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Processo nº 169/01
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. L..., S.A., sociedade comercial com sede em Anadia, veio, 'em obediência ao disposto no art. 76º nº 2 da Lei do Tribunal Constitucional', apresentar reclamação perante este Tribunal Constitucional 'do douto despacho do Venerando Desembargador Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, que não admitiu recurso interposto', ou seja, o recurso para o Tribunal Constitucional do despacho de mesmo Desembargador Presidente, de 4 de Janeiro de 2001, que indeferiu uma reclamação apresentada pela sociedade reclamante, 'nos termos do disposto no art. 688 do CPC' (e nesse recurso de constitucionalidade 'interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 70 da Lei 28/82 de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei 85/89 de 7 de Setembro', pretende a sociedade reclamante que 'seja apreciada a inconstitucionalidade do nº 1 do art. 667 do C.P.C.', porque tal 'norma viola o disposto nos art. 12 e 20 da Constituição da República Portuguesa'). No despacho reclamado entendeu-se que 'na decisão que se pretende impugnar não só não se aplicou tal norma considerando que ela consagrava um poder discricionário, como, ao contrário, entendeu-se que a decisão impugnada seria reapreciada em recurso, embora não em recurso autónomo, nos termos do art. 686 do C. P. Civil' e, portanto, foi 'este o preceito aplicado e o recorrente não pretende arguir a sua inconstitucionalidade'. Acrescentou-se a seguir:
'Quer isto dizer que, mesmo que procedesse a invocada inconstitucionalidade do art. 667, tal seria irrelevante e a nossa decisão subsistiria pela simples razão de não ter aplicado tal normativo com o entendimento que o recorrente refere. Assim sendo, o recurso é manifestamente infundado. Nestes termos e em obediência ao disposto no artigo 76, nº 2, última parte, da Lei do Tribunal Constitucional, não recebo o recurso'
2. A sociedade reclamante diz que 'não partilha de tal douto entendimento', aduzindo de relevante o seguinte:
'É que o Sr. Juiz A Quo proferiu o despacho de fls.... a ordenar a correcção da sentença com fundamento no disposto no art. 667 do CPC, tendo considerado tal decisão irrecorrível. Na opinião da ora reclamante disposição a entender-se irrecorrível conforme douto entendimento do Sr. Juiz de 1ª Instância sofre de inconstitucionalidade material, por violação do disposto no art. 12 e 20 da CRP.
É que o direito de acesso aos Tribunais assegurado no nº 1 do art. 20 da CRP implica o direito a duplo grau de jurisdição'.
3. No seu visto o Ministério Público pronunciou-se assim:
'A presente reclamação carece de fundamento sério, só podendo, aliás, perspectivar-se como pura manobra dilatória: na verdade, a decisão recorrida não denegou à ora reclamante o ‘direito ao recurso’ relativamente à decisão que rectificou erro material da sentença originariamente proferida, limitando-se a fazer notar ao reclamante que o recurso interposto fica tendo também por objecto a decisão notificada, cumprindo-lhe alargar ou restringir o respectivo âmbito. Tal implica obviamente que à norma questionada não foi dada a interpretação, pretensamente inconstitucional, invocada como suporte e objecto do recurso de fiscalização concreta interposto, pelo que nenhuma censura merece o despacho que o rejeitou'.
4. Vistos os autos cumpre decidir. No citado despacho de 4 de Janeiro de 2001, que decidiu a dita reclamação apresentada pela sociedade reclamante, pode ler-se o seguinte:
'Proferida sentença na acção ordinária no. 1311/93, a R. 'L..., S.A.', interpôs, em 28-1-00, recurso que foi recebido como apelação. A requerimento dos AA., por douto despacho de 12-4-00 e ao abrigo do disposto no art. 667, 1, do C. P. Civil, foi ordenada a correcção de um lapso que se considerou existir na parte decisória da referida sentença. Deste despacho pretendeu a R. interpor recurso, mas ele não foi recebido ‘por não se tratar de decisão recorrível’. Daí a presente reclamação, pretendendo a ‘L...’ obter o recebimento do recurso, alegando que não estamos perante um despacho de mero expediente nem proferido no uso de um poder discricionário pelo que, será recorrível sob pena de inconstitucionalidade. O despacho foi sustentado. Responderam os AA. pugnando pela improcedência da reclamação. Cumpre decidir: A questão que se coloca é muito simples, tendo resolução expressa na Lei. Na verdade dispõe o art. 686 do Código de Processo Civil:
‘1. Se alguma das partes requer a rectificação, aclaração ou reforma da sentença, nos termos do artigo 667° e do nº. 1 do artigo 669º., o prazo para o recurso só começa a correr depois de notificada a decisão proferida sobre o requerimento.
2. Estando já interposto recurso da primitiva sentença ou despacho ao tempo em que, a requerimento da parte contrária, é proferida nova decisão, rectificando, esclarecendo ou reformando a primeira, o recurso fica tendo por objecto a nova decisão; mas é lícito ao recorrente alargar ou restringir o âmbito do recurso em conformidade com a alteração que a sentença ou despacho tiver sofrido’. Aplicando o disposto neste nº.2, vê-se que a R., tendo já interposto recurso da sentença quando foi proferida a decisão a ordenar a rectificação, não fica impedida de a impugnar, mas tal não pode ser por recurso autónomo da segunda decisão. O que acontece é que o recurso já interposto fica tendo também como objecto a decisão rectificada, sendo também lícito á R. alargar ou restringir o âmbito desse recurso em conformidade com a alteração que a sentença sofreu. Este regime acautela inteiramente todos os direitos das partes, não violando qualquer preceito ou princípio constitucional. Assim, não sendo o regime de impugnação da decisão em causa o recurso autónomo, mas o ‘aproveitamento’ do recurso já anteriormente interposto, acabou o Senhor Juiz por decidir bem ao não receber o recurso da decisão que ordenou a rectificação da sentença. Nestes termos, indefiro a reclamação e, embora com fundamentação diferente, confirmo o despacho reclamado'. A simples leitura deste despacho mostra, à evidência que a norma questionada do nº 1 do artigo 667º do Código de Processo Civil não foi explicita ou implicitamente aplicada na decisão de que se pretendeu recorrer para o Tribunal Constitucional, antes e só foi aplicada a norma do artigo 686º, do mesmo Código. A sociedade reclamante confunde ou pretende confundir aquela decisão com o despacho do Mmº Juiz da primeira instância que ordenou a correcção de um lapso que se considerou existir na parte decisória da sentença que havia proferido e esse despacho é que aplicou a norma do nº 1 do artigo 667º (mas não é desse despacho que está interposto recurso para o Tribunal Constitucional). Tanto basta para concluir, na linha de entendimento do parecer do Ministério Público, que nenhuma censura merece o despacho reclamado.
5. Termos em que, DECIDINDO, indefere-se a reclamação e condena-se a sociedade reclamante nas custas, com a taxa de justiça fixada em 15 unidades de conta. Lisboa, 9 de Maio de 2001 Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa