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Processo nº 148/01
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça (5ª Secção), proferiu o Relator a seguinte Decisão Sumária:
'1. J..., com os sinais identificadores dos autos, veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional, ‘ao abrigo do disposto nos artºs 70 nº 1 alínea B,
71 nº 1, 72 nº 1 alínea B, 75 nº 1, 75-A nº 1 da Lei 28/82 de 15/11’, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (5ª Secção), de 1 de Fevereiro de 2001, que rejeitou o recurso por ele interposto (ou seja, o ‘recurso extraordinário de revisão nos autos de processo comum colectivo nº 124/96, que correram termos pelo tribunal Judicial de Tavira, onde foi condenado, por acórdão que alegou ter transitado em julgado, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes qualificado p. e p. pelos artºs 21º, nº 1 e 24º, al. c) do Dec-Lei nº 15/93, de
22 de Janeiro, na pena de nove anos de prisão’, com base em que, ‘no seu entender, os factos que serviram de fundamento à sua condenação são inconciliáveis com os dados como provados no acórdão proferido no processo nº
152/95, do mesmo Tribunal, resultando dessa oposição numa grave dúvida sobre a justiça da sua condenação’). No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade diz o recorrente o que, por comodidade, a seguir se possa a transcrever:
‘O recorrente vem arguir a inconstitucionalidade das normas dos artgsº 414 n° 2,
420 n° 1, 449 n° 1, 449 n° 1 alínea C e 451 n° 3 do C.P.P. por violação do disposto no artgº 32 n° 1 da C.R.P. se interpretadas no sentido de, em recurso de revisão de sentença a falta de menção expressa do trânsito em julgado, na certidão do acórdão a rever e na certidão do acórdão em oposição, instruídas com o recurso, constituir causa de rejeição do recurso. O recorrente só neste momento invoca a inconstitucionalidade dos referidos preceitos legais, porque ao ser confrontado com a rejeição do recurso, por falta de menção expressa do trânsito em julgado nas certidões dos acórdãos que instruíram o recurso, não podia razoavelmente prever a rejeição do mesmo com esta interpretação dos preceitos legais referidos, dado que; A- Só pode haver rejeição do recurso, artgsº 420 n° 1 e 414 n° 2 do C.P.P. quando a decisão for irrecorrível, interposta fora de tempo, quando o recorrente não tiver as condições necessárias para recorrer ou quando faltar a motivação, o que não é manifestamente aplicável no presente recurso. B- Embora as certidões juntas não refiram expressamente o trânsito em julgado das decisões, crê-se que tal decorre tacitamente das próprias certidões, ao referir que os autos foram objecto de recurso, tendo já baixado a esta instância, sendo que o Tribunal de 1ª instancia refere inclusivamente a fIs 50 que a decisão revidenda transitou em julgado, sendo ainda que nos termos do artgº 742 n° 4 do C.P.C. aplicável por força do disposto no artgº 4 do C.P.P., se faltar algum elemento que o Tribunal superior considere necessário ao julgamento do recurso, requisitá-lo-á por simples ofício. Vem também arguir a inconstitucionalidade dos preceitos dos artgsº 97 alínea C e
4 e 374 n° 2 C.P.P. , por violação do disposto no artgº 205 n° 1 da C.R.P., se interpretados no sentido de em recurso de revisão com base na alínea C do n° 1 do artgº 449 do C. P. P., corresponder à necessária fundamentação do acórdão, apenas a enunciação dos factos indicados no recurso e a indicação de que os mesmos não são inconciliáveis entre si. Só agora suscita a inconstitucionalidade dos referidos preceitos legais, porque afigurando-se, salvo o devido respeito, a existência de omissão ou deficiência na fundamentação, não podia contar com esse facto e consequentemente suscitar anteriormente a questão da inconstitucionalidade das normas referidas’.
