção da confiança, teste esse que, para todos os efeitos, já foi efectuado e decidido pelo próprio legislador constituinte.
Independentemente da questão de saber como é que, em abstracto, se deve definir a restrição legislativa de direitos fundamentais, e como é que, em tese, se deve distinguir entre legislação restritiva e legislação (meramente) conformadora, certo é que, pelas razões atrás expostas, os prazos, legalmente fixados, da caducidade das acções de investigação da paternidade podem, em si mesmos, vir a afectar negativamente, e de forma intensa, posições jurídicas subjectivas constitucionalmente tuteladas.
A circunstância de a lei prever um certo prazo para a caducidade da acção de investigação pode ter como consequência a impossibilidade, para o investigante, de vir a constituir o vínculo de paternidade ao qual aspira. Assim sendo, não restam dúvidas que a fixação, em si mesma, desse prazo se traduzirá sempre em uma certa afectação negativa de posições jurídicas subjectivas que a CRP, em vários lugares (nomeadamente, nos artigos 26.º ou 36.º), protege.
Tal não significa que essa afectação negativa seja constitucionalmente censurável. Pode muito bem não o ser. Visto que cabe ao legislador encontrar soluções através das quais se harmonizem diferentes, e por vezes conflituantes, direitos e interesses constitucionalmente protegidos, cabe-lhe também decidir se, e em que circunstâncias, se justifica a diminuição do alcance ou da protecção de um desses direitos ou interesses, em ordem à promoção equilibrada ou proporcionada de aqueles outros que com os primeiros conflituem. São, por isso, coisas diferentes, a “simples” afectação negativa de direitos fundamentais e a afectação inconstitucional de direitos fundamentais.
No entanto, a afectação negativa de direitos, para se furtar à censura constitucional, tem que cumprir outros requisitos para além do da proporcionalidade. Nomeadamente, o que consta do nº 3 do artigo 18º, nos termos do qual as leis que afectem negativamente posições jurídicas subjectivas que tenham a natureza de direitos, liberdades e garantias não podem fazer retroagir, para o passado, os seus efeitos.
Ao dispor que a “presente lei se aplica aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor”, está o artigo 3º da Lei nº 14/2009 a determinar que o regime novo nela fixado quanto a prazos de caducidade de acções de investigação de paternidade valha também para eventos pretéritos.
Tanto basta para que se conclua pela sua inconstitucionalidade.
III – Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal decide:
a) Julgar inconstitucional, por violação do nº 3 do artigo 18.º da Constituição, a norma constante do artigo 3º da Lei nº 14/2009, de 1 de Abril, na medida em que manda aplicar, aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor o prazo previsto na nova redacção do artigo 1817.º do Código Civil, aplicável por força do artigo 1873.º do mesmo Código;
b) Consequentemente, negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida quanto ao juízo de inconstitucionalidade.
Lisboa, 24 de Março de 2011.- Maria Lúcia Amaral – Vítor Gomes – Ana Maria Guerra Martins (vencida conforme declaração anexa) – Carlos Fernandes Cadilha (entendi que a norma de direito transitória em causa não estabelece uma restrição ao direito fundamental à identidade pessoal mas um mero condicionamento ao exercício desse direito através da fixação de um prazo de caducidade da acção de investigação de paternidade, e não se encontra coberto pelo requisito a que se refere o artigo 18, n 3.º, da CRP, e que, por outro lado, o estabelecimento desse prazo era perfeitamente expectável e não afecta de modo inadmissível a legítima expectativa do interessado; pronunciar-me-ia, por isso, pela não inconstitucionalidade da norma) – Gil Galvão.
Declaração de voto
Votei vencida pelas razões que a seguir se passam a expor:
1. Sendo a questão de constitucionalidade em apreço no presente recurso relativa à aplicação retroactiva do novo regime de impugnação da paternidade a processos pendentes à data da entrada em vigor da norma transitória constante do artigo 3º da Lei n.º 14/2009, não se acompanha o acórdão, desde logo, no que diz respeito ao parâmetro constitucional utilizado para aferir da constitucionalidade da norma sub judice.
