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Processo n.º 7/98 Conselheiro Messias Bento
Acordam, em sessão plenária, no Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. FREDERICO VAZ, eleitor recenseado na freguesia de Santa Isabel
(Lisboa), invocando o disposto na Lei Eleitoral para as Autarquias Locais
(Decreto-Lei n.º 701-B/76, de 29 de Setembro), recorre do 'despacho de indeferimento' da Juiz da comarca de Idanha-a-Nova, proferido em 5 de Janeiro de
1998.
Pede que o Tribunal se pronuncie 'pela ilegitimidade e ilegalidade do processo de votação ocorrido no plenário de cidadãos eleitores da freguesia de Idanha-a-Velha'; e que, em consequência, declare 'a mesma nula e sem efeito, mandando, igualmente, que se proceda a novo acto eleitoral'.
O despacho recorrido termina assim: 'nada há conhecer ou a determinar quanto ao expediente ora enviado'.
Tal despacho foi proferido sobre a 'cópia de um protesto entregue na mesa da assembleia de voto, no dia 28 de
Dezembro de 1997, aquando da realização do referido plenário' de cidadãos eleitores da freguesia de Idanha-a-Velha - cópia que o ora recorrente entregou na secretaria judicial da comarca de Idanha-a-Nova, em 30 de Dezembro de 1997. Nessa cópia pode ler-se: 'em meu entender, o candidato da lista B não poderia ser candidato, nem a Mesa deveria aceitar aquela candidatura, uma vez que não reunia as condições exigidas pela lei; isto é, não se apresentou neste acto eleitoral munido do respectivo cartão e certidão de eleitor emitida pela junta de freguesia da sua área de residência'.
Na sua petição, o recorrente - depois de dizer que à mencionada eleição para a junta de freguesia de Idanha-a-Velha concorreram duas listas: uma, encabeçada por si e que, no acto eleitoral, foi identificada pela letra A; outra, encabeçada por JOÃO JOSÉ LOPES CUNHA e que, aí, foi identificada pela letra B - acrescenta que este último 'não apresentou nenhum documento comprovando que era eleitor', por isso que, se 'não se encontra inscrito nesta freguesia nem apresenta provas de estar noutra, não poderá fazer parte do plenário e, consequentemente, não poderá candidatar-se à presidência da junta de freguesia'.
A petição de recurso - que deu entrada, por fax, na secretaria deste Tribunal, no dia 9 de Janeiro de 1998, às 13,01 horas - vem acompanhada dos seguintes documentos:
(a). a atrás referida cópia do protesto enviada ao Juiz de Direito da comarca de Idanha-a-Nova;
(b). certidão da acta do plenário de cidadãos eleitores da freguesia de Idanha-a-Velha, relativa à eleição da respectiva junta de freguesia, lavrada em 28 de Dezembro de 1997, quando eram 20,20 horas. Dela qual consta, no que aqui importa, o seguinte:
(b1). os eleitores inscritos são 95, tendo votado 86 e havido 9 abstenções; dos 46 votos expressos, 40 recaíram na lista A (encabeçada por Frederico Vaz) e 44 na lista B (encabeçada por João José Lopes Cunha), sendo nulos 2 votos;
(b2). foi, por isso, eleita a lista B, que - além do referido João José Lopes Cunha - integra António Rodrigues Lopes Pires e João António Braz, sendo suplentes António Ramos Gonçalves, Orlando Bernardo Remédios e Armindo Pinto Amaral;
(b3). 'no final dos trabalhos, o candidato que encabeça a lista A apresentou, por escrito, um documento que o mesmo, perante a Mesa, declarou ser um protesto, o qual se encontra em anexo à presente acta e que foi aceite pela Mesa e rubricado por todos os seus membros';
(b4). O presidente da mesa 'referiu que não solicitou o cartão de eleitor e a declaração para as eleições autárquicas,
passada pela junta da sua área de residência, porque, primeiro, o candidato da lista B, senhor João José Lopes Cunha, não está recenseado na freguesia de Idanha-a-Velha, pelo que a sua apresentação não é necessária; quanto à declaração, referiu desconhecer se a apresentação de tal documento é ou não obrigatória';