2. É facto que no acórdão recorrido entendeu-se que ‘em termos de recurso de revisão, a decisão é irrecorrível, pelo que o recurso não devia ter sido admitido; mas tendo-o sido, tal não vincula este Supremo Tribunal – artº 414º, nº 3 do C.P.P., aplicável ‘ex vi’ do artº 4º do mesmo diploma – pelo que o recurso tem de ser rejeitado, nos termos dos artºs 414º, nº 2 e 420º, nº 1, aplicáveis por força do artº 4º, todos do C.P.P.’. Mas também é facto que no mesmo acórdão acrescentou-se a seguir que ‘o recurso teria ainda de ser rejeitado por manifesta improcedência, nos termos dos citados artigos 420º, nº 1 e 4º do C.P.P., pois é óbvio que não são inconciliáveis os factos que serviram de fundamento à condenação com os dados como provados no acórdão proferido no processo nº 152/95, uns e outros indicados pelo recorrente’, passando-se à demonstração do que ‘não é inconciliável (...)’. Daqui resulta que, para além da consideração feita no acórdão recorrido de que,
‘em termos de recurso de revisão, a decisão é irrecorrível’, na base de que não se demonstra o trânsito em julgado de nenhum dos dois acórdãos – o acórdão a rever e o segundo acórdão – o Supremo Tribunal a quo também rejeitou o recurso
‘por manifesta improcedência’. Tal significa que, mantendo-se sempre esta última decisão, fundada na ‘manifesta improcedência’, o presente recurso carece de qualquer utilidade, no que toca à arguição da ‘inconstitucionalidade das normas dos artgsº 414 n° 2, 420 n° 1, 449 n° 1, 449 n° 1 alínea C e 451 n° 3 do C.P.P. por violação do disposto no artgº
32 n° 1 da C.R.P. se interpretadas no sentido de, em recurso de revisão de sentença a falta de menção expressa do trânsito em julgado, na certidão do acórdão a rever e na certidão do acórdão em oposição, instruídas com o recurso, constituir causa de rejeição do recurso’. Isto porque nenhum efeito prático do julgamento dessa pretensa inconstitucionalidade se projectaria no assim decidido pelo Supremo Tribunal a quo, ainda que este Tribunal Constitucional viesse a proferir um eventual juízo de inconstitucionalidade daquelas normas, no plano interpretativo a que se arruma o recorrente, ‘ao ser confrontado com a rejeição do recurso, por falta de menção expressa do trânsito em julgado nas certidões dos acórdãos que instruíram o recurso’. Com efeito, e repetindo, o acórdão recorrido permaneceria intocado no julgamento da ‘manifesta improcedência’, mesmo perante aquele eventual juízo de inconstitucionalidade. Com o que, e nesta parte, não pode tomar-se conhecimento do presente recurso.
3. No que toca à arguição da ‘inconstitucionalidade dos preceitos dos artgsº 97 alínea C e 4 e 374 n° 2 C.P.P. ,[artigos 97º, nº 1, c) e 4 e 374º nº 2] por violação do disposto no artgº 205 n° 1 da C.R.P., se interpretados no sentido de em recurso de revisão com base na alínea C do n° 1 do artgº 449 do C. P. P., corresponder à necessária fundamentação do acórdão, apenas a enunciação dos factos indicados no recurso e a indicação de que os mesmos não são inconciliáveis entre si’, é bom de ver que não se está perante nenhuma arguição de inconstitucionalidade normativa. O que se afigura ao recorrente, e talqualmente ele se expressa, é ‘a existência de omissão ou deficiência na fundamentação’, quando no acórdão recorrido se passa a analisar que ‘é óbvio que não são inconciliáveis os factos que serviram de fundamento à condenação com os dados como provados no acórdão proferido no processo nº 152/95, uns e outros indicados pelo recorrente’. Ora, isto é ou pode ser uma deficiência do acórdão recorrido, traduzindo uma eventual sua nulidade e é esta arguição de nulidade ou pedido de correcção
(artigos 379º e 380º do C.P. Penal) que o recorrente no fundo pretende fazer vingar, o que nada tem a ver com a suscitação de uma questão de inconstitucionalidade daqueles preceitos. Donde resulta que falta um pressuposto processual específico do tipo de recurso em causa, o da suscitação de uma questão de inconstitucionalidade normativa durante o processo, com o que, e também nesta parte, não se pode tomar conhecimento do presente recurso.