Em meu entender, o direito fundamental que, eventualmente, poderá vir a ser afectado não será o direito à identidade pessoal, mas antes o direito de acesso aos tribunais (artigo 20º, n.º 1, da CRP) para obter uma decisão judicial relativa aos laços familiares de paternidade.
Assim sendo, este Tribunal já afirmou por diversas vezes que a fixação de prazos de caducidade para a instauração de acções perante os tribunais portugueses não deve ser qualificada como uma “restrição” ao direito de acesso aos tribunais, antes poderá constituir um “condicionamento” (cfr., recentemente, Acórdão n.º 250/08 (disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/))
Sucede, porém, que esta jurisprudência foi proferida a propósito de situações em que a fixação legal de novos requisitos ou pressupostos processuais ocorre em momento anterior ao da propositura da acção e não após a instauração da mesma, como é o actual caso. É que, em regra, a verificação do preenchimento dos pressupostos processuais deve ocorrer de acordo com a lei vigente à data da propositura da acção (cfr., a título de exemplo, n.º 1 do artigo 22º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro)).
No caso em apreço, a norma de Direito transitório (artigo 3º da Lei n.º 14/2009) determina a aplicação de um novo pressuposto processual negativo – v.g. a necessidade de cumprimento de um prazo de caducidade de dez anos contados da maioridade – que, ao invés de se revestir de natureza mais favorável à recorrida, determina a inadmissibilidade da acção já instaurada em 19 de Julho de 2006.
Note-se, porém, que esta acção foi instaurada mais de trinta e quatro anos após a maioridade da recorrida, circunstância que é decisiva nos presentes autos, na medida em que, independentemente da existência de um prazo de caducidade, o próprio direito de instaurar a acção já se encontraria prescrito, pois já tinham passado mais de vinte anos, conforme previsto no artigo 309º do Código Civil (no sentido de admitir a tendencial imprescritibilidade do direito à investigação de paternidade, mas acabando por temperar essa defesa da não sujeição a qualquer prazo com a possibilidade de recurso àquele instituto jurídico, cfr. Guilherme de Oliveira, Caducidade das Acções de Investigação, in «Lex Familiae – Revista Portuguesa de Direito da Família», Ano 1, n.º 1, 2004, p. 12).
Deste modo, à data da instauração da acção, a recorrida já nem sequer beneficiaria de tal direito, por ter deixado correr mais de trinta e quatro anos desde a sua maioridade.
Assim sendo, a norma extraída do artigo 3º da Lei n.º 14/2009, tendo em conta as específicas circunstâncias do caso concreto em análise, não configuraria uma restrição do direito de acesso aos tribunais (artigo 20º, n.º 1, da CRP).
Esta conclusão impede, pois, o recurso ao artigo 18.º da CRP para aferir da constitucionalidade da norma em apreço, mas não invalida a averiguação do respeito do princípio da confiança enquanto manifestação do Estado de Direito (artigo 2.º da CRP).
2. A questão que agora se coloca é pois a de saber se a recorrida gozava de uma legítima expectativa na vigência de um regime normativo que permitisse a instauração de acções de investigação da paternidade a todo o tempo.
Ora, a resposta a esta questão pressupõe a leitura do Acórdão n.º 23/2006 (publicado in «Diário da República», Iª Série-A, de 8 de Fevereiro de 2006) que se pronunciou no sentido da inconstitucionalidade com força obrigatória e geral da solução anteriormente consagrada pelo n.º 1 do artigo 1817º do Código Civil, aplicável ex vi artigo 1873º do Código Civil.
Ora, deste Acórdão apenas resulta que o prazo então previsto – de dois anos – configura uma restrição desproporcionada do direito à identidade pessoal (artigo 26º da CRP), não se podendo dele retirar qual o prazo mais consentâneo com a protecção desse direito.