(b5). 'relativamente a este assunto, os restantes membros da mesa concordaram com o atrás referido';
(b6). 'na sequência do apuramento efectuado, foi afixado edital com os resultados da votação, à porta do edifício da Escola Primária da freguesia de Idanha-a-Velha, onde funcionou a assembleia de voto';
(c) cópia do protesto apresentado no plenário de cidadãos eleitores pelo ora recorrente. Nele, refere o recorrente que 'o candidato da lista B, senhor João José Lopes Cunha, apresentou-se a sufrágio sem se encontrar munido do seu cartão de eleitor e da declaração para as eleições autárquicas passada pela junta de freguesia da sua área de residência em como o mesmo poderá ser eleito por este plenário para presidente da junta de freguesia de Idanha-a-Velha';
(d). certidão do edital, afixado à porta da entrada do edifício da Escola Primária da freguesia de Idanha-a-Velha, no dia 28 de Dezembro de 1997, contendo os resultados do acto eleitoral para a respectiva junta de freguesia. Dele consta que a junta de freguesia ficou constituída por João José Lopes Cunha, António Rodrigues Lopes Pires e João António Braz;
(e). certidão das listas (A e B) concorrentes ao referido acto eleitoral, sendo a lista A encabeçada pelo recorrente Frederico Vaz e a lista B, por João José Lopes Cunha;
(f). certidão, passada pela junta de freguesia de Santa Isabel
(Lisboa), comprovativa da qualidade de eleitor do aqui recorrente.
2. Cumpre decidir; e, desde logo, se deve conhecer-se do recurso.
II. Fundamentos:
3. Preliminarmente, poderia dizer-se que, como o recorrente impugna o despacho do juiz, e não as irregularidades ocorridas no decurso da votação ou do apuramento, não devia o Tribunal conhecer do recurso.
De facto, decorre do artigo 103º, n.º 1, do mencionado Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro, que o recurso contencioso aí previsto, podendo, embora, ser utilizado quando as eleições da junta de freguesia se realizam em plenário de cidadãos eleitores (cf., neste sentido, os acórdãos nºs 25/90 e
6/94, publicados no Diário da República, II série, de 4 de Julho de 1990, e de
13 de Maio de 1994, respectivamente), apenas pode ter por objecto as irregularidades ocorridas no decurso da votação e no apuramento. E, ainda assim, necessário é que - como se frisou no acórdão nº 22/90 (publicado no Diário da República, II série, de 30 de Junho de 1990) - essas irregularidades hajam sido objecto de reclamação ou protesto apresentados no acto em que se verificaram.
Em direitas contas, porém, o recorrente pretende impugnar a eleição, com fundamento numa irregularidade que pode ser havida como irregularidade cometida no decurso da votação. Tal irregularidade traduziu-se no facto de a mesa do plenário dos cidadãos eleitores ter admitido ao sufrágio, concorrendo para presidente da junta de freguesia, um cidadão (João José Lopes Cunha), que não fez prova de se achar inscrito nos cadernos eleitorais (ou seja, que não provou possuir a necessária capacidade eleitoral passiva), o qual acabou por ser eleito.
Por isso, não seria a apontada deficiência da petição de recurso que haveria de obstar ao seu conhecimento.
4. O recurso é, no entanto, extemporâneo, como vai ver-se.
4.1. Dispõe o artigo 19º do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março
(Atribuições e Competências dos Órgãos das Autarquias Locais) que, nas freguesias com 200 eleitores ou menos - que é o que no caso sucede -, a assembleia de freguesia é substituída pelo plenário dos cidadãos eleitores, o qual não pode deliberar validamente sem que estejam presentes, pelo menos, 20% dos cidadãos eleitores residentes na área da freguesia. E o artigo 20º do mesmo diploma legal preceitua que o plenário dos cidadãos eleitores rege-se, com as necessárias adaptações, pelas regras estabelecidas para a assembleia de freguesia e respectiva mesa.