4. Termos em que, DECIDINDO, não tomo conhecimento do recurso e condeno o recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada em seis unidades de conta'. B. Não se conformando com essa Decisão, 'proferida nos autos ao abrigo do disposto 78-A nº 1 da Lei do Tribunal Constitucional', veio o recorrente 'ao abrigo do disposto no nº 3 do mesmo dispositivo legal, reclamar para a conferência', mas apenas na parte em que, no tocante à arguição da
'inconstitucionalidade dos preceitos dos artgsº 97 alínea C e 4 e 374 n° 2 C.P.P. , por violação do disposto no artgº 205 n° 1 da C.R.P., se interpretados no sentido de em recurso de revisão com base na alínea C do n° 1 do artgº 449 do C. P. P., corresponder à necessária fundamentação do acórdão, apenas a enunciação dos factos indicados no recurso e a indicação de que os mesmos não são inconciliáveis entre si', se 'considerou tratar-se, não de arguição de inconstitucionalidade normativa, mas de arguição dirigida a uma eventual nulidade do acórdão ou pedido de correcção do mesmo, não deduzida no decurso do processo, pelo que faltaria também aqui um pressuposto de admissão do recurso de constitucionalidade'. Para tanto o recorrente alinhou a seguinte ordem de razões:
'7º Sucede que a decisão do Supremo, além do mais, considerou que o recurso teria de ser rejeitado por manifesta improcedência, por se considerar, ser óbvio que as decisões em confronto instruídas pelo recorrente não eram inconciliáveis.
8° E o recorrente, nesta apreciação deduzida pelo Supremo Tribunal de Justiça, foi surpreendido, na sua opinião, com o que considera uma deficiente interpretação das normas legais relativas à fundamentação com repercussão na fundamentação propriamente dita.
9° Mesmo que o recorrente, após o acórdão viesse deduzir a nulidade do mesmo por falta de fundamentação ou pedir a correcção por deficiência da fundamentação, para efeitos de arguição de inconstitucionalidade, tão próprio ou impróprio, era arguir a inconstitucionalidade destas normas, nesse momento como directamente em recurso para o Tribunal Constitucional, dado que,
10° é jurisprudência pacífica do Tribunal Constitucional que a inconstitucionalidade das normas deve ser arguida em momento que permita às instâncias conhecê-las atempadamente, sendo que normalmente incidentes pós-decisórios não se enquadram, em momento idóneo para arguir a inconstitucionalidade.
11° Admite porém a jurisprudência do Tribunal Constitucional a existência de casos especiais, em que os recorrentes tenham sido confrontados com uma interpretação das normas, com as quais não podiam razoavelmente contar.
12° E, de acordo com a opinião do recorrente, quando da prolação do acórdão do S.T.J. o recorrente foi confrontado com uma incompatibilidade entre as normas legais atinentes à fundamentação e a fundamentação propriamente dita, que permite a suscitação de juízo de inconstitucionalidade, dado não poder antever essa interpretação antes da prolação do acórdão do Supremo propriamente dito.
13° E nos termos do artgº 70 n° 2 da lei 28/82 é admissível recurso para o Tribunal Constitucional de decisões que não admitam recurso ordinário, como era o caso da decisão impugnada que, proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, não admite, salvo melhor opinião, recurso ordinário.