Assim sendo, a única consequência que se pode inferir daquele Acórdão para o presente caso é a de que o legislador ordinário goza de uma ampla margem para determinar – desde que acautelado o conteúdo essencial do direito à identidade pessoal – se pretende submeter as acções de impugnação de paternidade a um prazo preclusivo ou não. Cabe-lhe ainda fixar, em concreto, a própria duração do referido prazo. Foi esse poder que o legislador ordinário usou ao adoptar a Lei n.º 14/2009.
Porém, a questão de inconstitucionalidade normativa ora em apreço não incide sobre essa concreta determinação, mas antes sobre a admissibilidade constitucional da aplicação do novo prazo preclusivo de dez anos a processos que se encontravam pendentes à data da sua entrada em vigor e, simultaneamente, instauradas em data posterior à prolação do Acórdão n.º 23/2006.
Dito de outro modo: poderia a recorrida confiar, de modo objectivo, que o Acórdão n.º 23/2006 teria como consequência, inelutável, o afastamento de um sistema de condicionamento temporal do direito de instaurar acções de investigação da paternidade-
Da tramitação vertida nos autos, resulta que a acção de impugnação de paternidade foi instaurada em 19 de Julho de 2006, ou seja, em data posterior à prolação do Acórdão n.º 23/2006, do Tribunal Constitucional, publicado em 8 de Fevereiro de 2006 (cfr. in «Diário da República», Iª Série-A, n.º 28), encontrando-se o processo ainda pendente à data da entrada em vigor da Lei n.º 14/2009, em 2 de Abril de 2009.
Na lógica argumentativa da decisão recorrida, a extinção superveniente da instância, por força da aplicação retroactiva do prazo de dez anos fixado pela nova redacção do artigo 1841º do Código Civil, comportaria uma gravosa violação do princípio da confiança e da segurança jurídica.
Com efeito, na sequência do Acórdão n.º 23/2006, os tribunais portugueses depararam-se com uma situação de aparente inexistência de norma de fonte legal. Tendo em conta que os tribunais não podem abster-se de administrar a Justiça sob invocação de falta de norma aplicável (artigo 8º, n.º 1, do Código Civil), ponderaram aqueles a eventual repristinação da norma vigente à data da entrada em vigor do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de Novembro de 1966, mas afastaram esta solução, por força do n.º 2 do artigo 290º da Constituição da República Portuguesa.
Na verdade, por força dos artigos 102º a 107º e 130º do Código Civil de Seabra de 1867 as acções de impugnação de paternidade apenas eram admitidas, de modo assaz restrito. Em regra, com fundamento na “impossibilidade física de acesso” e, ainda assim, restringindo-se a legitimidade activa para impugnação ao cônjuge-marido, com vedação de acesso a tal mecanismo aos filhos “ilegítimos” (cfr. Guilherme de Oliveira, Critério Jurídico da Paternidade, Coimbra, 1983, pp. 63 e 64). Acresce que, para além do cônjuge-marido, apenas os seus herdeiros (então, assim ditos) “legítimos” podiam impugnar a paternidade de outros filhos, de acordo com fundamentos muito restritos e num prazo muito reduzido de sessenta dias contados do início da posse dos bens do alegado pai pelo filho.