Como já se disse, este Tribunal tem entendido que, às eleições para a junta de freguesia realizadas nos plenários dos cidadãos eleitores, são aplicáveis as disposições sobre contencioso eleitoral constantes do Decreto-Lei n.º 701-B/76, de 29 de Setembro, cabendo-lhe, por isso, a competência para julgar os respectivos recursos (cf., além dos arestos já citados, os acórdãos nºs 25/86, 19/90, 20/90 e 21/90, publicados no Diário da República, II série, de
2 de Maio de 1986, o primeiro, e de 3 de Junho de 1990, os restantes).
O Tribunal, no já citado acórdão n.º 6/94, entendeu também que as
'decisões preparatórias da eleição', 'tomadas antes ainda do acto eleitoral', são impugnáveis, mas nos termos do artigo 102º-B da Lei do Tribunal Constitucional.
4.2. Pois bem: se a irregularidade que serve de fundamento ao recurso (admissão ao sufrágio de um candidato que não fez prova de possuir capacidade eleitoral passiva) dever qualificar-se como irregularidade ocorrida no decurso da votação, o recurso próprio era, como decorre do que se disse, o dos artigos 103º a 105º do Decreto-Lei n.º 701-B/76, de 29 de Setembro.
Este recurso é interposto - dispõe o artigo 104º, n.º 1, do mesmo diploma legal - no prazo de 48 horas, a contar da afixação do edital contendo os resultados eleitorais.
Acontece que, no caso, o edital contendo os resultados eleitorais foi, como se viu, afixado no dia 28 de Dezembro de 1997, o mais tardar às 20,20 horas.
Como o prazo para recorrer é um prazo de horas, conta-se ele hora a hora, com exclusão da hora 'em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr' (cf. artigo 278º do Código Civil); ou seja: nessa contagem, não se inclui a hora em que o edital foi afixado.
Por isso, o prazo para apresentar a petição de recurso no Tribunal Constitucional terminou no dia 30 de Dezembro de 1997, às 21,20 horas. E como, a essa hora, a secretaria do Tribunal se encontrava encerrada, transferiu-se o mesmo para o dia 31 de Dezembro de 1997, pela hora de abertura da dita secretaria.
Ora - recorda-se -, a petição de recurso entrou na secretaria deste Tribunal, no dia 9 de Janeiro de 1998, pelas 13,01 horas - portanto, num momento em que, há muito já, se encontrava esgotado o prazo legal para recorrer.
4.3. Mas, se a irregularidade dever ser qualificada como irregularidade anterior à eleição, distinguindo-se, para o efeito, as diferentes fases que, cronologicamente, se sucedem na reunião do plenário de cidadãos eleitores - a saber: a fase da eleição da mesa do plenário; a fase da apresentação e admissão das candidaturas; a fase da votação propriamente dita; e a fase do apuramento dos resultados eleitorais - chega-se, de igual modo, à conclusão da extemporaneidade do recurso.
Neste caso, com efeito - para além de se poder, desde logo, questionar se o protesto, que apenas foi apresentado 'no
final dos trabalhos', ainda o foi no acto em que se verificou a irregularidade, como exige o n.º 1 do citado artigo 103º -, como o prazo para recorrer é de um dia (cf. artigo 102º-B, nºs 2 e 7, da Lei do Tribunal Constitucional), não se incluindo na sua contagem o dia 28 de Dezembro, por ser aquele em que o edital foi afixado (cf. o citado artigo 279º do Código Civil), o termo do prazo ocorreu no dia 29 de Dezembro de 1997.
4.4. Conclusão: sendo o recurso extemporâneo, o Tribunal não deve dele conhecer.
III. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal decide não conhecer do recurso.
Lisboa, 13 de Janeiro de 1998 Messias Bento Maria Fernanda Palma Maria da Assunção Esteves Vítor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes Bravo Serra Luís Nunes de Almeida Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa