Imprimir acórdão
Processo n.º 65/11
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A., SA., reclama, ao abrigo do n.º 3 do artigo 76.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC) do despacho de 17 de Dezembro de 2010 que, com fundamento em que a recorrente não esgotou os meios ordinários (n.º 2 do artigo 72.º da LTC: no caso, reclamação para a conferência nos termos do n.º 3 do artigo 70.º da LTC) não admitiu um recurso que interpôs para o Tribunal Constitucional.
A reclamante alega que deve interpretar-se a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional como renúncia à reclamação para a conferência no Supremo Tribunal de Justiça. Mas, simultaneamente com a reclamação, apresentou um novo requerimento em que formula expressamente tal renúncia, pretendendo que o segundo requerimento se considere apresentado na data em que o foi o primeiro, por aplicação do disposto nos artigos 234.º e 476.º do Código de Processo Civil (CPC).
O Ministério Público emitiu parecer no sentido de que deve indeferir-se a reclamação com fundamento em que a recorrente não suscitou atempadamente a questão de constitucionalidade que quer ver apreciada pelo Tribunal Constitucional.
A recorrente foi ouvida sobre este parecer e respondeu que suscitou a questão de inconstitucionalidade de modo processualmente adequado na primeira oportunidade de que dispôs para o efeito.
2. Consideram-se relevantes para apreciação da presente reclamação as ocorrências processuais seguintes:
a) A requerente pediu aclaração e interpôs recurso de revista de um acórdão do Tribunal da Relação do Porto, mediante requerimentos enviados por correio electrónico;
b) Esses requerimentos não foram admitidos com fundamento em que o correio electrónico deixou de ser um meio legalmente inadmissível de apresentação de peças processuais face à actual redacção do artigo 150.º do CPC.
c) A requerente apresentou reclamação desse despacho, na parte em que não admitiu recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 688.º do CPC;
d) Por despacho de 25 de Novembro de 2010, foi decidido não tomar conhecimento da reclamação deduzida com fundamento em que versava sobre questão excluída do campo de aplicação da figura contemplada no n.º 1 do artigo 688.º do CPC.
e) A recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, dizendo fazê-lo “nos termos do artigo 70.º, n.º 1 alíneas c) e f), n.º 2, n.º 3 e n.º 4, artigo 71.º, n.º 1 artigo 72.º n.º 1 alínea b) e n.º 2, artigo 72.º, artigos 75.º e 75.º-A todos da Lei 28/82 de 15 de Novembro, na sua versão actualizada” e visar a apreciação do artigo 150.º e do n.º 1 do artigo 688.º do Código de Processo Civil.
f) O recurso não foi admitido mediante despacho do seguinte teor:
«A reclamante A., SA, veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional do despacho do juiz relator que decidiu julgar inadmissível a reclamação deduzida, ao abrigo do artigo 688.º do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, não tomando conhecimento do respectivo objecto.
O certo é que, nos termos do n.º 2 do citado artigo 70.º, “[o]s recursos previstos nas alíneas b) e f) do número anterior apenas cabem de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização de jurisprudência”, sendo certo que, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, são equiparados a recursos ordinários “as reclamações dos despachos dos juízes relatores para a conferência”.
No caso, não tendo a reclamante impugnado o despacho do juiz relator para a conferência, nos termos do artigo 700.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aqui aplicável, não cabe recurso do mesmo para o Tribunal Constitucional, pelo que se indefere o requerimento de interposição do recurso (artigo 76.º da Lei n.º 28/82).»
g) A requerente apresentou novo requerimento de interposição do recurso, declarando renunciar à reclamação do despacho do relator para a conferência no Supremo Tribunal de Justiça e sustentando que, perante o indeferimento anterior do requerimento de interposição do recurso, seria aplicável o disposto no artigo 476.º do CPC, por força do disposto no n.º 1 do artigo 234.º-A do mesmo Código.
h) E reclamou para o Tribunal Constitucional do despacho de não admissão do recurso, ao abrigo do n.º 3 do artigo 76.º da LTC.
i) O processo foi remetido ao Tribunal Constitucional, em cumprimento de despacho em que se considerou esgotada a competência jurisdicional do Supremo Tribunal de Justiça.
Cumpre decidir,
3. No presente meio processual, o Tribunal pode decidir com fundamento diverso daquele que foi adoptado no despacho reclamado porque tem de decidir com carácter definitivo (n.º 4 do artigo 77.º da LTC), se o recurso é admissível. E, desde já se adianta, que várias razões justificam a não admissão do recurso e, consequentemente, o indeferimento da reclamação.
3.1. A decisão de que se pretendeu interpôs o recurso para o Tribunal Constitucional que não foi não admitido é o despacho de fls.140-145, mediante o qual o Supremo Tribunal de Justiça se decidiu não tomar conhecimento da reclamação. Talha-se pelo âmbito desse despacho o âmbito máximo possível de qualquer recurso para o Tribunal Constitucional que dele se interponha. Com efeito, só normas aplicadas pela decisão recorrida ou a que a decisão recorrida tenha recusado aplicação com fundamento em inconstitucionalidade ou por violação de lei com valor reforçado (ou do estatuto de uma região autónoma) podem constituir objecto de recursos de fiscalização concreta perante o Tribunal Constitucional, conforme resulta da Constituição (artigo 280.º da CRP) e da Lei (artigo 70.º da LTC).