Na sequência da instauração da Iª República, foi aprovada a Lei da Protecção aos Filhos, pelo Decreto n.º 2 do Governo Provisório, de 25 de Dezembro de 1910 (posteriormente publicado in «Diário do Governo», n.º 70, de 27 de Dezembro de 1910), que, ainda que revogando os artigos 101º a 136º do Código Civil de Seabra, de 1867 (cfr. artigo 59º do Decreto n.º 2), manteria um regime jurídico de impugnação da paternidade bastante restritivo, no que diz respeito aos filhos (então assim ditos) “ilegítimos” (no mesmo sentido, ver Guilherme de Oliveira, Critério Jurídico da Paternidade, cit., pp. 63 e 64). Com efeito, é verdade que o artigo 37º do referido Decreto n.º 2, de 25 de Dezembro de 1910, estendeu a legitimidade activa para impugnação da paternidade aos próprios filhos (então assim ditos) “ilegítimos”, ao contrário do que sucedera durante a vigência do artigo 106º do Código Civil de Seabra, de 1867. Porém, a instauração de tal acção de impugnação ficava dependente não só do preenchimento de um elenco taxativo e restrito de fundamentos de impugnação (artigo 34º do Decreto n.º 2), em muito semelhantes aos previstos no revogado artigo 130º do Código Civil de Seabra –, bem como da instauração durante a vida do pai ou, caso contrário, a um prazo de caducidade de um ano posterior à sua morte, ressalvadas algumas excepções (artigo 37º do Decreto n.º 2).
Assim, a concepção sócio-ideológica que presidiu à aprovação quer do Código Civil de Seabra, de 1867, quer da Lei da Protecção ao Filhos (aprovada pelo Decreto n.º 2, de 25 de Dezembro de 1910), levaria a que a eventual aplicação daqueles pretéritos preceitos legais – nos dias que correm – resultasse, sem margem para quaisquer dúvidas, numa situação ainda mais gravosa para o direito à identidade pessoal dos que pretendiam averiguar jurisdicionalmente os respectivos laços familiares de paternidade.
Foi esse entendimento que vingou nos tribunais portugueses (cfr., por todos, Acórdão do STJ, de 17/04/2008, no âmbito do Proc. n.º 08A474, disponível in www.dgsi.pt) entre a data de produção de efeitos do Acórdão n.º 23/2006, do Tribunal Constitucional, e da entrada em vigor da nova redacção do n.º 1 do artigo 1817º do Código Civil, conferida pela Lei n.º 14/2009.
A decisão recorrida entendeu precisamente que a jurisprudência consolidada nos tribunais comuns seria configurável como meio de formação e de revelação de norma aplicável ao caso em apreço, de modo que tal norma jurídica, de formação jurisprudencial, corresponderia a um comando permissivo de instauração de acção de impugnação da paternidade, sem dependência de qualquer prazo de caducidade.
A verdade é que, em bom rigor, nem sequer se pode invocar a pré-existência de uma orientação jurisprudencial consolidada no sentido de que, desde a publicação do Acórdão n.º 23/2006, do Tribunal Constitucional, as acções de investigação da paternidade deixariam de estar sujeitas a qualquer prazo de caducidade.
Aliás, conforme evidenciado pelos próprios autos que deram lugar ao Acórdão do STJ, de 17 de Abril de 2008 (proferido no âmbito do Proc. n.º 08A474, disponível in www.dgsi.pt), registam-se decisões de outros tribunais que optaram por aplicar o prazo geral de prescrição de vinte anos, previsto no artigo 309º do Código Civil a acções idênticas à instaurada pela recorrida.
Tudo visto, a recorrida não poderia ter deixado de antecipar a possibilidade de o legislador vir a prever um novo prazo de caducidade da acção de impugnação da paternidade, na sequência do Acórdão n.º 23/2006. Isto porque, conforme supra evidenciado, o Tribunal Constitucional não se havia pronunciado sobre as opções legislativas decorrentes daquela declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral: i) aumento do prazo de caducidade; ou ii) pura extinção legislativa do prazo de caducidade.
Acrescente-se ainda – embora não seja decisivo – que o modo como decorreu o procedimento legislativo aponta igualmente no sentido da não violação do princípio da confiança, por parte do legislador.