14° Afigura-se assim e salvo melhor opinião que a decisão sumária prolatada nos autos não se pronunciou sobre o facto do recorrente não ter tido hipótese anterior de suscitar a inconstitucionalidade das normas dos artgsº 97 alínea C e
4 e 374 n° 2 do C.P.P. e
15° sendo certo que a apreciação dessa inconstitucionalidade teria efeito prático na decisão recorrida' C. Respondeu à reclamação o 'representante do Ministério Público junto deste Tribunal', entendendo que ela é 'manifestamente improcedente', pois 'se o recorrente entendia que ocorria deficiência de fundamentação no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que rejeitou o recurso de revisão interposto, deveria ter confrontado o Supremo Tribunal de Justiça com a respectiva nulidade, suscitando então a questão da inconstitucionalidade das normas que considerasse relevantes' e, por isso, ele teve 'plena oportunidade processual para colocar à apreciação do Tribunal ‘a quo’ a questão de constitucionalidade que pretende integrar o objecto do recurso', a qual 'não utilizou, por não ter cumprido o
ónus de confrontar o Supremo Tribunal de Justiça as pretensas nulidades do acórdão invocadas'. D. O fundamento utilizado na Decisão reclamada, no ponto em causa, foi só o de que 'não se está perante nenhuma arguição de inconstitucionalidade normativa', porque apenas poderia estar em jogo, no discurso do recorrente, 'uma deficiência do acórdão recorrido, traduzindo uma eventual sua nulidade e é esta arguição de nulidade ou pedido de correcção (artigos 379º e 380º do C.P. Penal) que o recorrente no fundo pretende fazer vingar, o que nada tem a ver com a suscitação de uma questão de inconstitucionalidade daqueles preceitos'. Tal significa que, independentemente de saber se ele foi ou não 'surpreendido, na sua opinião, com o que considera uma deficiente interpretação das normas legais relativas à fundamentação com repercussão na fundamentação propriamente dita', a pretensa suscitação de inconstitucionalidade, nos termos em que vem feito, não é 'nenhuma arguição de inconstitucionalidade normativa', com referência aos preceitos indicados do Código de Processo Penal, pois o que o recorrente questiona é 'a existência de omissão ou deficiência na fundamentação', sem apontar vício ou vícios de inconstitucionalidade, designadamente a 'violação do disposto no artigo 205 nº 1 da C.R.P.', àqueles preceitos, em si mesmos, ou à dimensão interpretativa com que teriam sido aplicados no acórdão recorrido (é sempre a 'fundamentação do acórdão' que o recorrente censura e não directamente, no plano constitucional, os preceitos do Código que disciplinam a sua exigência, o que traduz mera aplicação de direito infraconstitucional). De todo o modo, ainda que se aceite, relativamente às 'normas dos artigos 97 alínea c) e 4 e 374 nº 2 do CPP' (artigos 97º, nº 1, c), e 4 e 374º, nº 2), na interpretação identificada pelo recorrente, que se está perante uma questão de inconstitucionalidade normativa, então ao recorrido era-lhe imposto que tivesse deduzido uma arguição de nulidade do acórdão recorrente e nessa arguição tivesse suscitado tal questão, o que não fez. Tal como diz o Ministério Público 'se o recorrente entendia que ocorria deficiência de fundamentação no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que rejeitou o recurso de revisão interposto, deveria ter confrontado o Supremo Tribunal de Justiça com a respectiva nulidade, suscitando então a questão da inconstitucionalidade das normas que considerasse relevantes' e, por isso, ele teve 'plena oportunidade processual para colocar à apreciação do Tribunal ‘a quo’ a questão de constitucionalidade que pretende integrar o objecto do recurso', a qual 'não utilizou, por não ter cumprido o ónus de confrontar o Supremo Tribunal de Justiça as pretensas nulidades do acórdão invocadas'. E. Termos em que, DECIDINDO, indefere-se a reclamação e não se toma conhecimento do recurso, condenando-se o recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada em 15 unidades de conta. Lisboa, 9 de Maio de 2001- Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa