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Processo n.º 831/2010
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Pela decisão sumária n.º 62/2011, de 26 de Janeiro de 2011, proferida nos presentes autos, decidiu-se não julgar organicamente inconstitucional a norma do n.º 8 do artigo 153.º do Código da Estrada, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, por remissão para os fundamentos do Acórdão n.º 485/10 que, devidamente adaptados, se consideraram transponíveis para o caso dos autos, pelo que, concedendo-se provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), ordenou-se a reforma da decisão recorrida em conformidade com tal juízo de não inconstitucionalidade.
O Ministério Público dela reclamou para a conferência de modo a fazer recair sobre tal matéria acórdão, por disso depender a ulterior interposição de recurso (obrigatório) para o plenário, para uniformização da jurisprudência que, sobre a matéria, se lhe afigura divergente, atento o antes decidido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 275/2009.
O recorrido A., notificado para o efeito, não apresentou resposta à reclamação.
2. Cumpre apreciar e decidir.
É de referir, preliminarmente, que não compete à conferência mas ao Plenário do Tribunal Constitucional apreciar se, no caso, se verifica a alegada divergência jurisprudencial, considerando que esta não é, em rigor, invocada como fundamento da reclamação mas da necessidade instrumental da sua dedução, no pressuposto, que é o legal (artigo 79.º-D da LTC), de que o recurso para o plenário apenas pode ser interposto de acórdãos proferidos pelas secções e não de decisões sumárias proferidas pelo relator.
Assim, apenas cumpre reapreciar o julgado em ordem a confirmar ou não o juízo de não inconstitucionalidade que nele se formula, não sendo, pois, este o momento para aferir da verificação dos pressupostos do recurso, aliás ainda não deduzido, para o Plenário.
Feita esta precisão, reavaliando os fundamentos remissivamente invocados na decisão sumária reclamada para sustentar o juízo de não inconstitucionalidade orgânica da norma do n.º 8 do artigo 153º do Código da Estrada (CE), afigura-se que é de manter o assim decidido.
Com efeito, pronunciou-se o Acórdão n.º 485/10 – para cujos fundamentos se remeteu – sobre norma, a do artigo 156.º, n.º 2, do CE, na redacção do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, que, na interpretação então fixada, que se afigura correcta, eliminou a possibilidade antes legalmente reconhecida ao condutor interveniente em acidente de viação de recusar análise de sangue para determinação do seu estado de influenciado pelo álcool, sendo esse o pressuposto normativo em que assentou a aferição da invocada inconstitucionalidade orgânica, procedendo-se ao confronto de tal solução, introduzida pelo Governo sem prévia autorização parlamentar, com as anteriormente vigentes e, decisivamente, com o quadro legal global posteriormente definido, com relevância na matéria, pela Assembleia da República no exercício da sua competência legislativa.
Deste modo, concluiu-se, no essencial, que, embora o legislador governamental tenha, ao vedar a possibilidade antes legalmente prevista de recusa, em matéria de realização de exame de sangue para determinação do estado de influenciado pelo álcool, incorrido em inconstitucionalidade orgânica, por ter desse modo inovado sem estar, para tanto, credenciado com a necessária autorização legislativa, viu posteriormente legitimada tal solução normativa por ter sido essa a que veio a ser adoptada, em lei de alcance interpretativo, pelo órgão legislativo (parlamentar) com competência para tal (artigos 4.º e 7.º do Regulamento aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio), operando, assim, uma novação, constitucionalmente relevante, da respectiva fonte legal, em termos que tornaram insubsistente a arguida inconstitucionalidade orgânica.
Ora, cotejando a norma do artigo 156.º, n.º 2, do CE, objecto de um tal juízo de não inconstitucionalidade orgânica, com a ora sindicada do artigo 153º, n.º 8, do CE, verifica-se que existe, com efeito, «substancial convergência normativa de soluções», como sublinhado na decisão sumária reclamada, no que respeita à (im)possibilidade de recusa de realização do exame de sangue para determinação do estado de influenciado pelo álcool, sendo certo que uma e outra, pelo menos desde a entrada em vigor do citado Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, emitido sem prévia autorização legislativa, deixaram de reconhecer ao condutor tal possibilidade, antes legalmente consagrada, de recusa, sendo pois interpretativamente irrelevante a circunstância de a primeira tê-lo feito no contexto normativo de regulação da fiscalização operada em caso de acidente de viação e a segunda no âmbito de regulamentação dos normais procedimentos de fiscalização rodoviária.
Assim sendo, e considerando que o mencionado artigo 7.º da Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio, projecta a sua eficácia interpretativa, de forma convergente, para ambas as citadas normas legais (artigos 156.º, n.º 3, e 153.º, n.º 8, do CE), esclarecendo que, para efeitos destes dispositivos legais, se considera «não ser possível a realização do exame de pesquisa de álcool no sangue quando, após repetidas tentativas, não se lograr retirar ao examinando uma amostra de sangue em quantidade suficiente», ou seja, que «a impossibilidade de realização do exame de pesquisa de álcool no sangue se afere unicamente em função da impossibilidade médica de proceder à própria colheita de sangue em quantidade suficiente para permitir a sua análise» e não da recusa do visado em sujeitar-se ao mesmo, como sublinhado no Acórdão n.º 485/10, é de concluir, com este último, que o «órgão parlamentar, através da emissão das (…) disposições dos artigos 4.º e 7.º do Regulamento aprovado pela Lei n.º 18/2007, veio consignar um regime jurídico consonante com a solução de direito que resultava já, segundo os critérios gerais de interpretação da lei, da (…) disposição do artigo 156.º, n.º 2, do CE», e, acrescentamos nós, também da disposição do artigo 153.º, n.º 8, do mesmo código, atenta a sublinhada identidade normativa entre ambas, pelo que, como sumariamente decidido, por remissão para aquele acórdão, «deixa de haver motivo para manter a arguição de inconstitucionalidade orgânica», também no que respeita a esta última norma legal.
É, pois, de manter a decisão sumária proferida nos presentes autos, por ajustados os fundamentos em que, por remissão, assenta.
3. Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação, confirmando-se, em consequência, a decisão sumária dela objecto.
Sem custas.
Lisboa, 24 de Março de 2011.- Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral – Gil Galvão.