O artigo 3.º da lei acima referida resultou de uma iniciativa legislativa apresentada pelo grupo parlamentar PEV – Partido Ecologista “Os Verdes”, em 7 de Novembro de 2005 (cfr. in http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx-BID=21079), que se limitava a acrescentar um novo n.º 7 ao artigo 1817º do Código Civil, que dispunha: “desde que os efeitos pretendidos sejam de natureza meramente pessoal, a acção de investigação da maternidade pode ser proposta a todo o tempo”. Mais se determinava, no artigo 2º do referido Projecto de Lei n.º 178/X, que aquela alteração entraria imediatamente em vigor.
Ora, no decurso da discussão em especialidade, em 11 de Fevereiro de 2009, foi oralmente proposta, pelo grupo parlamentar PS – Partido Socialista, a introdução de um novo artigo 3º – que corresponde integralmente ao preceito legal ora em apreço –, sob a alegação de que tal visaria apenas obter uma “conformação com o princípio geral de aplicação da lei no tempo” (cfr. «Relatório da Discussão e Votação na Especialidade do Projecto de Lei n.º 178/X», disponível in http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx-BID=21079).
Ou seja, anteriormente quer à data de instauração da acção pela recorrida, em 19 de Julho de 2006, quer à data de publicação do Acórdão n.º 23/2006 já existia um projecto de lei, apresentado em 7 de Novembro de 2005 que não era apto a criar quaisquer expectativas jurídicas à recorrida quanto à possibilidade de instaurar acção de investigação de paternidade decorridos mais de trinta e quatro anos da sua maioridade, com vista ao reconhecimento dos seus direitos patrimoniais sobre herança (então) futura do alegado pai. Pelo contrário, o Projecto de Lei n.º 178/X mantinha intacta a redacção do n.º 1 do artigo 1817º do Código, apenas lhe acrescentando um novo n.º 7 que permitia a instauração de acção de investigação da paternidade a todo o tempo, mas apenas restrito a efeitos pessoais.
Como tal, não pode afirmar-se que o legislador tenha criado na recorrida a expectativa legítima de que viria a alterar o regime jurídico de instauração das acções de investigação da paternidade, no sentido da remoção de um prazo de caducidade, o que conduziria à possibilidade de instauração a todo o tempo daquelas acções.
Por outro lado, nem sequer se pode afirmar que existisse “norma jurídica” de fonte jurisprudencial prévia ou contemporânea à instauração da acção de investigação de paternidade, na qual a recorrida pudesse depositar confiança na respectiva admissibilidade processual. Desde logo, o primeiro acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que toma expresso partido pela tese de que tais acções deixariam de estar sujeitas a qualquer prazo de caducidade apenas foi proferido em 14 de Dezembro de 2006 (cftr. Acórdão do STJ, proferido no âmbito do Proc. n.º 06A2489, disponível in www.dgsi.pt), ou seja, quase cinco meses após a instauração da acção.
Em suma, a norma jurídica desaplicada pela decisão recorrida não constitui uma “afectação inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa de expectativas legitimamente fundadas dos cidadãos” e, aliás, nem sequer pode afirmar-se que aquela tenha sequer colocado em crise uma expectativa legítima da recorrida. A aplicação do novo regime instituído pela Lei n.º 14/2009 e, em especial, do prazo de caducidade de dez anos contados da maioridade do alegado filho, por força do artigo 3º do mesmo diploma legal não constitui assim uma mutação na ordem jurídica que não fosse expectável ou antecipável, de modo objectivo, pela recorrida, pelo que não viola o princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito (artigo 2º da CRP).
Além disso, no caso concretamente em apreço, o artigo 3º da Lei n.º 14/2009 nem sequer comporta uma alteração da situação jurídica da recorrida. À data da instauração da acção, aquela sempre estaria sujeita ao prazo geral de prescrição de vinte anos, pelo que a invocação do princípio da confiança para efeitos de protecção de uma expectativa que não correspondia ao regime jurídico então vigente afigura-se absolutamente desprovida de sentido.
3. Pelos fundamentos expostos, não teria julgado inconstitucional a norma extraída do artigo 3º da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril.- Ana Maria Guerra Martins.