Ora, o despacho de fls. 140 limitou-se a não tomar conhecimento da reclamação por considerar que o despacho proferido na Relação, que (então) era dela objecto, não se pronunciara sobre a admissibilidade do recurso de revista, mas sobre a validade de um acto processual e que isso estava excluído do campo de aplicação do remédio contemplado no n.º 1 do artigo 688.º do CPC.
Assim, das normas indicadas no requerimento de interposição, nunca, no caso concreto e seja qual for a alínea ao abrigo da qual o recurso se considere interposto, caberia recurso para o Tribunal Constitucional que versasse sobre qualquer outra norma que não fosse aquela que foi aplicada pelo referido despacho: a norma extraída do n.º 1 do artigo 688.º do CPC que levou ao não conhecimento da reclamação.
Assim, é manifesto que nunca a reclamação poderia proceder quanto à parte em que o recurso para o Tribunal Constitucional tem por objecto a norma do artigo 150.º do CPC relativa à inadmissibilidade do envio das peças processuais por correio electrónico. Essa norma respeitaria ao mérito da reclamação quando é indiscutível que o despacho de que se interpôs recurso de constitucionalidade nada decidiu quanto a essa questão, uma vez que considerou que essa matéria não estava compreendida no objecto legalmente possível do meio de reacção contra despachos de não admissão do recurso previsto no artigo 668.º do CPC. Essa norma foi aplicada no despacho proferido na Relação; não pelo despacho proferido no Supremo Tribunal de Justiça, que seria a decisão recorrida.
3.2. Em segundo lugar, merece inteira confirmação o fundamento adoptado no despacho reclamado.
O requerimento de interposição indica as alíneas c) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC como sendo aquelas ao abrigo do qual o recurso é interposto. Sendo manifesto que não há na decisão recorrida recusa de aplicação de qualquer norma, tem de interpretar-se a referência à alínea c) como meramente integrativa da invocação da alínea f) [“Que apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas c), d) e e)]. Ora, à semelhança do que sucede com o recurso das decisões negativas de inconstitucionalidade, o recurso das decisões negativas de ilegalidade qualificada está sujeito ao princípio da exaustão dos meios ordinários. (n.º 2 do artigo 70.º da LTC). E nestes incluem-se, por expressa determinação da lei, as reclamações dos despachos dos juízes relatores para a conferência, ao abrigo do n.º 3 do artigo 668.º do CPC (n.º 3 do artigo 70.º da LTC).
Esse ónus de esgotamento dos meios ordinários abrange os despachos dos juízes relatores que, a partir das alterações legislativas introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, passaram a recair sobre as reclamações deduzidas ao abrigo do n.º 1 do artigo 668.º do CPC que até então eram decididas pelo presidente do tribunal ad quem, como se considerou no acórdão n.º 457/10, disponível em wwwtribunalconstituiconal.pt.
A recorrente, sem directamente questionar essa abrangência, pretende que se interprete a imediata interposição do recurso como renúncia à reclamação. Afirma, de modo patentemente contraditório, que interpôs imediatamente recurso para Tribunal Constitucional “com expressa intenção de renunciar a essa faculdade” [de reclamar], só que “tal renúncia apenas não consta expressamente escrita no requerimento de interposição de recurso”.
Ignora-se o que poderá a recorrente querer significar quando pretende convencer da existência de uma “intenção expressa” a que “falta a expressão escrita”, num acto processual praticado exclusivamente por escrito. De todo o modo, a mera circunstância de se ter interposto recurso não é inequivocamente incompatível com a vontade de reclamar para a conferência. Seria absurdo que a lei impusesse um ónus de esgotar a reclamação se a mera interposição do recurso tornasse ipso facto dispensável essa reclamação.
3.3. Ainda que assim se não entendesse e mesmo que se considerasse que, relativamente à norma do n.º 1 do artigo 688.º do CPC – o único âmbito possível do recurso, por relação com o âmbito da decisão recorrida –, a recorrente não dispôs de efectiva oportunidade de suscitar a questão que quer ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, nunca o recurso poderia prosseguir.
Com efeito, cabe ao recorrente identificar a alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC ao abrigo da qual pretende aceder ao Tribunal Constitucional, bem como indicar o parâmetro constitucional ou legal que considera desrespeitado (n.ºs 1 e 2) do artigo 75.º-A da LTC). A recorrente diz, como se viu, interpor o recurso ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. Ora é patente que no presente recurso não é imputada desconformidade da referida norma do Código de Processo Civil a qualquer norma de valor reforçado. Têm valor reforçado, além das lei orgânicas as leis que carecem de aprovação por maioria de dois terços, bem como aquelas que, por força da Constituição, sejam pressuposto normativo necessário de outras leis ou que por outras deva ser respeitadas. Ora, nenhuma lei desta categoria foi indicada como desrespeitada pela interpretação adoptada do âmbito da reclamação prevista no artigo 688.º do CPC. O que se pretende ver reconhecido é que a aplicação feita está em desconformidade com normas e princípios constitucionais.
Por todas estas razões, nunca o recurso interposto poderia ser admitido, pelo que a reclamação tem de ser indeferida.
4. Decisão
Por tudo o exposto decide-se indeferir a reclamação e condenar a recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 15 de Março de 2011.- Vítor Gomes – Ana Maria Guerra Martins – Gil Galvão.