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Processo n.º 152/11
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. A., inconformado com a decisão sumária proferida a 4 de Março de 2011, vem dela reclamar, dizendo, no seu requerimento, o seguinte:
“Há uma norma no Código de Processo Civil - artigo 664° ( relação entre a actividade das partes e o juiz) - que se afigura de aplicação planetária e que diz que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, embora tenha de se cingir aos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 264° ( princípio dispositivo), que como novidade posterior à Lei n.º 28 de 1982 - a Lei do Tribunal Constitucional - veio consagrar a consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa (n° 2), sendo ainda considerados na decisão os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório (n°3).
Ora e salvo sempre como é óbvio o devido respeito que é muito, esta decisão sumária do Senhor Conselheiro Relator, em vez do eventual doutíssimo suprimento, veio colocar o recorrente numa situação embaraçosa, por isso que o obriga agora a sumariar inconstitucionalidades várias reveladas ao longo dos autos e que preferiria desenvolver melhor nas suas pretendidas alegações posteriores, a saber:
1) Nenhuma instância se pronunciou até hoje sobre a nulidade resultante da falta no primitivo acórdão da assinatura de uma das senhoras juízas intervenientes e que o recorrente continua sem saber se, quando e como chegou a ser suprida, para depois poder escrutinar o incidente e extrair daí todas as suas consequências legais (artigos 29° e 32° da Constituição);
2) Foi violado o princípio da legalidade constitucionalmente garantido e expresso nos artigos 118° e seguintes e n° 1 do artigo 359° do Código de Processo Penal - a Senhora Procuradora-Geral Distrital de Lisboa junto da Relação de Lisboa deu razão ao recorrente no sentido de que houve uma alteração substancial dos factos constantes do libelo e pelos quais foi julgado;
3) O recorrente cingiu-se à matéria de facto dada como provada pelo Círculo de Almada - embora lhe dando outra interpretação com diferentes conclusões -, o que é matéria de direito, pelo que, segundo a letra da alínea c) do n° 1 do falado artigo 432° (tribunal de júri e colectivo a aplicar pena superior a 5 anos visando exclusivamente o reexame de matéria de direito ), o recurso nunca deveria ter saído do Supremo Tribunal para baixar à Relação (violação do princípio constitucional da hierarquia dos tribunais no julgamento dos recursos);
4) Foi preterido o princípio jurídico-penal fundamental de aplicação - num caso como o sub judice de sucessão de leis no tempo - da norma mais favorável ao arguido, relativamente à alínea 1) do n° 1 do artigo 400° do Código de Processo Penal;
5) As instâncias escreveram expressamente que as invocadas condutas ocorreram pelo menos entre o Outono de 2003 e a primavera de 2007, pelo que, tendo já passado entre 4 e 8 anos sobre os factos, é lícito concluir que as instâncias não atenderam ao item atenuativo especial da alínea d) do n° 2 do artigo 72° do Código Penal ter decorrido muito tempo (..), mantendo o agente boa conduta (falados artigos 29° e 32° da Constituição);
6) Um discurso geral pelo colectivo sobre comportamentos desviantes de matriz sexual, sem que este tivesse uma tradução insofismável no caso vertente, violando o princípio in dubio pro reo e
7) Desafortunadamente, ficaram provadas na Inês intrigas adolescentes, com telemóveis e namorados, alguns drogados, com quem mantinha relações sexuais, pelo que, não correspondendo a Inês ao modelo inocente e virginal do tipo legal de crime sexual e decorridos que são tantos anos sobre os factos, mostrando-se o recorrente plenamente integrado, social e profissionalmente, na comunidade a que sempre pertenceu, é de uma violência absolutamente desmesurada, inaudita, injusta e desproporcionada aplicar-lhe uma pena de 8 (oito) anos de cárcere!”
2. A decisão reclamada, e no que ora importa, tem o seguinte teor:
“3. Não obstante o recurso ter sido admitido no Tribunal a quo, tal despacho não vincula o Tribunal Constitucional, conforme dispõe o artigo 76.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC). Assim, e face à ausência de pressupostos, conforme se verá seguidamente, entende-se ser de proferir decisão sumária ex vi artigo 78.º-A, n.º 1, daquele diploma.
4. Como resulta dos artigos 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição e 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, para que se possa lançar mão do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade ali previsto, é necessária a suscitação de uma questão de inconstitucionalidade normativa, não cabendo a este Tribunal apreciar a conformidade da decisão recorrida nem, de qualquer outro modo, sindicar as decisões proferidas por outros tribunais.
Assim, o objecto do recurso de constitucionalidade apenas poderá incidir sobre a apreciação, à luz das regras e princípios jurídico-constitucionais, de um juízo normativo efectuado pelo tribunal recorrido. O Tribunal Constitucional aprecia normas ou interpretações de normas – a sua actuação não versa as decisões dos outros tribunais.
A suscitação de questão de constitucionalidade dita normativa, apta a adequadamente convocar a pronúncia do Tribunal Constitucional implica que ‘a parte identifique expressamente [ess]a interpretação ou dimensão normativa, em termos de o Tribunal, no caso de a vir a julgar inconstitucional, a poder enunciar na decisão, de modo a que os respectivos destinatários e os operadores do direito em geral fiquem a saber que essa norma não pode ser aplicada com tal sentido.’ (Lopes do Rego, O objecto idóneo dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional, in Jurisprudência Constitucional, n.º 3, Julho-Setembro de 2004, p. 8).
Ora, no caso dos autos, o Recorrente nunca suscitou, durante o processo e de forma adequada, qualquer inconstitucionalidade normativa. Limitou-se a apodar de inconstitucionais um conjunto alargado de preceitos legais, sem invocar a sua dimensão normativa, nem a razão pela qual violam os preceitos ou princípios constitucionais.
Não enunciou, portanto, como lhe competia, a questão normativa que, correspondendo à concretização interpretativa da norma nos termos da decisão concreta, pudesse ser destacada e apreciada pelo Tribunal Constitucional de moldes totalmente abstraídos das especificidades do caso.
O Recorrente não se conforma com o decidido. O certo é que, no entanto, o modo como configurou tal questão durante o processo não constitui uma questão de constitucionalidade normativa, e esta não é a sede idónea para proceder à sindicância da conformidade das decisões proferidas pelos outros tribunais. O Tribunal Constitucional aprecia normas ou dimensões normativas e não a concreta actividade judicativa que se traduz na decisão dada ao pleito.”
3. O Exmo. Magistrado do Ministério Público, junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A reclamação deduzida carece manifestamente de fundamento. O conhecimento de recursos interpostos ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, como sucede nos autos, depende da prévia verificação de vários requisitos, nomeadamente a suscitação, pelo recorrente, de inconstitucionalidade de uma norma durante o processo. Isso mesmo decorre não só de tal preceito, mas também do artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição.
5. Como foi referido na decisão sumária, durante o processo o Recorrente não suscitou a inconstitucionalidade de qualquer norma e, como referiu o Exmo. Magistrado do Ministério Público, embora o recorrente invoque agora “a violação de alguns princípios constitucionais, continua, no entanto, a não enunciar qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, única que poderia constituir objecto de recurso de constitucionalidade. Aliás, mesmo que agora o fizesse, este já não era o momento processual adequado, uma vez que é com o requerimento de interposição de recurso que se fixa o seu objecto.”
Pelo que improcede a reclamação.
III – Decisão
6. Assim, acordam, em conferência, indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido de não tomar conhecimento do recurso.
Custas pelo Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 23 de Março de 2011.- José Borges Soeiro – Gil Galvão – Rui Manuel Moura Ramos.